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TEMAS E TEORIAS DA SOCIOLOGIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Fernando Scheeff er CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Hiandra Bárbara Götzinger Prof.ª Izilene Conceição Amaro Ewald Prof.ª Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Giancarlo Moser Revisão Gramatical: Prof.ª Teresa Pfiffer Franco Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 301 S315c Scheeffer, Fernando. Temas e Teorias da Sociologia / Fernando Scheeffer. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial:Grupo UNIASSELVI, 2009.x; 104 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-237-5 1. Sociologia 2. Temas de Sociologia I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Fernando Scheeff er Graduado em Psicologia, especialização em saúde mental coletiva e mestre em gestão de políticas públicas, atualmente é professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e Faculdade Metropolitana de Guaramirim (FAMEG), instituição do Grupo Uniasselvi. Leciona diversas disciplinas na área das ciências humanas, como psicologia social, fi losofi a e sociologia e, recentemente, tem buscado refl etir, sobretudo, cerca de alguns dilemas contemporâneos da ciência política e da sociologia. É autor do livro “Sociologia: um despertar para a mudança” (2005), e têm vários artigos publicados na área, como: ideologias políticas e pós-modernidade: um debate consistente? (2006); histórico das diretrizes das políticas sociais brasileiras (2007); direita e esquerda hoje? (2007) e as diretrizes do programa bolsa família: uma análise crítica (2008). em saúde mental coletiva e mestre em gestão de políticas públicas, atualmente é professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e Faculdade Metropolitana de Guaramirim (FAMEG), e sociologia e, recentemente, tem buscado refl etir, sobretudo, Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Sociologia: Aspectos Introdutórios ..................................9 CAPÍTULO 2 Teorias Sociológicas Clássicas ........................................33 CAPÍTULO 3 Estado, Política e Sociedade na Atualidade ......................55 CAPÍTULO 4 Temas da Sociologia Contemporânea .................................75 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Temos, a partir de agora, um interessante caminho a ser percorrido, buscando conhecer e refletir sobre temas e teorias da Sociologia, ciência esta que volta seu olhar à sociedade com o intuito de melhor compreendê-la. Estranhamente, as primeiras ciências a surgir foram aquelas que se ativeram a coisas bem distantes de nós, astronomia, por exemplo. Por outro lado, as chamadas ciências humanas (Psicologia, Antropologia e a própria Sociologia, entre outras) se fizeram presentes, enquanto corpo teórico organizado e bem articulado, em um período bastante recente. Diante disso, propusemo-nos a refletir sobre uma ciência muito nova, o que nos indica que devemos ter cuidados, muitas vezes nos comprometendo apenas a arriscadas hipóteses. Outra característica marcante da Sociologia reside no fato de a mesma ser repleta de divergências. As controvérsias acabam sendo interessantes, pelo fato de nos desafiarem a analisar, comparar, discernir; algo desafiador que, ao mesmo tempo, em vários momentos, nos faz sentirmo-nos inquietos e com dúvida; algo típico das ciências humanas e diferente das ciências exatas. Contrária ao senso comum, que “arrisca” pareceres, pois todos têm um ponto de vista a respeito dos mais variados fenômenos, e sem preocupação argumentativa e teórica, a Sociologia se constitui, enquanto ciência, a partir do momento em que se distancia da especulação e se aproxima do saber objetivo, num sistema coerente de conceitos, proposições e teorias. Com intenção diferente de outros materiais desta área, facilmente encontrados no nosso cotidiano, o presente caderno não pretende trabalhar com conceitos isolados, que pouco contribuem para a compreensão dos fenômenos, objetos de análise neste campo do saber. Por que existem pessoas que moram em palácios, enquanto muita gente mora embaixo da ponte? Por que uns são tão ricos e outros são tão pobres? Por que uns são bem alimentados e podem estudar até a universidade, enquanto outros devem procurar emprego muito cedo? Por que existem diferenças sociais? É justo que alguns tenham tanto e muitos não tenham quase nada? Os ricos pertencem a famílias que trabalham mais e são mais inteligentes do que as famílias pobres? Se você já se fez perguntas desta natureza e se sente incomodado com elas, encontrará na Sociologia um lugar de reflexão, que propõe uma melhor compreensão destas e de muitas outras questões. O presente material é composto por quatro capítulos, organizados numa sequência lógica, ou seja, as ideias apresentadas em cada capítulo são fundamentais para a compreensão dos seguintes. A partir desta constatação, o primeiro capítulo busca compreender a origem da nossa sociedade e as mudanças na forma de organização da sociedade, até chegarmos ao que temos hoje. Após este exercício, buscamos apresentar o momento histórico que induziu ao nascimento da Sociologia. Tendo isto claro, buscaremos compreendê-la melhor, enquanto ciência. No segundo capítulo, partindo da premissa de que não existe uma única Sociologia e sim “sociologias”, variadas formas de compreender o social, pretende-se analisar as teorias sociológicas clássicas, ou melhor, aproximar-nos dos autores mais significativos e esclarecer em que medida eles contribuem para melhor compreendermos nosso tempo. No capítulo seguinte busca-se refletir sobre as ideologias políticas contemporâneas, os projetos de sociedade (fundamentos teóricos, experiências práticas e dificuldades encontradas na tentativa de implantá-los) e para finalizar este capítulo, discute-se a validade ou não de utilizarmos a ainda tão presente terminologia “direita” e “esquerda”. No último capítulo são apresentados alguns temas sociológicos contemporâneos, com o intuito de nos apropriarmos de algumas discussões atuais na área e, mais do que isso, termos presente a utilidade e importância dos estudos sociológicos para melhor compreendermos a vida em sociedade. Vivemos em um momento em que, não raro, nos deparamos com dilemas e incertezas diante de tantas mudanças, o que, a princípio, já demonstra a utilidade e importância da Sociologia hoje. Os inúmeros impasses e as crises em diversos setores demandam um olhar desta ciência. Nesse sentido, é notório a Sociologia tornar-se um instrumento que nos ajuda a melhor entendermos nossa vida, nosso cotidiano. Sem a presunção de ser um material que traga todas as respostas, a intenção é, sobretudo, suscitar perguntas. Mais do que dar certezas, esperamos que vocês passem a se sentir incomodados com algumas questões e curiosos para desvendá-las. Mãos à obra. O autor. CAPÍTULO 1 Sociologia: Aspectos Introdutórios A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender a origem da nossa sociedadee as características da sociedade moderna que propiciaram o surgimento da Sociologia. Defi nir Sociologia e distingui-la das demais ciências sociais ou humanas. 10 Temas e Teorias da Sociologia 11 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 ConteXtualiZaÇÃo Neste momento inicial, você deve estar se perguntando: O que encontrarei pela frente? O que é e qual a utilidade da Sociologia? Estas e outras questões serão respondidas no decorrer deste caderno e, neste sentido, este primeiro capítulo acaba tendo um papel fundamental. Num primeiro momento, com o intuito de se compreender a origem da sociedade nos moldes do que temos hoje, se faz um resgate histórico dos modos de produção que antecederam o capitalismo. Este exercício se revela de grande valia para compreendermos que o nosso modo de convívio atual não é natural, mas sim fruto de um processo histórico e conduzido pela ação do homem através do tempo. Feito isso, será possível verifi carmos as mudanças que conduziram e justifi caram o nascimento do capitalismo e, como consequência, descobrirmos as razões para o surgimento da Sociologia, ciência que se propõe a estudar a sociedade. A partir daí, buscaremos compreendê-la enquanto ciência, conceituando-a e analisando, sobretudo, seu objeto de estudo. Buscaremos também diferenciá-la de outras ciências humanas, com o intuito de demonstrar aproximações e distanciamentos entre as várias áreas que buscam compreender o ser