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2017 Políticas e a educação de surdos no Brasil Prof. Anderson Luchese Copyright © UNIASSELVI 2017 Elaboração: Prof. Anderson Luchese Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 371.912 L936p Luchese, Anderson Políticas e a educação de surdos no Brasil / Anderson Luchese. Indaial: UNIASSELVI, 2017. 179 p. : il. ISBN 978-85-515-0116-0 1.Surdos - Educação. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: III aPresentação Prezado acadêmico! Este livro didático refere-se à disciplina “Políticas e a Educação de Surdos no mundo e no Brasil”, onde eu, professor Surdo, pertencente à comunidade surda e líder atuante, contextualizarei a partir dos meus estudos e vivências, aspectos históricos da educação de surdos no mundo, desde sua origem até os dias atuais, compreendendo os processos históricos e filosóficos de cada época. Traremos estudos com o intuito de contribuir nas discussões sobre conceitos de surdez nas visões clínica e educacional, usando o termo “surdo” como categoria de alteridade, que envolve os sujeitos surdos em suas peculiaridades. Informações sobre a identidade e diferenças de surdos, o uso da língua de sinais, seu processo de aprendizagem e sua legalidade, assim como as informações sobre as mudanças políticas da educação de surdos, metodologias e propostas vigentes em âmbito nacional e estadual. O estudo está dividido em três unidades: Unidade 1 – Fundamentos filosóficos e sócio-históricos da educação de surdos. Unidade 2 – Surdez e as legislações. Unidade 3 – Políticas e a educação de surdos do Brasil. A Unidade 1 contempla recortes históricos que ajudam a compreender a caminhada até aqui e os diferentes olhares em relação à educação de surdos. É importante que você aproveite as sugestões de filmes/leituras indicados ao longo deste livro, pois além de serem excelentes estudos complementares, também podem despertar a curiosidade que nos impulsiona a conhecer sempre mais, podendo vir a ser também pesquisador da área e divulgador da Comunidade e Cultura Surda, promovendo as mudanças positivas na educação atual. Nas unidades 2 e 3 traremos estudos sobre o ouvido humano, as causas da surdez e como ela se classifica, dependendo do nível de perda. Quais as próteses auditivas sugeridas para cada caso e um pouco sobre implante coclear e a polêmica levantada em relação a ele. Conceituaremos as terminologias mais usadas no decorrer da história, a cultura, identidade e comunidade surda, trazendo ainda a língua utilizada por este grupo e algumas reflexões sobre o processo de aquisição. Finalizaremos, de forma mais aprofundada e contextualizada as questões legais e as políticas de educação desenvolvidas aqui no Brasil e no Estado de Santa Catarina. Explore ao máximo esta disciplina! Bons estudos! IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfi m, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! 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UNI V VI VII sumário UNIDADE 1 – A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO .................................................................... 1 TÓPICO 1 – A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO- HISTÓRICOS DO MUNDO ....................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 IDADE ANTIGA – 4000 A.C. ........................................................................................................... 3 2.1 MOISÉS – 476 A.C. ..................................................................................................................... 4 3 ROMA – 485-420 A.C. ........................................................................................................................ 5 3.1 HERÓDOTO – 480 A.C. ............................................................................................................ 6 4 GRÉCIA ............................................................................................................................................... 6 5 EGITO E PÉRSIA ............................................................................................................................... 7 6 SÓCRATES – 500 A.C. ...................................................................................................................... 7 7 HIPÓCRATES – 460-377 A.C. ........................................................................................................... 8 8 ARISTÓTELES – 384-322 A.C. ......................................................................................................... 8 9 JESUS CRISTO – 30 D.C. .................................................................................................................. 9 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 10 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 11 TÓPICO 2 – IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA ..................................................................... 13 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 13 2 IDADE MÉDIA – 476 D. C. – 1453 .................................................................................................. 13 2.1 530 D.C. ITÁLIA NA IDADE MÉDIA ................................................................................ 14 2.2 IDADE MODERNA (1453 – 1789) ......................................................................................... 14 2.3 GIROLAMO CARDANO (1501-1576) .................................................................................. 14 2.4 MECHOR SÁNCHEZ DE YEBRA (1526-1586)................................................................. 15 2.5 PEDRO PONCE DE LEON (1520-1584) .............................................................................. 16 2.6 JUAN PABLO BONET (1579-1623) ....................................................................................... 17 2.7 JOHN BULWER (1644-1684) .................................................................................................... 18 2.8 JOHAN CONRAD AMMAN (1669-1724) ........................................................................... 19 2.9 JACOB RODRIGUES PEREIRE (1715-1780) ..................................................................... 21 2.10 SAMUEL HEINICKE (1729-1790) ....................................................................................... 21 2.11 ABADE CHARLES MICHEL DE L’ÉPÉE (1712-1789) ................................................. 22 2.12 THOMAS BRAIDWOOD (1715-1806) ................................................................................ 26 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 27 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 28 TÓPICO 3 – IDADE CONTEMPORÂNEA ..................................................................................... 29 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 29 2 IDADE CONTEMPORÂNEA ATÉ OS NOSSOS DIAS ................................................ 29 2.1 JEAN MARC GASPARD ITARD (1774-1838) ................................................................... 29 2.2 THOMAS HOPKINS GALLAUDET (1787-1851) ............................................................ 30 2.3 LAURENT CLERC ................................................................................................................... 32 2.4 UNIVERSIDADE DE GALLAUDET – GALLAUDET UNIVERSITY .................... 33 VIII 2.5 ALEXANDER GRAHAM BELL (1818 – 1905) .................................................................. 34 2.6 EDUARD HUET – 1822-1882 .................................................................................................. 36 3 CONGRESSO DE MILÃO (1880) – RETROCESSO HISTÓRICO PARA O ENSINO DA LIBRAS ........................................................................................................................................ 39 4 HELLEN ADAMS KELLER .............................................................................................................. 43 5 OUTROS DESTAQUES NA COMUNIDADE SURDA EM GERAL....................................... 45 5.1 WILLIAN STOKOE (1960) ..................................................................................................... 47 5.2 EUGÊNIO OATES (1969) ......................................................................................................... 49 6 FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS – FENEIS............................................................................................................................ 49 7 CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE DESPORTOS DE SURDOS (CBDS) ......................... 51 8 MARLEE BETH MATLIN (1986) ..................................................................................................... 52 9 EMMANUELLE LABORIT .............................................................................................................. 53 10 CLOSED CAPTION (1997) .............................................................................................................. 54 11 PRIMEIROS INSTRUTORES/AGENTE MULTIPLICADORES DE LIBRAS NO BRASIL ....................................................................................................................................... 55 12 LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002 ..................................................................................... 55 13 GLADIS TERESINHA TASCHETTO PERLIN (2003) .............................................................. 57 14 LETRAS LIBRAS – UFSC (2006) ................................................................................................... 57 15 A FAMÍLIA BÉLIER (2014) ............................................................................................................. 59 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 60 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 62 UNIDADE 2 – SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES ............................................................................... 65 TÓPICO 1 – MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO E PRÓTESE AUDITIVA ...................................................................................................................... 67 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 67 2 MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO ..................................................... 67 2.1 OUVIDO EXTERNO ............................................................................................................... 67 2.2 OUVIDO MÉDIO ...................................................................................................................... 68 2.3 OUVIDO INTERNO ............................................................................................................... 68 3 CAUSAS DA SURDEZ E TIPOS DE SURDEZ ............................................................................ 69 4 TIPOS DE SURDEZ........................................................................................................................... 71 5 PERDA AUDITIVA ........................................................................................................................... 71 6 TIPOS DE APARELHOS AUDITIVOS E IMPLANTE COCLEAR .......................................... 73 7 IMPLANTE COCLEAR ..................................................................................................................... 76 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 81 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 82 TÓPICO 2 – CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ .......................................... 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 83 2 DEFICIÊNCIAS E TERMINOLOGIAS ......................................................................................... 83 3 DEFICIÊNCIA E EFICIÊNCIA ........................................................................................................ 84 4 SURDO-MUDO, DEFICIENTE AUDITIVO, SURDO E SURDOCEGO ............................... 86 5 QUEM SÃO OS SURDOS AFINAL? ............................................................................................. 88 6 ALGUNS CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E COMUNIDADES SURDAS .... 90 6.1 IDENTIDADES SURDAS HÍBRIDAS ............................................................................... 92 6.2 IDENTIDADES SURDAS FLUTUANTES ...................................................................... 92 6.3 IDENTIDADES SURDAS INCOMPLETAS ................................................................... 93 6.4 IDENTIDADES SURDAS DE TRANSIÇÃO ................................................................... 93 7 SURDEZ E A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS............................................................... 94 IX RESUMO DO TÓPICO 2.....................................................................................................................97 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 98 TÓPICO 3 – O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ...................................................................................................................... 99 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 99 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: DIREITOS DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA .......... 99 3 CONSIDERAÇÕES QUE ANTECEDEM A LEI DA LIBRAS ................................................... 100 4 LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002 ....................................................................................... 105 5 DECRETO DE LIBRAS Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005 ......................................... 107 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 110 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 111 UNIDADE 3 – POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS ............................. 113 TÓPICO 1 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO CONTEXTO BRASILEIRO E ESPECIFICIDADES DA LÍNGUA DE SINAIS ....................................................... 115 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 115 2 CONTEXTO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS E A LÍNGUA DE SINAIS ..... 115 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 121 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 122 TÓPICO 2 – CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS ........................ 123 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 123 2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL – PARADIGMA OU MODELO............................. 123 3 ORALISMO ........................................................................................................................................ 124 4 COMUNICAÇÃO TOTAL ............................................................................................................... 127 5 BILINGUISMO .................................................................................................................................. 130 5.1 PEDAGOGIA SURDA ............................................................................................................ 133 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 137 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 138 TÓPICO 3 – AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ ................................................. 139 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 139 2 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE PARA PESSOAS SURDAS .............................................................................................................................................. 139 2.1 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO EM LIBRAS................... 140 2.2 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO DE LIBRAS ................... 141 2.3 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO DE LÍNGUA PORTUGUESA .......................................................................................................................... 141 3 POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DE SURDOS NO ESTADO DE SANTA CATARINA ........... 142 4 AVALIANDO A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE BRASILEIRA .............................. 145 5 CONCEPÇÃO DE POLÍTICA LINGUÍSTICA PARA A EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS .............................................................................................................................................. 148 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 152 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 161 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 162 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 165 X 1 UNIDADE 1 A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO- HISTÓRICOS DO MUNDO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Objetivos de aprendizagem: • perceber os diferentes olhares da história de educação de surdos do pre- sente e do passado; • buscar conhecimentos dos fundamentos filosóficos e históricos da edu- cação de surdos a fim de promover as mudanças positivas na educação atual; • identificar os marcos históricos da educação de surdos e as personalidades do mundo e do Brasil que são referências históricas. Esta unidade contém três tópicos que trazem recortes do contexto histórico e filosófico, da origem da educação de surdos do mundo até os dias atuais, mencionando algumas versões históricas oficiais de surdos registradas em muitos livros. Os fatos listados no cronograma abaixo seguem na sequência em quatro grandes períodos: Idade Antiga ou Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. No final de cada tópico existem autoatividades sobre os temas que contribuirão para aprofundar seus estudos. TÓPICO 1 – A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO TÓPICO 2 – IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA TÓPICO 3 – IDADE CONTEMPORÂNEA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 1 INTRODUÇÃO Nascimento (2006) afirma que um cronograma histórico é extração de várias partes de muitas publicações sobre a história dos surdos, isto não quer dizer que toda a história é verídica ou não. Para chegar a esta conclusão, há a necessidade de pesquisar de forma mais aprofundada cada fato histórico registrado, para assim poder comprová-lo. O próprio Berthier traz esta reflexão quanto aos recortes históricos: Ainda tratando de professores espanhóis, Berthier nos revela sua indignação ao ver Juan Pablo Bonet (1579-1629), autor do livro "Arte para enseñar a hablar a los mudos", creditar a si a descoberta de como ensinar o surdo a falar. Segundo Berthier, tal crédito poderia ser reivindicado por seu rival Ramirez de Carrion, que era surdo congênito e teve sucesso no julgamento dos críticos de seu tempo, em um experimento com Emmanuel Philibert, o príncipe surdo de Carignan. “Seu livro, publicado nove anos depois do de Bonet, recebeu o título Maravillas de naturaleza, em que se contienen dos mil secretos de cosas naturales, 1629 (BERTHIER, 1984 apud NASCIMENTO, 2006, p. 170). A partir desta análise, percebemos que os fatos são registrados a partir de um determinado tempo, local e realidade, não descartando a possibilidade de que outras experiências tenham acontecido em outros locais ao mesmo tempo. Apresentamos, neste contexto, os fatos históricos mais comuns encontrados em diversos registros sobre a história e educação de surdos. 2 IDADE ANTIGA – 4000 A.C. Sobre a antiguidade, Nascimento cita o professor surdo da França, Berthier: Inicia a história na antiguidade, relatando as conhecidas atrocidades realizadas contra os surdos pelos espartanos, que condenavam a criança a sofrer a mesma morte reservada ao retardado ou ao deformado: "A infortunada criançaera prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lançada de um precipício para dentro das ondas. Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar (BERTHIER, 1984, p.165 apud NASCIMENTO, 2006, p. 165). UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 4 FIGURA 1 – IDADE ANTIGA – EGITO FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/5yPLSp>. Acesso em: 30 maio 2017. No Egito (Figura 1), segundo as antigas leis judaicas, os surdos eram apenas protegidos. Eram considerados criaturas privilegiadas, enviados dos deuses. Os surdos eram adorados, como se fossem deuses, serviam de mediadores entre os deuses e os faraós. Acreditava-se que eles se comunicavam em segredo com esses deuses. Havia um forte sentimento humanitário e de respeito. Protegiam e tributavam aos surdos a adoração, sendo temidos e respeitados pela população. No entanto, os surdos tinham vida inativa e não eram educados. Na época do povo hebreu, na lei hebraica, aparecem pela primeira vez referências aos surdos. FIGURA 2 – PAPIROS FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/ixWXxU>. Acesso em: 30 maio 2017. Os papiros do Antigo Egito (Figura 2) traziam conteúdos morais, que de alguma forma já ressaltavam a necessidade de respeitar as pessoas com deficiência. 2.1 MOISÉS – 476 A.C. Os surdos também são mencionados na Bíblia, no Velho testamento, quando Deus exorta a Moisés (Figura 3). “E disse-lhe o senhor: quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou que vê, ou o cego? Não sou eu, o senhor?” (Êxodo 4:11). “Não amaldiçoarás ao surdo... mas terá temor do teu Deus. Eu sou o senhor” LEVÍTICO 19:14 (STROBEL, 2009, p. 17). TÓPICO 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS 5 FIGURA 3 – MOISÉS FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 10) Strobel (2009) afirma que os surdos não podiam ouvir e nem compreender o que acontecia a sua volta, pois a língua de sinais naquela época era desconhecida pela maioria das pessoas, ou somente usada pelos surdos, por isso Deus lhe deu a ordem para não amaldiçoar o surdo. 3 ROMA – 485-420 A.C. Strobel (2009) salienta que, em Roma, não perdoavam os surdos porque achavam que eram pessoas castigadas ou enfeitiçadas, a questão era resolvida por abandono ou com a eliminação física – jogavam os surdos no rio Tiger. Só se salvavam aqueles que do rio conseguiam sobreviver, ou aqueles cujos pais os escondiam, mas era muito raro – e também faziam os surdos de escravos obrigando-os a passar toda a vida dentro do moinho de trigo empurrando a manivela. FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 10) FIGURA 4 – ROMA – ITÁLIA UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 6 3.1 HERÓDOTO – 480 A.C. O filósofo Heródoto (Figura 5) classificava os surdos como “Seres castigados pelos deuses”. FIGURA 5 – HERÓDOTO FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 27) 4 GRÉCIA Veloso & Filho, 2009, (p. 27) evidenciam que na Grécia os surdos eram considerados inválidos e muito incômodos para a sociedade, por isso eram “condenados à morte – lançados abaixo do topo dos rochedos de Taygéte, nas águas de Barathere – e os sobreviventes viviam miseravelmente como escravos ou abandonados”. FIGURA 6 – GRÉCIA FONTE: Disponível em: <https://image.slidesharecdn.com/oficinaemi- baiti-130403174647-phpapp01/95/histria-dos-surdos-12-638. jpg?cb=1365011617>. Acesso em: 31 maio 2017. TÓPICO 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS 7 5 EGITO E PÉRSIA Strobel (2009), destaca que no Egito e na Pérsia, os surdos eram considerados criaturas privilegiadas, enviados dos deuses, porque acreditavam que eles se comunicavam em segredo com os Deuses. Havia um forte sentimento humanitário e respeito, protegiam e tributavam aos surdos à adoração, no entanto, os surdos tinham vida inativa e não eram educados. FIGURA 7 – EGITO FIGURA 8 – PÉRSIA FONTE: Disponível em: <http://media1.esco- la.britannica.com.br/eb-media/94/ 94894-004-28ED877B.jpg>. Acesso em: 30 maio 2017. FONTE: Disponível em: <http://media1.esco- la.britannica.com.br/eb-media/94/ 94894-004-28ED877B.jpg>. Acesso em: 30 maio 2017. 6 SÓCRATES – 500 A.C. O filósofo grego Sócrates perguntou ao seu discípulo Hermógenes: “Suponha que nós não tenhamos voz ou língua, e queiramos indicar objetos um ao outro. Não deveríamos nós, como os surdos-mudos, fazer sinais com as mãos, a cabeça e o resto do corpo?” Hermógenes respondeu: “Como poderia ser de outra maneira, Sócrates?” (CRATYLUS DE PLATO, discípulo e cronista, 368 a.C. apud VELOSO & FILHO, 2009, p. 27). UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 8 FIGURA 9 – SÓCRATES FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 28) 7 HIPÓCRATES – 460-377 A.C. Segundo Strobel (2009), o filósofo Hipócrates associou a clareza da palavra com a mobilidade da língua, mas nada falou sobre a audição. FIGURA 10 – HIPÓCRATES FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 28) 8 ARISTÓTELES – 384-322 A.C. O filósofo Aristóteles acreditava que quando não se falavam, consequentemente não possuíam linguagem e tampouco pensamento, dizia que: “[...] de todas as sensações, é a audição que contribuiu mais para a inteligência e o conhecimento [...], portanto, os nascidos surdos-mudos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão” (STROBEL, 2009, p. 18), ele achava absurdo a intenção de ensinar o surdo a falar. TÓPICO 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS 9 FIGURA 11 – ARISTÓTELES FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 28) 9 JESUS CRISTO – 30 D.C. E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente: e rogaram-lhe que pusesse a mão sobre ele. E tirando-o à parte de entre multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua. E levantando os olhos ao céu, suspirou e disse: Efatá; isto é, Abre-te. E logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava perfeitamente. E ordenou-lhes que a ninguém o dissessem; mas, quanto mais lhes proibia, tanto mais o divulgavam. E admirando-se sobremaneira, diziam: Tudo faz bem: faz ouvir os surdos e falar os mudos (Marcos, 7: 31-37). FIGURA 12 – JESUS CRISTO FONTE: Bíblia Sagrada (2011, p. 560) 10 Neste tópico, você viu que: • A Antiguidade é o período conhecido pelas maiores atrocidades Às pessoas surdas e com deficiência em geral, como Berthier (1984) afirmou: “Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar”. E isso fica explícito nos fatos relatados em Roma e na Grécia, porém no Egito e na Pérsia os surdos eram protegidos e adorados, considerados mediadores entre Deus e os Faraós. • Entre os filósofos: Hipócrates não se manifestava; Heródoto acreditava que eram seres castigados pelos Deuses; Aristóteles os julgava sem pensamento, já que não possuíam linguagem. • Somente Sócrates traz uma reflexão sobre a condição de ser surdo. RESUMO DO TÓPICO 1 11 (1) Heródoto. (2) Sócrates. (3) Hipócrates. (4) Aristóteles. ( ) Diz que se não falavam, consequentemente não possuíam linguagem e tampouco pensamento, pois “[...] de todas as sensações, é a audição que contribuiu mais para a inteligência e o conhecimento [...], portanto, os nascidos surdos-mudos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão” (STROBEL, 2009, p. 18). ( ) Colocou-se no lugar do surdo, questionando que, se não tivesse voz ou língua, e quisesse indicar objetos um ao outro. “Não deveríamos nós, como os surdos-mudos, fazer sinais com as mãos, a cabeça e o resto do corpo?” ( ) Segundo Strobel (2009), este filósofo associou a clareza da palavra com a mobilidade da língua, mas nada falou sobre a audição. ( ) Classificava os surdos como “Seres castigados pelos deuses”. AUTOATIVIDADE 1 Reflita e escreva sobre o que Berthier (apud NASCIMENTO, 2006, p. 165) relatou na época: “A infortunada criança era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lançada de um precipício para dentro dasondas. Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar”. 2 Quais eram os únicos locais em que os surdos eram considerados criaturas privilegiadas, pois acreditavam que eles se comunicavam em segredo com os deuses. Havia um forte sentimento humanitário e respeito, protegiam e tributavam aos surdos à adoração, no entanto, os surdos ainda tinham vida inativa e não eram educados. 3 Relacione o filósofo ao seu pensamento, de acordo o texto estudado neste tópico: 12 13 TÓPICO 2 IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Na Idade Média encontramos poucos recortes históricos. Apesar de algum relato ainda de atrocidade, estes recortes trazem um avanço significativo na situação em relação ao período antiguidade, os surdos não são mais eliminados, porém ainda são muito castigados e vivem sem dignidade. Apenas na Itália surge uma pequena experiência de comunicação entre os surdos. Na Idade Moderna encontramos mais referências e recortes históricos, a ciência procura explicar o que acontece com o sujeito surdo. Aparecem vários avanços históricos em relação aos surdos e encontramos também o início de registros históricos de tentativas de comunicação, inclusive com a criação dos primeiros alfabetos manuais, a disseminação da Língua de Sinais e as escolas para surdos. 