humano nos seus mais variados aspectos. Imersos nessas questões iniciais, temos caminho aberto para continuar nossa jornada, buscando aprofundar-nos nos temas e teorias da Sociologia. Espero que esta primeira aproximação desperte interesses e curiosidades. E não se esqueça de que esta primeira etapa é de suma importância para que possamos dar continuidade aos nossos trabalhos. Anote suas dúvidas e os aspectos que você considera importantes, para aprofundá-los ou debatê-los com o grupo e/ou com o tutor. Vamos lá. Origem da Nossa Sociedade Se pretendemos, neste capítulo, saber como nasceu a Sociologia é imprescindível, antes disso, procurarmos conhecer a origem do capitalismo. Compreendido como forma de organização da sociedade atual, salvo raras exceções, foi o responsável pelas condições sociais que justifi caram o nascimento de uma ciência da sociedade. Conhecendo melhor sua origem e características, sem de dúvida teremos melhores condições de analisar e buscar compreender o nosso modo atual de convívio em sociedade. Para dar início a esta nossa caminhada, é essencial esclarecermos uma pergunta importante, que move este estudo: Afi nal, o que é o capitalismo? Muitas são as pessoas que utilizam o termo, embora poucas tenham propriedade para explicar exatamente o seu signifi cado. A partir dessa nossa refl exão inicial, que tem a intenção de expor os diferentes momentos que antecederam a lógica predominante, hoje você será uma dessas pessoas. 12 Temas e Teorias da Sociologia Um termo essencial nesta primeira análise é “modo de produção”, compreendido como tal, enquanto organização socioeconômica, associada a uma determinada etapa de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. Reúne as características do trabalho preconizado ou, como afi rma Guareschi (2000), a maneira como as pessoas puderam ou tiveram de se organizar para sobreviver ao longo do tempo. Muitos poderão se perguntar: Isso é materialismo histórico ou uma análise marxista? Diante desta questão ele responde: “... bem, se por materialismo a pessoa entender que para viver a gente precisa comer, então realmente isso é materialismo” (GUARESCHI, 2000, p. 29). É inegável que, implícito à esta abordagem, está o pressuposto histórico, insinuação de que, para se compreender uma sociedade em sua essência e profundidade, é preciso ter acesso a como ela foi gerada. Isso nos leva a ter presente que as sociedades podem mudar, e, se são assim neste momento, houve um tempo em que não eram e haverá um tempo em que serão diferentes. De forma geral, é comum encontrarmos, antecedendo o modo de produção capitalista, o primitivo, o asiático, o antigo (ou escravista) e o feudal. Nós nos ateremos principalmente ao primitivo, também denominado “comunidade primitiva” ou “comunismo primitivo”, por ser a primeira forma de organização da sociedade; e ao modo de produção feudal, visto que é o que antecede o modo de produção que temos hoje, o capitalista. a) A Comunidade Primitiva Ao nos referirmos, neste momento, ao homem primitivo, imaginem aquele coberto de pele de animais e com um tacape nas mãos. É claramente notável que o convívio e o modo de organização da sociedade, naquele momento histórico, eram muito diferentes do que temos hoje. Vivia-se da caça, da pesca, e da coleta de frutos silvestres e raízes. Em grupos, os seres humanos se deslocavam de uma região para outra, assim que a natureza deixasse de oferecer o sufi ciente para a sobrevivência de todos. Eram nômades. Vale lembrar que, ainda hoje, em vários lugares do mundo, existem grupos que podem ser considerados nômades. São exemplos: os ciganos, os beduínos dos desertos do Oriente Médio e África, uma parcela da população tibetana, entre outros. Morissawa (2001) e Schmidt (2002) fazem um interessante levantamento das características desse período primitivo. Durante dezenas de milhares de anos os homens viviam em comunidades. Não havia propriedade privada, ou seja, as terras e as riquezas não pertenciam apenas a uns poucos indivíduos. A propriedade era coletiva, tudo o que era produzido pela comunidade pertencia aos 13 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 habitantes da mesma. Ninguém queria ou pensava em ter mais do que o outro. Praticamente não havia o “meu” nem o “seu”, mas sim o “nosso”. Alguns historiadores chamam esse tipo de sociedade de comunidade primitiva, ou mesmo, comunismo primitivo. A palavra “comunidade” lembra que havia cooperação e igualdade entre todos os indivíduos. A palavra “primitiva” não quer dizer “atrasada” ou “pouco aperfeiçoada”. Nesse caso, primitiva quer dizer apenas que era a forma de organização da sociedade dos primeiros seres humanos. Com o passar do tempo as comunidades foram crescendo. Nesse momento, foram obrigados a começar a dividir tarefas: uns plantavam, outros cuidavam dos rebanhos e outros ainda, fabricavam os utensílios e instrumentos de trabalho necessários. Nesse momento tem-se o surgimento da dita divisão do trabalho. No entanto, tudo o que era produzido devia satisfazer as necessidades da própria comunidade, não havia excedentes. Estava presente o que costumamos chamar hoje de economia de subsistência. Fora a divisão do trabalho, fi ca claro que, até então, não havia nada em comum com o que temos hoje. A divisão do trabalho pode ser considerada um processo extremamente importante, visto que possibilitou o aprimoramento de muitas técnicas e, em consequência, proporcionou um aumento signifi cativo da produção, inclusive mais do que a comunidade precisava. Começaram logo a surgir excedentes, sobras, que levaram ao aparecimento do comércio; no início, era apenas a troca entre comunidades. Em pouco tempo, inevitavelmente, surgiu o dinheiro. Nem sempre as trocas comerciais eram possíveis, nem sempre o que uma comunidade produzia interessava à outra. O dinheiro foi inventado exatamente para facilitar o comércio. Com ele, era possível comprar qualquer mercadoria. É claro que, naquele tempo, não se tinha as notas de papel e as moedas que temos hoje. O dinheiro era algo raro, que todos desejavam ter, como alguns metais preciosos: ouro, prata e outros. As comunidades foram crescendo e mais alimentos eram necessários para garantir a sobrevivência de todos, entre outras coisas. Como o sucesso de uma plantação,por exemplo, depende muito da água, as comunidades foram se concentrando às margens de volumosos rios. Surgiram assim as primeiras grandes civilizações. A realização de grandes obras deu origem a uma divisão mais ampla do trabalho. Havia aqueles que eram responsáveis pelo trabalho manual (carregando fardos, quebrando pedras, por ex.), enquanto Durante dezenas de milhares de anos os homens viviam em comunidades. 14 Temas e Teorias da Sociologia outros elaboravam os projetos e planejavam o trabalho (trabalho intelectual). Surgiu, então, uma primeira signifi cante desigualdade social, verifi cada a partir da apropriação do conhecimento. Uma minoria decidia e mandava, enquanto uma grande maioria obedecia e colocava as mãos à obra. Também não é preciso dizer que essa minoria tinha enormes privilégios. Tivemos, naquele momento, o surgimento do modo de produção asiático, a forma mais primitiva de sociedade de classe. Você consegue perceber alguma semelhança com os dias de hoje? Com o passar do tempo, uma das maiores mudanças percebidas é o enorme crescimento da população. O tempo da pequena aldeia, em que todos se conheciam, acabou passando. A vida comunitária começou a se dissolver. As pessoas começaram a se dividir em subgrupos, cada família e cada aldeia já não era mais tão conhecida e não se tinha mais a cumplicidade e a cooperação até então presentes. A partir de então, cada grupo acabou tendo um funcionamento bastante próprio e preocupava-se basicamente com as suas questões. Por exemplo, se uma enchente destruísse a plantação de uma família, a família vizinha já não ajudava mais, cedendo comida. Enquanto umas famílias começavam a passar difi culdades, outras prosperavam. As famílias e as aldeias começaram a se diferenciar pela riqueza. As primeiras diferenças eram fruto do acaso, dos incontroláveis fenômenos naturais (enchente, praga de gafanhotos, etc.). As diferenças entre ricos e pobres surgiram, então, por fatores impossíveis de serem controlados. Aos poucos, as famílias que prosperavam não queriam compartilhar suas riquezas com as outras. Famílias erguiam cercas para garantir que outras não viessem compartilhar seus bens. Estava nascendo, naquele momento, a propriedade privada. As terras, as casas e os rebanhos de animais domesticados passaram a pertencer apenas a uma única comunidade ou, então, a uma única família. Foram vários os refl exos associados. A propriedade privada aumentou o egoísmo e o isolamento entre as pessoas, submetidas, então, a um intenso processo de individualização. Estava pronta uma das grandes bases do capitalismo (a existência de propriedade privada). Aquele momento fundamental da história é por muitos considerado essencial para todas as adversidades que presenciamos hoje. Já em Santo Ambrósio constata-se uma leitura crítica em relação a este tema. Para ele, a natureza colocou tudo em comum, para uso de todos: Ela criou o direito comum, a usurpação criou o direito privado. Thomas Morus, autor da célebre obra “A Utopia”, descreve, nesta obra, o funcionamento de uma ilha, um Modo de produção asiático, a forma mais primitiva de sociedade de classe. Famílias erguiam cercas para garantir que outras não viessem compartilhar seus bens. Estava nascendo, naquele momento, a propriedade privada. 15 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 Estado imaginário, onde não existe propriedade privada, nem dinheiro, e onde as pessoas vivem extremamente felizes. Segundo ele, em todo lugar em que vigora a propriedade privada, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas, parece ser bem difícil concretizar um regime político baseado na justiça e na prosperidade. Rousseau, um dos precursores da Revolução Francesa, também denunciou as consequências da apropriação privada da terra. Em seu famoso livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, afi rma que o primeiro homem que, depois de cercar um pedaço de terra, atreveu-se a dizer: ‘isto é meu’, e encontrou gente inocente o sufi ciente para acreditar nele, é o grande responsável por todos os crimes, guerras, assassinatos, miséria e os horrores que a raça humana presencia hoje. O que se vê presente nesses vários discursos é a crítica à propriedade privada. E você, acha que essas críticas têm fundamento? Caso queira ter acesso às obras completas de Thomas Morus e Rousseau, siga as referências dos livros citados. Eles podem ser facilmente encontrados. MORUS, Thomas. A utopia. Porto Alegre: L&PM, 1997. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Compreendida essa nova característica da sociedade, temos o surgimento do primeiro elemento fundamental do capitalismo e podemos avançar em direção ao surgimento da lógica que temos hoje e, mais especifi camente, para o contexto propiciador do surgimento da Sociologia. Com o surgimento da propriedade privada e mais do que isso, com o aumento das famílias nobres, eram necessárias mais terras e mais gente para cultivar as mesmas. Esses problemas, por algum tempo, foram resolvidos pelas chamadas “guerras de conquista”, onde se guerreava com povos vizinhos e as terras conquistadas eram repartidas entre os nobres e o povo derrotado escravizado. Emerge, nesse período, o chamado modo de produção antigo (ou escravista). Os meios de produção (terras e instrumentos de produção) e os escravos eram propriedade da nobreza. Após a prevalência da sociedade escravista, temos o surgimento da sociedade feudal. Estamos cada vez mais próximos do momento atual. Nesse sentido, por essa lógica processual, podemos afi rmar que a sociedade feudal antecedeu a sociedade capitalista, e aí reside a importância de melhor compreendermos as características, desta forma bastante específi ca, de a Emerge, nesse período, o chamado modo de produção antigo (ou escravista). Os meios de produção (terras e instrumentos de produção) e os escravos eram propriedade da nobreza. 16 Temas e Teorias da Sociologia sociedade se organizar, em determinado momento histórico. b) O Feudalismo Antes de caracterizar o Feudalismo, é importante saber em que época ele se desenvolveu e, inclusive, onde. Segundo Meksenas (2001), podemos dividir o Feudalismo em dois períodos: do século V ao século X d.C. (entre os anos 401 a 1000 aproximadamente), e do século XI ao século XVI d.C. (entre 1001 e 1600). O primeiro período refere-se ao apogeu da sociedade feudal, e o segundo à sua decadência. A Europa é considerada o berço da sociedade feudal, onde, geografi camente, tudo começou. A Europa passou a viver, então, uma nova fase histórica, a Idade Média. A Europa da Idade Média tinha um modo de organizar o trabalho e a produção econômica bem diferente do que existia na antiguidade. A maneira de como a economia funcionava, nesse período, recebeu o nome de Feudalismo. A base da economia feudal era agrária. Quase todo mundo morava no campo, vivendo da agricultura e da criação de animais e a produção dos bens de consumo se dava através do trabalho artesanal. A riqueza mais importante naquele momento era a terra. Surgiram, então, grandes latifúndios, grandes propriedades rurais, chamadas feudos. Cada um desses feudos, que variavam em extensão, possuía um único proprietário: o senhor feudal que, para utilizá-lo de modo produtivo “alugava” suas terras aos camponeses, chamados servos. Além dos senhores feudais (proprietários das terras) e dos servos (arrendatários das terras), existia ainda uma outra classe social: o clero, composta por membros da igreja, instituição mais infl uente da época. Clero e senhores feudais constituiam a chamada nobreza. Estudando esse período, encontra-se a presença de camadas sociais (castas)bem defi nidas. O servo não recebia nenhum salário. Era autorizado a utilizar um pedacinho de terra do feudo; no entanto, fi cava obrigado a pagar tributos para o nobre. Os tributos se davam de várias formas. O servo podia pagar um imposto em produtos, podendo ceder metade de tudo o que plantasse, por exemplo. Podia pagar, cedendo sua mão de obra (trabalhava de graça durante alguns dias nas plantações do senhor feudal). Mais tarde, por volta dos séculos XIV e XV, as obrigações feudais passaram a ser pagas em dinheiro (SCHMIDT, 2002). Fica evidente, diante do que foi apresentado até agora, de que não existe uma forma social homogênea. A servidão prevalece. Schmidt (2002) afi rma que o servo não era um escravo, não pertencia ao nobre, não podia ser comprado nem vendido, mas também não era livre. Não podia escolher o tipo de trabalho que faria, muitas vezes, e só podia sair dos limites do feudo com autorização A Europa da Idade Média tinha um modo de organizar o trabalho e a produção econômica bem diferente do que existia na antiguidade. A maneira de como a economia funcionava, nesse período, recebeu o nome de Feudalismo. 17 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 do nobre. Sem escolha: desde o nascimento, estava destinado a trabalhar para pagar tributos feudais. Os servos levavam uma vida muito difícil. Trabalhavam todos os dias, muitas horas ao dia, e sem descanso. Quando crianças, jamais iam à escola e muitos morriam cedo, de doença ou de fome. Os nobres, por sua vez, tinham uma vida confortável, não precisavam trabalhar para viver. Uma questão surge: Com tantas difi culdades e injustiças, por que os servos não se revoltavam? Uma possível explicação é que os senhores feudais tinham seus próprios exércitos particulares, isto, sem contar a questão religiosa. A maioria dos servos acreditavam que estariam cometendo um grave pecado se tentassem destruir a ordem feudal da sociedade. Para eles, Deus havia determinado que existiria uma divisão entre os homens e as pessoas deviam se conformar com isso. Meksenas (2001) expõe ainda outras características gerais presentes naquele momento. A produção agrícola era defi ciente. Baseava-se em técnicas bastante rudimentares, o que explica, inclusive, poucos excedentes; isto é, havia pouco alimento para ser comercializado. O comércio era quase inexistente. Todos os bens necessários para a sobrevivência eram produzidos no interior de cada feudo. A maioria das explicações se dava pela religião, infl uindo signifi cativamente no progresso da ciência, o qual se dava de forma lenta naquela época. Na medida em que a fé cristã explicava tudo o que se passava na sociedade, não havia necessidade de um método científi co de observação, baseado na comparação, análise e classifi cação dos fenômenos. A população e a produção de alimentos, com o passar do tempo, acabou crescendo a tal ponto, que os feudos começaram a produzir mais do que necessitavam. O que fazer com essa produção excedente? Surgiu, então, algo novo, o comércio. São vários os refl exos associados a este fato, e é o que pretendemos compreender, a partir de agora. Antes, dê uma olhada na página seguinte. Estamos prestes a chegar ao capitalismo propriamente dito. Nela você encontrará uma síntese do que vimos até agora e um pouco do que veremos a seguir. Temos um esquema com uma linha do tempo e os respectivos modos de produção (comunismo primitivo, asiático, antigo, feudal e capitalista). Busque perceber as características bastante peculiares de cada período. 