2 IDADE MÉDIA – 476 D.C. – 1453 Os surdos, nesta época, continuavam sendo vistos como sujeitos estranhos e objetos de curiosidades da sociedade. Strobel (2009) deixa claro que ainda não davam tratamento digno aos surdos, colocando-os em imensa fogueira. Esta é uma das últimas atrocidades encontradas em relatos históricos. A partir de então, Strobel (2009), já relata que os surdos eram proibidos de receberem a comunhão porque eram incapazes de confessar seus pecados, também havia decretos bíblicos contra o casamento de duas pessoas surdas, sendo permitidos somente aqueles que, pertencentes a uma classe social mais favorecida, recebiam favor do Papa. Observa-se que, ao menos, já não eram mais punidos com a morte. “Nesta época existiam leis que proibiam os surdos de receberem heranças, de votar e enfim, de todos os direitos como cidadãos”, conforme afirma Strobel (2009, p. 19). Estes direitos eram negados a todas as pessoas com deficiência, mulheres e pessoas sem posses, portanto, os surdos eram excluídos da sociedade, apenas os surdos de família nobres tinham maior atenção, apesar de crescerem escondidos da sociedade em geral. UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 14 2.1 530 D.C. ITÁLIA NA IDADE MÉDIA Strobel (2009) relata que os monges beneditinos, na Itália, empregavam uma forma de sinais para comunicar entre eles, a fim de não violar o rígido voto de silêncio. O objetivo da igreja era promover a comunicação com Deus e os ensinamentos da igreja. Este pensamento seria novo para época, já que até o século XV, as concepções sobre os surdos e a surdez tinham significados diversos e bastante negativos. Segundo Guarinello (2007), os surdos eram considerados seres castigados pelos Deuses. Acreditava-se que pessoas que nasciam surdas eram também mudas, ou seja, não poderiam falar nem expressar seus pensamentos, tanto que até hoje a expressão surdo-mudo faz referência às pessoas surdas. A autora menciona que a crença era de que, para atingir a consciência humana, tudo deveria penetrar por um dos órgãos dos sentidos e a audição era considerada o canal mais importante de aprendizado. Sacks (2010) afirma que no período anterior a 1750, as pessoas que possuíam surdez pré-linguística eram percebidas pela ótica da incapacidade de desenvolver a fala, pela impossibilidade de comunicação e pelas especificidades no processo de aprendizagem e desenvolvimento. O contato com outros surdos era pouco valorizado formalmente como estratégia de desenvolvimento, o que atualmente é reconhecida. A surdez pré-linguística caracteriza-se pela ocorrência da perda auditiva antes que a criança tenha desenvolvido a linguagem oral (GOLDFELD, 2001). 2.2 IDADE MODERNA (1453–1789) Durante a Idade Moderna, novos cenários se desenharam para os indivíduos surdos, nesta breve revisão histórica, dá-se destaque à surdez no continente europeu, de onde provém grande parte dos registros e sobre os quais são mais numerosas as investigações, sendo a maioria pautada na área médica. Neste contexto, em alguns momentos os surdos foram marginalizados, apequenados e tidos como não educáveis; e em outros, passaram a contar com esforços assistenciais, caritativos e instrucionais. Ou seja, inicia efetivamente tentativas de comunicação com o sujeito surdo. 2.3 GIROLAMO CARDANO (1501-1576) Girolamo Cardano era médico filósofo que reconhecia a habilidade do surdo para a razão, afirmava que “[...] a surdez e mudez não é o impedimento para desenvolver a aprendizagem e o meio melhor dos surdos de aprender é através da escrita [...], e que era um crime não instruir um surdo-mudo” (NASCIMENTO, 2006, p. 185). Ele utilizava a língua de sinais e escrita com os surdos. TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 15 FIGURA 13 – GIROLAMO CARDANO FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 29) 2.4 MECHOR SÁNCHEZ DE YEBRA (1526-1586) Segundo Veloso e Filho (2009), o Monge franciscano Yebra, de Madrid, foi o primeiro a escrever um livro chamado “Refugion Infirmorum”, que descreve e ilustra o alfabeto manual da época, publicado sete anos após a morte dele. Yebra usava o alfabeto manual para finalidades religiosas ao promover entre o povo surdo a compreensão de matérias espirituais. FIGURA 14 – ALFABETO MANUAL FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 29) UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 16 É um documento raro, com ilustração de alfabeto manual da época. Outra representação mais antiga do Alfabeto Manual é da Figura 15, Veneza, Itália, ano 1579. Observamos a evolução da reprodução da imagem pela posição das letras em três maneiras, ou seja, passa a ideia e movimento de cada letra do Alfabeto Manual. 2.5 PEDRO PONCE DE LEON (1520-1584) Goldfeld (2001) salienta que no século XVI, na Espanha, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) estabeleceu a primeira escola para surdos em um monastério de Valladolid. Segundo Luchese (2016), inicialmente ensinava latim, grego e italiano, conceitos de física e astronomia aos dois irmãos surdos, Francisco e Pedro Velasco, membros de uma importante família de aristocratas espanhóis; Francisco conquistou o direito de receber a herança como marquês de Berlanger e Pedro se tornou padre com a permissão do Papa e ensinou alguns surdos de famílias nobres. Goldfeld (2001) salienta também que Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia de educação para crianças surdas que incluía datilologia, escrita e oralização, e criou uma escola de professores de surdos, porém ele não publicou nada em vida e depois de sua morte o seu método caiu no esquecimento porque a tradição na época era de guardar segredos sobre os métodos de educação de surdos. FIGURA 15 – JUAN MARTIN PABLO BONET FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 30) No século XVII (1620), “[...] Juan Martin Pablo Bonet publicou, na Espanha, o livro Reduccion de las letras y artes para enseñar a hablar a los mudos, que trata da invenção do alfabeto manual de Ponce de Leon” (GOLDFELD, 2001, p. 28). TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 17 Sacks (2010) situa que os educadores ouvintes, como Pedro Ponce de Léon, da Espanha; os Braidwoods, da Grã-Bretanha; Amman, da Holanda; e Pereire e Deschamps, da França, ensinaram alguns surdos a falar. Afirma também que, assim, as condições de sobrevivência dos surdos, naquela época, despertaram interesse em alguns filósofos, que levantaram algumas questões: Por que a pessoa surda sem instrução é isolada na natureza e incapaz de comunicar-se com os outros surdos homens? Por que ela está reduzida a esse estado de imbecilidade? Será que sua constituição biológicadifere da nossa? Será que não possui tudo de que precisa para ter sensações, adquirir ideias e combiná-las para fazer tudo o que fazemos? Será que não recebe impressões sensoriais dos objetos como nós recebemos? Não serão essas, como ocorre conosco, as causas das sensações da mente e das ideias que na mente adquire? Por que então a pessoa surda permanece estúpida enquanto nos tornamos inteligentes? (SACKS, 2010, p. 24). O autor evidencia as preocupações daquela época. Muitos educadores expressavam descrédito em relação ao futuro dos surdos. Acreditava-se que os surdos não possuíam ideias, abstrações, capacidade de argumentação e que pensavam por imagens. Imaginava-se, também, que os surdos não teriam sua própria língua. O reconhecimento posterior da língua de sinais permitiu que os surdos conquistassem credibilidade nas suas capacidades intelectuais. 2.6 JUAN PABLO BONET (1579-1623) Strobel (2009), na Espanha, Juan Pablo Bonet iniciou a educação com outro membro surdo da família Velasco, Dom Luís, através de sinais, treinamento da fala e o uso de alfabeto dactilologia, teve tanto sucesso que foi nomeado pelo Rei Henrique IV como “Marquês de Frenzo”. FIGURA 16 – JUAN PABLO BONET FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 30) UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 18 Juan Pablo Bonet publicou o primeiro livro (Figura 18) sobre a educação de surdos em que expunha o seu método oral, “Reduccion de las letras y arte para enseñar a hablar a los mudos” no ano de 1620, em Madrid, Espanha. Bonet defendia também o ensino precoce de alfabeto manual aos surdos (Figura 19). FIGURA 18 – ALFABETO MANUAL AOS SURDOS FONTE: LANE (1992, p. 58) FONTE: LANE (1992, p. 55) FIGURA 17 – 1º LIVRO SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS NA ESPANHA 2.7 JOHN BULWER (1644-1684) John Bulwer (Figura 20) publicou “Chirologia e Natural Language of the Hand” (Figura 21), em que preconizou a utilização de alfabeto manual, língua de sinais e leitura labial, ideia defendida por George Dalgarno anos mais tarde. Para Perlin e Strobel (2008), John Bulwer acreditava que a língua de sinais era universal e seus elementos constituídos icônicos. E ainda publicou “Philocopus”, em que afirmava que a língua de sinais era capaz de expressar os mesmos conceitos que a língua oral. TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 19 FIGURA 20 – CHIROLOGIA E NATURAL LANGUAGE OF THE HAND FONTE: LANE (1992, p. 62) FONTE: LANE (1992, p. 62) FIGURA 19 – JOHN BULWER 2.8 JOHAN CONRAD AMMAN (1669-1724) Amman era um médico suíço praticando na Holanda. Ele escreveu sobre instrução para surdos e para aqueles que gaguejavam. UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 20 FIGURA 21 – JOHAN CONRAD AMMAN FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 31) Em seu livro “Loquens Surdus” (O homem surdo falando), Amsterdam 1693, ele escreveu pela primeira vez sobre voz e a diferença entre ele e respiração. Ele então descreveu a natureza da produção de som de fala. Terminou o livro apresentando seu programa educacional para ensinar os surdos a falar. FIGURA 22 – O HOMEM SURDO FALANDO FONTE: Disponível em: <http://www.acsu.buffalo.edu/~duchan/ new_history/early_modern/amman.html>. Acesso em: 10 jun. 2017. TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 21 2.9 JACOB RODRIGUES PEREIRE (1715-1780) Perlin & Strobel (2008), destacam que Jacob Rodrigues Pereire foi, provavelmente, o primeiro professor de surdos na França, oralizou a sua irmã surda e utilizou o ensino de fala e de exercícios auditivos com os surdos. A Academia Francesa de Ciências reconheceu o grande progresso alcançado por Pereire: “Não tem nenhuma dificuldade em admitir que a arte de leitura labial com suas reconhecidas limitações [...] será de grande utilidade para os outros surdos-mudos da mesma classe, [...] assim como o alfabeto manual que o Pereire utiliza” (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 22). FIGURA 23 – JACOB RODRIGUES PEREIRE FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 32) 2.10 SAMUEL HEINICKE (1729-1790) Para Luchese (2016), Heinicke, o “Pai do Método Alemão” – Oralismo puro –, iniciou as bases da filosofia oralista quando um grande valor era atribuído somente à fala. Samuel Heinicke publicou a obra “Observações sobre os mudos e sobre a palavra”. Em 1778, Samuel Heinicke fundou a primeira escola de oralismo puro em Leipzig. Inicialmente, a sua escola tinha nove alunos surdos. “Em carta escrita à L’Épée, Heinicke narra: meus alunos são ensinados por meio de um processo fácil e lento de fala em sua língua pátria e língua estrangeira através da voz clara e com distintas entonações para a habitações e compreensão” (PERLIN; STROBEL, 2008, p. 18). UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 22 FIGURA 24 – SAMUEL HEINICKE (1729-1790) FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 32) 2.11 ABADE CHARLES MICHEL DE L’ÉPÉE (1712-1789) Luchese (2016), parafraseando Perlin e Strobel (2008), destaca uma pessoa muito conhecida na história de educação dos surdos, Abade Charles Michel de L’Épée. Ele conheceu duas irmãs gêmeas surdas que se comunicavam através de gestos, iniciou e manteve contato com os surdos carentes e humildes que perambulavam pela cidade de Paris, procurando aprender seu meio de comunicação e levar a efeito os primeiros estudos sérios sobre a língua de sinais. Procurou instruir os surdos em sua própria casa, com as combinações de língua de sinais e gramática francesa sinalizada denominado de “sinais metódicos”. L’Épée recebeu muita crítica pelo seu trabalho, principalmente dos educadores oralistas, entre eles, Samuel Heinicke. Entretanto, é considerado por outros autores “Pai dos Surdos”, pelas contribuições para a Língua de Sinais. TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 23 FIGURA 25 – CHARLES MICHEL DE L’ÉPÉE FONTE: LANE (1992, p. 78) Sacks (2010) afirma que era revolucionário, no século XVI, acreditar que para compreender algo não era necessário ouvir as palavras. Para o autor, L’Épée, com sua humildade, contribuiu para a mudança na história, visto que desejava dar a todas as pessoas surdas a oportunidade de aprenderem a palavra de Deus. Assim, ele dedicou-se a aprender a língua dos pupilos “surdos-mudos”, termo usado naquela época. Associando sinais a figuras e palavras escritas, o Abade De L’Épée (Figura 27) ensinou os surdos a ler, proporcionando-lhes acesso ao conhecimento e à cultura do mundo. Esse método, que era a união da língua nativa de sinais com a gramática francesa, proporcionava aos alunos surdos a possibilidade de escrever o que lhes era dito, através de um intérprete que se comunicava por sinais. Com isso, De L’Épée fundou a primeira escola que teve auxílio público em 1755, e treinou diversos professores, sendo que em poucos anos já haviam sido criadas mais de vinte e uma escolas para surdos na Europa. Dois anos após a morte de L’Épée, que ocorreu em 1789, sua escola transformou- se na Nacional Institution for Deaf-Mutes. UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 24 FIGURA 26 – ABADE DE L’ÉPÉE E A PRIMEIRA ESCOLA DE SURDOS NO MUNDO FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 33) Ainda segundo Sacks (2010), as escolas foram se expandindo, aumentou também o número de professores e intérpretes (Figura 28 e 29), porém em 1869, um movimento iniciado por pais e professores contra a utilização da Língua de Sinais pelos surdos, comprometeu toda a dedicação oferecida aos métodos utilizados. FIGURA 27 – NOVOS PROFESSORES ATUANDO FIGURA 28 – NOVOS PROFESSORES ATUANDO FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/8dwf- jT>. Acesso em: 12 jun. 2017. FONTE: Disponível em: <https://goo. gl/2ATMfh>. Acesso em: 12 jun. 2017. Todo o trabalho (Figura 30) de abade L’Épée com os surdos dependia dos recursos financeiros das famílias dos surdos e das ajudas de caridades da sociedade. TÓPICO 2 | IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA 25 FIGURA 29 – ABADE DE L’ÉPÉE FUNDADOR EM VÁRIAS ESCOLASDA EUROPA FONTE: Disponível em: <http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo7/libras/unidade3/ unidade3.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. Segundo Strobel (2009), em 1789, abade Charles Michel de L’Épée publicou sobre o ensino dos surdos por meio de sinais metódicos: “A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos”, o abade colocou as regras sintáticas e também o alfabeto manual inventado por Pablo Bonnet e esta obra foi mais tarde completada com a teoria pelo abade Roch-Ambrois e Sicard. FIGURA 30 – ESTÁTUA DE CHARLES-MICHEL DE L´EPÉE (1712-1789) FONTE: Disponível em: <http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publi- co/eixo7/libras/unidade3/unidade3.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 26 2.12 THOMAS BRAIDWOOD (1715-1806) Thomas Braidwood abre a primeira escola para surdos na Inglaterra, ele ensinava aos surdos os significados das palavras e sua pronúncia, valorizando a leitura orofacial, que é a leitura produzida pelo movimento da face e da boca ao mesmo tempo. FIGURA 31 – THOMAS BRAIDWOOD FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 33) 27 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A Idade Média é o período significativo de caminhada histórica, quando se passou das atrocidades contra às pessoas surdas, para uma exclusão social por serem seres castigados pelos Deuses ou ainda por serem objetos de curiosidade. • Como se valorizava muito os sentidos e o surdo não ouvia e nem falava, surgiu, na época, o termo surdo-mudo, que por equívoco muitas vezes ainda é utilizado nos dias atuais. • Na Itália, com os monges beneditinos, surge uma experiência de comunicação entre os surdos. • Na Idade Moderna, avança-se muito na caminhada histórica da educação de Surdos, acredita-se que o surdo é dotado de razão e se dissemina o ensino da Língua de Sinais entre os mesmos. Surgem muitos alfabetos manuais na época. • Muitas das experiências estão ligadas ao ensino de filhos surdos de famílias nobres, passando assim, a ter direito a heranças, por exemplo. Os monges educadores pretendiam também levar a palavra de Deus a todos. • Surgem mais de vinte e uma escolas de Língua de sinais por toda Europa, influenciadas pelas experiências de L’Épée. • Entretanto surge também, defendida principalmente pelo alemão Heinicke, a filosofia oralista para comunicação com os sujeitos surdos. 28 a) ( ) Thomas Braidwood. b) ( ) Abade Charles Michel de L’Épée. c) ( ) Samuel Heinicke. d) ( ) Johan Conrad Amman. AUTOATIVIDADE 1 Encontre um fato da Idade Média que comprove os avanços na caminhada histórica em relação à educação de surdos, quando comparados à Antiguidade. 2 Os surdos, agora considerados dotados de razão, passam a ter instrução. Tente colocar-se no lugar dos educadores da época, imaginando o ensino da Língua de Sinais e do oralismo. Escolha o método que você usaria e justifique sua escolha. 3 Quem foi o “Pai do Método Alemão”, que iniciou a base da filosofia oralista, onde um grande valor era atribuído somente à fala? 4 Quem foi considerado, por Sacks (2010), um revolucionário, por acreditar que para compreender algo não era necessário ouvir as palavras? Seu método era a união da língua nativa de sinais com a gramática francesa, fundou a primeira escola de Língua de Sinais e treinou diversos professores, o que influenciou a criação de mais de vinte e uma escolas na Europa. a) ( ) Samuel Heinicke. b) ( ) Abade Charles Michel de L’Épée. c) ( ) Pedro Ponce de Leon. d) ( ) Girolamo Cardano. 29 TÓPICO 3 IDADE CONTEMPORÂNEA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO As experiências de ensino em Língua de Sinais continuam se disseminando neste período, assim como o método do Oralismo Puro, até que, no Congresso de Milão, em 1880, se opta pelo método do Oralismo Puro para o ensino dos Surdos, o que é definido pela comunidade surda como um retrocesso para a Língua de Sinais. Entretanto, muitos surdos já instruídos e que se instruíram na época, passam a defender a comunidade surda e a Língua de Sinais, ganhando espaço e credibilidade na sociedade. Conheça também neste tópico, surdos que se destacaram e são reconhecidos não apenas na área da educação. 2 IDADE CONTEMPORÂNEA ATÉ OS NOSSOS DIAS 2.1 JEAN MARC GASPARD ITARD (1774-1838) Para Jean Marc Gaspard Itard, dos Estados Unidos, o surdo podia ser treinado para ouvir palavras, ele foi o responsável pelo clássico trabalho com Victor, o “garoto selvagem” (o menino que foi encontrado vivendo junto com os lobos na floresta de Aveyron, no sul da França), Lopes (2004) afirma que Itard considerou o comportamento do menino semelhante a um animal por falta de socialização e educação, apesar de não ter obtido sucesso com o “selvagem” na relação à língua francesa. Mas influenciou na educação especial com o seu programa de adaptação do ambiente, afirmava que o ensino de língua de sinais implicava o estímulo de percepção de memória, de atenção e dos sentidos. 30 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 32 – JEAN MARC GASPARD ITARD FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 34) DICAS Assista ao filme: “O garoto selvagem”. É um filme francês de 1970, do gênero drama, dirigido por François Truffaut e baseado em livro de Jean Itard, um médico francês que se torna responsável pela educação de uma criança selvagem. FONTE DA IMAGEM: Disponível em: <http://www.grupoestacao.com. br/distribuidora/filmes_old/garotoselvagem.html>. 2.2 THOMAS HOPKINS GALLAUDET (1787-1851) Campello e Quadros (2010) afirmam que em Hartford, nos Estados unidos, o reverendo Thomas Hopkins Gallaudet observava as crianças brincando no seu jardim quando percebeu que uma menina, Alice Gogswell, não participava das brincadeiras por ser surda e era rejeitada das demais crianças. Gallaudet ficou profundamente tocado pelo mutismo da Alice e pelo fato de ela não ter uma escola para frequentar, pois na época não havia escola de surdos nos Estados Unidos. Gallaudet tentou ensinar-lhe pessoalmente e com o pai da menina, o Dr. Masson Fitch Gogswell, pensou na possibilidade de criar uma escola para surdos. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 31 FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 38) FIGURA 33 – THOMAS GALLAUDET E A ALICE GOGSWELL Segundo as mesmas autoras acima citadas, o americano Thomas Hopkins Gallaudet parte à Europa para buscar métodos de ensino aos surdos. Na Inglaterra, o Gallaudet foi conhecer o trabalho realizado por Braidwood, na escola “Watson’s Asylum” (Figura 35 – uma escola onde os métodos eram secretos, caros e ciumentamente guardados), que usava a língua oral na educação dos surdos, porém foi impedido e recusaram-lhe a expor a metodologia, não tendo outra opção, Gallaudet partiu para a França onde foi bem acolhido e impressionou-se com o método de língua de sinais usado pelo abade Sicard. FIGURA 34 – ESCOLA WATSON’S ASYLUM, LONDRES/INGLATERRA FONTE: Lane (1992, p. 112) 32 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 2.3 LAURENT CLERC Campello e Quadros (2010) relatam que Thomas Hopkins Gallaudet volta à América trazendo o professor surdo Laurent Clerc, melhor aluno do “Instituto Nacional para Surdos-Mudos” de Paris. Durante a travessia de 52 dias na viagem de volta ao Estados Unidos, Clerc ensinou a língua de sinais para Gallaudet, que por sua vez lhe ensinou o inglês. FONTE: Disponível em: <https://goo. gl/2Vhs66>. Acesso em: 18 jun. 2017. FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 38) FIGURA 35 – THOMAS HOPKINS GALLAUDET FIGURA 36 – LAURENT CLERC Campello e Quadros (2010), salientam ainda que Thomas H. Gallaudet, junto a Clerc, fundou em Hartford, em 15 de abril 1817, a primeira escola permanente para surdos nos Estados Unidos em Hartford, “Asilo de Connecticut para Educação e Ensino de pessoas Surdas e Mudas”. Com o sucesso imediato da escola levou à abertura de outras escolas de surdos pelos Estados Unidos, quase todosos professores de surdos já eram usuários fluentes em língua de sinais e muitos eram surdos também. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 33 FIGURA 37 – THOMAS E LAURENT CLERC FUNDARAM A PRIMEIRA ESCOLA PERMANENTE PARA SURDOS DOS ESTADOS UNIDOS, EM HARTFORD (CONNECTICUT) FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 38) 2.4 UNIVERSIDADE DE GALLAUDET – GALLAUDET UNIVERSITY Em 1864 foi fundada a primeira universidade nacional para surdos “Universidade Gallaudet” em Washington – Estados Unidos – Segundo Campello e Quadros (2010), um sonho de Thomas Hopkins Gallaudet realizado pelo filho do mesmo, Edward Miner Gallaudet (1837-1917). FONTE: Quadros (2014, p. 25) FIGURA 38 – UNIVERSIDADE GALLAUDET 34 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO Sacks (2010) relata que Edward Gallaudet, em visitas que realizou a escolas de catorze países da Europa, no final da década de 1860, percebeu que embora houvesse escolas que utilizavam tanto a língua de sinais quanto a fala, as que utilizavam a língua de sinais obtinham melhores resultados com relação à educação geral. Retorna aos EUA e em assembleia sugere a escola elementar para surdos, melhor treinamento para professores, livros-textos, utilizar mais inglês escrito nos últimos anos de escola, uso de Leitura Orofacial (LOF) e treinamento de articulação para aqueles que tinham condições de aprender. Laurent Clerc morreu nesta época, quando o Oralismo atinge seu auge (ele lutava pelos sinais). Campello e Quadros (2010), também fazem a reflexão sobre os bons resultados das escolas que utilizavam a Língua de Sinais e afirmam que a Universidade Gallaudet (Gallaudet University) é a única universidade do mundo cujos programas são desenvolvidos para pessoas surdas. Está localizada em Washington, D.C., a capital dos Estados Unidos. É uma instituição privada que conta com o apoio direto do Congresso desse país. A primeira língua oficial de Gallaudet é a American Sign Language – ASL –, a língua de sinais dos Estados Unidos (o inglês é a segunda). Nessa língua se comunicam entre si empregados, estudantes e professores, e se ditam a maioria dos cursos. Ainda que se conceda prioridade aos estudantes surdos, a universidade admite, também, um pequeno número de pessoas ouvintes a cada semestre. A estas se exige o domínio da ASL como requisito para permanecer na instituição. DICAS Para conhecer de maneira mais aprofundada a história da fundação de Galaudet, acesse o link do Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=97P-C2nrYGw>. 2.5 ALEXANDER GRAHAM BELL (1818–1905) Nasceu em Edimburgo, Escócia, em 3 de março de 1847, (Figura 40) o futuro instrutor de surdos-mudos e especialista em problemas auditivos. Estudou durante alguns anos na Universidade de Edimburgo e na Universidade de Londres e aos 23 anos de idade emigrou para o Canadá. Em 1871 partiu para os Estados Unidos da América, onde fundou uma escola para crianças com dificuldades auditivas. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 35 FIGURA 39 – ALEXANDER GRAHAM BELL FONTE: Veloso e Filho (2009, p. 39) Strobel (2009) salienta que Alexander Bell foi o inventor do telefone, começou seus estudos na Escola Superior de Edimburgo, sua cidade natal. Em seguida, passou por três universidades. Esteve primeiro na de Edimburgo, depois no University College de Londres e, por fim, na de Würzburg, na Alemanha, onde conseguiu formar-se em medicina. Graças ao título de Doutor em Medicina e à experiência acumulada pelo pai, Bell abriu uma escola para diplomar instrutores de surdos-mudos, tornando-se, ele próprio, professor de fisiologia vocal. Foi esse o início de uma carreira segura, que lhe permitia trabalhar tranquilamente e se dedicar a certas experiências de acústica que desde os tempos universitários tinham atraído sua atenção. O pai de Bell, Segundo Strobel (2009), era autoridade indiscutível no campo dos problemas referentes à voz, à pronúncia e, sobretudo, às graves questões dos surdos-mudos, tivera a ideia de associar um desenho a todo som fonético para poder comunicar-se com os surdos-mudos e educá-los mais facilmente. Teria sido interessante construir um aparelho capaz de traçar automaticamente aqueles sinais fonéticos, a partir do som recebido. Ele permitia que seus filhos (Figura 41) assistissem às experiências que realizava nesse sentido. FIGURA 40 – FOTOS COM A MULHER E FILHOS DE ALEXANDER BELL FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/ebjMeX>. Acesso em: 18 jun. 2017. 36 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO Entre os anos 1870 e 1890, Strobel (2009) relata que Alexander Grahan Bell publicou vários artigos criticando casamentos entre pessoas surdas, a cultura surda e as escolas residenciais para surdos, alegando que são fatores do isolamento dos surdos com a sociedade. Ele era contra a língua de sinais argumentando que ela não propiciava o desenvolvimento intelectual dos surdos. 2.6 EDUARD HUET – 1822-1882 “O ser Surdo está presente como sinal e marca de uma diferença, de uma cultura e de uma alteridade que não equivale à dos ouvintes” (STROBEL, 2009, p. 16). Em 1855, o ministro de Instrução Pública Drouyn de Louys, o embaixador da França Monsieur Saint George e a corte do Rio de Janeiro, apresentaram o conde e professor surdo, Eduard Huet a Dom Pedro II, incentivando-o a criar um ensino para surdos-mudos (termo que utilizavam naquela época). Aqui se inicia a caminhada histórica da educação de surdos no Brasil, que Rocha (2008, p. 23) assim menciona: A educação escolar nas primeiras décadas do século XIX repercutiu nos primeiros momentos de organização do estado imperial. A ideia de disseminar o acesso à escolarização às camadas populares guardava também um sentido de controle dos súditos do novo império. Segundo Rocha (2008), a primeira escola criada no Brasil teve como objetivo ensinar a ler, escrever e contar. Era uma escola para pobres, brancos e livres. Naquela época, a sociedade, ainda escravocrata, organizava-se politicamente de forma distinta da atualidade. “Não guardava uma intenção de continuidade com os níveis de instrução secundária e superior, que eram destinados à aristocracia” (ROCHA, 2008, p. 23). Foi nesse cenário, conhecido como “das primeiras letras”, conforme Rocha, que em junho de 1855 E. Huet apresenta ao imperador D. Pedro II um projeto para criação de um estabelecimento para surdos. FIGURA 41 – E. HUET FONTE: Rocha (2008, p. 29) TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 37 A escola para surdos começou a funcionar no Brasil em 1º de janeiro de 1856, junto ao Colégio M. de Vassimon, no modelo privado. Nessa data, Huet apresentou seu programa de ensino, organizado com as seguintes disciplinas: “Língua portuguesa, Aritmética, Geografia e História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem Articulada (os que tivessem aptidão) e Doutrina Cristã” (ROCHA, 2008, p. 30). Huet, personalidade importante na história da educação de surdos, solicitou ao governo a concessão de um terreno para realizar os atendimentos. Strobel (2009) salienta a importância da história do fundador da 1ª escola de surdos no Brasil: E. Huet, professor surdo, nasceu, viveu e estudou em Paris. Fundou outras escolas de surdos em diversos países. Chegou ao Brasil em 1855 e fundou a primeira escola aqui. Em 1857, segundo Rocha (2008), a escola foi transferida para uma casa maior. Campello e Quadros (2010) ressaltam que os primeiros surdos que frequentaram a escola de surdos no Brasil foram um menino de 10 e uma menina de 12 anos. Rocha (2008) destaca que Huet nasceu em Paris em 1822 e ficou surdo aos 12 anos de idade, em consequência de ter contraído sarampo. Em junho de 1855, Huet apresentou ao imperador D. Pedro II um relatório em Língua Francesa, contendo o plano de criação de uma escola para surdos, denominado “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, hoje: “Instituto Nacional de Educação de Surdos” (INES). FIGURA 42 – INSTITUTO NACIONAL SURDOS-MUDOS FONTE:Rocha (2008, p. 30) 38 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 43 – INSTITUTO NACIONAL EDUCAÇÃO DE SURDOS – INES FONTE: Rocha (2008, p. 90) Strobel (2009) relata que o Instituto foi criado pela Lei nº 939, no dia 26 de setembro de 1857, data em que é comemorado o “Dia Nacional dos Surdos” no Brasil. A primeira escola apresentou uma proposta que mesclava a língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil. A autora comenta que no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Huet permaneceu até o ano de 1861, quando foi embora do Brasil devido a problemas pessoais, e para lecionar aos surdos no México. Neste período, o INES foi dirigido por Frei do Carmo, que logo abandonou o cargo e foi substituído por Ernesto do Prado Seixa. Segundo Rocha (2008), posteriormente, vários diretores foram se alternando no cargo do INES. Um dos marcos importantes foi o ano 1972, quando Tobias Rabello Leite assumiu o cargo efetivo de diretor do INES, cumprindo o objetivo de melhorar a rotina da instituição. “Umas das metas principais do Dr. Tobias era a de oferecer ensino profissionalizante” (ROCHA, 2008, p. 40). Campello e Quadros (2010) salientam que se pode afirmar que a base da Língua de Sinais Brasileira foi a Língua de Sinais Francesa (LSF). Afirmam ainda que, posteriormente, Flausino José de Gama traduziu o dicionário Iconographia dos Signais dos surdos-mudos, cujos desenhos foram copiados em 1875, alterando as palavras francesas para a Língua Portuguesa. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 39 FIGURA 44 – ICONOGRAPHIA DOS SIGNAIS DOS SURDOS-MUDOS FONTE: ROCHA (2008, p. 42) Para Campello e Quadros (2010), os anos de 1855 a 1880 foram os “anos de Ouro” para a comunidade surda do Brasil, já que no Congresso de Milão, em 1880, chegou-se à conclusão de que todos os surdos deveriam ser ensinados pelo Método Oral-Puro. 3 CONGRESSO DE MILÃO (1880) – RETROCESSO HISTÓRICO PARA O ENSINO DA LIBRAS O Congresso de Milão foi uma conferência internacional de educadores de surdos, no dia 6 de setembro de 1880, na cidade de Milão, Itália. Havia representantes da França, Itália, Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Bélgica, Suécia e Rússia. Apenas um surdo participou do congresso. O congresso não discutiu diretamente os métodos de ensino para pessoas surdas. 40 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 45 – LOCAL DO CONGRESSO EM MILÃO – ITÁLIA FONTE: Disponível em: <http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/pu- blico/eixo7/libras/unidade3/unidade3.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. O interesse era reafirmar a necessidade de substituição da língua de sinais pela língua oral nacional. Foram retomados velhos tempos e princípios de Aristóteles que dizia: “[...] a fala é o privilégio do homem, o único e correto veículo do pensamento, a dádiva divina, da qual foi dito verdadeiramente: a fala é a expressão da alma, como alma é a expressão do pensamento divino” (apud VELOSO; FILHO, 2009, p. 39). Foram colocadas as vantagens da fala e abolidos completamente os sinais. A língua de sinais, em todas as suas formas, foi proibida oficialmente, estigmatizada alegando que ela destruía a capacidade da fala dos surdos, argumentando que os surdos são “preguiçosos” para falar, preferindo usar a língua de sinais (VELOSO; FILHO, 2009, p. 45). Os autores afirmam que o domínio da língua oral pelo surdo passou a ser condição de aceitação dentro de uma comunidade majoritária. E relatam ainda que Edward Gallaudet, presente no congresso, defendeu o sistema combinado (oralidade e língua de sinais), porém não foi ouvido. As resoluções mais importantes do Congresso foram as seguintes, segundo Perlin e Strobel (2008): 1 Dada a superioridade incontestável da fala sobre os sinais para reintegrar os surdos-mudos na vida social e para dar-lhes maior facilidade de linguagem […] este Congresso declara que o método de articulação deve ter preferência sobre o de sinais na instrução e educação dos surdos e mudos. 2 O método oral puro deve ser preferido porque o uso simultâneo de sinais e fala tem a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura orofacial e a precisão de ideias. Veja as palavras de G. Ferreri (líder dos educadores italianos surdos) para um jornal de educação de surdo: TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 41 Eu sempre declarei que os surdos, mesmo aqueles instruídos, não podem ser colocados no mesmo lugar dos seus educadores ouvintes [...], posto que lhes falta, desde a mais tenra infância, o elemento que forma a inteligência, isto é, a língua mãe, eles permanecem para sempre inferiores no seu desenvolvimento psicológico, mesmo quando o mais paciente e habilidoso professor lhe transmite a fala (apud SACKS, 2010, p. 34). G. Ferreri (apud SACKS (2010), ainda afirma que os surdos privados de uma educação que lhes daria uma apreciação clara e exata de grande dádiva da fala, persistem em considerar com uma língua natural a sua mímica violenta e espasmódica, que pode, na melhor das hipóteses, simplesmente estabelecer o seu parentesco com os famosos primatas. Sacks (2010) reflete que após o Congresso de Milão, o oralismo puro invadiu a Europa. Começa o desejo do educador de ter o controle total das salas e não se sujeitar a dividir o seu papel com um professor surdo. É a não valorização do surdo enquanto elemento capaz de educar e decidir. Para Skliar (2012), uma das consequências do Congresso de Milão foi a demissão dos professores surdos a sua eliminação como educadores. Era a forma de impedir que eles pudessem ter qualquer tipo de força em organizar manifestações ou propostas que fossem contra o oralismo. O Congresso de Milão transformou a fala de uma comunicação em uma finalidade da educação. Segundo Skliar (2012), a Itália aprovou o oralismo puro para facilitar o projeto geral da alfabetização do país, eliminando um fator de desvio linguístico. As ciências humanas e pedagógicas aprovaram porque o oralismo respeitava a concepção filosófica Aristotélica em que o mundo das ideias, abstrações e da razão são representados pela palavra, enquanto o mundo do concreto e do material é através dos sinais. FIGURA 46 – APROVAÇÃO DO ORALISMO PURO FONTE: Lane (1992, p. 148) 42 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO Strobel (2009), salienta que Alexander Graham Bell teve grande influência neste congresso. O congresso foi organizado, patrocinado e conduzido por muitos especialistas ouvintes na área de surdez, todos defensores do oralismo puro (a maioria já havia empenhado muito antes do congresso em fazer prevalecer o método oral puro no ensino de surdos). Em contrapartida Sacks (2010 p. 59) ressalta os Congressos que seguiram na linha de discussão para que retornasse o uso da Língua de Sinais: 1º Congresso Internacional dos Surdos – 1889, Paris. Foi proclamado: “[...] a infalibilidade do método de Abbé L’Épée, sem excluir o uso da fala, reconhece a língua manual como instrumento mais apropriado para desenvolver o intelecto do surdo”. 2º Congresso – Chicago – 1893. 3º Congresso – Gênova – 1896, decidiram a favor do sistema combinado de instrução. 4° Congresso – Paris – 1900. Os surdos tiveram reuniões separadas dos ouvintes, pois muitos dos educadores oralistas presentes não aprovaram a presença de surdos nas discussões. Strobel (2009) afirma que, já no começo do século XX, surgem os primeiros relatos dos insucessos do oralismo puro. Um inspetor geral de Milão descreveu que o nível de fala e de aprendizado da leitura e escrita dos surdos após sete a oito anos de escolaridade era muito ruim, sendo que estes surdos não estavam preparados para uma função, a não ser como sapateiros ou costureiros. Lane (1982) relata que na França isso também foi notado. Os surdos educados no oralismo tinham uma fala ininteligível. Dois psicólogos, Alfred Binet e Theodoro Simon (1910),realizaram a primeira avaliação sistemática da educação de surdos em duas instituições francesas, concluindo que a educação oralista não permitia que eles conseguissem trabalho, trocassem ideias com estranhos e “tivessem uma conversa real com aqueles pertencentes as suas relações pessoais. Todos o que não progrediram na oralidade eram considerados deficientes mentais com necessidades especiais. Lane (1982) lembra que depois do Congresso de Milão, o conceito de surdo passou para “deficiente”, defendido pelo modelo médico. Vem então a descaracterização do surdo como diferente e a sua caracterização como anormal, como sujeito (indefinido) a ser tratado e curado, incapaz de responder àquilo que era esperado dele. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 43 SINOPSE DO FILME “SEU NOME É JONAS” O filme conta a história de um menino surdo (Jonas) que foi internado em um hospital psiquiátrico, como deficiente mental, por um erro do médico. Quando os pais de Jonas realmente descobrem que ele é surdo e não deficiente mental, eles o tiram da clínica onde ele estava por 3 anos. Devido ao erro médico, Jonas já havia perdido parte de sua vida, pois ele e sua família não sabiam nada sobre o mundo dos surdos. A mãe de Jonas vai em busca de recuperar o tempo perdido, levando-o para uma escola “apropriada” para ele. Porém, Jonas não consegue acompanhar seus colegas de sala, pois nessa escola o uso de sinais era proibido. Os responsáveis pela escola acreditavam que o uso dos sinais poderia deixar o surdo preguiçoso, ou seja, o surdo não seria oralizado, o que faria com que ele se comunicasse apenas com quem também é surdo. Ensinar Jonas a ler os lábios e a falar foi uma tarefa muito difícil, Jonas se sentia frustrado em ter que tentar pronunciar palavras que nunca havia ouvido o som. A mãe de Jonas se desespera, pois ela vê os dias passando e nada de Jonas evoluir na escola e muito menos no convívio familiar. O pai de Jonas não consegue lidar mais com essa situação e até sugere que Jonas seja internado novamente, pois assim o convívio da família seria mais fácil. A mãe de Jonas não aceita a ideia de seu pai, o qual vai embora, deixando toda sua família para trás. Ao tentar buscar outros métodos para ajudar seu filho, a mãe de Jonas encontra uma família de surdos e vê que eles se comunicam por meio de sinais. Finalmente, a mãe de Jonas entra no mundo dos surdos, ela vai a um clube onde os surdos se encontram e conhece muitos deles, começa a aprender como funciona a língua de sinais e a cultura surda. A partir de então, alguns surdos começam a ensinar a língua de sinais para Jonas, que passa a ter uma nova descoberta do mundo. FONTE: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3Z0_CAQlIzY>. Acesso em: 12 out. 2017. DICAS 4 HELLEN ADAMS KELLER Helen Adams Keller nasceu em 27 de junho de 1880, em Tuscumbia, Alabama, Estados Unidos, ficou cega e surda aos dois anos de idade. Aos sete anos foi confiada à professora Anne Mansfield Sullivan, que lhe ensinou o alfabeto manual tátil (método empregado pelos surdos-cegos). Foi uma escritora, conferencista e ativista social norte-americana. 44 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 47 – HELLEN ADAMS KELLER FONTE: Strobel (2008, p. 152) Hellen Keller foi a primeira pessoa surda e cega a conquistar um bacharelado. Strobel (2009) relata que a história sobre como sua professora, Anne Sullivan, conseguiu romper o isolamento imposto pela quase total falta de comunicação, permitindo à menina fl orescer enquanto aprendia a se comunicar, tornou-se amplamente conhecida através do roteiro da peça The Miracle Worker, que virou o fi lme “O Milagre de Anne Sullivan” (1962). Seu aniversário em 27 de junho é comemorado como Helen Keller Day, no estado da Pennsylvania, e foi autorizado em nível federal por meio da proclamação presidencial de Jimmy Carter em 1980, no centenário de seu nascimento. FIGURA 48 – FILME “O MILAGRE DE ANNE SULIVAN” FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/fi l- mes/fi lme-4888/>. Acesso em: 15 jun. 2017. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 45 Tornou-se uma célebre e prolífica escritora, filósofa e conferencista, uma personagem famosa pelo extenso trabalho que desenvolveu em favor das pessoas com deficiência. Keller viajou muito e expressava de forma contundente suas convicções. Membro do Socialist Party of American e do Industrial Workersofthe World, participou das campanhas pelo voto feminino, direitos trabalhistas, socialismo e outras causas de esquerda. Ela foi introduzida no Alabama Women's Hall of Fame, em 1971. Hellen Adams Keller faleceu no dia 1 de junho de 1968 (87 anos) em Westport, Connecticut, Estados Unidos. Anne Sullivan nasceu em 14 de abril de 1866, em Nova Iorque, e faleceu no dia 20 de outubro de 1936. Foi uma educadora estadunidense, mais conhecida por ter sido a professora de Helen Keller, uma adolescente surda-cega a quem ensinou por meio da Língua de Sinais através do tato. FIGURA 49 – ANNE SULIVAN FONTE: Strobel (2008, p. 153) 5 OUTROS DESTAQUES NA COMUNIDADE SURDA EM GERAL Strobel (2009) traz vários destaques da comunidade surda. Entre eles, em 1932, Antônio Pitanga, escultor surdo, pernambucano formado pela escola de Belas Artes, foi vencedor de três prêmios: Medalha de prata (escultura Menino Sorrindo), Medalha de ouro (Escultura Ícaro) e o prêmio viagem à Europa (com a escultura Paraguassu). 46 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 50 – ANTÔNIO PITANGA FONTE: Strobel (2008, p. 55) A autora cita também Vicente de Paulo Penido Burnier, surdo, que em 1951 foi ordenado como padre no dia 22 de setembro. Ele precisou esperar durante três anos uma liberação do Papa da Lei Direito Canônico1, pois na época havia a proibição de surdo se tornar padre. 1 http://portalgualandi.com.br/site/?p=2119 FIGURA 51 – VICENTE DE PAULO PENIDO BURNIER FONTE: Strobel (2008, p. 58) Strobel (2009), cita também o surdo brasileiro Jorge Sérgio L. Guimarães, que em 1961, publicou no Rio de Janeiro o livro “Até onde vai o surdo”, no qual ele relata suas experiências como surdo, em forma de crônicas. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 47 FIGURA 52 – JORGE SÉRGIO L. GUIMARÃES FONTE: Strobel (2008, p. 59) 5.1 WILLIAN STOKOE (1960) Campello e Quadros (2010) afirmam que Willian Stokoe foi um dos primeiros linguistas a estudar uma língua de sinais com tratamento linguístico. É considerado o pai da linguística da língua de sinais americana. FIGURA 53 – WILLIAN STOKOE FONTE: Quadros, Pizzio e Rezende (2009, p. 17) Stokoe publicou “Sign Language Structure: an Outline of Visual Communication Systems of the American Deaf” (Estrutura da língua de sinais: um esquema de sistemas de comunicação visual dos surdos americanos) afirmando que Língua de Sinais Americana (ASL) é uma língua com todas as características da língua oral. Para Campello e Quadros (2010), esta publicação foi uma semente de todas as pesquisas que floresceram nos Estados Unidos e na Europa. 48 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 54 – SIGN LANGUAGE STRUCTURE: AN OUTLINE OF VISUAL COMMUNICATION SYSTEMS OF THE AMERICAN DEAF FONTE: Quadros, Pizzio e Rezende (2009, p. 28) Quadros e Karnopp (2007, p. 30) afirmam que: As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua dos sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Stokoe revolucionou a linguística da época, apresentando uma análise descritiva da língua de sinais americana. Quadros, Pizzio e Rezende (2009) afirmam que os estudos linguísticos de Stokoe concentravam-se nasanálises de línguas faladas e, pela primeira vez, um linguista estava apresentando os elementos linguísticos de uma língua de sinais. Stokoe apresenta uma análise no nível fonológico e morfológico e, assim, as línguas de sinais passaram a ser vistas como línguas de fato. DICAS Saiba mais sobre William Stokoe acessando: <http://gupress.gallaudet.edu/ stokoe.html>. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 49 5.2 EUGÊNIO OATES (1969) O Padre Eugênio Oates, missionário norte-americano, publicou em 1969 um livro que é o primeiro dicionário de correspondência entre palavras do português e sinais do que então passa a se denominar linguagem das mãos. Strobel (2009), relata que este padre, com o seu colaborador padre Vicente Penido Burnier, ajudou a produzir, em 1981, o segundo livro sobre “Linguagem de sinais do Brasil”. Produzido no contexto luterano de Porto Alegre, esse livro visa fundar o que passou a se denominar comunicação total, a prática pedagógica que superou o oralismo, trazida por missionários luteranos norte-americanos. Este livro contém 1258 sinais fotografados. FIGURA 55 – LIVRO DO PADRE EUGÊNIO OATES FONTE: Strobel (2008, p. 100) 6 FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS – FENEIS Em ano de 1977 foi criada a FENEIDA (Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos), segundo Campello e Quadros (2010), composta apenas por pessoas ouvintes, envolvidas com a problemática da surdez. Após 10 anos, com muitas lutas em defesa da pessoa surda no Brasil, em 1987 foi reestruturado o estatuto da instituição, que passou a ter o nome Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS. 50 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO FIGURA 56 – FENEIS FONTE: Disponível em: <http://feneis.org.br/inicio/>. Acesso em: 15 jun. 2017. A FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Segundo Campello e Quadros (2010), é uma entidade fi lantrópica, sem fi ns lucrativos, que tem por fi nalidade a defesa de políticas em educação, cultura, saúde e assistência social, em favor da comunidade surda brasileira, bem como a defesa de seus direitos. Desenvolve ações de educação informal e permanente, com intuito de valorizar o ser humano e estimular a autonomia pessoal, a interação e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir. Oferece também atividades de turismo social, programas de saúde e de educação ambiental, programas especiais para crianças e terceira idade, entre outros. As autoras ainda afi rmam que a FENEIS é fi liada à Federação Mundial dos Surdos, conta com uma rede de sete Administrações Regionais, e, face à importância, suas atividades foram reconhecidas como de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal. A FENEIS conquistou a sua sede própria no dia 8 de janeiro de 1993, Rio de Janeiro – Brasil. Strobel (2009) lembra que em 1999 foi lançada a primeira revista da FENEIS, com capa ilustrativa do desenhista surdo Silas Queirós. FIGURA 57 – REVISTA FENEIS FONTE: Disponível em: <http://feneis.org.br/revista/. Acesso em: 15 jun. 2017. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 51 DICAS Saiba mais sobre a FENEIS na seguinte página: <http://feneis.org.br/inicio/>. Sugerimos a leitura de artigo sobre a história da Feneis. Acesse: <http://www.editora-arara- azul.com.br/pdf/artigo6.pdf>. 7 CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE DESPORTOS DE SURDOS (CBDS) Strobel (2008), autora surda, militante dos movimentos surdos no Brasil, participou da diretoria da FENEIS no cargo de presidente e em sua pesquisa lembra que a Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS) foi fundada ofi cialmente em 17 de novembro de 1984, mas sua história começa bem antes, na década de 1950, com o intenso movimento de criação de Associações de Surdos. No início, as associações funcionavam como espaços de recreação e lazer, mas com o passar do tempo passaram a ser importantes pontos de articulação política e de prática desportiva. A CBDS, ao longo de mais de 32 anos de existência, contribuiu e continuará contribuindo com a inclusão social das pessoas surdas através do esporte. Apesar das imensas difi culdades, desde a sua fundação até os dias atuais, a entidade sobrevive pelo esforço de voluntários da comunidade surda de todo o Brasil, passando por um grande dinamismo esportivo. Houve um intenso crescimento no número de associações por todo o país e, consequentemente, no número de competições locais, regionais e nacionais em diversas modalidades esportivas. FIGURA 58 – CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE DESPORTOS DE SURDOS (CBDS) FONTE: Disponível em: <http://cbds.org.br>. Acesso em: 15 jun. 2017. 52 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO 8 MARLEE BETH MATLIN (1986) Marlee nasceu em Morton Grove, 24 de agosto de 1965, é uma atriz norte- americana que marcou a história mundial dos surdos, sendo a primeira atriz surda. É surda desde os seus 18 meses de idade, é também um membro da Associação Nacional dos Surdos (National Association of the Deaf). FIGURA 59 – MARLEE BETH MATLIN FONTE: Strobel (2008, p. 110) Campello e Quadros (2010), lembram que Marlee foi a única atriz surda a ganhar um Óscar para melhor atriz num papel principal. Ela ganhou esse Oscar pelo filme Childrenof a Lesser God, traduzido no Brasil com o nome ‘Filhos do Silêncio’. Com o seu trabalho no cinema e na televisão ganhou um Globo de Ouro, teve duas nomeações e teve quatro nomeações para um Emmy. Sinopse do filme: Segundo Veloso e Filho (2009), James Leeds (William Hurt) é um idealista professor de língua de sinais que gosta de usar métodos pouco convencionais. Na escola em que acaba de ser contratado, ele conhece Sarah Norman (Marlee Matlin), uma mulher arredia e fechada que continua na escola mesmo após ter se formado. Ao perceber o medo que a jovem tem do mundo, ele tenta se aproximar e ajudá-la, e o que era um desafio profissional, logo se transforma em uma louca paixão. FIGURA 60 – A VOZ DO SILÊNCIO FONTE: Strobel (2008, p. 110) TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 53 9 EMMANUELLE LABORIT Strobel (2009), salienta que a atriz surda nasceu em 18 de outubro de 1971, é francesa e diretora do Teatro Visual Internacional, neta do cientista Henri Laborit (1914-1995). Só conheceu a língua gestual aos sete anos, ensinando-a rapidamente a sua irmã, que assim se tornou sua confidente. Antes de aprender a Língua Gestual Francesa, ela apenas se comunicava com sua mãe: tinham uma comunicação "umbilical". FIGURA 61 – EMMANUELLE LABORIT FONTE: Strobel (2008, p. 108) Felipe (2007), afirma que no livro autobiográfico “O grito da gaivota”, escrito em 1993, Laborit retrata as suas lembranças de infância, sua difícil adolescência e o início da sua idade adulta autônoma, assim como o seu percurso. Venceu o prêmio de Molière da revelação teatral, em 1993, pelo seu papel em Filhos de um deus menor, adaptado da peça estadunidense com o mesmo nome, escrita por Mark Medoff: ela é a primeira atriz surda a receber, na França, tal reconhecimento. Tornou-se ainda a embaixatriz da Língua Gestual Francesa. GURA 62 – O GRITO DA GAIVOTA FONTE: Strobel (2008, p. 108) 54 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO DICAS Indicamos a leitura do livro "O grito da gaivota", de Emmanuelle Laborit. Disponível em: <http://docslide.com.br/documents/o-grito-da-gaivota-562f94011b50f. html>. Acesso em: 5 jun. 2017. 10 CLOSED CAPTION (1997) Segundo Campello e Quadros (2010), Closed caption ou legenda oculta, também conhecida pela sigla CC, é um sistema de transmissão de legendas via sinal de televisão. Essas legendas podem ser reproduzidas por um televisor que possua função para tal, e tem como objetivo permitir que os deficientes auditivos pudessem acompanhar os programas transmitidos. As legendas ficam ocultas até que o usuário do aparelho acione a função na televisão através de um “menu”ou de uma tecla específica. A legenda oculta descreve além das falas dos atores ou apresentadores qualquer outro som presente na cena: palmas, passos, trovões, música, risos etc. FIGURA 63 – CLOSED CAPTION FONTE: Strobel (2008, p. 56) Segundo as mesmas autoras acima citadas, o acesso à exibição de legenda na televisão foi iniciado pela primeira vez no Brasil, na emissora Rede Globo, o Jornal Nacional, em mês de setembro de 1997. TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 55 11 PRIMEIROS INSTRUTORES/AGENTE MULTIPLICADORES DE LIBRAS NO BRASIL Com relação à Capacitação de Instrutores/Multiplicadores (Surdos) de Libras, foi oferecido o curso de Libras para instrutores surdos habilitando-os para o ensino de Libras no ano de 2001, com a metodologia Libras em Contexto organizado pela professora doutora Tanya Felipe e equipe de instrutores da FENEIS. Segundo Felipe (2007), estes primeiros surdos cursistas foram chamados de agentes multiplicadores, pois tinham como tarefa capacitar novos instrutores para o ensino da Língua de sinais em seus estados de origem. Para justificar a atuação do instrutor surdo, o programa garantiu sua presença determinando institucionalmente que os surdos, embora sem titulação acadêmica para o ensino de línguas, eram proficientes na língua brasileira de sinais. Assim, o MEC/SEESP, em parceria com a FENEIS se propôs a realizar cursos para instrutores surdos. Strobel (2009), enfatiza que consistia em um treinamento para a aplicação do livro "Libras em Contexto", de autoria de Tanya Amara Felipe e Myrna Salermo. O conteúdo constou de estudo sobre a educação de surdos, gramática da língua de sinais e metodologia do ensino de línguas (Curso de 40 horas). FIGURA 64 – LIVRO “LIBRAS EM CONTEXTO” FONTE: Strobel (2008, p. 59) 12 LEI No 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002 A Língua de Sinais, abolida a partir do Congresso de Milão de 1880, passa quase 100 anos resistindo entre os grupos surdos de diferentes regiões do Brasil, assim como em outros países. Depois de muitas lutas, conseguiu-se a conquista e vitória da legislação de Libras no Brasil. Pode-se considerar que os surdos têm o seu lugar ao sol nos dias atuais, muito se conquistou nesta caminhada da Educação de Surdos: o reconhecimento a partir dos espaços de luta, o espaço acadêmico, legalmente o direito de usar a Língua de Sinais. 56 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO Segue a Lei na íntegra: Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e dá outras providências. O Presidente da República, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de abril de 2002. 181º da Independência e 114º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza. FONTE: Brasil (2002) TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 57 13 GLADIS TERESINHA TASCHETTO PERLIN (2003) Quadros, Pizzio e Rezende (2009) salientam que a primeira surda a obter título de doutora em Educação no Brasil. Possui graduação em Licenciatura em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1987), é Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998), Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e Pós-doutorada em Educação (2014) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação de Surdos, atuando principalmente nos seguintes temas: surdez e diferença, cultura, educação e identidade. FIGURA 65 – GLADIS TERESINHA TASCHETTO PERLIN FONTE: Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/busca- textual/visualizacv.do?id=K4763112T6>. Acesso em: 10 jun. 2017. 14 LETRAS LIBRAS – UFSC (2006) O primeiro curso de Letras Libras foi ofertado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este, por sua vez, foi aprovado em 2005 e ofertado na modalidade a distância com o apoio do Ministério de Educação. A proposta foi registrada, posteriormente, no livro “Letras Libras ontem, hoje e amanhã”, organizado por Quadros (2014), com o objetivo de trazer elementos sobre a constituição do Curso de Letras Libras. Os cursos ofertados pela UFSC, compreendem a licenciatura para formar professores de Libras e o bacharelado para formar tradutores e intérpretes de Libras e Português. É uma ação da Universidade Federal de Santa Catarina juntamente com instituições conveniadas e com o Ministério da Educação (MEC) – Governo Federal. Foi oferecido na modalidade a distância com o objetivo de democratizar esse processo de formação com abrangência nacional, envolvendo 15 estados do Brasil. Diferentes regiões tiveram a 58 UNIDADE 1 | A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DO MUNDO oportunidade de formar professores de língua de sinais na perspectiva dos próprios surdos, bem como formar tradutores e intérpretes preparados para fazerem tradução e interpretações de Libras e Português em uma perspectiva cultural (QUADROS, 2014, p. 5). Assim, a titulação da primeira turma da UFSC foi em 2010 e da segunda, em 2012, com alunos provenientes de 16 estados brasileiros. “O Curso formou um total de 389 alunos licenciados em 2010, 312 bacharéis e 378 licenciados em 2012” (QUADROS, 2014, p. 10). Veja a publicação EAD: FIGURAS 66 – CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS – UFSC FONTE: Quadros (2014, p. 10) TÓPICO 3 | IDADE CONTEMPORÂNEA 59 15 A FAMÍLIA BÉLIER (2014) O filme lançado em 2017, na família Bélier, Paula, a filha de dezesseis anos, é a intérprete indispensável para muitas das tarefas diárias de seus pais e irmãos, todos eles são surdos, menos ela (que fala por telefone, lida com o banco ou facilita-lhes a compreensão no consultório médico), sobretudo relacionado à manutenção da granja. Paula é como se fosse a tradutora da sua família. Um dia, um professor de música descobre seu dom pelo canto e anima Paula para que participe num prestigioso concurso musical em Paris, o que lhe daria acesso seguro a uma boa carreira e aos estudos universitários. No entanto, esta decisão significa deixar para traz sua família, desnorteada e inquieta pela iniciativa e para quem o conceito da música resulta alheio, Paula começa a dar seus primeiros passos como adulta, ainda que enfrentea incompreensão dos pais, as dúvidas sobre a sua vocação musical, o abandono das responsabilidades com a família e a incerteza sobre a crescente atração por um rapaz de sua idade. Enquanto isso, seu pai Rodolphe Bélier, insatisfeito com as ações do prefeito da cidade, decide concorrer às eleições, apesar de sua deficiência. FIGURA 67 – FILME FAMÍLIA BÉLIER FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/fil- mes/filme-214860/>. Acesso em: 10 jun. 2017. DICAS Assista ao filme “A Família Bélier”. Acesse: <https://www.youtube.com/ watch?v=-jYt4h7t1gI>. 