18 Temas e Teorias da Sociologia P R É -H IS TÓ R IA (9 00 0 a. C .) ID A D E M É D IA (S éc . V d .C .) ID A D E M O D E R N A E C O N TE M P O R Â N E A (S éc . X V. ..) M O D O D E P R O D U Ç Ã O Co m un is m o pr im iti vo M O D O D E P R O D U Ç Ã O As iá tic o (o u or ie nt al ) M O D O D E P R O D U Ç Ã O An tig o (o u es cr av is ta ) M O D O D E P R O D U Ç Ã O Fe ud al M O D O D E P R O D U Ç Ã O Ca pi ta lis ta Fo rç as p ro du tiv as : i ns tru m en to s de s íle x ch eg an do a d es en vo lv er a m et al ur gi a po r v ol ta d e 50 00 a .C . Fo rç as p ro du tiv as : e xt en so s si st em as d e ca na is d e irr ig aç ão . Fo rç as p ro du tiv as : a fo rç a m us cu la r d o es cr av o er a a pr in ci pa l f or ça p ro du tiv a. Fo rç as p ro du tiv as : m oi nh o d’ ág ua ... Fo rç as p ro du tiv as : i nt en so di na m is m o te cn ol óg ic o: 1ª R ev . I nd us tri al : m áq ui na à v ap or ; 2ª R ev . I nd us tri al : e le tri ci da de , q uí m ic a. 3ª R ev . I nd us tri al : r ob ót ic a, in fo rm át ic a. Re la çõ es s oc ia is : c om un ai s (s oc ie da de s se m c la ss es ); in ex is te a pr op rie da de p riv ad a da te rra . Re la çõ es s oc ia is : p ro pr ie da de c om un al da te rra c om bi na da c om a e xp lo ra çã o da s co m un id ad es p el o Es ta do te oc rá tic o (fa ra ós ) o bj et iv an do a c on st ru çã o de gr an de s ob ra s pú bl ic as . F or m a m ai s pr im iti va d e so ci ed ad e de c la ss e. Re la çõ es s oc ia is : e sc ra vi dã o. O s pr is io ne iro s de gu er ra s er am e sc ra vo s do s ci da dã os (p ro pr ie tá rio s de te rra s, d e es cr av os e n as ci do s na c id ad e) . O bs : m ul he re s e es tra ng ei ro s nã o er am c id ad ão s. Re la çõ es s oc ia is : s er vi dã o. C am po ne se s, c om s eu s pr óp rio s in st ru m en to s de tr ab al ho (d ife re nç a do s es cr av os ) t ra ba lh av am pa ra n ob re s e cl er o. Re la çõ es s oc ia is : a ss al ar ia m en to . Bu rg ue si a de té m o s m ei os d e pr od uç ão (fá br ic as , m in as ) c om pr an do a fo rç a de tra ba lh o do s pr ol et ár io s pa ra a ci on á- lo s. Ca ra ct er ís tic as d a ev ol uç ão : - T ra ns iç ão d o no m ad ism o pa ra o ho m em s ed en tá rio , c om gr up os q ue p as sa m a d om es tic ar an im ai s e a cu ltiv ar p la nt as , la nç an do o s fu nd am en to s da re vo lu çã o ag ríc ol a. Ca ra ct er ís tic as da gê ne se : - U ni da de a ut o- su fi c ie nt e da m an uf at ur a e ag ric ul tu ra n a al de ia c om un al q ue as si m c on té m to da s as c on di çõ es d e su a re pr od uç ão e m es m o pa ra a p ro du çã o de e xc ed en te d en tro d el a pr óp ria . - A ss im , o nd e es ta s pe qu en as u ni da de s co m un itá ria s ex is te m c om o pa rte d e un id ad es m ai or es , p od em d ed ic ar um a pa rc el a do e xc ed en te p ar a pa ga r os c us to s da c om un id ad e m ai or (g ue rra , s er vi ço s re lig io so s) e re al iz ar op er aç õe s ec on ôm ic as n ec es sá ria s (ir rig aç ão ) q ue a pa re ce rã o co m o ob ra s do E st ad o te oc rá tic o so br ep os to às p eq ue na s co m un id ad es . Ca ra ct er ís tic as d a gê ne se : c as o de R om a an tig a - C om eç ou c om o um a co m un id ad e de c am po ne se s. - O c id ad ão ro m an o er a es se nc ia lm en te u m pr op rie tá rio d e te rra s, m an te nd o- se a c om un a co m a re pr od uç ão d os s eu s m em br os c om o ca m po ne se s au to -s ufi c ie nt es , c uj o ex ce de nt e pe rte nc ia à m es m a co m un id ad e pa ra fi ns c om un ai s. - A g ue rra e ra a o cu pa çã o pr in ci pa l p or qu e su a ún ic a am ea ça é a e xi st ên ci a de o ut ra s co m un id ad es q ue c ob iç am s ua s te rra s, b em c om o, o ún ic o m ei o de g ar an tir te rra p ar a to do s fre nt e o au m en to d a po pu la çã o é oc up á- la à fo rç a. - E st a ca ra ct er ís tic a gu er re ira e e xp an si on is ta le va à e sc ra vi dã o, fa ze nd o de sa pa re ce r as c ar ac te rís tic as c am po ne sa s. Ca ra ct er ís tic as d a gê ne se : - P re do m ín io d a pe qu en a pr od uç ão ag ríc ol a no c am po e n as c id ad es c om os m ei os d e pr od uç ão c on tro la do s pe lo s pr óp rio s pr op rie tá rio s. - O s ca m po ne se s liv re s fo ra m em po br ec id os p el as g ue rra s co ns ta nt es e ti ve ra m q ue c ol oc ar -s e so b a pr ot eç ão d os n ob re s e do c le ro . - N o fu nd o, tr at a- se d a in ca pa ci da de da o rg an iz aç ão s oc ia l b as ea do no p ar en te sc o pa ra c on tro la r o u ad m in is tra r a s gr an de s es tru tu ra s po lít ic as c ria da s po r s ua s co nq ui st as (ta is c on qu is ta s im pl ic am , p or ta nt o, a or ig em d as c la ss es e d o Es ta do ). Ca ra ct er ís tic as d a gê ne se : t rê s fe nô m en os co nj un to s ex pl ic am a g ên es e do c ap ita lis m o: 1. A cu m ul aç ão d a riq ue za m on et ár ia de riv ad a do c om ér ci o e da u su ra . 2. E xp ul sã o do s ca m po ne se s de s ua s te rra s (ro ub os d e te rra s) q ue a ss im te m d e tra ba lh ar n as m an uf at ur as ur ba na s qu e es tã o su rg in do . 3. M an uf at ur as q ue s up re m o s m er ca do s es tra ng ei ro s ap ar ec em n os c en tro s do c om ér ci o à lo ng a di st ân ci a (fi aç õe s e te ce la ge ns ) e n os ra m os ur ba no s di re ta m en te li ga do s à na ve ga çã o (c on st ru çã o de n av io s) . Lo ca liz aç ão g eo gr áfi c a: - O rie nt e pr óx im o (a tu al A rá bi a Sa ud ita , I rã ): cu ltiv a- se a c ev ad a, o m ilh o, a le nt ilh a, a e rv ilh a. - C hi na : c ul tiv a- se o a rro z, a s oj a. - A m ér ic a C en tra l e P er u: cu lti va -s e a ab ób or a, a b at at a. Lo ca liz aç ão g eo gr áfi c a: - E gi to a nt ig o. - S oc ie da de s pr é- co lo m bi an as d o M éx ic o e Pe ru (s ob re vi ve m a té a Id ad e M od er na ). Lo ca liz aç ão g eo gr áfi c a: - E ur op a. Lo ca liz aç ão g eo gr áfi c a: - E ur op a, J ap ão . Lo ca liz aç ão g eo gr áfi c a: - D in âm ic a co m er ci al (P or tu ga l, Es pa nh a, It ál ia , H ol an da ). - V er . I nd us tri al : I ng la te rra . O rg an iz aç ão e sp ac ia l: Vi la re jo s ou s íti os pr ed om in an te m en te a gr íc ol as (n ão e ra m c id ad es ): ex em pl o do s pr im ei ro s vi la re jo s: pl an íc ie c en tra l d a Tu rq ui a. O rg an iz aç ão e sp ac ia l: A na tu re za fe ch ad a da s un id ad es c om un ai s im pl ic a em c id ad es q ue m al p er te nc em à ec on om ia , s ur gi nd o ap en as o nd e a lo ca liz aç ão é fa vo rá ve l a o co m ér ci o ex te rio r. O rg an iz aç ão e sp ac ia l: Fo rm aç ão d e ci da de s ba se ad as n a ag ric ul tu ra e na p ro pr ie da de (r ur al iz aç ão d a ci da de ). O rg an iz aç ão e sp ac ia l: Ár ea ru ra l n o ce nt ro c om p os te rio r op os iç ão e nt re c am po e c id ad e. O rg an iz aç ão e sp ac ia l: U rb aniz aç ão d a ár ea ru ra l. ID A D E A N TI G A (3 00 0 a. C .) M AR X, K ; & H O BS BA W N , E . F or m aç õe s ec on ôm ic as p ré - ca pi ta lis ta s. 4 .e d. S ão P au lo : P az e T er ra , 1 98 5. 19 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 c) A Decadência da Sociedade Feudal e o Mercantilismo Para Meksenas (2001), é a partir do século XI que começam a surgir alterações sociais, políticas e econômicas tão signifi cativas, que justifi cam a defesa do término do feudalismo. Tais mudanças prolongam- se até o século XVI, quando nasce a propriamente dita “sociedade capitalista”. A partir da crescente modernização das técnicas agrícolas e a existência de um excedente de alimentos, estes passam a ser comercializados. Essa nova “vida comercial” faz com que as cidades passem a crescer e a se desenvolver e muitos servos passam a deixar o campo, em busca de novas oportunidades nas cidades. Temos então o auge do Mercantilismo (séculos XV ao XVIII), isto é, um novo modo de viver, que nasce a partir do Feudalismo, mas é completamente diferente deste: o início da vida urbana, início das grandes invenções (imprensa, bússola, novos medicamentos, etc.). O comércio torna-se o centro de tudo (MEKSENAS, 2001). Será dentro desse novo modo de vida que surgirá uma nova classe social, composta por comerciantes muito ricos, os chamados burgueses. Com a pretensão de acumular riquezas e desenvolver ainda mais suas atividades comerciais, começaram a surgir as manufaturas. Por manufatura entende-se um primeiro modelo de indústria, tal qual a conhecemos hoje. Instalada em um imenso salão, havia as máquinas manuais, dispostas em fi las, conduzidas pelos antigos servos que, aos poucos, foram se transformando em operários. Fato importante de se destacar é o confronto que se estabeleceu entre a nascente classe burguesa e a antiga nobreza feudal. Os senhores feudais opunham-se aos burgueses, visto que esta nova lógica fazia com que os servos deixassem o campo, buscando a vida nas cidades. Diante disto, os senhores feudais fi cavam sem mão de obra em suas terras. Lentamente foi se percebendo que a burguesia saiu vitoriosa e os poucos resquícios da nobreza feudal acabaram aderindo a essa nova formação social. Temos agora todos os elementos para o surgimento do capitalismo e da Sociologia. Temos então o auge do Mercantilismo (séculos XV ao XVIII), isto é, um novo modo de viver, que nasce a partir do Feudalismo, mas é completamente diferente deste: o início da vida urbana, início das grandes invenções (imprensa, bússola, novos medicamentos, etc.). 20 Temas e Teorias da Sociologia Atividade de Estudos: Diante do que foi apresentado até agora, descreva pelo menos três características presentes em cada um desses momentos, compreendidos como fundamentais para o que temos hoje. Comunidade primitiva Feudalismo Mercantilismo __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ __________________ O Nascimento do Capitalismo e o Surgimento da Sociologia Expostas as formas de organização da sociedade que antecederam o que temos hoje, é possível compreender com maior facilidade o momento em que passamos a ingressar no modo de produção capitalista. É o que buscaremos a seguir. a) O Capitalismo e os Novos Problemas Sociais Como afi rma Meksenas (2001), entre os séculos XIII e XIX tivemos a Revolução Industrial, momento em que a indústria têxtil inovou com o tear a vapor. Para Sell (2006), o mundo presencia uma das mais intensas, rápidas e profundas transformações sociais que a história já vivenciou. A mecanização das máquinas alterou A mecanização das máquinas alterou signifi cativamente as formas de interação humana, aumentando a produtividade e consolidando uma nova classe social: os trabalhadores. 21 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 signifi cativamente as formas de interação humana, aumentando a produtividade e consolidando uma nova classe social: os trabalhadores. Estes não terão outro recurso para sobreviver, senão a venda de sua capacidade de trabalho à burguesia, em troca de um salário. São inúmeras as mudanças ocorridas a partir de então, segundo (MEKSENAS, 2001, p. 47): Esta aparente sociedade democrática torna-se, ao contrário do Feudalismo, uma organização social extremamente dinâmica e movimentada; a própria noção de tempo é alterada: “tempo é dinheiro”. A visão do mundo torna-se individualizada e competitiva: “cada um por si e Deus por todos”. Nasce a idéia moderna de progresso; aparecem novos inventos: a locomotiva, a energia elétrica, o telégrafo, o microscópio, etc. A Revolução Industrial tem papel fundamental na Sociologia, visto que ela é considerada o marco para o que conhecemos hoje por capitalismo. Para Catani (2003), das teorias que procuram explicar o que é o capitalismo destacam-se duas, representadas por Max Weber (1864-1920) e por Karl Marx (1818-1883). A primeira é chamada culturalista e a segunda, histórica, em razão dos diferentes pontos de vista dos quais elas partem para explicar os mesmos conceitos. A primeira corrente busca explicar o capitalismo através de fatores externos à economia. Para M. Weber, o capitalismo se constitui, sobretudo, num modo bastante particular de pensar as relações sociais, uma “mentalidade”, um “espírito” capitalista. Segundo ele, existe capitalismo onde quer que a provisão industrial das necessidades de uma comunidade seja executada pelo método da empresa, pelo estabelecimento capitalista racional e pela contabilidade do capital (CATANI, 2003). A segunda corrente parte de uma perspectiva histórica. Marx defi ne o capitalismo como sendo um determinado modo de produção de mercadorias, gerado historicamente, desde o início da Idade Moderna, e que encontra sua plenitude no intenso processo de desenvolvimento industrial inglês, chamado Revolução Industrial. Vale ressaltar que, por essa concepção, o capitalismo signifi ca não apenas um sistema de produção de mercadorias, como também um determinado sistema, em que a força de trabalho passa a ser também uma mercadoria. Para que exista capitalismo, faz-se necessária a concentração da propriedade privada dos meios de produção em mãos de uma classe social, e a presença de uma outra classe para a qual a força de trabalho acaba sendo a única fonte de subsistência. Marx ressalta que esses requisitos se estabelecem através de um processo histórico e a partir das antigas relações econômicas presentes no Feudalismo. Marx defi ne o capitalismo como sendo um determinado modo de produção de mercadorias, gerado historicamente, desde o início da Idade Moderna, e que encontra sua plenitude no intenso processo de desenvolvimento industrial inglês, chamado Revolução Industrial.22 Temas e Teorias da Sociologia Foram vários os entraves decorrentes do capitalismo em seu início. Para Martins (1994), a desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos, e a imposição de prolongadas horas de trabalho, salários extremamente baixos, entre inúmeras outras alterações, trouxeram efeitos adversos à maioria da população. Enquanto os empresários construíam verdadeiros impérios, os trabalhadores passavam por muitas difi culdades. As consequências da rápida industrialização e urbanização, levadas a cabo pelo sistema capitalista, foram tão visíveis, quanto trágicas: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, da criminalidade, da violência, etc. Os salários dos trabalhadores eram tão baixos que eles eram obrigados a colocar os fi lhos ainda menores para trabalhar também. As jornadas de trabalho variavam entre 14, 16 e até 18 horas diárias. Suas casas eram cortiços. Milhões de pessoas se encontravam doentes pelo excesso de trabalho e a maioria dos trabalhadores não chegava aos 50 anos de idade. Era fato comum as pessoas morrerem de fome. Eram conhecidos como cortiços as habitações coletivas da maioria dos trabalhadores da época, muito semelhantes às favelas encontradas hoje em dia. Segue abaixo um trecho de um jornal operário chamado “Fanfulla” de 11 de outubro de 1904 trazido por Pinheiro e Hall (1981). Este texto retrata as condições de moradia do trabalhador brasileiro no início deste século. UM CORTIÇO (1904) Casario de um andar, composto de duas fi las de aposentos baixos, sujos, úmidos, minúsculos, pouco arejados, limitando uma série de pequenos pátios. Eis como geralmente se apresenta um cortiço. Em cada cubículo, verdadeira colméia humana, com freqüência comprime-se toda uma família de trabalhadores, às vezes composta de oito ou nove pessoas. No patiozinho comum a todos os moradores do cortiço é que se tem verdadeiro conhecimento do horror da situação miserável dessa gente. Quando não é um pântano, é um montão de imundícies, 23 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 todos os despejos do dia aí são recolhidos e, em meio a toda essa sujeira, da qual emana odor nauseabundo, as crianças raquíticas pelo ambiente malsão passam as horas brincando, enquanto as mulheres se espiolham ou lavam trapos, e as comadres avivam as brigas costumeiras. Como é triste pensar que muitas famílias de trabalhadores vivem em tais tugúrios onde, entre a falta de ar puro, a tísica e a tuberculose, alcançam um fácil triunfo que facilmente se explica à vista de tais condições de vida. Diante deste quadro desolador, o fato é que os índices de mortalidade infantil alcançam, em São Paulo, uma porcentagem muito elevada. Não é para satisfazer um supérfl uo sentido de estética que escrevemos, mas sim por um profundo sentimento de humanidade, pelo respeito que desejamos em relação à vida e pelo melhoramento do bem-estar da classe trabalhadora. Com base no texto anterior, pode-se concluir que não só a Europa vivia os problemas trazidos pelo capitalismo, mas também o Brasil. Ao iniciar o século XX, já encontramos o nosso país organizado nos padrões capitalistas. Nos dias de hoje as condições de vida dos trabalhadores melhoraram? Em suma, em decorrência desse novo modo de produção, o capitalista, surgem inúmeros problemas sociais. Qual a importância desses acontecimentos para a Sociologia? A profundidade das transformações em curso e os inúmeros problemas sociais colocam a sociedade em um plano de análise, visto que ela passa a constituir um “problema”, um “objeto” a ser investigado. Atividade de Estudos: A partir das informações trazidas no tópico “O capitalismo e os novos problemas sociais”, responda: 1) Quando nasceu o capitalismo? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 24 Temas e Teorias da Sociologia ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Afi nal, como pode ser defi nido o capitalismo? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) Quais os problemas sociais presenciados no início do capitalismo? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) O Nascimento da Sociologia Segundo Martins (1994), o surgimento da Sociologia ocorre em um contexto histórico bastante específi co, momento este onde se tem a desagregação da sociedade feudal e a consolidação da lógica capitalista. A sua criação representa o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações que estavam em curso. As transformações econômicas, políticas e culturais que se aceleraram, a partir dessa época, colocavam situações novas a serem analisadas e problemas inéditos a serem superados. Por conseguinte, o surgimento da Sociologia prendeu-se aos abalos provocados pela revolução industrial, pela efetivação do modo de produção capitalista e, mais do que isto, pelas novas condições de existência por ele criadas. Nisbet, citado por Sell (2006), em seu estudo das origens do pensamento sociológico, afi rma que a Sociologia é uma “ciência da crise”. Surgiu com o intuito de contribuir para o estabelecimento de uma nova harmonia social. O surgimento da Sociologia prendeu- se aos abalos provocados pela revolução industrial, pela efetivação do modo de produção capitalista e, mais do que isto, pelas novas condições de existência por ele criadas. 25 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 Com o surgimento do método científi co, os intelectuais do século XIX tinham à disposição uma nova concepção para interpretar a sociedade e enfrentar os dilemas que o mundo moderno impunha. A Sociologia, enquanto ciência da sociedade, passou a ter pela frente três questões centrais para responder: 1) Quais as causas das transformações sociais em curso?; 2) Quais as características da sociedade moderna?; 3) O que fazer diante dos problemas sociais? (SELL, 2006). Segundo afi rma Sell (2006), como qualquer ciência, ela não é fruto do mero acaso. Seu surgimento foi uma tentativa de responder às necessidades dos homens naquele momento histórico controverso, quando mais preocupante que as grandes mudanças econômicas eram seus efeitos deletérios, como a pobreza e uma série de outros fenômenos sociais novos e preocupantes. É importante salientar que, embora houvesse consenso de que se tinha inúmeros problemas com o advento do Capitalismo , as soluções apresentadas para os mesmos eram bastante diferentes. Por isso, pode-se dizer que, naquele momento, havia várias leituras do que estava acontecendo e, como consequência, as soluções apresentadas pelos vários pensadores eram distintas. Isto justifi ca, inclusive, o próximo capítulo. Existem várias teorias sociológicas,leituras diferenciadas a respeito do mesmo objeto de estudo; no caso da Sociologia, da sociedade em que vivemos. Como diz Sell (2006), além da Revolução Industrial, trazendo mudanças de ordem econômica, e considerada o marco para o surgimento do modo de produção capitalista, outros acontecimentos podem ser destacados como fundamentais e marcantes para o surgimento da Sociologia: a revolução francesa e a revolução científi ca. A revolução francesa é considerada como um acontecimento de ordem política de signifi cativa importância, visto ter trazido novos ideais políticos e inaugurado novas formas de organização do poder. Já a revolução científi ca diz respeito a uma nova forma de explicar o mundo, baseada no iluminismo. Todas estas transformações mexeram profundamente com o que se tinha até aquele momento, desencadeando novas relações econômicas, novas formas de luta política e, ainda, uma nova visão de mundo. O iluminismo pode ser considerado um movimento intelectual, que tinha como objetivo entender e organizar o mundo a partir da razão. A Sociologia não é a única ciência social envolvida com a compreensão da vida social moderna. Aplicando o método científi co ao estudo dos diferentes 26 Temas e Teorias da Sociologia aspectos da vida social, foram fundadas várias disciplinas que tratam do homem em sociedade. Entre as principais estão a História (estuda o homem e suas ações no tempo e no espaço), a Economia (estuda as atividades humanas ligadas à produção, distribuição e consumo de bens e serviços), a Antropologia (pesquisa as diferenças culturais entre os vários agrupamentos humanos) e a Ciência política (estudo da política, dos sistemas políticos, das organizações e dos processos políticos). Você deve estar se perguntando: Em que medida a Sociologia se diferencia das ciências sociais acima citadas? Para Habermas, citado por Sell (2006), o marco distintivo da Sociologia reside no fato de ela não ter se fi xado em apenas uma das dimensões da vida social moderna, como fazem as outras ciências, tal qual a Economia (que trata da produção de bens), a Ciência política (que trata do poder) ou a Antropologia (que trata da cultura). Ao contrário de suas vizinhas, a Sociologia tem como objetivo compreender a vida social de forma global, buscando explicar a sociedade como um todo. Neste sentido, podemos dizer que a Sociologia é uma “teoria da sociedade”. A Sociologia pode ser considerada uma ciência social, cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Em outros termos, a Sociologia é uma teoria da modernidade. De forma geral, então, chegamos à conclusão de que a Sociologia estuda a sociedade com o objetivo de compreender como ela funciona e como as pessoas se relacionam, dentro dos incontáveis “recortes” possíveis e estudados por esta ciência, que tem um objeto de estudo amplo e complexo. Para responder ao conjunto de questões que se colocam na modernidade, em 1830, Augusto Comte apresentou, em seu livro “Curso de Filosofi a Positiva”, a ideia de fundar uma “Física Social”, um saber encarregado de aplicar o método científi co para o estudo da sociedade. Este pensador francês lutava para que, em todos os ramos de estudo, se obedecesse à preocupação da máxima objetividade. Em 1839, Augusto Comte alterou o nome desta ciência para “Sociologia” (do latim socius e do grego logos), signifi cando estudo do social, nome que perdura até hoje. Augusto Comte ganhou importância e o estudo de seu pensamento acabou sendo obrigatório, por ser considerado o fundador da Sociologia (SELL, 2006). Segundo Martins (1994), o termo “física social” acaba sendo bastante sugestivo diante da intenção de Comte. Ele expressa claramente o desejo de construir uma ciência que estuda o social nos mesmos moldes das ciências físico-naturais. Esta Sociologia, de inspiração positivista, propõe o estudo dos fenômenos sociais a partir de um saber “neutro” e puramente “objetivo”, semelhante ao adotado na Química ou na Física, por exemplo. A Sociologia pode ser considerada uma ciência social, cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Em outros termos, a Sociologia é uma teoria da modernidade. Augusto Comte ganhou importância e o estudo de seu pensamento acabou sendo obrigatório, por ser considerado o fundador da Sociologia. 