60 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você viu que: • Na Idade Contemporânea surgem muitas experiências no uso da Língua de Sinais, por exemplo: Thomas Gaulated e Laurente Clerc, que criaram a primeira escola para surdos nos Estados Unidos da América. • Mais tarde, Eduward Gaulated realiza o sonho do pai fundando a Universidade Gaulated, em Washington, também nos EUA. • No Brasil, o professor surdo Eduard Huet é apresentado a Dom Pedro II, incentivando nosso imperador a criar um ensino para surdos e iniciando a caminhada histórica da educação de surdos no Brasil. • Em 1857, é criado o INES – Instituto Nacional Surdos-Mudos, pela Lei nº 939, de 26 de setembro, data em que é comemorado o “Dia Nacional dos Surdos” no Brasil. Esta primeira escola do Brasil apresentou uma proposta que mesclava a língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil. • Concomitantemente, ainda na Idade Contemporânea, surgem também experiências oralistas, a exemplo de Alexander Bell, estudioso escocês e Jean Marc Gaspard Itard, norte-americano que se debruçou sobre a pesquisa com o Menino Lobo. • Em 1880, ocorre o que os surdos denominam de Retrocesso da Língua de Sinais, pois ela é abolida a partir do Congresso de Milão, que se define a favor do uso do Oralismo Puro. • Diferentes grupos em diferentes partes do mundo passam quase 100 anos resistindo a teoria Oralista. A exemplo de Willian Stokoe, linguista norte- americano, que passa a comparar as Línguas de Sinais as Línguas orais em termos linguísticos. • Padre Eugenio, também Norte Americano, que cria um livro com 1.258 sinais fotografados, considerado o primeiro dicionário da Língua de Sinais. • Mesmo no contexto da proibição da Língua de Sinais nos espaços escolares, aqui no Brasil é fundada a FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos; e em 1984 a CBDS – Confederação Brasileira de Desportos de Surdos, com caráter mais esportivo. 61 • Outros movimentos a favor da Libras vão surgindo, e depois de muitas lutas, em 2002, cria-se a Lei de Libras, Lei nº 10.436. A partir da qual a inclusão vem acontecendo e desencadeou inúmeras ações que serão estudas na Unidade 3 deste livro de estudos. 62 (A) Helen Adams Keller. (B) Marlee Beth Matlin. (C) Emmanuelle Laborit. (D) Willian Stokoe. (E) Antônio Pitanga. (F) Gladis Teresinha Taschetto Perlin. (G) Vicente de Paulo Penido Burnier. (H) Jorge Sérgio L. Guimarães. ( ) Escultor surdo, pernambucano, formado pela escola de Belas Artes, foi vencedor de três prêmios: Medalha de prata (escultura Menino Sorrindo), Medalha de ouro (Escultura Ícaro) e o prêmio viagem à Europa (com a escultura Paraguassu). AUTOATIVIDADE 1 Por que a Comunidade Surda considera um retrocesso a definição pelo método do Oralismo Puro, aprovada a partir do Congresso de Milão? 2 A Educação de Surdos no Brasil se inicia em 1855, quando o Conde e professor surdo Eduard Huet é apresentado a Dom Pedro II, e em consequência dos bons resultados de seu trabalho, um ano depois funda a Escola de Surdos no Brasil. Qual a origem do professor Eduard Huet? Ou seja, qual a Língua de Sinais que influenciou a Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS? a) ASL – Língua de Sinais Americana. b) Não houve influência. c) LSF – Língua de Sinais Francesa. 3 Por que Willian Stokoe é considerado o pai da linguística da língua de sinais americana – ASL? 4 Após assistir ao filme “Seu Nome é Jonas”, faça tópicos do que lhe chamou a atenção, incluindo o que sentiu do tempo que ele estava internado em um hospital psiquiátrico, quando estava na escola oralista, e quando estava no ensino da Libras. 5 Relacione a personalidade citada no texto com seu contexto histórico: 63 ( ) Atriz norte-americana que marcou a história mundial dos surdos. É surda desde os seus 18 meses de idade, é também um membro da Associação Nacional dos Surdos (National Association of the Deaf). ( ) Surdo ordenado como padre no dia 22 de setembro de 1951. Precisou esperar durante três anos uma liberação do Papa da Lei Direito Canônico, pois na época havia a proibição de surdo se tornar padre. ( ) Francesa, diretora do Teatro Visual Internacional, neta do cientista Henri Laborit. Conheceu a língua gestual aos sete anos, ensinando-a rapidamente a sua irmã, que assim se tornou sua confidente. Escreveu o livro autobiográfico “O grito da gaivota”, em 1993, onde retrata as suas lembranças de infância, sua difícil adolescência e o início da sua idade adulta autônoma. ( ) Primeira surda a obter título de doutora em Educação no Brasil. Graduada em Licenciatura em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre, Doutora e Pós-Doutorada em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora da Universidade Federal de Santa Catarina. ( ) Um dos primeiros linguistas a estudar uma língua de sinais com tratamento linguístico. É considerado o pai da linguística da língua de sinais americana. ( ) Nascida nos Estados Unidos, ficou cega e surda aos dois anos de idade. Aos sete anos foi confiada à professora Anne Mansfield Sullivan, que lhe ensinou o alfabeto manual tátil (método empregado pelos surdos-cegos). Primeira pessoa surda e cega a conquistar um bacharelado, foi escritora, conferencista e ativista social norte-americana. ( ) Surdo, brasileiro, que em 1961 publicou no Rio de Janeiro o livro “Até onde vai o surdo”, no qual ele relata suas experiências como surdo, em forma de crônicas. 64 65 UNIDADE 2 SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Objetivos de aprendizagem: • buscar e/ou aprofundar conhecimentos sobre os conceitos de surdez nos olhares clínico e educacional; • estimular a discussão das relações existentes entre educação de surdos, cultura, identidade e Língua de Sinais; • identificar fundamentos legais da Língua Brasileira de Sinais, refletindo sobre a materialidade da legislação que se refere a ela. Esta unidade está organizada em três tópicos. Ao final de cada um deles, você encontrará o resumo e as autoatividades, que darão maior compreensão dos temas abordados. TÓPICO 1 – MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO E PRÓTESE AUDITIVA TÓPICO 2 – CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ TÓPICO 3 – O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 66 67 TÓPICO 1 MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO E PRÓTESE AUDITIVA UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Este primeiro tópico da Unidade 2 abordará a parte mais ligada à área da medicina, iniciando pela parte física do ouvido, que é algo complexo, pois estamos nos referindo ao aparelho responsável pelo sentido da audição, detalhando as partes e as suas funções. Depois serão levantadas as causas da surdez, que podem ser congênitas ou adquiridas, mas que podem aparecer em diferentes etapas da vida. Na sequência veremos como se classificam as perdas auditivas, como é medida esta perda e qual é a prótese auditiva sugerida para cada caso. No final deste tópico falaremos um pouco sobre o implante coclear e a polêmica gerada em relação a ele. Sabe-se que tudo que é novo traz dúvidas e insegurança, esperamos que se invista mais em pesquisas sobre os resultados destas intervenções e suas reais contribuições para o desenvolvimento acadêmico e social dos sujeitos surdos, mas principalmente que o uso do implante não seja algo em que o sujeitotenha que optar, ou implante ou Língua de Sinais, deixando que conheça as diferentes formas de expressão e que, no futuro, possa escolher aquela em que se sinta melhor. 2 MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO O ouvido humano é um órgão avançado e muito sensível, responsável por nosso sentido auditivo. Sua função é transmitir e traduzir sons para o cérebro e a maior parte deste órgão está no interior da cabeça. Segundo o livro “Série Audiologia”, publicado pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES no ano de 2010, o ouvido, ou orelha, nome proposto pela nova nomenclatura médica, é uma estrutura complexa, dividida em três partes: externa, média e interna, como veremos adiante. 2.1 OUVIDO EXTERNO O ouvido externo atua como receptor das ondas sonoras. É dividido em pavilhão auditivo ou orelha e canal auditivo externo. Segundo Mello e Pinho (1989, p. 32), o ouvido externo é mais que um coletor de sons, é “uma estrutura UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 68 dinâmica, quer pelo efeito de convergência das ondas no meato auditivo externo, realizada pela configuração do pavilhão auricular, quer pelas angulações do próprio canal auditivo externo”. O pavilhão auditivo é recoberto por uma estrutura cartilaginosa, à exceção do extremo inferior do lóbulo, que se apresenta carnoso e pendular. O rebordo externo, ou hélice da orelha, circunda uma segunda dobra interna, ou antélice, que delimita a concha do canal auditivo. O canal auditivo, delimitado por uma estrutura fibrocartilaginosa, apresenta pelos e glândulas ceruminosas, que produzem o cerume ou cera, substância que protege o acesso ao ouvido médio. Quanto ao ouvido médio, este é constituído por várias cavidades ligadas entre si, que constituem a denominada caixa do tímpano. 2.2 OUVIDO MÉDIO O ouvido médio encontra-se limitado exteriormente pelo tímpano, membrana sensível que transmite as vibrações sonoras aos ossos do ouvido. O primeiro desses ossos, o martelo, está fixado à membrana timpânica, seguido da bigorna e do estribo, comunicando-se este último com a chamada janela oval, que marca a transição para o ouvido interno. A vibração desses minúsculos ossos, fixados à parede da cavidade auditiva por meio de pequenos ligamentos, reduz a amplitude das ondas sonoras que os atingem, ao mesmo tempo em que amplificam a intensidade. Esse sistema é fundamental para que as ondas que se propagam nesse meio possam passar ao meio líquido do ouvido interno. A caixa do tímpano contém ar e se comunica com as vias aéreas superiores através da trompa de Eustáquio. Na extremidade desta trompa de Eustáquio existem músculos na orofaringe, que fazem com que a pressão da caixa-de-ar no ouvido seja igual à do exterior. 2.3 OUVIDO INTERNO Segundo INES (2010), o ouvido interno também é denominado labirinto, devido a sua complexidade estrutural. Consta basicamente de um conjunto de cavidades situadas na região mastoidea do osso temporal do crânio, que se encontram cheias de um líquido denominado perilinfa; e de um grupo de membranas internas, em cujo interior flui a chamada endolinfa. Assim, estabelece- se uma diferença entre o labirinto ósseo e o membranoso. A estrutura óssea é formada por três cavidades: o vestíbulo, em contato com o ouvido médio por meio da janela oval; a cóclea ou caracol, orgânulo disposto em espiral em torno de um eixo cônico; e os três canais semicirculares, ligados ao vestíbulo por cinco aberturas. Aos orgânulos ósseos correspondem várias partes membranosas do labirinto. Assim, ao vestíbulo correspondem dois divertículos membranosos, o utrículo e o sáculo, enquanto os canais semicirculares apresentam os condutos homônimos como equivalente membranoso. É nessas minúsculas estruturas que se localizam as células responsáveis pelo equilíbrio, as quais contêm os chamados TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 69 estatólitos e otólitos, corpúsculos reguladores dessa função. Na cóclea óssea está situado o canal coclear, sede do órgão de Corti. Este é o sistema terminal acústico e compreende os bastonetes de Corti, as células auditivas e seus correspondentes elementos de apoio. Em seu interior realiza-se a transformação das vibrações sonoras em impulsos nervosos que, transmitidos ao nervo acústico, passam ao cérebro. FIGURA 68 – MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO HUMANO FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/>. Acesso em: 2 out. 2017. 3 CAUSAS DA SURDEZ E TIPOS DE SURDEZ A surdez é uma condição que se manifesta com diferentes graus, desde perdas auditivas mais leves até a surdez profunda, e pode ocorrer em apenas um ouvido ou nos dois. Na ausência da audição, um dos principais sentidos humanos, segundo Costa (2003), impede que os indivíduos conheçam os sons, e consequentemente tenham problemas de comunicação através da linguagem oral. Segundo o documento Política Nacional de Educação Especial – MEC/Secretaria de Educação Especial, caracteriza a surdez como “congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido” (BRASIL, 2008, p. 12). Surdez congênita, segundo Brasil (2008), é aquela que é mais comum em recém-nascidos, podendo ser hereditária, causada pela mãe se esta tiver durante a gravidez doenças como rubéola ou toxoplasmose, ou mesmo ser provocada por algum trauma no parto, que normalmente leva a problemas no desenvolvimento da fala. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 70 Surdez adquirida é aquela que é provocada por algum fator, como otite ou ruído muito alto, por exemplo, e pode surgir em qualquer idade. Citamos alguns exemplos porque há diversas causas para a surdez, podendo ocorrer desde a vida uterina até a idade adulta. Segundo o documento Política Nacional de educação especial, Brasil (2008), elas são agrupadas de acordo com a época em que ocorreu e assim são divididas em: • Causas pré-natais (antes do parto) Pré-natal: acometem o sistema auditivo do bebê durante a gestação. ᵒ Hereditárias. ᵒ Malformações congênitas, adquiridas pelo embrião devido a infecções virais ou bacterianas intrauterinas (ex.: rubéola, sarampo, sífilis, citomegalovírus, herpes simplex, toxoplasmose). ᵒ Intoxicações intrauterinas (ex.: quinino, álcool, drogas). ᵒ Alterações endócrinas (ex.: patologias da tireoide, diabetes). ᵒ Carências alimentares (ex.: vitamínicas). ᵒ Agentes físicos (ex.: raios X). • Causas perinatais (durante o parto) Perinatal é quando, por alguma razão, os indivíduos lesam o sistema auditivo no momento do nascimento ou até o oitavo dia de vida. ᵒ Traumatismos obstétricos (ex.: hemorragias do ouvido interno ou nas meninges). ᵒ Anóxia. ᵒ Incompatibilidades sanguíneas (do fator RH que podem provocar danos no sistema nervoso central). • Causas pós-natais (depois do parto e no decurso da vida do indivíduo) Pós-natal são enfermidades que acometem o sistema auditivo depois do oitavo dia de nascimento. ᵒ Doenças infecciosas. ᵒ Bacterianas (ex.: meningites, otites, inflamações agudas ou crônicas das fossas nasais e da nasofaringe). ᵒ Virais (ex.: encefalites, varicela). ᵒ Intoxicações (ex.: alguns antibióticos, ácido acetilsalicílico, excesso de vitamina D que pode provocar lesão com hemorragia ou infiltração calcária nas artérias auditivas). ᵒ Trauma acústico (ex.: exposição prolongada a ruídos nos locais de trabalho ou em recintos de diversão; sons de elevada intensidade e de curta duração, tais como: nas explosões e na caça; diferenças de pressão, como no caso dos mergulhadores). TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 71 4 TIPOS DE SURDEZ O ouvido pode apresentar alterações, e de acordo com tais alterações há diferentes tipos de perda auditiva, as quais segundo Brasil (2008), podem ser: • Surdez por perda condutiva: é o resultado de dano ou bloqueio das partes móveis do ouvido. Os ossos saudáveis de uma orelha interna, os ossículos: martelo, bigorna e estribo vibram em resposta a sons. Certas doenças ou lesões podem levar à incapacidade destes ossosvibrarem adequadamente, impedindo a detecção das informações sonoras. • Surdez neurossensorial: ocorre quando o nervo auditivo está danificado, impedindo assim a obtenção de informações auditivas para o cérebro. Os ossos do ouvido interno podem vibrar corretamente, mas os nervos são incapazes de transmitir essa informação adequadamente para o cérebro. 5 PERDA AUDITIVA Cada pessoa pode ter diferentes formas de escutar os sons, na área de saúde classificam-se os surdos através de exames de audiometria. Os graus de surdez mais conhecidos são: leve/ moderada/ severa/ profunda. Audiometria é o exame da audição realizado por meio de instrumentos e avaliação da capacidade para apreender os diferentes sons da fala e de classificação de surdez em vários graus. Para identificar a perda auditiva é necessário fazer o exame audiológico, conduzido por um fonoaudiólogo. Para Santana (2007), os graus de perda auditiva podem ser diagnosticados como normal (0 a 25 decibéis), leve (25 a 40 decibéis), moderada (41 a 70 decibéis), severa (71 a 90 decibéis) e profunda (acima de 90 decibéis). Essa classificação repercute num prejuízo maior ou menor no desenvolvimento da oralidade do indivíduo com deficiência auditiva. A perda auditiva é medida em decibéis (dB) e em Hertz, e de acordo com o grau, a perda pode ser classificada como consta no Quadro 1: Grau de deficiência Perda auditiva Perda Auditiva Leve De 25 a 40 dB Moderada De 45 a 70 dB Severa De 75 a 85 dB Profunda Superior a 85 dB QUADRO 1 – GRAUS DE DEFICIÊCIA FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/>. Acesso em: 2 out. 2017. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 72 Deficiência auditiva leve: quando a deficiência auditiva leve não provoca atraso na aquisição da linguagem podem apresentar dificuldade na articulação de palavras e dificuldades em ouvir a voz. Normalmente estas crianças são consideradas muito distraídas, portanto deve haver o cuidado de escolher o local em que as crianças se sentam. Características geralmente observadas: • as crianças em ambientes ruidosos podem ter dificuldades em entender mensagens, sobretudo com palavras de uso pouco frequente; • não identificam totalmente os sons produzidos com voz sussurrada; • a utilização de prótese auditiva favorece uma melhor percepção dos sons; • podem apresentar pequenas dificuldades articulatórias. Deficiência auditiva moderada: conseguem ouvir as palavras quando estas são de intensidade forte e apresentam dificuldades nas discussões em grupo. Verificam-se algumas dificuldades na aquisição da linguagem e algumas perturbações da articulação da palavra. Existe a necessidade destas crianças/ pessoas usarem próteses auditivas, necessitam de treino auditivo e de grande estimulação da linguagem. São características gerais: • identificam palavras apenas se forem produzidas com elevação de voz; • é necessária a colocação de uma prótese auditiva para que consiga acrescer aos sons; • podem não conseguir acompanhar uma discussão em grupo; • a articulação pode ser bastante imprecisa; • a linguagem oral apresenta-se limitada. Deficiência auditiva severa: não conseguem perceber as palavras mais comuns. É necessário gritar para que exista uma sensação auditiva verbal. Mesmo quando utilizam próteses têm dificuldade em distinguir vogais, perturbações na aquisição da linguagem, perturbações na voz e na palavra. São crianças/pessoas que necessitam de cuidados especiais no treino auditivo, leitura da fala e de muita estimulação da linguagem. Não podem dispensar o uso das próteses e a Língua de Sinais facilita tanto para se expressar, como para compreender os outros. Principais características: • conseguem ouvir apenas os sons próximos; • conseguem perceber apenas algumas palavras se amplificadas; • o processo de aquisição da linguagem oral não é feito de forma espontânea. Deficiência auditiva profunda: não possuem informações auditivas, portanto não conseguem identificar a voz humana. Normalmente estas crianças/pessoas não adquirem linguagem naturalmente no ambiente familiar e não adquirem fala para se comunicarem, devido à ausência de modelos. Muitas vezes por indicação médica estas crianças/pessoas devem usar prótese individual. O apoio específico deve ocorrer na escola, com programas adaptados de aprendizagem, bem como a Língua de Sinais e também poderá optar pela aprendizagem da leitura labial com o profissional fonoaudiólogo. Características observadas: TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 73 • não conseguem perceber a fala através da audição, mas podem perceber sons altos através das vibrações; • apresentam muitas limitações para a aquisição da linguagem oral; • nenhuma sensação auditiva verbal pode ser captada pela criança espontaneamente. 6 TIPOS DE APARELHOS AUDITIVOS E IMPLANTE COCLEAR Vamos conhecer um pouco sobre aparelhos auditivos, também conhecidos por (AASI) – Aparelho de Amplificação Sonora Individual, que são pequenos dispositivos eletrônicos que você usa dentro ou atrás da orelha. Ele emite sons mais altos, ou seja, amplifica o som, para que uma pessoa com perda auditiva possa ouvir, comunicar-se e participar com maior qualidade das atividades diárias. Um aparelho auditivo pode ajudar as pessoas a ouvirem mais em situações calmas ou barulhentas. No entanto, segundo pesquisas do livro Série Audiologia (2003), apenas cerca de uma em cada cinco pessoas que se beneficiariam de um aparelho auditivo usa realmente um. Os aparelhos auditivos possuem três partes básicas: um microfone, um amplificador e um receptor. O aparelho recebe o som através de um microfone, que converte as ondas sonoras em sinais elétricos e os envia a um amplificador. O amplificador aumenta a potência dos sinais e envia para o ouvido através de um receptor. Seguem as figuras das diferenças dos aparelhos auditivos, conforme o livro “Série Audiologia” INES (2010), para que você, acadêmico, compreenda das mesmas: Indicado para perdas auditivas leve a moderada - Um aparelho auditivo muito pequeno em uma única peça. - Todos os componentes dentro de uma cápsula moldada e customizada. - Ajusta-se dentro do canal auditivo. - Pouco visível ou não visível no conduto auditivo. FONTE: INES (2010, p. 75) FIGURA 69 – COMPLETAMENTE NO CANAL (CIC) UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 74 Indicado para perdas auditivas leve a moderadamente severa - Um aparelho auditivo pequeno em uma única peça. - Todos os componentes dentro de uma cápsula moldada e customizada. - Ajusta-se quase completamente no canal auditivo e se estende levemente para fora do conduto. - Pouco visível. FONTE: INES (2010, p. 75) FIGURA 71 – INTERCANAL (ICT) Indicado para perdas auditivas leve a moderadamente severa - Um aparelho auditivo pequeno em uma única peça. - Todos os componentes dentro de uma cápsula moldada e customizada. - Ajusta-se fora do canal auditivo. - Levemente visível. FIGURA 70- MINICANAL (MC) FONTE: INES (2010, p. 76) Indicado para perdas auditivas leve a severa - Aparelho auditivo maior em uma única peça. - Todos os componentes dentro de uma cápsula moldada e customizada. - Preenche uma parte da concha da orelha. - Visível na orelha. FIGURA 72 - MEIA-CONCHA (HS) FONTE: INES (2010, p. 76) TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 75 Indicado para perdas auditivas leve a severa - Aparelho auditivo maior em uma única peça. - Todos os componentes dentro de uma cápsula moldada e customizada. - Preenche uma parte da concha da orelha. - Visível na orelha. FIGURA 73 – INTRA-AURICULAR (ITE) FONTE: INES (2010, p. 77) RETROAURICULAR (BTE) Indicado para perdas auditivas leve a profunda - Aparelho auditivo maior, duas partes. - Todos os componentes dentro de uma caixa que é usado atrás da orelha. - Uma caixa-plástica é usada atrás da orelha e um molde auricular é usado dentro do canal auditivo. - Pode ser pouco visível dependendo da cor da caixa e da cor do molde. FIGURA 74 – RETROARTICULAR (BTE) FONTE:INES (2010, p. 78) Indicado para perdas auditivas em rampa leve a moderadamente severa - Todos os componentes dentro de uma caixa que é usado atrás da orelha. - Uma caixa plástica é usada atrás da orelha e um tubo transparente e fino se estende dentro do canal auditivo. - Pouco ou quase nada visível. FIGURA 75 – ADAPTAÇÃO ABERTA FONTE: INES (2010, p. 78) UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 76 Indicado para perdas auditivas em rampa leve a moderadamente severa - Todos os componentes dentro de uma caixa que é usado atrás da orelha. - Uma caixa plástica é usada atrás da orelha e um tubo transparente e fino se estende dentro do canal auditivo. - Pouco ou quase nada visível. FIGURA 76 – RECEPTOR NO CANAL (RIC) FONTE: INES (2010, p. 79) 7 IMPLANTE COCLEAR Encontrado comumente com a sigla IC e conhecido na área médica também por ouvido biônico (Figura 78), é uma descoberta recente, portanto ainda há polêmica na área da surdez. É um aparelho eletrônico computadorizado de alta complexidade, considerado uma das maiores conquistas da engenharia ligada à medicina. A pretensão da medicina seria de que este aparelho substituísse o sentido da audição. O IC é um dispositivo eletrônico desenhado para ser inserido dentro da cóclea, sendo capaz de levar estímulos elétricos codificados diretamente ao nervo auditivo. A principal diferença do IC para os AASI é o modo de funcionamento de cada um. Os AASI amplificam o som, tentando apresentar a uma cóclea doente um som mais forte e alto. Por isso eles são indicados para a surdez leve ou moderada. Já nos casos de surdez severa e principalmente profunda, o funcionamento da cóclea (ouvido interno) é tão deficiente que a mera amplificação do som por aparelhos pode não ser mais capaz de causar nenhum estímulo auditivo útil. Nesses casos, o IC é indicado para substituir a função da cóclea, atuando não como um amplificador, mas como um decodificador do som em estímulos elétricos que irão ser captados pelo nervo auditivo e compreendidos pelo cérebro. Por essa capacidade do IC substituir um sentido é que ele é conhecido como ouvido biônico. FONTE: Disponível em: <https://portalotorrino.com.br/guia-do- implante-coclear/o-que-e-o-implante-coclear/>. Acesso em: 28 jun. 2017. O implante coclear algo recente e as pesquisas ainda se referem a artigos on-line ou revistas do ramo. E na maioria destas fontes, encontramos a mesma justificativa sobre o IC, sendo usado atualmente para recuperar função auditiva nos casos de surdez sensorioneural severa ou profunda, quando os aparelhos auditivos AASI não podem ajudar o suficiente. Segundo Luciano Moreira – do Portal Otorrino, as crianças nascidas surdas e implantadas até os três anos, o IC pode oferecer a oportunidade do aprendizado da comunicação oral adequada e um desenvolvimento semelhante ao das crianças ouvintes. TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 77 FIGURA 77 – IMPLANTE COCLEAR FONTE: INES (2010, p. 86) DICAS Conheça mais sobre implante coclear. Visite a página: <http://implantecoclear. net/>. Paula Pfeifer Moreira, surda, usuária de implante coclear (IC), publicou o livro “Crônica da Surdez”, em 2013, e também possui um blog com o mesmo nome, em que traz a sua experiência de implante e situações diversas em relação a este, além de outras experiências. No seu blog fica claro seu posicionamento a favor do IC. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 78 DICAS Acesse o Blog “Crônicas da Surdez”. Conheça o blog e o livro e tire suas próprias conclusões. Disponível em: <http://cronicasdasurdez.com/>. Este posicionamento está longe de ser consenso entre a comunidade surda, e tem se tornado polêmica entre eles, sejam eles surdos oralizados e não oralizados, usuários da Libras ou não usuários. Estes surdos acabam por se identificarem como Sujeitos Surdos, ou seja, uma identidade que os diferencia dos demais, mas que os aproxima pela forma de acessibilidade que lhes dá igualdade de direitos, lutando por si e pela comunidade surda em geral. DICAS No site Surdo Cult, por exemplo, Germano Dutra Jr., surdo, que além do site mantém um canal no Youtube, declara publicamente sua indignação, assim como muitos outros surdos que usam as redes sociais para propagarem seu posicionamento contrário ao implante coclear. A maioria das indignações está ligada à falta de respeito à comunidade surda e suas características, pois muitos profissionais pedem para as famílias afastarem os filhos da Língua de Sinais, priorizando apenas a oralização, privando, desta forma, o sujeito do convívio com os demais surdos e com as demais formas de comunicação. Acesse: <http://www.surdocult.com.br/index.php/2009/06/27/comunidade-surda-vs-implante- coclear-2/>. Atualmente, com base em pesquisas e estudos realizados, existe a compreensão de que uma das lacunas na aprendizagem dos surdos está relacionada à precarização na aquisição da linguagem nos primeiros anos de vida, ou seja, da mesma forma que os médicos defendem que o implante seja TÓPICO 1 | MORFOLOGIA E FISIOLOGIA DO OUVIDO 79 priorizado nos primeiros anos de vida, as comunidades surdas defendem o contato da criança surda com outros surdos desde o início da vida, o que propicia a aquisição da língua de sinais, favorecendo o desenvolvimento do pensamento. Outras críticas também são encontradas e estão voltadas à falta de pesquisa na área; a dificuldade de acompanhamento dos pacientes, já que estas cirurgias acontecem apenas nas grandes cidades; como um bebê implantado, que ainda não se comunica, dará respaldo aos ajustes do implante. Enfim, são dúvidas e percebe-se nisso a falta de informação a que estamos submetidos. Pontin (2015, p. 11), professora surda, traz a discussão sobre a Surdez e os Surdos Implantados em seu artigo publicado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS –, para ela, neste contexto, se constituem novos sujeitos, ou seja, “sujeitos implantados, que não são nem surdos nem ouvintes, e que vivem em uma situação híbrida, de fronteira, escapando dos binarismos: surdo x ouvinte e/ou surdo x deficiente auditivo”. Bernardes (2014, p. 10), intérprete de Língua de Sinais, em um de seus trabalhos lembra que o IC é algo novo, porém nestes poucos anos já foram implantadas mais de 100.000 pessoas no mundo. Em sua conclusão deixa claro que a ideia do estudo não era de se “ater a uma proposta e se opor a outra, mas investigar. Se fala muito sobre experiências que deram certo e dificilmente de experiências que não ocorreram conforme o esperado. Encontramos pesquisas desenvolvidas com crianças implantadas no Brasil que buscam analisar, em especial, o desenvolvimento das habilidades auditivas e linguagem oral, sendo escassos os dados a respeito do desenvolvimento acadêmico. Bernardes (2014) concorda com Capovilla e Raphael (2001), que trazem a discussão na linha de pensamento de Pontin (2015), sobre a necessidade de pesquisas na área de Implante Coclear: [...] deve considerar a necessidade de pesquisa clínica e educacional acerca dos impactos reativos e complementares do implante e da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e acadêmico da criança com surdez congênita. É preciso que o profissional tenha uma visão ampla da pessoa em suas condições de Surdo e de surdo, contemplando tanto os aspectos antropológicos da Cultura Surda quanto os médicos da deficiência auditiva (CAPOVILLA; RAPHA, 2001, p. 1543 apud BERNARDES, 2014, p. 10). A questão abordada por Pontin ainda discute de forma assertiva, as angústias das famílias e da educação frente a esta situação: seguir o encaminhamento médico ou pedagógico? Na escola inclusiva, o MEC dá orientação sobre como atender pessoas com surdez. Pergunto: a criança implantada na escola inclusiva terá acesso à língua de sinais conforme a política educacional inclusiva ou a língua oral conforme orientação dada pelos médicos? Ou a escola e professores receberão material de orientação oferecida pela empresaUNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 80 de IC? O que dizem os professores sobre o desenvolvimento da aquisição de linguagem/língua destas crianças? Qual será a identidade desta criança na escola comum? (PONTIN, 2015, p. 11). São muitas as questões em aberto. Esperamos que os estudos avancem rapidamente e possam trazer esclarecimentos. Nosso posicionamento não é contrário ao implante coclear, mas contrário a sua disseminação antes de pesquisas mais aprofundadas; e contrário à discriminação de proibir os implantados de usarem a Língua de Sinais, ou seja, de forma nenhuma concordamos com afastar o sujeito surdo da Língua de Sinais e da própria Comunidade Surda. Acreditamos na liberdade de expressão, onde sujeito surdo, tendo contato com o implante coclear e com a Língua de Sinais, possa no futuro optar pelo que me melhor lhe convir, ou seja, pelo que, dentro da sua funcionalidade auditiva, possa contribuir de forma mais eficaz. DICAS Assista ao vídeo do canal “É Libras”, do Youtube. O vídeo é uma entrevista informal com o surdo implantado Caíque Nunes, que relata sua experiência com o implante coclear. Ele é graduando, e mesmo com implante, fez a opção da Libras para acompanhar as aulas. Ele relata ainda como se sente nos diferentes espaços e em relação com a comunidade surda (Libras/Legendado). Se possível discuta sobre o vídeo com seus colegas. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2N0TImgUrak>. 81 RESUMO DO TÓPICO 1 • A condição auditiva, ou seja, a funcionalidade da audição de cada sujeito surdo se dá pelas características morfológicas e fisiológicas de seu órgão auditivo, que é dividido em três partes: ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno. Podendo variar conforme o grau de perda de audição do sujeito, que é classificado em perda auditiva leve, moderada, severa ou profunda. • As perdas auditivas podem ser condutivas: quando há um dano ou bloqueio de alguma parte de ouvido; ou neurossensoriais: quando o dano está ligado diretamente ao nervo auditivo. Sendo também classificadas pelas causas, que podem ser: pré-natais, perinatais e pós-natais. • Independentemente do grau da perda auditiva ou de sua classificação, é necessário que os sujeitos surdos recebam estímulos para superar de alguma forma sua dificuldade. Sendo considerados estímulos da área médica: o uso de prótese auditiva, implante coclear, ou tratamentos terapêuticos com fonoaudióloga; que de alguma forma tentam ampliar a capacidade auditiva destes sujeitos. • O implante coclear torna-se um tema polêmico primeiramente, por ser algo novo, com poucas informações de resultado; por se tratar de um tratamento invasivo, já que o implante se dá na cóclea do indivíduo que se localiza no cérebro; e por fim por sugerir que os sujeitos surdos implantados evitem a Língua de Sinais. • A comunidade surda luta para que se considere também os estímulos pedagógicos, através da Língua de Sinais, para que se dê liberdade para o sujeito se expresse livremente, fazendo sua própria opção a partir dos diferentes estímulos apresentados. 82 AUTOATIVIDADE (A) IC. (B) AASI. (C) Audiometria. (D) Grau leve de perda auditiva. (E) Grau moderado de perda auditiva. (F) Grau severo de perda auditiva. (G) Grau profundo de perda auditiva. ( ) Aparelho de amplificação sonora individual. ( ) De 45 a 70 dB. ( ) Exame da audição realizado por meio de instrumentos para avaliação da capacidade para apreender os diferentes sons da fala e classificá-los em vários graus. ( ) De 25 a 40 dB. ( ) Superior a 85 dB. ( ) De 75 a 85 dB. ( ) Implante coclear. 1 O ouvido é o órgão responsável pelo sentido da audição e está dividido em três partes. Quais são as partes e suas funções? 2 As causas da surdez podem ser congênita (aquela que é mais comum em recém-nascidos, podendo ser hereditária) e a adquirida (aquela que é provocada por algum fator, em qualquer idade). Independentemente de ser congênita ou adquirida elas são agrupadas em três causas. Quais são? 3 Na área da saúde classificam-se os surdos através do grau de deficiência medido pelo exame de audiometria. Quais são os tipos de perda auditiva apresentados no texto? 4 Relacione a primeira coluna com a segunda: 5 Qual é o fator que mais deixa a comunidade surda indignada com a questão dos Implantes Cocleares – IC? 83 TÓPICO 2 CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Neste segundo tópico abordaremos as terminologias mais usadas no decorrer da história, bem como suas conceituações e análise. A principal discussão, hoje, gira em torno do termo Deficiência Auditiva – DA – e Pessoa Surda – PS. Os dois termos são aceitos, apesar das divergências entre autores e comunidades surdas. Também traremos a discussão de cultura, identidade e comunidade surda, além da diferenciação entre os surdos considerados híbridos, flutuantes, incompletos e em transição. Ao caracterizar o sujeito Surdo, fica evidenciado que o surdo é usuário de uma língua diferenciada, que lhe propicia o acesso aos conhecimentos, como qualquer outra língua a seus usuários. Assim, o último item deste tópico trará algumas reflexões sobre o processo de aquisição desta língua. 2 DEFICIÊNCIAS E TERMINOLOGIAS Dúvidas cruéis perseguem muitas pessoas no que se refere ao uso de determinadas terminologias em relação às pessoas com qualquer tipo de deficiência. Muitos termos considerados incorretos já foram usados no passado, na forma que se tinha a discussão e a visão da época, tais como: doentes, mongoloide, surdo-mudo, ceguinho, surdinho e tantos outros termos. Infelizmente, ainda ouvimos estas denominações em nossos dias, por pessoas que ainda estão arraigadas à cultura passada, ou por não possuírem informação. Em outro extremo há aqueles que, com ânsia de demonstrar conhecimento, procuram embelezar a realidade com uso de um vocabulário politicamente correto e usam, por exemplo, o termo portador de necessidades especiais, para todos os tipos de deficientes. Entretanto, este termo também não contempla a solução da questão. Também houve movimentos de reivindicação de direitos dessas pessoas, inclusive eles próprios participavam, e surgiu o debate acerca das terminologias: “deficientes”, “pessoas deficientes”, “portadores de deficiência”, “pessoas especiais”, “pessoas com necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais”, “pessoas com deficiência”, entre outras. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 84 Para evitar esta discrepância e alcançar o justo-meio, faz-se necessário estabelecer alguns conceitos importantes em relação a esse seguimento social: pessoa com deficiência ou pessoa com necessidades especiais. Embora conste no texto constitucional, o uso do termo “portador” é incorreto. Naquela época, o legislador visava tão somente não utilizar de palavras com conotações negativas, como surdo-mudo, retardo e outros. Entretanto, atualmente, este termo também não condiz com a realidade e, portanto, deve ser evitado. Portador de necessidades especiais dá o sentido que a pessoa está portando sua deficiência, assim como porta com ela, por exemplo, objetos pessoais, os quais a pessoa pode deixar de carregar quando bem desejar. Além disso, a terminologia necessidades especiais é uma classificação genérica, que independe da existência de deficiências. Todo ser humano pode possuir uma necessidade especial, que pode ser interpretada com vários cunhos: econômico, social, sentimental etc. Pessoas idosas, obesas, grávidas, por exemplo, possuem também necessidades especiais. Trata-se de um termo amplo, que não abrange, portanto, somente pessoas deficientes. O texto constitucional que faz uso do termo “portador de necessidades especiais” não necessita de uma emenda para correção. Vale a análise contextual de seu surgimento e o atual entendimento, para que os próximos textos legislativos sejam diferentes. Para não errar nesta questão, é necessário não usar termos ultrapassados, com conotações negativas,bem como não tentar explorar ao máximo as variações linguísticas, usando palavras com conotações genéricas para grupos específicos. Pode até parecer politicamente correto, mas ofende as pessoas em questão. Assim entendemos que o uso do termo pessoa com deficiência é o correto, haja vista retratar sem ofensas tal realidade. 3 DEFICIÊNCIA E EFICIÊNCIA Muitos não usam a terminologia correta, pessoa com deficiência, por acreditarem que o contrário de deficiência é eficiência. Entretanto, esse entendimento é equivocado. O contrário de eficiência não é a deficiência. O contrário de eficiência é ineficiência. Assim, ineficiente (entendido como aquele que não produz, e, portanto, não é eficaz), pode ser tanto uma pessoa com deficiência como uma pessoa sem deficiência, haja vista ser esta característica existente independentemente desta situação (a deficiência). TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 85 Incapacidade também não é contrário de deficiência. Pode até ser, sob um recorte feito dentro de uma análise concreta, uma consequência de uma deficiência, entretanto não deve ser considerada de forma generalizada, pois a incapacidade de um sentido (visão, audição, por exemplo) não impede, necessariamente, a capacidade de utilização de outro. Neste sentido, a Dra. Fávero (2004) afirma que a pessoa com deficiência não é uma pessoa incapaz, pois caso assim fosse, isto representaria, no mínimo, um retrocesso a todo esforço de décadas para que a deficiência seja vista de forma dissociada da ausência de potencialidade, ou seja, a pessoa com deficiência possui sim suas potencialidades, precisamos apenas desenvolvê-las. Podemos dizer que: “O contrário de pessoa com deficiência é pessoa sem deficiência” (COSTA, 2010, p. 74). Assim, pode-se definir deficiência, de acordo com BRASIL (2001), “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (BRASIL, 2001, p. 55). Esta é a definição dada pela Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, a Convenção de Guatemala, promulgada em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 3.956/01. A definição ampla de deficiência se dá porque não importa se a limitação ocorreu de forma geral ou em menor grau. É necessária tão somente a limitação para se denominar pessoa com deficiência. Ressalta-se ainda que o termo “deficiência” é genérico, muitos acabam relacionando o termo apenas a deficiência intelectual ou a deficiência física, entretanto estas são apenas categorias de deficientes, assim como existem surdos, cegos, entre outros. Ressalta-se que o uso do termo deficiência em relação ao ser humano, nem de longe deve ser interpretado como imperfeição ou defeito, já que não existe ser humano totalmente perfeito ou imperfeito. Da mesma forma, não se pode dizer o contrário, ou seja, que as pessoas sem deficiências também são perfeitas. Perfeição é uma conceituação subjetiva, relativa, construída a partir de uma interação social. DICAS Para saber mais sobre os termos, leia também: <http://www.cantinhodoscadeirantes.com.br/2013/03/ contrario-de-eficiencia-e-ineficiencia.html>. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 86 4 SURDO-MUDO, DEFICIENTE AUDITIVO, SURDO E SURDOCEGO Esclarecemos que, aqui, utilizaremos os termos pessoas surdas e surdos/ as para designar as pessoas que possuem surdez e formam o povo surdo, também buscamos o estudo simples sobre os surdoscegos. Continuando a falar sobre as terminologias da surdez é importante destacar mais duas discussões: a primeira sobre o termo surdo-mudo e a segunda sobre a utilização do termo Surdo. Em relação ao primeiro termo, surdo-mudo, é muito forte dentro da comunidade surda o repúdio a ele, por ser considerado que as pessoas que nascem surdas, e as que adquirem a surdez antes da aquisição da língua verbal, não desenvolvem a oralidade pela impossibilidade de escutarem e entenderem a comunicação oral dos/as ouvintes, mas apresentam o sistema fonador preservado, emitem sons e podem falar por meio da língua de sinais, e algumas conseguem se tornar oralizadas por escolha própria, imposição da família ou da sociedade ouvintista. Por estes motivos os surdos/as não são mudos/as. [...] as comunidades de surdos de todo o mundo passaram a ser comunidades culturais [...] "falantes" de uma língua própria. Assim, mesmo quando não vocaliza, um surdo pode perfeitamente "falar" em sua Língua de Sinais, não cabendo a denominação SURDO MUDO. Por outro lado, a mudez é um tipo de patologia causado por questões ligadas às cordas vocais, à língua, à laringe ou ainda em função de problemas psicológicos ou neurológicos. A surdez não está absolutamente vinculada à mudez [...]. Dizer que alguém que fala com dificuldades é MUDO é preconceituoso, não acham? (RAMOS, 2000, apud STROBEL, 2008, p. 34). Este discurso não é homogêneo, nem dentro nem fora das comunidades surdas. Recentemente, o termo surdo-mudo tem sido objeto de polêmicos debates entre surdos/as, mas tem prevalecido o não uso desse termo, posição com a qual concordamos. A não utilização se sons se dá porque não ouvem. O surdo, quando oralizado, pode se comunicar por meio da fala, é óbvio que isto demanda um acompanhamento fonoaudiólogo demasiado. NOTA Ouvintismo, segundo Skliar (2010, p. 15), é “um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções que legitimam as práticas terapêuticas habituais”. TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 87 Os surdos não oralizados comunicam-se, de regra geral, somente por meio da Língua de Sinais, que por ser uma língua visual-motora não utiliza sons. Diferentemente de deficientes auditivos, que são pessoas que não têm surdez profunda, sua limitação sensorial é parcial, porém o surdo, independentemente de ter uma deficiência leve, moderada, severa ou profunda, é uma pessoa com limitação sensorial de forma total. Observe a definição de deficiência auditiva/surdez, de alguns autores: Para Santana (2010, p. 22): “[...] o indivíduo com incapacidade auditiva é aquele cuja percepção de sons não é funcional na vida comum. Aquele cuja percepção de sons ainda que comprometida, mas funcional com ou sem prótese auditiva, é chamado de pessoa com deficiência auditiva”. Para Campos (2014, p. 14), é “[...] aquele que apreende o mundo por meio de contatos visuais, que é capaz de se apropriar da língua de sinais e da língua escrita e de outras, de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento cognitivo, cultural e social”. Dessa forma, podemos definir que deficiência auditiva – DA – considera que a pessoa com alguma limitação ou impedimento auditivo tem uma incapacidade, enquanto a definição de surdez considera o sujeito surdo como aquele que tem apenas uma diferença linguística, consequentemente, uma diferença cultural, ou seja, a terminologia correta a ser utilizada então é Pessoa Surda – PS –, caso sua surdez seja profunda, ou deficiente auditiva – DA –, caso a pessoa ainda ouça, mesmo que de forma parcial. A terminologia surdocego também é correta. Trata- se da pessoa que apresenta deficiência visual e auditiva, concomitantemente. Após a exposição da diferença na classificação entre um sujeito surdo e com deficiência auditiva, será adotado, neste estudo, o termo “surdez” ou a expressão “pessoa surda”. Ainda são manifestadas dúvidas sobre a adoção do termo “surdez”, isso porque a surdez é construída culturalmente com base em diferentes campos discursivos: clínicos, educacionais, jurídicos, assistenciais, religiosos, antropológicos, entre outros. “Culturalmente produzimos o normal, o diferente, o anormal, o surdo,o deficiente, o desviante, o exótico, o comum, entre outros que poderiam compor uma lista infindável de sujeitos” (LOPES, 2011, p. 8). Concordamos com a autora ao destacar que a ciência, com o intuito de explicar o desconhecido, inventou a surdez, caracterizando-a de acordo com os níveis de perdas auditivas, das características orgânicas: como lesões no tímpano, fatores hereditários e adquiridos. Decorrentes das distintas formas de conceber o surdo e a surdez, foram criadas metodologias na escola, nas clínicas, nas famílias e nas igrejas. O sujeito surdo foi concebido, historicamente, como um sujeito a ser corrigido, normalizado, disciplinado, curado, protegido e assistido. A surdez, na história da educação especial, ficou fortemente caracterizada como deficiência. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 88 Parafraseando Lopes (2011), na área de educação de surdo, focando no assunto do corpo dos sujeitos surdos, quer dizer que entender a surdez com um traço cultural não significa retirá-la do corpo, negando seu caráter natural; nem mesmo significa o cultivo de uma condição primeira de não ouvir. Significa aqui pensar dentro de um campo em que sentidos são constituídos em um coletivo que se mantém por aquilo que inscreve sobre a superfície de um corpo. Com isso, a autora afirma que, se a palavra surdez remete a um sentido clínico e terapêutico, é porque a produzimos dessa forma – acontecimento que nos permite virar de costas para essa interpretação e passar a operar com outras formas de significado. Não nego a falta de audição do corpo surdo, porém desloco meu olhar para o que os próprios surdos dizem de si quando articulados e engajados na luta por seus direitos de se verem e de quererem ser vistos como sujeitos surdos, e não como sujeitos com surdez. Tal diferença, embora pareça sutil, marca substancialmente a constituição de uma comunidade específica e a constituição de estudos que foram produzindo e inventando a surdez como um marcador cultural primordial (LOPES, 2011, p. 9). Existem várias perguntas, mas por que insistir nessa preocupação em manter a surdez como uma forma de falar dos surdos? Parafraseando a mesma autora, ela é ouvinte e militante desta causa, respondendo à pergunta porque ela é a diferença primeira que possibilita a aproximação surda e a diferenciação de outros não surdos. Um ouvinte pode ser amigo dos surdos, companheiro de luta, solidário com a causa surda, pesquisador na área, frequentar a associação e as festas surdas; ele pode ter todas as razões para ser aceito pelos surdos. No entanto, para a comunidade surda, qualquer ouvinte estará sempre sob suspeita justamente por não ser surdo. Será sempre um ouvinte entre surdos, mesmo que conviva anos entre eles. Isso nos leva a pensar na surdez como elemento de um circuito cultural que não pode ser esquecido ou relegado a comparações entre ouvintes e surdos. A surdez pela surdez não existe. Para a surdez constituir-se em um caso, uma deficiência, uma marca de uma cultura é preciso que a inventemos de determinadas formas ou de outras não mencionadas ou menos explícitas. Inventamos a surdez quando a transformamos em um caso a ser estudado, em números a serem levantados, em um problema a ser tratado, em uma característica de um grupo específico. 5 QUEM SÃO OS SURDOS AFINAL? Strobel (2007, p. 34) salienta que: Os povos surdos não são obrigados a ter normalidade. A máscara não esconde o ser que é surdo, o ser surdo que é humano [...]. Quando a sociedade deixa o surdo ser ele mesmo, carece tirar as máscaras e assim chega o momento de o povo surdo enfrentar a prática ouvintista, resgatar-se e transformar-se no que é de direito: partes de nós mesmos, de termos orgulho de ser surdo! TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 89 A surda, doutora em educação, Karin Strobel (2008), entre outros autores, explica que a terminologia “deficiente auditivo” tem sido rejeitada pelos Surdos/ as por ser fruto de representações construídas pela medicina, que considera que aqueles são doentes e/ou deficientes e, categoriza-os de acordo com o grau da surdez, entre leve, moderado, severo ou profundo. Classificações essas, já discutidas no Tópico 1. Ressaltamos que, contraditoriamente, há pessoas surdas que assumem os termos “deficiente auditivo”, “DA” e “pessoa com deficiência auditiva” consciente ou inconscientemente, outras os utilizam apenas em determinados espaços sociais para poder usufruir direitos que lhes são garantidos pela legislação e políticas sociais. Cada uma dessas terminologias é utilizada em determinados contextos históricos, sociais, econômicos e políticos, mas muitas vezes deixam a sociedade confusa diante de tantos termos com significados que quase nunca são devidamente esclarecidos a todos os indivíduos e classes sociais. Agora, para compreender a configuração atual do mundo surdo, precisamos conhecer o seu desenvolvimento ao longo da história da humanidade. Vamos trazer agora vários autores que focam os estudos na educação de sujeitos surdos: Lopes (2011), Quadros (2008), Fernandes (2012), Perlin (1998), Strobel (2008) e Skliar (2010). “Quem é o surdo?” Os autores tratam os assuntos sobre a expressão “estudos surdos”, aqueles que divulgam e produzam esses estudos segundo uma orientação culturalista, essa expressão é uma forma de marcar uma posição política e epistemológica. Os estudos que têm os sujeitos surdos em seu centro partem da compreensão da surdez como uma diferença que agrega, gera e alimenta tanto as relações com outros surdos quanto tensões e diferenciações inventadas no interior do próprio corpo. Trata-se de uma diferença que não procura dizer que é o surdo, como ele deve fazer parte, desenvolver a identidade surda, como ele deve fazer para aprender etc., mas que quer – na combinação entre as diferente perspectivas teóricas que possibilitam pensar quaisquer relações a partir da centralidade da cultura – problematizar a surdez como uma marca que inclui alguns sujeitos e exclui outros, que determina algumas condições de vida e de comunicação e que, principalmente, determina formas de organização de vida em um dado grupo cujas formas de estar e de se relacionar com o outro são compartilhadas. A formação de pesquisadores e professores de surdos começou a acontecer na década de 1980 e início da década de 1990. Eles lutavam para que a comunidade surda não se submetesse às imposições ouvintes de representações sobre os surdos e sobre a surdez. Filiaram o movimento surdo aos movimentos étnicos, imprimindo assim a compreensão que pensavam ser a melhor para a surdez, ou seja, entendendo-a como uma diferença forjada pelo grupo social. Ser surdo passou a representar, a partir dos anos 1980 do século passado, inclusive no Brasil, ser integrante de um grupo étnico minoritário. Entendendo a diferença surda como uma diferença cultural e admitindo que a língua de sinais seja uma língua própria dos surdos. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 90 6 ALGUNS CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E COMUNIDADES SURDAS A palavra "cultura" possui vários signifi cados. Relacionando esta palavra ao contexto de pessoas surdas, ela representa identidade, porque se pode afi rmar que estes sujeitos possuem uma cultura, uma vez que têm uma forma peculiar de apreender o mundo que as identifi cam como tal. Strobel (2008), pesquisadora surda, afi rma que na cultura percebem-se variações, desde concepções tradicionais até as mais recentes. A linguista surda, Carol Padden (1989), estabeleceu uma diferença entre cultura e comunidade. Para ela, "uma cultura é um conjunto de comportamentos aprendidos de um grupo de pessoas que possuem sua própria língua, valores, regras de comportamento e tradições". Ao passo que "uma comunidade é um sistema social geral, no qual pessoas vivem juntas, compartilham metas comuns e partilham certas responsabilidades umas com as outras" (PADDEN, 1989, p. 5). NOTA Carol Padden – Surda americana, foi a primeiralinguista estudar a Língua de Sinais Americana – ASL. Estados Unidos. FONTE: Disponível em: <http://communication.ucsd.edu/re- search/berman-chair.html>. Acesso em: 16 out. 2017. Para Padden (1989, p. 89), "uma Comunidade Surda é um grupo de pessoas que mora em uma localização particular, compartilha as metas comuns de seus membros, e de vários modos trabalha para alcançar estas metas." Portanto, em uma comunidade surda pode ter também ouvintes e surdos que não são culturalmente Surdos. Já a cultura da pessoa Surda é mais fechada do que a comunidade surda. Membros de uma cultura surda se comportam como as pessoas surdas, usam a língua das pessoas surdas e compartilham das crenças TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 91 das pessoas surdas entre si e com outras pessoas que não são surdas. Ser uma pessoa surda não equivale a dizer que esta faça parte de uma cultura e de uma comunidade surda, porque sendo a maioria dos surdos, aproximadamente 95% filhos de pais ouvintes, muitos destes não aprendem a Libras e não conhecem as associações de surdos, que são as comunidades surdas, podendo se tornar somente pessoas com deficiência auditiva. Retomamos aqui a questão da terminologia, por ser um posicionamento da comunidade surda: pessoas surdas, que estão politicamente atuando para terem seus direitos de cidadania e linguísticos respeitados, fazem uma distinção entre "ser surdo" e ser "deficiente auditivo". A palavra "deficiente", que não foi escolhida por elas para se denominarem, estigmatiza a pessoa porque a mostra sempre pelo que ela não tem, em relação às outras, e não mostra o que ela pode ter de diferente e por isso, acrescentar às outras pessoas. Ser surdo é saber que pode falar com mãos e aprender uma língua oral- auditiva, através dela conviver com pessoas que em um universo de barulhos deparam-se com pessoas que estão percebendo o mundo, principalmente pela visão, e isso faz com que elas sejam diferentes e não necessariamente deficientes. A diferença está no modo de apreender o mundo, que gera valores, comportamento comum compartilhado e tradições sociointerativas, este modo de vida é denominado de Cultura Surda. Segundo Strobel (2013), ao longo da história e até recentemente, os surdos eram percebidos como pessoas incapazes e viviam em um mundo no qual a cultura ouvinte era hegemônica ou até mesmo caracterizavam-se como um grupo de deficientes acolhidos em qualquer instituição. Estava distante a ideia de que teriam o poder de se fortalecer, sendo reconhecidos como detentores de uma identidade própria. Muitos anos se passaram, muitos pesquisadores interessaram-se pelo tema, assim como os surdos também se organizaram em associações e através de movimentos populares foram buscar seus direitos. Perlin (2012), investigadora surda brasileira, cita algumas das várias identidades comuns entre o povo surdo, entendendo-se como “povo surdo”, num conceito abrangente, a população total de surdos, sejam usuários de línguas gestuais, sejam oralizados, sejam participantes ou não das comunidades surdas. Atualmente, a difusão e prática da Libras no campo educacional estão bem amplas e crescendo cada vez mais. Várias instituições que defendem os direitos dos surdos organizam estratégias de expansão da língua de sinais. O reconhecimento da Libras como língua oficial no Brasil demonstra que a comunidade surda tem força e comprometimento com sua cultura. A importância desta conquista é relevante para a construção e concretização de uma identidade surda. Perlin (2012) aponta algumas considerações sobre diferentes identidades surdas, afirmando que podemos identificar as pessoas surdas pelas diferenças que possuem. Escrever sobre identidades surdas requer a compreensão de que UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 92 podemos falar de sujeitos distintos, cujas identidades são construídas de acordo com suas experiências, além das condições biológicas. Segundo Perlin (2012), as identidades surdas podem ser classificadas em distintos grupos: identidades surdas; identidades surdas híbridas; identidades surdas de transição; identidades surdas incompletas e identidades surdas flutuantes. Com base na autora, apresentamos a seguir as conceituações das diferentes identidades. 