27 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 Augusto Comte é considerado o fundador do positivismo. Termo complexo e com refl exos em várias áreas, designa uma corrente de pensamento que prevê que a ciência é a única explicação legítima da realidade. Na Sociologia, defende a noção de que a mesma deve adotar os mesmos métodos das ciências da natureza. Mesmo que se tenha consenso de que as ideias de Augusto Comte estejam superadas, elas lançaram as bases para a Sociologia, e, mais do que isto, foram de fundamental importância no sentido de defi ni-la e propor um método para o estudo dos fenômenos sociais, o que até então não havia sido feito. O conhecimento científi co se coloca no lugar da Filosofi a, conhecimento predominante durante toda a idade antiga e a idade média. O surgimento da ciência moderna tem refl exos em todas as áreas, inclusive na Sociologia. A aplicação da observação e da experimentação, ou seja, do método científi co para a explicação dos fenômenos, trouxe grandes progressos. De forma geral, podemos dizer que a ciência procura seguir quatro passos fundamentais: observação dos fenômenos; construção de hipóteses; experimentação; generalização (a partir do estudo de um caso particular o pesquisador supõe que aquela explicação se aplique também a outros casos idênticos). Mesmo existindo grandes diferenças entre os métodos de pesquisa nas ciências exatas e nas ciências sociais (ou humanas), tem-se em comum o método experimental, a validação empírica dos resultados da investigação. Entender o que é ciência e o que ela já signifi cou é fundamental ao buscar compreender o surgimento da ciência sociológica. Não foram apenas os “fatos novos” que deram origem à Sociologia, mas também uma nova maneira de analisar estes fatos: a aplicação dos princípios científi cos ao estudo da vida social (SELL, 2006). Em relação ao objeto de estudo da Sociologia e o que interessa aos sociólogos, é extremamente válido o texto de Rose, adaptado por Oliveira (1998, p. 15-16): O QUE INTERESSA AOS SOCIÓLOGOS Os indivíduos, em todo o mundo, vivem em grupo. E as conseqüências da vida em grupo são o objeto de estudo da Sociologia. Não foram apenas os “fatos novos” que deram origem à Sociologia, mas também uma nova maneira de analisar estes fatos: a aplicação dos princípios científi cos ao estudo da vida social. 28 Temas e Teorias da Sociologia O interesse pelos grupos é o que diferencia os sociólogos dos outros cientistas sociais. Entre outras coisas, os sociólogos querem saber: Por que grupos como a família, a tribo ou a nação sobrevivem através dos tempos até mesmo durante as guerras ou revoluções? Por que um soldado deve lutar e enfrentar a morte quando poderia esconder-se ou fugir? Por que o homem se casa e assume responsabilidades de família quando poderia, com a mesma facilidade, satisfazer seus impulsos sexuais fora do casamento? Que efeitos produz a vida em grupo sobre o comportamento dos membros do grupo? Será que as pessoas que vivem em tribos pré-letradas, isoladas, se comportam diferentemente das que vivem em Nova Iorque ou num subúrbio parisiense? Os sociólogos se interessam igualmente pelas causas das mudanças ou da desintegração nos grupos. Por exemplo, querem saber por que alguns casamentos terminam em divórcio. Querem saber por que há um maior número de divórcios em alguns países do que em outros, porque o número de divórcios aumenta ou diminui com o tempo.Querem saber, ainda, se o comportamento das pessoas se modifi ca depois de uma mudança do campo para a cidade ou da cidade para os subúrbios. Os sociólogos também estudam o relacionamento entre os membros de um grupo e entre grupos. Qual é o relacionamento entre marido e mulher e entre pai e fi lhos atualmente? Esse relacionamento assemelha-se ao da família tradicional, é o mesmo em qualquer cultura? Quais as causas do confl ito entre brancos e negros? O trabalho, a indústria, e o governo dos Estados Unidos estarão relacionados entre si da mesma forma que os grupos similares na Austrália ou na Rússia? Por que alguns grupos da sociedade possuem mais bens materiais e mais prestígio que outros? Sobre este assunto leia: ROSE, Caroline B. Iniciação ao estudo da Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. O que se pode perceber com facilidade, a partir do texto anterior, é a enormidade de temas e objetos com o qual a Sociologia pode e acaba se ocupando atualmente. A Sociologia volta-se o tempo todo para os problemas que o homem enfrenta no dia a dia de sua vida em sociedade. São muitas as situações sociais, situações que só podem ser explicadas pelas relações que indivíduos ou grupos de indivíduos estabelecem entre si, mas que não podem ser 29 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 compreendidas se os tomamos isoladamente. Tais situações não dizem respeito apenas à ação individual e, por isto, são objeto de estudo da Sociologia. No último capítulo serão trazidos alguns temas emergentes em Sociologia nos dias atuais. Quanto às perspectivas para o profi ssional da área, parece serem otimistas, principalmente no que diz respeito à docência, haja vista que a obrigatoriedade do ensino da disciplina no ensino médio é uma realidade e uma conquista recente. Quanto à relevância e importância da área, parece que esta ainda não está clara para a maioria das pessoas. Esta situação nos coloca um grande desafi o. A mudança de crenças e a conquista de espaços poderão ocorrer, dependendo muito do tipo de intervenção que iremos fazer no cotidiano, mostrando a importância deste saber nos vários espaços que ocupamos. Atividade de Estudos: Com base na resposta abaixo, é possível afi rmarmos que a Sociologia é fruto do nosso tempo. Veja: 1) Como nasceu a Sociologia? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Como a Sociologia pode ser defi nida e quem pode ser considerado o seu fundador? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 30 Temas e Teorias da Sociologia ______________________________________________________ 3) Partindo da constatação de Robert Nisbet de que a Sociologia pode ser considerada uma “ciência da crise”, que fenômenos atuais você considera preocupantes e por isso acredita que justifi ca um “olhar” da Sociologia? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas ConsideraÇÕes Diante do que foi colocado neste capítulo, é possível fazermos algumas inferências. A Sociologia surgiu para dar conta de um momento de intensas transformações e adversidades. Tem o propósito de analisar este momento sob o viés da ciência e, mais do que isso, propor encaminhamentos para a superação das novas problemáticas. Temos o surgimento do modo de produção capitalista a partir das mudanças ocorridas, principalmente a partir da Revolução Industrial. Percebe-se, pois, a concretização de uma lógica, lógica esta que perdura até hoje. Com um foco bastante amplo, o estudo da sociedade, nos dias de hoje, se propõe a analisar as questões que se colocam no nosso cotidiano e que trazem alterações signifi cativas no nosso convívio em sociedade. Uma característica comum às várias áreas que compõem as ciências sociais, é o fato, deveras importante, de não existir uma única Sociologia, ou melhor, um olhar único e consensual sobre os variados fenômenos que são seu objeto de estudo. A partir desta verifi cação, estamos preparados para conhecer as teorias sociológicas clássicas, as principais e diferentes compreensões de sociedade e a contribuição das mesmas para esta ciência. 31 SOCIOLOGIA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Capítulo 1 ReFerÊncias CATANI, Afrânio Mendes. O que é capitalismo. 34. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. GUARESCHI, Pedrinho Alcides. Sociologia crítica: alternativas de mudança. 48. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 38. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. MEKSENAS, Paulo. Aprendendo Sociologia: a paixão de conhecer a vida. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2001. MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. 24. ed. São Paulo: Ática, 2003. PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michael M. (Orgs.). A classe operária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981. SCHMIDT, Mario Furley. Nova história crítica. São Paulo: Nova Geração, 2002. SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica. 4. ed. Itajaí: Ed. Univali, 2006. 32 Temas e Teorias da Sociologia CAPÍTULO 2 Teorias Sociológicas Clássicas A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer as teorias sociológicas clássicas e as diversas possibilidades de compreensão do mundo social. Analisar as contribuições teórico-metodológicas das várias abordagens em Sociologia e seus desdobramentos. 