6.1 IDENTIDADES SURDAS HÍBRIDAS Representam os surdos que nasceram ouvintes e com o tempo perderam a audição, quer seja por uma doença, quer por um acidente. Dependendo da idade em que houve a perda auditiva, este surdo pode, quando ainda ouvia, ter aprendido a falar e escrever. Desse modo, teria experiência e conhecimento da estrutura da língua portuguesa, dominando a língua oral e a de sinais, e, por conseguinte, compreendendo o que lhe é falado oralmente. Também há casos em que não reconhecem a fala oral e utilizam sinais mais simples da Libras, podendo escrever na estrutura da Libras e até utilizar a estrutura da língua portuguesa, no caso de já ter sido alfabetizado anteriormente à perda da audição. Estes sujeitos também se valem das tecnologias diferenciadas para compreensão das mídias. Nessa identidade, os surdos apresentam muita resistência e não assimilam a ordem da língua falada, pois ao sinalizarem prestam mais atenção ao movimento das mãos do que ao movimento da boca. A escrita também revela a estrutura da Libras em toda sua plenitude, pois não escrevem na estrutura da língua portuguesa. Escrevem como falam/sinalizam. Assim como também fazem uso das tecnologias que os auxiliam na compreensão das mídias, como por exemplo, a legenda em Libras na TV, o telefone para surdos, chamado TDD (sigla em inglês para Telephone Device for Deaf) e campainhas luminosas de todo tipo (na sala de aula, na campainha de casa, entre outros). 6.2 IDENTIDADES SURDAS FLUTUANTES Se caracterizam quando os surdos não têm contato com os demais surdos. Sentem-se pertencentes à comunidade ouvinte. Envolvem-se apenas com ouvintes, relegando a comunidade surda. Não participam das associações de surdos, das lutas políticas, rejeitam o intérprete de Libras e não desenvolvem a sua cultura surda. Orgulham-se de falar corretamente e rejeitam a língua de sinais. Nessa identidade, não conseguem se aceitar como surdos, mas ao mesmo tempo sentem-se inferiores aos ouvintes. Isso pode causar, em alguns casos, depressão, fuga, suicídio, acusações aos surdos e muita competição com os ouvintes. Nesse caso, o indivíduo apresenta-se como vítima da ideologia oralista, educação clínica e preconceito da surdez. TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 93 6.3 IDENTIDADES SURDAS INCOMPLETAS Os casos denominados de identidades surdas incompletas são os surdos que não têm condições de usar a língua de sinais, o que pode ser ocasionado pela falta de contato com outros surdos, existindo, portanto, um desconhecimento desta. Esta é uma realidade a que são acometidos alguns dos surdos, e neste caso pode-se dizer deficientes auditivos, que são aprisionados em casa por suas famílias superprotetoras, tornando-os incapacitados de decidirem sozinhos sobre suas vidas, limitando o conhecimento do mundo fora das suas casas. A família segue as orientações médicas, rotulando os mesmos como “deficientes” ou até mesmo como “deficientes mentais”, o que reproduz uma ideologia contra o reconhecimento da diferença. Isto hoje passou a ser uma questão social e estão neste grupo, surdos em sua maioria adultos, que nem chegaram a frequentar escola em idade escolar. Hoje pela legislação, todos são obrigados a ir para a escola, inclusive orientados pelos médicos, assim as escolas e demais terapias orientadas incentivam as potencialidades do sujeito, independentemente do grau de deficiência. 6.4 IDENTIDADES SURDAS DE TRANSIÇÃO Remetem aos surdos que nunca tiveram contato com a identidade surda. Vivem entre uma identidade surda e uma identidade ouvinte. Quando um surdo encontra com seus pares surdos e se identifica surdo também, o encontro torna-se um momento de aprendizado e reconhecimento.Estes são, na maioria das vezes, filhos de pais ouvintes e nunca tiveram contato com outros surdos. Perlin (2012, p. 64) afirma que "[...] no momento em que esses surdos conseguem contato com a comunidade surda, a situação muda e eles passam pela ‛desouvintização’ da representação da identidade”. É um momento em que ocorre a passagem da comunicação visual/oral para a comunicação visual/ sinalizada. Com o intuito de pensarmos sobre as identidades dos indivíduos surdos de uma forma categorizada, nos amparamos em Madeira (2015, p. 29), quando nos diz que “é compreensível que a constituição da identidade se desenvolva por meio da coexistência sociocultural desde o nascimento, ou que, precisamente, a identidade seja construída pela realidade na qual o sujeito vive”. Segundo o autor, a categorização de Perlin pode ser vista [...] não pelo viés das identidades, mas pelos diferentes entornos linguísticos, pelas diferentes experiências linguísticas nas quais os surdos estão imersos. Essas experiências, esses entornos, também não são fixos, porque as pessoas mudam de ambientes, de relações sociais, de escolas, entre outros (MADEIRA, 2015, p. 29). UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 94 Dessa forma, concordamos com Madeira (2015) de que é impossível fixar identidades, pois os sujeitos surdos são construídos em um mundo que é cultural e social, ou seja, caracterizá-los seria generalizá-los demais, quando partimos do pressuposto de que cada sujeito se constrói a partir de sua própria realidade. 7 SURDEZ E A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS Caracterizamos, neste tópico, o sujeito surdo, definimos as diferentes identidades destes sujeitos e ficou evidenciado que o surdo é usuário de uma língua diferenciada que lhe propicia o acesso aos conhecimentos, como qualquer outra língua a seus usuários. Assim, traremos agora algumas reflexões sobre o processo de aquisição desta língua. Mesa Casa (2016), em seu artigo sobre “os surdos na aquisição da segunda Língua de Sinais”, faz uma análise teórica de como ensinar a língua de sinais para aquisição e desenvolvimento da linguagem pelos surdos. Para Mesa Casa (2016, p. 34), “o processo de comunicação torna-se importantíssimo para conseguir a capacidade do desenvolvimento cognitivo”, o que ocorre através da aquisição de um sistema simbólico dado através da própria língua. [...] a capacidade humana de significação se apresenta como uma competência específica para operação, produção e decodificação dos signos, permitindo, através desta faculdade, a produção de significados. Essa constatação infere à aquisição da língua um lugar privilegiado, não apenas no que se refere ao processo de comunicação, mas também ao desenvolvimento cognitivo (LODI; MÉLO; FERNANDES, 2012 apud MESA CASA, 2016, p. 42). Neste sentido, fica evidente que quanto mais cedo propiciar o contato com a língua, melhor é o desenvolvimento da pessoa surda. Muitos autores reafirmam esta premissa, assim como Mesa Casa (2016, p. 43), para ela “uma língua adquirida em sua totalidade e fluência é a base do processo de comunicação e desenvolvimento cognitivo”. Sacks (2010, p. 58) afirma ainda que há um “perigo especial que ameaça o desenvolvimento humano, tanto intelectual como emocional, se deixar de ocorrer a aquisição apropriada de uma língua”. É uma constatação óbvia a capacidade que a criança tem no início da aquisição da linguagem, pois o sujeito desenvolve a potencialidade e há um processo de maturação da língua de forma natural, cada modalidade do seu jeito, com suas características diferentes, no caso da educação de surdos, com o estímulo espaço-visual. Mesa Casa (2016) traz novamente a discussão de Lodi, Mélo e Fernandes (2012, p. 217), que se amparam em Vygotsky (1989) para pontuar que “o significado das palavras é um fenômeno do pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele”. E discutem TÓPICO 2 | CONCEITOS OU CARACTERIZAÇÃO DE SURDEZ 95 quanto é complexo o sistema que envolve a linguagem e o pensamento, portanto se torna difícil pensar em “fazer uma criança surda falar”. Já a comunicação linguística através da aquisição da língua de sinais como primeira língua é que poderá projetar e criar este papel fundamental entre o pensamento e o que se sinaliza e vice-versa. Ainda segundo Vygotsky (1989 apud OLIVEIRA, 1997, p. 54), acima citado, “se refere a ter domínio, de fato, de instrumental linguístico que lhe sirva para as operações mentais que envolvem mecanismos linguísticos”. DICAS Sabemos muito bem como um bebê ouve, passa a balbuciar e vai evoluindo até falar frases complexas. E como se dá a evolução da aquisição da Língua de sinais? FICOU CURIOSO? Leia a primeira Unidade do trabalho de Aline Lemos Pizzio e Ronice Müller de Quadros sobre “AQUISIÇÃO DA LINGUA DE SINAIS” (páginas 3 a 8). Você irá encontrar o texto em: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/ aquisicaoDeLinguaDeSinais/assets/748/Texto_Base_Aquisi_o_de_l_nguas_de_sinais_.pdf> ou em PDF com seu professor. FONTE da Imagem: Disponível em: <http://liliacamposmar- tins.blogspot.com.br/2011/11/bebes-sur- dos-devem-aprender-libras-nos.html>. Acesso em: 16 out. 2017. UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 96 DICAS Fique por dentro de pesquisas atuais sobre a Organização Cerebral no uso da Linguagem. Independente das modalidades oral-aditiva ou espaço-visual, as línguas acontecem naturalmente, e o sujeito a partir do domínio de qualquer língua consegue organizar seu pensamento e expressar-se claramente. Apesar disso, há uma diferença entre línguas faladas e sinalizadas, pois o padrão auditivo e o padrão visual entram no cérebro por canais separados. Ficou curioso? Acesse: <ht tp : / /www. l ib ras .u fsc .b r /co lecaoLet rasL ib ras/e ixoFormacaoEspec i f ica/ linguaBrasileiraDeSinaisI/scos/cap18711/1.html>. Veja este conteúdo e muitos mais! 97 RESUMO DO TÓPICO 2 • A terminologia aceita atualmente ao referir-se às pessoas que não ouvem é: Pessoa Surda – PS –, caso sua surdez seja profunda, ou deficiente auditiva – DA –, caso a pessoa ainda ouça, mesmo que de forma parcial. A terminologia surdocego também é correta. Trata-se da pessoa que apresenta deficiência visual e auditiva, concomitantemente. Também vale ressaltar que textos legais escritos com termos ultrapassados, não necessitam de revisão, subentendendo que o termo era válido na época, ou seja, traduz pelas terminologias utilizadas atualmente. • A cultura, a identidade e a comunidade surda estão intimamente ligadas, principalmente, cultura e identidade, como você pode observar no texto. Mas as três não precisam estar necessariamente ligadas, pois o sujeito pode ter a cultura e a identidade surda, mas optar por não participar da comunidade. Nestas discussões, a identidade surda pode incluir variações: surdos híbridos, flutuantes, incompletos e em transição. Enfim, sendo o surdo o usuário de uma língua específica, percebemos que a aquisição acontece normalmente, e quanto mais cedo melhor. Ou seja, o sujeito surdo deve estar em contato com a Língua de Sinais e suas características espaço/visuais, tendo contato com a mesma. O que ocorre na verdade com a aquisição de qualquer língua, seja ela uma Língua espaço/visual e não oral/auditiva. 98 AUTOATIVIDADE (A) Identidades surdas híbridas. (B) Identidades surdas flutuantes. (C) Identidades surdas incompletas. (D) Identidades surdas de transição. ( ) São sujeitos que não têm condições de usar a língua de sinais por falta de contato com ela, em geral, estes sujeitos já são adultos e vivem isolados da sociedade em geral. ( ) Refere-se aos surdos que não tinham contato com a comunidade surda, e ao conhecê-la, passam a incorporá-la. ( ) Representa as pessoas que nascem ouvintes e acabam por perder a audição depois de um tempo. Assim acabam tendo o contato com as duaslínguas. ( ) Sujeitos surdos que não têm contato com outros surdos sentem-se pertencentes à comunidade ouvinte e rejeitam a língua de sinais. 1 Qual das terminologias você já conhecia e considera ultrapassada e pejorativa? Justifique. 2 Qual é a terminologia aceita e utilizada atualmente para se referir a pessoas que possuem alguma deficiência? 3 Ao nos referirmos aos deficientes auditivos, há mais alguns desdobramentos no termo. Quais são? 4 Deficiência e eficiência são dois termos relativos à pessoa com deficiência, ou podemos dissociá-los? Explique. 5 Relacione a primeira coluna com a segunda, de acordo as características apresentadas no texto: 99 TÓPICO 3 O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Ao pensarmos sobre a questão legislativa da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, precisamos considerar o modo como esta língua se constitui, que discussões foram necessárias para chegarmos à materialidade destas leis e decretos que, de alguma forma, se referem à Libras. Com certeza a caminhada da comunidade surda e demais espaços que apoiam esta luta foi árdua, em busca do direito e do próprio reconhecimento deste direito, porém torna-se referência apenas o fato em si, criação da Lei da Libras neste caso, mas o que nos faz perceber a historicidade das leis atuais é o caminho que elas mesmas apontam em relação às leis anteriores, nas quais estas se fundamentam e se legitimam. 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: DIREITOS DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA Iniciaremos a historicidade da legislação brasileira em relação ao sujeito surdo pela própria Constituição Brasileira. Costa (2010) afirma que já se pode vislumbrar por meio da Constituição de 1988 os deslocamentos em relação a minorias que são ali sinalizados no que diz respeito aos direitos de saúde, cidadania e educação. No Capítulo 3, Artigo 208, Seção I - Da Educação, no item III, vemos contemplados o direito de: [...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino". Na Seção IV, Da Assistência Social, Artigo 203, itens IV e V, temos "a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária"; e "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988 apud COSTA, 2010 p. 40). A Constituição de 1988 é a primeira legislação brasileira a contemplar os direitos das pessoas com deficiência, conforme o próprio texto constitucional. Anteriormente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, não 100 UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES havia menção alguma aos direitos dos surdos, sob qualquer nomenclatura. Portanto, para Costa (2010), o início do deslocamento legislativo em relação ao sujeito surdo está representado no documento de 1988. A seguir observaremos outras materialidades que representam o deslocar da linguagem até que chegássemos à língua de sinais, reconhecidamente considerada através da legislação brasileira. Lembrando o que foi dito no Tópico 2: Textos legais escritos com termos ultrapassados não necessitam de revisão, subtendendo que o termo era válido na época, ou seja, traduz pelas terminologias utilizadas atualmente. ATENCAO 3 CONSIDERAÇÕES QUE ANTECEDEM A LEI DA LIBRAS Já dizia Costa (2010, p. 39): “as Leis apontam o caminho de deslocamentos, de questões que tiveram que ser pensadas após a consideração da língua brasileira de sinais como parte de formação discursiva do sujeito surdo”. Há deslocamentos que devemos considerar nas discussões que antecedem a lei e a partir das leis. As leis dificilmente são criadas a ‘toque de mágica’, são resultado de discussões e lutas. Iremos considerar aqui os fatos ocorridos após o Congresso de Milão, a partir deste, foram mais de 100 anos sem usar a Libras no âmbito escolar, porém não podemos deixar de considerar também, que neste período foram criadas mais de 180 Associações de Surdos, além da Federação Desportiva, Confederação Brasileira de Desporto e a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS –, que preservaram a língua e que traziam à tona a discussão sobre os direitos fundamentais do ser Surdo. Entre os espaços de militância, lembramos as discussões levantadas na Declaração de Salamanca, na Convenção Internacional sobre o Direitos das Pessoas com deficiência e Convenção da Guatemala, entre tantas outras que poderiam ser citadas. A Declaração de Salamanca foi resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, que aconteceu na Espanha em 1994, e que reafirmou o direito de todos à educação, independente das diferenças, ressaltando que a educação de pessoas com deficiência é parte integrante do sistema educativo. TÓPICO 3 | O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 101 Na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem-se a 24ª Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, promovida pela UNESCO em Barcelona em 1996, enfatizando em seu Artigo 24, parágrafo único, que: Todas as comunidades linguísticas têm direito a decidir qual deve ser o grau de presença da sua língua, como língua veicular e como objeto de estudo, em todos os níveis de ensino no interior do seu território: pré-escolar, primário, secundário, técnico e profissional, universitário e formação de adultos (BARCELONA, 1996). Neste caso, os surdos constituem uma comunidade linguística, e, portanto, têm o direito de decidirem a forma como seria a participação de sua língua em todos os níveis de ensino. Esta compreensão dos direitos da pessoa usuária de outra língua que não a oficial, se mantém na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, em relação aos surdos, no artigo 24, § 3: a. Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda; e b. Garantia de que a educação de pessoas, inclusive crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados às pessoas e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social BRASIL, 2009). E no artigo 30, § 4: “As pessoas com deficiência deverão fazer jus, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a que sua identidade cultural e linguística específica seja reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda” (BRASIL, 2009). Neste mesmo ano, 1996, Campello e Quadros (2010) citam o esforço da Câmara Técnica de Petrópolis/RJ com a CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (criada em 29 de outubro de 1989) e com a FENEIS, para dar subsídios ao projeto da Senadora Benedita da Silva que propôs a oficialização da Libras em âmbito nacional. Para reforçar, dar credibilidade e divulgar este projeto de Lei, foi criada pela FENEIS, em parceria com o MEC, a 1ª edição do material “LIBRAS EM CONTEXTO”, em que foi apresentada uma metodologia para o ensino da Libras. 102 UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES FIGURA 78 – LIBRAS EM CONTEXTO FONTE: STROBEL (2008, p. 59) Já em 1999, Campello e Quadros (2010) citam o Pré-Congresso, em Porto Alegre/RS, onde foi elaborado pela comunidade surda o documento “A educação que nós Surdos queremos”. Documento que foi encaminhado ao V Congresso Latino-americano de Educação Bilíngue para Surdos. DICAS Conheça mais sobre o documento: A Educação que nós surdos queremos em: <http://docplayer.com.br/18634121-A-educacao-que-nos-surdos-queremos.html>. Concomitantemente, acontece também a Convenção da Guatemala, Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Considerando que as pessoas com deficiência têm osmesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que qualquer pessoa. Aqui no Brasil é criado pelo MEC um “Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos”, segundo Campello e Quadros (2010, p.16), com o objetivo de: • Treinar os instrutores Surdos para que eles possam ensinar a língua de sinais na rede oficial de ensino; • Apoiar tecnicamente as instituições de educação média e superior na inclusão da Libras como componente curricular dos cursos de formação de professores e fonoaudióloga do sistema federal de ensino; TÓPICO 3 | O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 103 • Apoiar técnica e financeiramente cursos de capacitação de professores (surdos e ouvintes) e instrutores surdos dos sistemas estaduais, municipais e do Distrito Federal, para o ensino de Libras em sala de aula; • Apoiar técnica e financeiramente cursos de capacitação de professores dos sistemas estaduais, municipais e do Distrito Federal, para que se tornem bilíngues (LIBRAS/Língua Portuguesa), para exercer a função de tradutor e intérprete de Libras em sala de aula. Percebemos até aqui que muitos foram os deslocamentos necessários para chegar a este ponto, uma luta incansável de muitos espaços que atuaram e atuam até hoje em prol da comunidade surda. Enfim chegamos ao primeiro formato de Lei: Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. COSTA (2010) aponta esta Lei como um discurso fundador da língua de sinais, em que ela passa a ser legitimada. Podemos realmente afirmar que a Lei nº 10.098 é um discurso fundador na esfera da Língua Brasileira de Sinais – Libras, por se tratar do primeiro documento a relacionar os surdos e a língua de sinais, considerando-a meio de comunicação dos Surdos. Para Costa (2010, p. 41): [...] são instaladas as condições de formação de outros discursos sobre o surdo, a produção dominante de sentidos era configurada pelo não reconhecimento legal da linguagem de sinais como comunicação do surdo. Ela era uma língua bastarda, clandestina, e como tal, não se filiava a sua própria possibilidade de conflito. Há, a partir da lei, uma ruptura, um deslocamento que institui uma região de sentidos e configura um processo de identificação para os surdos. Costa (2010) também ajuda a esclarecer, neste contexto, quais seriam as barreiras na comunicação, para ela barreiras são definidas como qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou recebimento de mensagens por intermédio dos meios de comunicação. Estão postos, então, neste contexto, novos critérios para a facilitação da comunicação, porém está posto também que a sociedade precisa manter uma nova postura diante do surdo, reconhecendo e respeitando esta língua de um grupo minoritário. Vejamos na íntegra a que se refere a Lei nº 10.098, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências: CAPÍTULO VII – DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO Art. 17 O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. Art. 18 O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias- intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação. 104 UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES Art. 19 Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento (BRASIL, 2000 apud COSTA, 2010, p. 40-41). Percebam que a lei propõe a eliminação de barreiras para a garantia do acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. A língua de sinais, embora não citada diretamente, passa a ser pensada como um meio de eliminação de barreiras para os fins mencionados. Também cita, entre outros assuntos, a implementação da formação de profissionais intérpretes de linguagem de sinas. E por fim fala da garantia do acesso à informação, chamando os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens a adotar medidas técnicas para permitir o uso da língua de sinais. Tudo isso oferece aos surdos um marco inicial de uma nova posição de sujeito, um novo aspecto a sua identidade. Costa (2010) faz outro apontamento nesta questão, para ela está sim, legalmente legitimada a existência da linguagem de sinais, porém ainda não a existência de uma língua como parte da vivência do surdo. Neste contexto, a presença do intérprete passa a ser parte indispensável na comunicação do surdo com o ouvinte, e este contexto ajuda a legitimar a Libras enquanto língua de sinais, isto representa o início de reconhecimento do status de língua. A autora lembra ainda que a existência da lei significa muito para o segmento da sociedade que tanto lutou por ela, porém, muitas vezes, olhando na prática, na vivência em sociedade, torna-se inexistente. As leis têm o poder de participar especialmente da constituição da identidade dos sujeitos a quem esta se refere, no entanto, não é possível negar a existência de sujeitos não constituídos por esse discurso, sujeitos que se encontram fora desta formação discursiva e que continuam a viver como se a lei não existisse (COSTA, 2010, p. 43). Percebemos a dura realidade citada pela autora, hoje passados mais de quinze anos da promulgação da lei, ainda encontramos surdos que não estão cientes dos direitos e da própria condição de sua surdez. São pessoas de mais idade que passaram despercebidas e hoje se encontram ainda nesta condição. Como já discutimos anteriormente, é uma caminhada histórica de constantes lutas no que diz respeito à língua deste grupo minoritário de surdos. A conscientização deles e tudo mais que envolve esta situação está em deslocamento, como diria Costa (2010). Precisamos ressaltar ainda que a língua dos ouvintes sempre foi colocada ao surdo como forma de contato com a sociedade. A caminhada ou o deslocamento é lento, concordamos com a autora, quando destaca que neste momento TÓPICO 3 | O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 105 [...] o reconhecimento da Linguagem de Sinais neste documento brasileiro desterritorializa e reterritorializa, remarca as fronteiras entre surdos / ouvintes / intérprete / língua / linguagem / história / discurso. O que pode e deve ser dito sobre o surdo a partir do ano 2000 é que a sua linguagem é de sinais e não oralizada (COSTA, 2010, p. 43). Costa (2010) amplia esta discussão, se o surdo possui uma linguagem, ela passa a ser língua brasileira do surdo, ela é sua língua nacional e, como tal, tem uma história constituída, ligada à forma histórica do sujeito sociopolítico, que se define na formação do país em relação a esta língua. Se referir neste momento a uma língua e não linguagem, é tratar de outros sentidos que garantem o status linguístico da Libras, é dar um lugar sociopolítico à linguagem de sinais e ao sujeito surdo. Este deslocamento de discussão leva finalmente à Língua de Sinais a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Costa (2010, p. 44) ainda evidencia o novo termo utilizado para referir-se à linguagem de sinais: “a língua brasileira de sinais, Libras. Outro deslocamento bastante significativo é firmado”. 4 LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais – Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de abril de 2002; 106 UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES 181º da Independência e 114° da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza (BRASIL, 2002 apud COSTA, 2010, p. 44-45). São somente cinco artigos que dispõem sobre a Libras: O Artigo 1 trata do que é Libras; artigo 2 trata do dever público, empresas e serviços, de apoiar o uso de difusão de Libras; terceiro artigo versa sobre o apoio da saúde ao ‘portador de deficiência auditiva’; o quarto artigo versa sobre o papel da educação de incluir Libras nos cursos de formação, como integrante dos Parâmetros Curriculares Nacioais – PCN; o último artigo trata da entrada em vigor da lei. Costa (2010) reitera que agora, como língua permitida, legal(izada), este reconhecimento desloca a posição do sujeito surdo brasileiro, lhe traz um novo espaço social. Tendo língua própria, ele agora é reconhecidamente marcado por uma distinta brasilidade, e recebe a condição de pertencimento, de patriotização. Os surdso são agora possuidores de uma língua do Brasil. De acordo com a lei, entende-se como Língua Brasileira de Sinais a forma de comunicação e expressão que usa um sistema visual-motor, com estrutura gramatical própria, o que constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, reconhecida a partir do uso pelas comunidades de pessoas surdas do Brasil, portanto, com tantas características, nosso status linguístico já está garantido, apesar de que muitos autores tiveram que escrever sobre o tema para ‘comprovar este status’. Ser minoria significa, muitas vezes, seguir desconhecida pela maioria da sociedade e, para entender melhor, podemos relacionar a semelhança de outros grupos minoritários como as diversas línguas indígenas e africanas, que não possuem prestígio social e sua utilização permanece restrita aos grupos em que haja a aglutinação de pessoas. O surdo percebe o mundo de forma diferenciada dos ouvintes, através de uma experiência visual e faz uso de uma linguagem específica para isso, a língua de sinais. Esta língua é, antes de tudo, a imagem do pensamento dos surdos e faz parte da experiência vivida da comunidade surda. Como artefato cultural, a língua de sinais também é submetida à significação social a partir de critérios valorizados, sendo aprovada como sistema de linguagem rica e independente (QUADROS, 2007, p. 55). Costa (2010) retoma a discussão da posição da língua portuguesa em relação à Libras, que pode ser considerada hierárquica e de superioridade, já que a Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Por intermédio da lei, a Libras ascende, contudo, não a ponto de ser completa. A Libras é considerada, desta forma, língua de comunicação e continua a necessitar da Língua Portuguesa para sua completude. Desta forma o sujeito surdo é considerado oficialmente bilíngue e de uma nova categoria, já que sua língua de comunicação é a Libras, e sua língua escrita é a Língua Portuguesa. TÓPICO 3 | O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 107 O reconhecimento de Libras como língua da comunidade de pessoas surdas do Brasil trouxe regulamentações que procuram garantir a sua circulação no território nacional. Dessa maneira, surge o decreto que também passa a se referir sobre o funcionamento de instituições, de forma a garantir que o poder público em geral desenvolva formas de apoiar o seu uso e sua divulgação. 5 DECRETO DE LIBRAS No 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005 Para Costa (2010), o Decreto de Libras mostra todos os deslocamentos subsequentes da legitimação de Libras como língua do surdo, e da Língua Portuguesa como sua língua escrita, ou seja, o decreto é simplesmente um olhar sobre o documento de Lei nº 10.436. Vemos no decreto a extensão destes desdobramentos, nove capítulos distribuídos em trinta e um artigos. Há uma necessidade de mudança para se efetivar a lei, mudança para este novo deslocamento, e o decreto traz as regras para um funcionamento padrão em diversos itens que estão ligados à efetivação da mesma. DICAS Leia o Decreto na íntegra: Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/ d5626.htm>. De forma geral, o decreto discorre sobre vários itens, entre eles: a definição de pessoa surda; a colocação de Libras como disciplina curricular obrigatória e a ampliação dos cursos que a ensinem, e em alguns casos a opção nos cursos; a formação do professor e do instrutor de Libras; exames de proficiência e outras avaliações; medidas para difusão e uso de Libras e Língua Portuguesa como forma de dar ao surdo acesso à educação; a formação do tradutor/intérprete de Libras/ Português; a garantia dos direitos dos surdos à educação e à saúde; o papel do poder público no apoio à difusão da Libras; o controle do orçamento público e o controle do uso e difusão das medidas legisladas. São diferentes itens a serem observados, e o decreto regulamenta sua implantação. O decreto foi criado há mais de três anos após a lei, ou seja, houve uma dificuldade da efetivação da Libras, principalmente por se tratar de uma lei nova que se referia a um grupo minoritário. 108 UNIDADE 2 | SURDEZ E AS LEGISLAÇÕES Podemos afi rmar que este grupo minoritário tomou posse da lei e lutou pela sua efetivação. Costa (2010) cita Orlandi (2006) em seu livro, e esta afi rma que a metáfora do grupo-corpo acalma a angústia da cisão do sujeito. Na condição de pertencente ao grupo, pela própria condição de aceitação da diferença, que inicia em seu corpo, o sujeito surdo acalma a angústia de sua cisão, que, no entanto, não deixa de existir. Somos todos sujeitos cindidos, algumas cisões são mais visíveis, outras nem tanto (ORLANDI, 2006 apud COSTA, 2010, p. 48). Costa (2010) afi rma que da normalização da língua resulta a normalização do sujeito surdo, que tornado normal, tem uma língua anormal (fora da norma, que não é a padrão). Por que pensar assim? Porque a Libras é atravessada por outra língua, a Língua Portuguesa; porque tem a necessidade de um intérprete em seu próprio país. E o sujeito surdo é diferente, e gera outra vez a normalização ou a diferenciação por meio das regras. DICAS Leia na íntegra o que Costa (2010 p. 49-50) versa sobre os termos:ANORMAL e DIFERENTE. Vale a pena se deliciar com esta leitura. TÓPICO 3 | O DISCURSO LEGISLATIVO ACERCA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 109 Concluindo nossos apontamentos sobre a legislação, queremos fazer uma ressalva à nova lei aprovada recentemente: a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, a LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência, que legaliza, consolida e amplia benefícios e direitos dos defi cientes (já inclusos no estatuto), inclusive os surdos! O texto trata de questões relacionadas à acessibilidade e à inclusão em educação, saúde, trabalho, infraestrutura, entre outros. DICAS Conheça a lei mais recente de nosso país, a LBI. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Parafraseando Costa (2010), quando cita toda essa caminhada histórica como os deslocamentos a partir do discurso defendido “a Língua Brasileira de Sinais”. Que deslocamento! Ou seja, que caminhada! A conquista da comunidade surda brasileira na questão da aprovação da Lei nº 10.436 ainda é recente. Foram anos de luta para que a língua de sinais fosse efetivamente reconhecida e serão mais quantos, até vermos a verdadeira inclusão efetivada em nossa sociedade. Os deslocamentos continuam, e agora você, acadêmico, pode passar a ser um sujeito que contribuirá para impulsionar estes novos deslocamentos! A voz dos surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam. As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido para muitos, mas que signifi cam a possibilidade de organizar as ideias, estruturar o pensamento e manifestar o signifi cado da vida para os surdos. Pensar sobre a surdez requer penetrar no mundo dos surdos e ouvir as mãos que, com alguns movimentos, nos dizem que para tornar possível o contato entre os mundos envolvidos se faz necessário conhecer a língua de sinais (QUADROS, 2007, p. 119). 110 RESUMO DO TÓPICO 3 • As Leis realmente não são criadas a ‘toque de mágica’, são resultado de muitas discussões e lutas que COSTA (2010) trata neste texto como deslocamentos históricos. A Constituição de 1988 é a primeira legislação brasileira a contemplar os direitos das pessoas com deficiência, citando as áreas da saúde, cidadania, educação e assistência social. Porém a primeira Lei que reconhece a necessidade de uma comunicação para os Surdos só aparece em 2000, foram 12 anos de caminhada em busca do reconhecimento. • Concomitantemente, a nível internacional, discussões são levantadas e direitos vão se desenhando no cenário, como podemos perceber na Declaração de Salamanca, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e Convenção da Guatemala, entre tantas outras que poderiam ser citadas. Em 2000, surge então, a primeira Lei 10.098, considerada como o discurso fundador da Libras. Ela já fala da eliminação de barreiras para acesso às informações e admite o uso de uma Linguagem de sinais, ou seja, já aponta que o surdo necessita de outra forma para receber as informações que não a língua padrão oral. • Em 2002, finalmente cria-se a sonhada Lei de Libras, Lei nº 10.436, que legitima a Língua de Sinais, trazendo em seu texto a definição do que é Libras e deixando claro o dever público, de empresas e serviços, de apoiar o uso de difusão da Libras. Já em 2005, temos o Decreto 5.626, que é um olhar sobre esta Lei, traz nove capítulos distribuídos em trinta e um artigos, para organizar o funcionamento padrão em diversos itens que estão ligados a efetivação da Lei 10.436 de 2002. • Hoje a caminhada legal e aceitação tanto da língua de Sinais como da Inclusão no geral está muito mais difundida e consolidada. O que pode ser observado, por exemplo, a partir da nova lei aprovada recentemente: a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, a LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que legaliza, consolida e amplia benefícios e direitos das pessoas com deficiência. 111 AUTOATIVIDADE 1 Qual foi a primeira legislação brasileira a contemplar os direitos das pessoas com deficiência? 3 Enquanto no Brasil tramitavam as discussões em torno da legalidade da Língua dos Surdos, em nível mundial aconteciam outros movimentos. Quais eram? 4 Finalmente foi aprovada a Lei mais esperada pela comunidade surda, a Lei nº 10.436 de 2002. A que se refere esta Lei? 5 De acordo com a Lei nº 10.436/2002, o que se entende por Língua Brasileira de Sinais? 6 Após trazer os deslocamentos históricos até a criação da Lei da Libras nº 10.436/2002, COSTA (2010) traz a discussão “De anormal a diferente” Qual o significado destes dois termos na visão da autora? 2 A Lei nº 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Esta Lei é considerada por Costa (2010), citada neste tópico, como a Lei que traz um discurso fundador da Língua de Sinais. Justifique esta afirmação. ( ) Lei nº 10.098/2000 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. ( ) Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. ( ) LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). ( ) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 112 113 UNIDADE 3 POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • identificar as concepções filosóficas metodológicas da educação de surdos no Brasil; • compreender a proposta do MEC para educação de surdos e a proposta do estado de Santa Catarina; • refletir sobre a realidade da educação de surdos no Brasil; • aprofundar sobre escola inclusiva e escola bilíngue. Esta unidade está organizada em três tópicos. Ao final de cada um deles, você encontrará o resumo e a autoatividade, que darão maior compreensão aos temas abordados. TÓPICO 1 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO CONTEXTO BRASILEIRO E ESPECIFICIDADES DA LÍNGUA DE SINAIS TÓPICO 2 – EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL – PARADGIMA OU MODELO TÓPICO 3 – POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 114 115 TÓPICO 1 A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO CONTEXTO BRASILEIRO E ESPECIFICIDADES DA LÍNGUA DE SINAIS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Não temos como falar da educação de surdos sem associá-la a história no geral e vice-versa. Portanto, você encontrará citado aqui, muitos dos fatos já estudados em outras unidades. Na dúvida, reveja-os! A Língua de Sinais iniciou ainda no tempo do Império do Brasil, porém a educação de surdos seguiu os ideais do Congresso de Milão em 1880 e acabou por dizimá-la por 100 anos, voltando a discuti-la recentemente, sendo que a lei que aprovou a volta da língua de sinais e uso do bilinguismo como metodologia oficial é de 2002. 2 CONTEXTO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS E A LÍNGUA DE SINAIS Durante muitos anos, as comunidades surdas vêm lutando por uma comunicação visuoespacial. Um dos resultados dessa luta é a língua de sinais, que em nosso país denomina-se Libras. A Lei Federal nº 10.436, aprovada em 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), já mencionada em nosso livro, reconhece a Libras como língua oficial das comunidades surdas. Não só a Libras, mas também outros recursos de expressão a ela associados foram reconhecidos nesse mesmo momento. Este marco legal trouxe várias conquistas, entre elas as diretrizes e obrigatoriedades para os diversos espaços sociais, educacionais, entre outros. Os surdos passaram a ter preservados seus direitos no âmbito educacional, sendo eles municipal, estadual e federal e, dessa forma, as instituições começaram a contratar intérpretes, professores e instrutores de Libras. Hoje, há um grande número de alunos surdos matriculados nessas redes educacionais. Graças a profissionaissurdos e ouvintes, que apoiam as causas em favor dos surdos, foi possível a melhoria na educação das crianças surdas em trajetórias que conduziram, inclusive, à educação superior. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 116 No entanto, até que as conquistas hoje vivenciadas se consolidassem, fi zemos, no país, uma caminhada histórica, plena de desafi os, que Rocha (2008, p. 23) assim menciona: A educação escolar nas primeiras décadas do século XIX repercutiu nos primeiros momentos de organização do estado imperial. A ideia de disseminar o acesso à escolarização às camadas populares guardava também um sentido de controle dos súditos do novo império. Segundo Rocha (2008), a primeira escola criada no Brasil teve como objetivo ensinar a ler, escrever e contar. Era uma escola para pobres, brancos e livres. Naquela época, a sociedade, ainda escravocrata, organizava-se politicamente de forma distinta da atualidade. “Não guardava uma intenção de continuidade com os níveis de instrução secundária e superior, que eram destinados à aristocracia” (ROCHA, 2008, p. 23). Foi, nesse cenário, conhecido como “das primeiras letras”, conforme Rocha, que em junho de 1855 E. Huet apresentou ao imperador D. Pedro II um projeto para criação de um estabelecimento para surdos. Strobel (2009) salienta a importância da história do fundador da primeira escola de surdos no Brasil: E. Huet, professor surdo, nasceu, viveu e estudou em Paris, fi cou surdo aos 12 anos de idade em consequência de ter contraído sarampo. Fundou outras escolas de surdos em diversos países. Chegou ao Brasil em 1855 e fundou a primeira escola aqui. Em 1857, segundo Rocha (2008), a escola foi transferida para uma casa maior. Campello e Quadros (2010) ressaltam que os primeiros surdos que frequentaram a escola de surdos no Brasil foram um menino de 10 e uma menina de 12 anos. A escola se denominava “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, hoje: “Instituto Nacional de Educação de Surdos” (INES). Esta primeira escola apresentou uma proposta que mesclava a língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil. UNI O Instituto foi criado pela Lei nº 939, em 26 de setembro 1856, data em que é comemorado hoje o Dia Nacional dos Surdos no Brasil. Conheça mais sobre esta antiga lei no site do MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira do Arquivo Nacional, em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=8229>. TÓPICO 1 | A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO CONTEXTO BRASILEIRO E ESPECIFICIDADES DA LÍNGUA DE SINAIS 117 Rocha (2008) comenta que no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Huet permaneceu até o ano de 1861, quando foi embora do Brasil devido a problemas pessoais, e para lecionar aos surdos no México. Neste período, o INES foi dirigido por Frei do Carmo, que logo abandonou o cargo e foi substituído por Ernesto do Prado Seixa. Segundo Rocha (2008), posteriormente vários diretores foram se alternando no cargo do INES. Um dos marcos importantes foi o ano 1972, quando Tobias Rabello Leite assumiu o cargo efetivo de diretor do INES, cumprindo o objetivo de melhorar a rotina da instituição. “Umas das metas principais do Dr. Tobias era a de oferecer ensino profissionalizante” (ROCHA, 2008, p. 40). Campello e Quadros (2010) salientam que se pode afirmar que a base da Língua de Sinais Brasileira foi a Língua de Sinais Francesa (LSF). Afirmam ainda que, posteriormente, Flausino José de Gama traduziu o dicionário Iconographia dos Signais dos surdos-mudos, cujos desenhos foram copiados em 1875, alterando as palavras francesas para a Língua Portuguesa. Lembramos que tudo estava muito bem até o Congresso de Milão, na Itália, quando houve a decisão de proibir a língua de sinais. Assim, o legado cultural e o processo educacional de surdos tiveram impactos definitivos, afetando o processo em si e a vida das pessoas surdas nos próximos cem anos. Para entender o significado social dessa mudança ocorrida em 1880, Fernandes e Moreira (2014 p. 53) lembram que na “Europa e na América, vivia-se o auge da controvérsia envolvendo metodologias de comunicação nas escolas de surdos. Ensino que contrapunha fala e língua de sinais como meios de instrução”. No Brasil, até este congresso, era uma época que tinha ampla valorização e aceitação da língua de sinais, porém a partir do Congresso de Milão de 1880, a língua de sinais foi banida completamente na educação de surdos, impondo ao povo surdo o oralismo em que buscavam a personalidade ouvinte no surdo, tentando através de metodologias o ensino da fala. Lane (1984) comenta sobre minorias linguísticas, que neste caso, os surdos viram sua língua sucumbir no meio educacional: [...] cem anos depois, as águas parecem refluir ligeiramente em alguns estados norte-americanos, na Dinamarca e na Suécia, na França, o que permite um vislumbre de algumas agitações preliminares de vida: aqui, vemos as mãos de um intérprete em movimento; lá, uma atriz surda sinaliza; em outro lugar, um professor sinaliza em sua sala de aula. Ainda assim, em lugar nenhum, há comunidades sinalizando a exemplo do estatuto de outras minorias linguísticas, em nenhum lugar é oportunizado aos surdos exercer influência significativa na educação das crianças surdas, em nenhum lugar surdos são capazes de concluir a educação básica em números substanciais, em nenhum lugar a política nacional implementa o que os ideais nacionais exigem: a autorrealização para os surdos como para todos os outros cidadãos (LANE, 1984, p. 377). UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 118 Podemos dizer que as línguas de sinais eram desconhecidas, eram uma cultura destruída, foram ignoradas em vários lugares do mundo, eram como sinônimo de incapacidade dos cidadãos surdos no século XIV. Depois de muito tempo surgiram estudos ou termos linguísticos, a vida contemporânea globalizada e os processos coletivos subjetivos, que desenvolveram as comunidades linguísticas politicamente reconhecidas como dignas e plenas de direito. Fernandes (2012) afirma que depois desse cenário que amordaçou a língua de sinais por um século, a comunidade surda buscou a importância da estratégia política, ou seja, o reconhecimento da identidade cultural como processo permanente da “representação e construção do eu como sujeito único e igual a si mesmo e o uso desta como referência de liberdade, felicidade e cidadania, tanto nas relações interpessoais como intergrupais e internacionais” (SAWAIA, 2001 apud FERNANDES, 2012, p. 22). Fernandes e Moreira (2014) salientam que o bilinguismo dos surdos brasileiros constitui uma situação em que a comunidade surda tem um alto grau de identificação com a Língua Brasileira de Sinais – Libras – e acaba por utilizá-la no cotidiano, seja no contato entre si, seja no contato surdo-ouvinte bilíngue, por sua estrutura acontecer através de signos visuais, diferentemente da maioria das línguas naturais, que são orais-auditivas. Isto implica uma constituição de sentidos sobre o mundo diferenciado, forjando uma cultura visual, com concepções e produções em diferentes áreas, sejam elas na arte, na literatura, no humor, na vida social e esportiva, com impactos que assemelham os surdos a outros grupos étnicos que utilizam línguas minoritárias (como os indígenas, por exemplo). Apesar da identificação com sua língua visual, a língua portuguesa é a língua oficial do país, pela qual se realizam as interações sociais básicas, desde a família, a escola e o trabalho. Isso impõe a necessidade do uso social do português em ambientes formais, que assume o status de segunda língua para os surdos brasileiros, obrigatório no processo de escolarização dos surdos. Essa situação caracteriza formalmente a condição bilíngue dos surdos brasileiros (FERNANDES; MOREIRA (2014, p. 57). A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) nem sempre teve o reconhecimento social que atualmente tem conquistado. No Brasil, o Governo Federal, ao instituira lei em 2002, fortaleceu muitas conquistas, tal como a inserção do ensino dessa língua no processo de ensino e aprendizagem dos educandos surdos. A importância desse fato se dá porque desenvolve a criança surda a partir do seu mundo, da valorização da sua cultura no contexto de ensino e aprendizagem. Percebemos em nossas relações cotidianas a dificuldade dos educandos surdos no processo de ensino e aprendizagem, tendo em vista que a apreensão dos conceitos está relacionada à superação de limites, autonomia e autoestima. A Língua Brasileira de Sinais é uma língua visuoespacial que se articula por meio das mãos, das expressões faciais e do corpo. Na Libras, as relações gramaticais são especificadas pela manipulação dos sinais no espaço, sendo considerada uma língua natural, usada pela comunidade surda brasileira. “Pode-se dizer que TÓPICO 1 | A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO CONTEXTO BRASILEIRO E ESPECIFICIDADES DA LÍNGUA DE SINAIS 119 uma língua natural é uma realização específica da faculdade linguagem que se dicotomiza num sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frases” (QUADROS; KARNOPP, 2007, p. 30). Isto é, a pessoa surda consegue comunicar-se de forma clara, atingindo o seu objetivo por meio da Libras. A Libras é composta por níveis linguísticos como: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Assim como nas línguas orais-auditivas existem palavras, nas línguas de sinais existem itens lexicais, que recebem o nome de sinais. A diferença está na modalidade de articulação, denominada visual-espacial ou também cinésico-visual. Quadros e Karnopp (2007, p. 30) afirmam que: As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua dos sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Assim, para se comunicar em Libras não basta apenas conhecer sinais. É necessário conhecer a sua gramática para combinar as frases e estabelecer comunicação. Os sinais surgem da combinação de configurações de mãos, movimentos e de pontos de articulação – em locais no espaço ou no corpo onde os sinais são feitos – os quais, juntos, compõem as unidades básicas dessa língua. Quadros e Karnopp (2007) afirmam que cada língua apresenta um número determinado de unidades mínimas que estabelecem a diferença de significado de um sinal em relação a outro. Assim, a Libras se apresenta como um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Deste modo, como em qualquer língua, também existem diferenças regionais, portanto, deve-se ter atenção às variações praticadas em cada unidade da Federação. Para o Grupo de Trabalho MEC/SECADI em BRASIL (2014), que avaliou a educação de surdos no Brasil, além da Lei de Libras e do decreto que a regulamenta, foi de suma importância o direito de surdos e seus familiares (se ainda crianças) optarem pela modalidade escolar em que se sintam mais confortáveis; o direito a terem na escola professores bilíngues qualificados desde a educação infantil até o nível superior, direito que se vincula ao dever de universidades de introduzirem a disciplina Libras em todas as licenciaturas bem como a apoiarem ações de formação de educadores bilíngues Libras-Português para a Educação Básica; o direito a terem intérpretes e tradutores graduados (BRASIL, 2014a, p. 3). UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 120 Outro ponto crucial está no Decreto nº 6.949/2009, que ratifica o Decreto nº 5.626/2005, que em seu artigo quarto determina que entidades representativas das pessoas com deficiência sejam consultadas e envolvidas, por instâncias governamentais, na formulação de políticas públicas (BRASIL, 2014b). O que é considerado, pela Comunidade Surda, de suma importância, já que muitas vezes ouvintes definiram o futuro que seria reservado aos surdos especificamente. 121 Neste tópico, você viu que: • A Lei Federal nº 10.436, aprovada em 24 de abril de 2002, reconhece a Libras como língua oficial das comunidades surdas. Este marco legal trouxe várias conquistas, entre elas as diretrizes e obrigatoriedades para os diversos espaços educacionais e sociais. Assim, os surdos passaram a ter preservados seus direitos no âmbito educacional: municipais, estaduais e federais. • O Brasil já contava com a primeira escola de surdos desde o Império, se denominava “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, criado em 1857. O fundador foi o professor surdo Eduard Huet, vindo de Paris. Esta primeira escola apresentou uma proposta que mesclava a língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil. • A Educação de Surdos no Brasil teria outro caminho se não houvesse a interrupção da mesma após o Congresso de Milão, em 1880, onde a Libras passa a ser oprimida nos espaços escolares, dando espaço apenas ao oralismo, que pretendia normalizar os surdos, ensinando-os a falar. • A Língua de Sinais retornou a pauta dos espaços escolares apenas 100 anos depois, quando a comunidade surda consegue levantar a discussão. E logo depois se estabelece então a Lei de Libras, pensando uma educação voltada ao Bilinguismo, uso da Libras e da Língua Portuguesa escrita. • A Língua Brasileira de Sinais é uma língua visuoespacial que se articula por meio das mãos, das expressões faciais e do corpo. É composta por níveis linguísticos como: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Assim como nas línguas orais-auditivas existem palavras, nas línguas de sinais existem itens lexicais, que recebem o nome de sinais. RESUMO DO TÓPICO 1 122 4 Fernandes e Moreira (2014, p. 57) – citados neste tópico –, salientam que a Libras se estrutura e acontece através de signos visuais, diferentemente da maioria das línguas naturais, que são orais-auditivas. Isto implica uma constituição de sentidos sobre o mundo diferenciado, forjando uma cultura visual, com concepções e produções em diferentes áreas, sejam elas na arte, na literatura, no humor, na vida social e esportiva, com impactos que assemelham os surdos a outros grupos étnicos que utilizam línguas minoritárias. De acordo com esta afirmação e a leitura do texto, defina o que é Libras. AUTOATIVIDADE 1 Por que a Lei Federal nº 10.436, aprovada em 24 de abril de 2002, se tornou tão importante para a comunidade surda? 2 Quando comemoramos o Dia Nacional dos Surdos no Brasil? a) ( ) 30 de setembro. b) ( ) 26 de setembro. c) ( ) 24 de abril. d) ( ) 26 de julho. 3 O Brasil viveu uma época em que havia ampla valorização e aceitação da língua de sinais. O que houve em 1880 que mudou este cenário? 123 TÓPICO 2 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Já estudamos na Unidade 1 que no princípio não havia o que ensinar, pois nem a vida lhes era poupada. Em seguida, veio a concepção de que os sujeitos surdos eram intelectualmente ‘inferiores’, por isso eram trancados em asilos. E depois, inicia-se a educação de surdos, quando se percebe que os sujeitos surdos tinham a capacidade de aprender, com isto surgiram também pesquisas e experimentos das diferentes filosofias, metodologias e formas adaptadas de ensino. Pretendemos fundamentar as concepções filosóficas, também conhecidas por abordagens teórico-metodológicas da educação de surdos no Brasil. Obviamente elas refletem a realidade externa também, são os modelos educacionais na educação de surdos e presentes em maior ou menor intensidades nas escolas para surdos, que são: o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo. Recentemente fala-se também em uma Pedagogia dos Surdos, em que se subentende que a prática bilíngue possa evoluir e o conhecimento se dê naturalmente emum processo intercultural. 2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL – PARADIGMA OU MODELO Ao longo da história, diferentes abordagens teórico-metodológicas foram adotadas com o objetivo de ensinar pessoas surdas. Alguns surdos e ouvintes defendiam a metodologia oralista, outros a comunicação total e, mais recentemente, o bilinguismo. Até hoje são discutidas distintas concepções pedagógicas destinadas à educação/escolarização de alunos surdos, nas escolas comuns e especiais para surdos, isso porque a concepção de sujeito surdo e seu processo de aprendizagem e desenvolvimento passam pelo crivo da cultura e dos diferentes olhares que definem o campo da educação especial. Lopes (2011, p. 9) destaca que: 124 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS [...] a surdez ocupou o centro das atenções de experts de diferentes campos do saber. Grande parte de tais experts era fortemente atravessada por discursos clínicos que se impunham na forma de descrever e classificar a surdez e os seus ‘portadores’. A maioria deles produziu saberes que orientaram grupos a olhar os sujeitos com surdez como capazes de serem ‘tratados’, ‘corrigidos’, e ‘normalizados’ através de terapias, treinamentos orofaciais, protetização, implantes cocleares e outras tecnologias avançadas que buscam, pela ciborguização do corpo, a condição de normalidade. A surdez vem sendo narrada, nos últimos anos, no campo dos estudos surdos, que evidencia a história dos surdos contada na perspectiva dos próprios surdos, “uma história que se constitui de forma tensionada e entrelaçada a determinadas épocas e contextos sociais, políticos, econômicos, culturais etc.” (LOPES, 2011, p. 10). Segundo a autora, essa história apresenta fortes marcas de resistência de movimentos surdos. A seguir serão destacadas três abordagens distintas adotadas, ao longo dos tempos, na escolarização de pessoas com surdez: a oralista, a comunicação total e o bilinguismo. 3 ORALISMO O oralismo surgiu por volta do século XVIII, a partir das resoluções do Congresso Internacional de Educadores Surdos que ocorreu em 1880, em Milão, Itália, perdurando até a década de 1970. Segundo Sacks (2010, p. 35), no referido congresso “no qual os próprios professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais nas escolas foi oficialmente abolido”. FIGURA 79 – PROIBIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS FONTE: Disponível em: <http://biologiaevid.blogspot.com.br/>. Acesso em: 8 set. 2017. TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 125 A modalidade oralista baseia-se na crença de que é a única forma desejável de comunicação para o sujeito surdo, e a língua de sinais deve ser evitada a todo custo porque atrapalha o desenvolvimento da oralização. Devido à evolução tecnológica que facilitava a prática da oralização pelo sujeito surdo, o oralismo ganhou força a partir da segunda metade do século XIX. FONTE: Disponível em: <http://www.feneis.com.br/cas-mossoro-numa- -breve-retrospectiva.html>. Acesso em: 8 set. 2017. FIGURA 80 – TREINAMENTO DA ORALIZAÇÃO Goldfeld, ao fazer referência às consequências do Congresso de Milão, afirma que “naquele momento, a educação dos surdos deu uma grande reviravolta em sentido oposto à educação do século XVIII” (GOLDFELD, 2001, p. 31). As reflexões dos autores citados nos possibilitam compreender que havia, naquele período, uma expectativa de que os surdos se comportassem como ouvintes, ou seja, deveriam aprender a falar. Os alunos que frequentavam a escola para aprender os conteúdos escolares e a comunicar-se em língua de sinais e alfabeto digital foram proibidos de sinalizarem, recomendando-se que a comunicação fosse feita pela via auditiva e pela leitura da face e boca. DICAS Tem muitos métodos orais diferentes na educação com os surdos, ‘o oralismo’ é um dos recursos que usa o treinamento de fala, leitura labial, entre outros, este recurso é usado dentro das metodologias orais, entre eles o ‘verbotonal’, ‘oral modelo’ ‘materno reflexivo’, ‘Perdoncini’, entre outros. Conheça-os melhor em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAA93YAH/ surdosvestigios-culturais-nao-registrados-na-historia?part=2>. 