34 Temas e Teorias da Sociologia 35 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS Capítulo 2 ConteXtualiZaÇÃo Característica marcante nas chamadas ciências sociais é o fato de termos à disposição múltiplos caminhos possíveis, no que diz respeito à compreensão de um mesmo fenômeno. Esta característica pode ser cativante, por um lado, por permitir uma diversidade de possibilidades de interpretação, diferente das ciências exatas, mas também desafi adora e, para alguns, complexa, por nos convidar a analisar as diferentes proposições, comparar e, em alguns momentos, até escolher. Em Sociologia isto fi ca claro, quando adentramos nas várias perspectivas de compreensão do mundo moderno e nas várias possibilidades de compreensão da sociedade em que estamos inseridos. Diante desta constatação, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber são considerados autores fundamentais no campo sociológico. É tamanha a importância destes autores, que frequentementesão nomeados como clássicos. Por esta razão, acabam se tornando leitura obrigatória de qualquer pessoa que se propõe a se aproximar ou até mesmo se aprofundar na área. A seguir, serão apresentados os autores e respectivas teorias, os principais fundamentos e conceitos, cientes da complexidade e da difi culdade que teremos de, em poucas páginas, esgotar tais abordagens sobre o mundo moderno. Com proposições diferenciadas e divergências facilmente constatáveis, para compreendermos suas teorias, devemos nos colocar no contexto histórico a que cada um deles estava submetido. A partir deste exercício, surge uma pergunta, baseada na premissa de que são frutos de seu tempo: Qual a relevância e a possibilidade de entendermos o mundo que vivemos hoje com base nesses autores? Esta e outras questões buscaremos responder ou pelo menos problematizar daqui para frente. Espero que estejam ansiosos para desvendá-las. Émile DurKHeim: por uma Sociologia dos Fatos Sociais Em 15 de abril de 1858, nasceu Émile Durkheim na pequena cidade francesa de Épinal. Filho de um rabino e sobre infl uência da doutrina judaica na infância, embora tenha se afastado do caminho religioso, suas análises serão infl uenciadas pelo respeito à lei e pela importância atribuída à comunidade, princípios aprendidos desde criança. 36 Temas e Teorias da Sociologia Em 1882, formou-se em Filosofi a e começou a lecionar em Sens, Saint Quentin e Troyes. Entre 1885 e 1886, Durkheim fez uma importante viagem de estudos para a Alemanha, a fi m de estudar ciências sociais. Na Alemanha, teve um importante contato com Wilhelm Wundt (1832-1920), fundador da Psicologia. Após esta viagem retornou à França, com o propósito de desenvolver a Sociologia e, mais do que isso, torná-la uma ciência autônoma. Em 1887, foi nomeado professor de Pedagogia e Ciência Social na Universidade de Bordeaux, no sul da França. Tratava-se do primeiro curso de Sociologia criado em uma universidade. Foi nesse período que escreveu suas principais obras e formou a base de seu pensamento social. Em 1893 ele defendeu sua tese de doutorado, intitulada “A divisão do trabalho social”. Já com prestígio, foi convidado a tornar-se professor suplente em uma das mais importantes universidades da França e de toda a Europa: a Sorbonne, em Paris. Em 1906, tornou-se titular da cadeira e passou a lecionar Sociologia. Por esses acontecimentos, além de ser considerado um dos maiores clássicos da Sociologia, Durkheim foi o responsável pela introdução do ensino de Sociologia nos cursos universitários. A Sociologia fortaleceu-se, graças à Durkheim e à escola sociológica francesa. Seguem as principais obras de Émile Durkheim: • 1893: A divisão do trabalho social; • 1895: As regras do método sociológico; • 1897: O suicídio; • 1912: As formas elementares da vida religiosa. Um confl ito que abalou signifi cativamente Durkheim foi a Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918. Sociólogo já mundialmente famoso, nesse momento, a morte de seu fi lho, na guerra, e a de alguns de seus melhores amigos fi zeram com que fi casse muito consternado. A 15 de dezembro de 1917, Durkheim veio a falecer na cidade francesa de Fontainebleau. a) Durkheim e os Fatos Sociais Vivendo em uma época de mudanças, onde a nascente sociedade capitalista acabava de destruir as velhas instituições feudais e impunha novos princípios e valores, Durkheim mostrou-se preocupado com as mudanças que estavam ocorrendo. Quando iniciou seus estudos na universidade, era também a época em que começavam a ensinar as chamadas ciências naturais (Biologia, Física, Química), e este contato, inclusive o bom conhecimento que tinha destas disciplinas, fez com que passasse a enxergar a sociedade de uma forma bastante peculiar: para ele a sociedade era como um imenso corpo biológico que precisava ser observado para, em seguida, conhecendo sua anatomia, se descobrirem as Durkheim foi o responsável pela introdução do ensino de Sociologia nos cursos universitários. 37 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS Capítulo 2 causas e as curas das doenças encontradas. Infl uenciado pelas obras de Augusto Comte e Herbert Spenser, considerados os fundadores do Positivismo, sua obra buscou conferir à Sociologia um método de análise. Durkheim lutou para provar que a Sociologia é uma ciência e que, por isso, deve ser neutra diante dos fatos sociais. Você deve estar se perguntando: O que são fatos sociais para ele? Isto é o que buscaremos compreender agora, conceito-chave em Durkheim, e, em sentido mais geral, na própria Sociologia. Para Durkheim, a sociedade prevalece sobre o indivíduo. A sociedade é para ele um conjunto de normas de ação, pensamentos e sentimentos existentes, que são aceitos e, mais do que isso, devem ser seguidos por todos. Sem essas regras, segundo ele, a sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos devem se submeter a elas. Para Durkheim, os fatos sociais são justamente essas regras e normas coletivas que orientam a vida dos indivíduos em sociedade e este deve ser o objeto de estudo da Sociologia. Os fatos sociais têm duas características fundamentais: são exteriores e coercitivos. Como assim? São exteriores, porque são ideias, normas ou regras criadas pela coletividade e já existem fora de nós quando nascemos; e coercitivos, visto que estas ideias, normas e regras devem ser seguidas por todos. Os que desobedecem são punidos pelo resto do grupo. Um dos exemplos preferidos de Durkheim para mostrar o que é um fato social é a educação. Toda sociedade tem de educar seus membros, fazendo com que aprendam as regras necessárias para a convivência social. Outro exemplo de fato social para Durkheim é o suicídio, analisado por ele a partir de uma perspectiva sociológica. Segundo ele, toda sociedade está predisposta a ter um contingente de mortos voluntários. Em “O suicídio”, Durkheim quis sobretudo frisar a existência de um desregramento social (anomia/este conceito será trabalhado adiante), que seria o responsável por este fenômeno coletivo. Para Durkheim, então, como coloca Lallement (2003), a Sociologia pode ser defi nida como a ciência dos fatos sociais. Caberá ao sociólogo pôr em evidência e analisar esses fenômenos que constituem regularidades socialmente determinadas, podendo ser observados e explicados por esta nova ciência, chamada Sociologia. Segue na sequência um trecho da obra “As regras do método sociológico”, onde Durkheim (2001, p. 5-6) expõe exatamente o que compreende por fato social. Para Durkheim, os fatos sociais são justamente essas regras e normas coletivas que orientam a vida dos indivíduos em sociedade e este deve ser o objeto de estudo da Sociologia. 38 Temas e Teorias da Sociologia O QUE É FATO SOCIAL? Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se impõem a ele. Por conseguinte, não poderiam ser confundidos com os fenômenos orgânicos, por consistirem em representações e ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não têm existência a não ser na consciência individual e por ela. Constituem, portanto, uma espécie nova e é a eles que se deve dar e reservar a qualifi cação de sociais. Convém a eles, pois está claro que, não tendo o indivíduo como substrato, não podem ter outro a não ser a sociedade, seja a sociedade política em sua integralidade, seja algum dos grupos parciais que ela encerra, confi ssões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profi ssionais, etc. Por outro lado, é apenas a eles que convém; pois a palavra social só tem sentido defi nido sob a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem
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