126 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS Dessa forma, Goldfeld (2001) salienta que o oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. A filosofia oralista passou a buscar nos surdos a sua personalidade ouvinte e tentou várias metodologias do ensino da fala para as crianças surdas, na tentativa de negar a identidade surda, ou seja, “normalizar” a surdez, contudo amparamo- nos em Goldfeld para afirmar que “as crianças ouvintes não têm dificuldades para inferir as regras gramaticais, mas as crianças surdas, por não receberem com a mesma facilidade os estímulos auditivos, precisam de ajuda especial” (GOLDFELD, 2001, p. 35). Não é impossível que as crianças surdas oralizem. No entanto, para que isso aconteça, necessitam de estimulação da oralização desde cedo, utilizando recursos para capacitar o surdo a desenvolver ou manter a língua oral. Neste trabalho, faz-se necessário o envolvimento de alguns profissionais, como fonoaudiólogo, e é imprescindível a participação da família. O trabalho da oralização segue as regras gramaticais para se ter bom domínio da língua portuguesa falada. Essa concepção de educação enquadra-se no modelo clínico e esta visão afirma a importância da integração dos sujeitos surdos na comunidade de ouvintes, e que para que isso possa ocorrer o sujeito surdo deve oralizar bem, fazendo uma reabilitação de fala em direção à “normalidade” exigida pela sociedade. O oralismo, ou filosofia oralista, usa a integração da criança surda à comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o Português). O oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva (GOLDFELD, 1997, p. 30-31). E com isso persistiu a aplicação de inúmeros métodos oralistas, geralmente estrangeiros, buscando estratégias de ensino que poderiam transformar em realidade o desejo de ver os sujeitos surdos falando e ouvindo, fazendo com que os órgãos governamentais dessem enormes verbas para a aquisição de equipamentos em que pudessem potencializar os restos auditivos e com os projetos de formação de professores leigos que muitas vezes faziam o papel de fonoaudiólogos, ficando assim a proposta educacional direcionada somente para a reabilitação de fala aos sujeitos surdos. Os anos se passaram e a filosofia oralista não demonstrou bom resultado. Muitos surdos fracassaram na aprendizagem e percebeu-se que não conseguiram falar normalmente. Segundo Goldfeld (2001, p. 38), “a história da educação de surdos nos mostra que a língua oral não dá conta de todas as necessidades da comunidade surda”. Vários autores comentam como foi o tempo em que permaneceu a filosofia oralista, afirmando que “[...] muitos surdos eram vistos como incapazes de comunicação e, portanto, incapazes de pensamento – condições atribuídas ao humano” (LOPES, 2011, p. 58). Segundo Dorziat (2006, p. 19), as técnicas mais utilizadas no modelo oral eram: TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 127 - O treinamento auditivo: estimulação auditiva para reconhecimento e discriminação de ruídos, sons ambientais e sons da fala, geralmente fazem treinamento com as aparelhagens como AASI e outros. - O desenvolvimento da fala: exercícios para a mobilidade e tonicidade dos órgãos envolvidos na fonação, lábios, mandíbula, língua etc., e exercícios de respiração e relaxamento. - A leitura labial: treino para a identificação da palavra falada através da decodificação dos movimentos orais do emissor. DICAS A técnica de leitura labial, ”ler” a posição dos lábios e captar os movimentos dos lábios de alguém que está falando é útil apenas quando o interlocutor formula as palavras de frente, com clareza e devagar.A maioria dos surdos só consegue ler 20% da mensagem através da leitura labial, perdendo a maioria das informações. Geralmente os surdos ‘deduzem’ as mensagens de leitura labial através do contexto dito. 4 COMUNICAÇÃO TOTAL Na década de 1960 brotou a língua dos sinais associada à oralização, surgindo o modelo misto denominado de Comunicação Total, que trouxe o reconhecimento e valorização de língua de sinais que foi muito oprimida e marginalizada por mais de 100 anos. Freeman, Carbin e Boese (1999) trazem uma definição citada frequentemente sobre a Comunicação Total: A Comunicação Total inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita. A Comunicação Total incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou de leitura orofacial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais e/ ou sistemas de alta fidelidade para amplificação em grupo (DENTON apud FREEMAN; CARBIN; BOESE, 1999, p. 171). A Comunicação Total foi desenvolvida aproximadamente em 1960, após a constatação de que muitos sujeitos surdos não tiveram o sucesso esperado na leitura de lábios e emissão de palavras, propostas pelo oralismo puro. Com o objetivo de usar toda e qualquer metodologia para melhorar a qualidade de fala ou da leitura orofacial, ou seja, a língua de sinais aqui seria uma metodologia para alcançar a compreensão, porém para aplicá-la ao desenvolvimento da fala. 128 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS Goldfeld (2011) afirma que a filosofia da Comunicação Total se preocupa com os processos comunicativos entre surdos e destes com ouvintes. Segundo a autora: Esta filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixados de lado, em prol do aprendizado exclusivo da língua oral. Por esse motivo, essa filosofia defende a utilização de recursos espaço-viso-manuais como facilitadores da comunicação (GOLDFELD, 2001, p. 38). Assim, a Comunicação Total consistia no uso simultâneo de palavras e sinais, ou seja, de uma língua oral e de uma língua sinalizada, assim o sujeito se comunica falando e sinalizando ao mesmo tempo. Lembrando que o objetivo era que se usasse o que fosse preciso para ‘facilitar a comunicação’. FIGURA 81 – COMUNICAÇÃO TOTAL FONTE: ROCHA (2008, p. 59) Goldfeld (2001) salienta que esta filosofia enfatiza, mais do que simplesmente o aprendizado de uma língua, a valorização da família da criança surda, entendendo que cabe à família compartilhar seus valores, contribuindo na formação da subjetividade do surdo. A autora situa que a Comunicação Total denomina essa forma de comunicação de bimodalismo, que é uma das formas utilizadas no processo de aquisição da linguagem pela criança, assim como na comunicação entre surdos e ouvintes. “A língua de sinais não pode ser utilizada simultaneamente com o português, pois não temos capacidades neurológicas de processar simultaneamente duas línguas com estruturas diferentes” (GOLDFELD, 2001, p. 41). TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 129 A autora ressalta que no Brasil algumas clínicas e escolas adotavam a Comunicação Total. Goldfeld (2001, p. 42) situa que a “Escola Concórdia, em Porto Alegre, e algumas turmas do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), são exemplos da aplicação prática da filosofia da Comunicação Total”, assim como outras escolas de surdos que foram desenvolvidas com essa abordagem. A autora afirma que a comunicação total se mostrou mais eficiente em relação ao oralismo, “já que leva em consideração aspectos importantes do desenvolvimento infantil e ressalta o papel fundamental dos pais ouvintes na educação de seus filhos surdos” (GOLDFELD, 2001, p. 42). Na Comunicação Total surge a comunicação visual acompanhada da oralidade, o que possibilita maior compreensão da criança surda. Essas comunicações podem ser a língua técnica, o português sinalizado, com o desejo de ter uma relação, um diálogo entre surdos e ouvintes. Os sinais representam gestos, mas não caracterizam uma língua. Segundo Goldfeld (2001, p. 42): A Comunicação Total não privilegia o fato de esta língua ser natural (surgiu de forma espontânea na comunidade surda) e carrega uma cultura própria, e cria recursos artificiais para facilitar a comunicação e a educação dos surdos, que podem provocar uma dificuldade de comunicação entre surdos que dominam códigos diferentes das línguas de sinais. A Comunicação Total, ou português sinalizado, atingiu aspectos positivos e negativos, porém não conseguiu se consolidar como uma cultura surda. A criança surda consegue se expressar com autonomia, mas não consegue compreender o que a sociedade ouvinte quer informar. DICAS Para ver os vídeos com imagens sobre a Comunicação Total acesse: <https:// www.youtube.com/watch?v=XwjdvvYWqTg>. Perlin e Strobel (2008) refletem sobre esta modalidade mista, para elas e outros autores da área, o maior problema é a mistura das duas línguas, a língua portuguesa e a língua de sinais, resultando numa terceira modalidade que é o ‘português sinalizado’, essa prática recebe também o nome de ‘bimodalismo’ que encoraja o uso inadequado da língua de sinais, já que tem a gramática diferente da língua portuguesa. 130 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 5 BILINGUISMO A partir da década de 1970 percebeu-se que a língua de sinais poderia ser utilizada independentemente da língua oral. Surgiu, assim, a filosofia bilíngue, que desde a década de 1980 vem se disseminando por todos os países do mundo. Capovilla, Raphael e Maurício (2012) apresentam a seguinte problematização: mas o que almeja o bilinguismo? Para responder a esta pergunta, os mesmos autores mencionam que “a abordagem educacional do bilinguismo almeja que a Escola Bilíngue para Surdos deva levar a criança surda a adquirir proficiência em Libras e Português” (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2012, p. 73). Para entender a afirmação dos autores, é possível acrescentar que as crianças surdas têm o direito de serem bilíngues. Os autores ressaltam que “o bilinguismo se torna mais bem-sucedido em promover o desenvolvimento e a aquisição da leitura e escrita competentes e com correção ortográfica” (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2012, p. 73). A proposta bilíngue compreende a aquisição de duas línguas: a língua de sinais (L1) e a língua de seu país (L2) em sua forma escrita (leitura e escrita). A criança surda tem o direito de ir à escola. A escola deve recebê-la e criar práticas de como trabalhar com os educandos surdos de formas diferentes, atendendo às especificidades deles. O trabalho deve ser articulado para que ocorra a aquisição das duas línguas, tanto a língua de sinais quanto a língua portuguesa escrita, pelas crianças surdas. Para Goldfeld (2001), na ideologia de bilinguismo as crianças surdas precisam ser postas em contato com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou outros. O bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país. [...] os autores ligados ao bilinguismo percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores oralistas e da Comunicação Total. Para os bilinguistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo assumir sua surdez (GOLDFELD, 2001, p. 38). A 24ª Declaração Universal dos direitos Linguísticos discutida na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Barcelona 1996, já citada na Unidade 2, caracteriza as escolas bilíngues da seguinte forma: As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é aLibras e a Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor – aluno e sem a utilização do português sinalizado (BRASIL, 2014b). TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 131 Pesquisas atuais demonstram que os movimentos surdos, que defendem o bilinguismo, foram avançando e desenvolvendo-se melhor dentro da proposta bilíngue. Para Perlin e Strobel (2008b), através da concepção bilíngue há uma aproximação da cultura surda, é uma proposta de ensino usada por escolas que sugere acessar aos sujeitos surdos duas línguas no contexto escolar. Valorizando a língua materna do Surdo – LIBRAS – como primeira língua, e partir dela ensinando a segunda língua, a língua oficial de seu país, na forma escrita. FIGURA 82 – BILINGUISMO PARA SURDOS FONTE: Disponível em: <http://aeeufc-2013.blogspot.com.br/2014/03/oralis- miocomunicacao-total-e-bilinguismo.html>. Acesso em: 8 set. 2017. Para aprofundarmos esta questão, vamos adentrar aos estudos de Skliar (2012). Ele apresenta quatro diferentes projetos políticos que sustentam e subjazem a educação bilíngue para surdos: • O bilinguismo com aspecto tradicional. • O bilinguismo com aspecto humanista e liberal. • O bilinguismo progressista. • O bilinguismo crítico na educação de surdos. a) O bilinguismo com aspecto tradicional Pode-se dizer que apresenta uma visão colonialista sobre a surdez. Impera o ouvintismo, não valorizando a identidade dos surdos. Os professores continuam com sua formação nos modelos da educação com ideias clínicas. Esse tipo de bilinguismo tende à globalização da cultura. Toda criança surda, qualquer que seja o grau da perda auditiva tem o direito de crescer bilíngue. Conhecer e utilizar a língua de sinais e a língua oral (na sua escrita e, quando possível, na sua modalidade falada) apenas para que a criança alcançar o pleno desenvolvimento cognitivo, linguístico e social. Direitos das Crianças Surdas 132 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS É uma questão que acontece em vários grupos minoritários, a sociedade tenta adaptar o diferente ao seu padrão. Neste caso, adaptar o surdo ao mundo dos ouvintes, e podemos constatar os preconceitos, dificuldades e angústias na defesa de uma educação de qualidade. Hoje, após várias lutas, os surdos são reconhecidos, inclusive por lei, como comunidade cultural e linguística diferenciada, resistem a estes padrões impostos pela sociedade considerada “normal” e defendem as escolas com abordagem educacional bilinguistas, valorizando a língua de sinais como primeira língua do surdo e a língua portuguesa aprendida na sua modalidade escrita. b) O bilinguismo com aspecto humanista e liberal Considera a existência de uma igualdade natural entre ouvintes e surdos, porém a desigualdade é perceptível, mostra a existência de uma limitação de oportunidade social aos surdos. Isso se constitui numa pressão para aqueles que vivem a situação de desigualdade histórica e são forçados a alcançar uma ‘certa igualdade’. Um exemplo desse esforço/pressão para serem iguais são escolas trabalhando com modalidade educacional muito aproximada do oralismo, com o sistema de integração do surdo no ensino regular, onde toda instrução é dada em português (oral e escrito) fazendo o uso apenas de um profissional tradutor intérprete de Libras, como forma de ‘incluir’ este aluno. O intérprete faz parte do bilinguismo, mas ele, por si só, não representa uma proposta bilíngue. O surdo necessita de estímulos e conceitos visuais para boa compreensão do contexto, sem os mesmos o esforço para demonstrar igualdade torna-se algo penoso. c) O bilinguismo progressista Tende a aproximar-se e a enfatizar a noção de diferença cultural que caracteriza a surdez, porém essencializa e ignora a história e a cultura. Assim, seriam Surdos (com S maiúsculo) pela característica da surdez, porém não comprometidos com seus aspectos políticos. Você identifica a surdez e a respeita, porém os surdos ainda não possuem vez e voz. d) O bilinguismo crítico na educação de surdos Reproduz o idioma e as representações na construção de significados e identidades surdas. O surdo pode e deve estar inserido numa escola que não seja destinada apenas para surdos, precisa manter contato com o mundo ouvinte (já que a maioria das pessoas o são), porém no ambiente escolar a interação entre ouvintes e surdos se dá de maneira planejada, forjando a construção de conceitos e aprendizado de forma natural e de maneira informal e principalmente quando crianças, pois os pequeninos não têm incrustados na mente o preconceito, fazendo a inclusão acontecer de uma forma natural com o surdo, ou seja, existe uma aceitação, mas mais que isso, se sente na prática que a interação entre ambos (surdos e ouvintes) pode acontecer, interações estas que não serão apenas no momento ensino-aprendizagem, mas no ato de brincar e se sentir aceita. TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 133 5.1 PEDAGOGIA SURDA Tendo o bilinguismo como abordagem teórico-metodológica e analisando os quatro diferentes projetos políticos apresentados acima, Perlin e Strobel (2008) ressaltam que para ter um modelo cultural realmente voltado aos anseios da comunidade surda, os povos surdos aspiram pela valorização da língua de sinais como a primeira língua e tendo suas opiniões respeitadas, pois ainda é comum encontrarmos sujeitos ouvintes que continuam decidindo por sujeitos surdos, disputando em relação de poder acima dos líderes surdos em diversas áreas. Os surdos anseiam apenas por participar e poder ter a ‘dignidade’ de ser surdo! Esta verdade sublime o Surdo encontra quando entra para o mundo totalmente visual-espacial da Comunidade Surda interagindo com a Cultura Surda, Artes Surdas, Identidade Surda, Língua de Sinais dos Surdos Urbanos e dos Índios Surdos, Pedagogia Surda em toda a sua complexidade e diferenças (VILHALVA, 2004 apud PERLIN; STROBEL, 2008, p. 18). Perlin e Strobel (2008, p. 19-20) levantam uma reflexão em que consistiria a Pedagogia Surda, e esta é uma discussão muito recente entre intelectuais surdos e/ou demais militantes da causa. Veja na íntegra: Pedagogia surda: traços culturais da diferença e da mediação intercultural Saindo das modalidades tradicionais de educação de surdos que trabalham com a ‘normalidade’ ou ‘métodos clínicos’ ou que usam outros ‘métodos de regulação’, entramos na modalidade da diferença. Fundamentar a educação de surdos nesta teorização cultural contemporânea sobre a identidade e a diferença parece ser o caminho hoje. Entramos em momentos que primam pela defesa cultural: a educação na diferença na mediação intercultural. Esta modalidade oferece fundamento para a educação dos surdos a partir de uma visão em uma outra filosofia invariável hoje. Em que a educação se dá no momento em que o surdo é colocado em contato com sua diferença para que aconteça a subjetivação e as trocas culturais. A modalidade da ‘diferença’ se fundamenta na subjetivação cultural. Ele surge no momento em que os surdos atingem sua identidade, através da diferença cultural, surgem no espaço pós-colonial. Neste espaço, não mais há a sujeição ao que é do ouvinte, não ocorre mais a hibridação, ocorre a aprendizagem nativa própria do surdo. É uma modalidade querida e sonhada pelo povo surdo, visto que a luta atual dos surdos é pela constituição da subjetividade ao jeito surdo de 134 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS ser. Outro ponto importante em que a educação de surdos pode fundamentar- se hoje está no procedimento intercultural que trabalha com as identidades surdas constituídas. Este procedimento intercultural de educação de surdos é um processo coerente com a necessidade de habilidades e competências, face à necessidade de o sujeitosurdo posicionar-se frente às diferentes culturas e suas peculiaridades. O procedimento, a parte do conceito de que: Todos nós nos localizamos em vocabulários culturais e, sem eles, não conseguimos produzir enunciações enquanto sujeitos culturais (Hall, 2003, p. 83). Em vista do intercultural requerer produções para as trocas, defesas e afirmações, este procedimento dispõe o sujeito surdo para a mediação cultural. O procedimento da mediação cultural não rejeita a cultura ouvinte. A cultura ouvinte está aí como cultura, e a metodologia arma estratégias para aposição de diferença, para a afirmação cultural. Neste procedimento o processo inverte a regulação. Não é mais o ouvinte que regula o surdo, não é mais o anômalo, ou o surdo excluído na sua inferioridade. É a cultura surda que regula o surdo em direção a seu ser diferente e a sua defesa diante daquilo que chamo de práticas discriminatórias que mapeiam populações sobre marcas visíveis e transparentes de poder que as mantém na subalternidade. É neste sentido que surge o modelo que se segue ao bilinguismo crítico e não tem somente a língua de sinais como língua de instrução. Em termos de currículo, como diz Silva (2000, p. 97): O outro cultural é sempre um problema, pois coloca permanentemente em cheque nossa própria identidade. A questão da identidade, da diferença e do outro é um problema social e ao mesmo tempo é um problema pedagógico e curricular. É um problema social porque o encontro com o outro, com o estranho, com o diferente, é inevitável. O modelo se sobressai por acabar com as práticas de regulação subjetivadas ao modelo ouvinte e por introduzir a questão cultural. É importante dizer que este procedimento está constituído no interior da cultura e da diferença, de forma a favorecer a subjetivação. Nesta perspectiva, a pedagogia e o currículo têm a identidade e a diferença como questões de política. A sua posição enunciativa, para os tempos atuais, é complexa e problemática, mas presente. A concepção de Hall (1997) para aquilo que ele chama de fechamento arbitrário é oriunda de um outro olhar sobre o sujeito surdo que quer ser aceito como é, com sua identidade e sua diferença. Este fechamento é necessário ao sujeito para a abertura de espaços de subjetivação TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 135 das identidades. Nesse caso, surdos estão defendendo que não há mais surdez, deficiência, mas a educação deve ser constituída de uma outra modalidade metodológica, com base na cultura surda. E também neste caso os ouvintes estão olhando para o surdo como sendo diferentes, isto é, aqueles que são portadores de outra cultura. 1 Para Perlin e Strobel (2008) referem-se às diferenças culturais nos diversos grupos sociais. Por diferença entende-se a diferença mesma não contendo aspectos da mesma idade que posições iluministas pregam para atingir a perfeição. 2 Para Fleuri (2000) o que é inovador em educação é o iniciar a focalizar momentos e processos produzidos, face às diferenças culturais. Nesta direção, a perspectiva intercultural pode estimular os surdos a enfatizar os aspectos de identidade/alteridade com estímulos para desenvolver a capacidade de reflexão sobre a diferença cultural, ao lado da possibilidade solidária de interação com outros grupos culturais. 3 Identidade Cultural: é uma forma de distinguir os diferentes grupos sociais e culturais entre si. A identidade cultural pode ser melhor entendida se considerarmos a produção da política da identidade, que também dá origem a esta metodologia da educação do surdo. DICAS Para aumentar seu conhecimento sobre os modelos educacionais de surdos, sugerimos que assista ao filme: FILHOS DO SILÊNCIO. Você também pode refletir sobre modelos educacionais no filme indicado na Unidade 1 deste livro: SEU NOME É JONAS. 136 UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS UNI SUGESTÃO DE LEITURAS COMPLEMENTARES SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Processos e projetos pedagógicos. Volume I. Porto Alegre: Editora Mediação, 1999. FERNANDES, Eulália (Org.). Surdez e bilinguismo. Porto Alegre: Editora Mediação, 2005. DICAS Veja de uma forma divertida o resumo das três metodologias que discutimos neste tópico. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XwjdvvYWqTg>. 137 Neste tópico, você viu que: • Podemos pensar que a educação de surdos foi discriminada e passou por várias formas de ser entendida, de acordo com os efeitos de verdade sobre a surdez e os surdos, ou seja, a educação de surdos é fruto das compreensões de cada tempo. Neste contexto temos três diferentes modalidades de ensino. • O oralismo entra em cena a partir do congresso de Milão em 1880, e busca normalizar a surdez usando metodologias do ensino da fala para as crianças surdas. Neste caso, a Língua de Sinais deve ser evitada a todo custo porque atrapalha o desenvolvimento da oralização. • A comunicação total vem em seguida, com o objetivo de usar toda e qualquer metodologia para melhorar a qualidade de fala ou da leitura orofacial. A Língua de Sinais aqui é uma metodologia para alcançar a compreensão, porém para aplicá-la ao desenvolvimento da fala. • Por fim temos a concepção do bilinguismo, que compreende à aquisição de duas línguas: a Língua de Sinais (L1) e a língua de seu país (L2) em sua forma escrita (leitura e escrita). As escolas devem incluir os surdos usando práticas de como trabalhar com eles de formas diferentes, atendendo suas especificidades. O trabalho deve ser articulado para que ocorra a aquisição das duas línguas. • O bilinguismo vem sendo estudado e aprofundado e Skliar (1998) apresenta quatro diferentes projetos políticos referentes à educação bilíngue: bilinguismo com aspecto tradicional; bilinguismo com aspecto humanista e liberal; bilinguismo progressista; e bilinguismo crítico na educação de surdos. • Perlin e Strobel (2008), debruçadas nas evoluções e aprofundando os estudos, levantam uma reflexão que se consistiria em mais uma concepção filosófica ou abordagem metodológica: a pedagogia surda. Esta pedagogia surda sairia das modalidades tradicionais de educação de surdos para uma teorização cultural contemporânea sobre a identidade e a diferença. A educação se construiria no momento em que o surdo é colocado em contato com sua diferença para que aconteça a subjetivação e as trocas culturais. RESUMO DO TÓPICO 2 138 AUTOATIVIDADE a) O bilinguismo com aspecto tradicional. b) O bilinguismo com aspecto humanista e liberal. c) O bilinguismo progressista. d) O bilinguismo crítico na educação de surdos. ( ) Considera a existência de uma igualdade natural entre ouvintes e surdos, apesar da existência de uma limitação de oportunidade social aos surdos. ( ) Apresenta uma visão colonialista sobre a surdez e impera o ouvintismo, não valorizando a identidade dos surdos. ( ) Reproduz o idioma e as representações na construção de significados e identidades surdas. ( ) Aproxima-se e enfatiza a noção de diferença cultural que caracteriza a surdez, porém essencializa e ignora a história e a cultura. Você concorda com a imagem e o texto escrito. Justifique seu posicionamento. Toda criança surda, qualquer que seja o grau da perda auditiva tem o direito de crescer bilíngue. Conhecer e utilizar a língua de sinais e a língua oral (na sua escrita e, quando possível, na sua modalidade falada) apenas para que a criança alcançar o pleno desenvolvimento cognitivo, linguístico e social. Direitos das Crianças Surdas 1 Faça um breve resumo do que você entendeu das abordagens teórico-metodológicas (oralismo, comunicação total e bilinguismo). 2 Segundo Skliar (2012), o bilinguismo apresenta quatro projetos políticos diferentes. Relacione-os de acordo com o texto: 3 Perlin e Strobel (2008) trazem a discussão recente sobre em que consistiria a “Pedagogia Surda”. Releia o item 5.1 deste Tópico e escreva por que as autoras se referem à mesmacomo uma modalidade. 4 Faça a leitura desta imagem: 139 TÓPICO 3 AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Reportar-nos-emos a duas políticas públicas implementadas na educação bilíngue de surdos no estado de Santa Catarina. Uma é a proposta do MEC, que é incorporada a partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, em que o documento ‘A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: abordagem bilíngue na escolarização de pessoas surdas’ norteia a discussão teórica e metodológica da prática cotidiana no Atendimento Educacional Especializado – AEE. A outra é a proposta da Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina, que hoje é organizada pela Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE –, que busca consolidar a articulação entre o ensino regular e o especial. Para efetivação desta política de integração da pessoa com deficiência, o Estado implementou as salas de multimeios para atender às necessidades dos alunos com deficiência através do Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE. Para finalizar traremos o posicionamento de um grupo de trabalho que avaliou a Política Nacional de Educação Bilíngue e pesquisa sobre novos subsídios a serem discutidos. Traremos na íntegra uma edição da revista da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS –, que trará o retrato do que tem sido discutido e do que vem acontecendo na prática da educação bilíngue e suas nuances. 2 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE PARA PESSOAS SURDAS O fascículo Atendimento Educacional Especializado – AEE (MEC/SEESP), para alunos com surdez, “estabelece como ponto de partida a compreensão e o reconhecimento do potencial e das capacidades dessas pessoas, o que é assegurado por dispositivos legais, que determinam o direito a uma educação bilíngue” (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010, p. 9). O AEE para pessoas surdas é parte da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e vem ao encontro do propósito de mudanças no ambiente escolar e nas práticas que promovam a participação e a aprendizagem dos alunos com surdez na escola comum, onde é de suma importância reinventar as formas de conceber a escola e suas práticas pedagógicas, rompendo com os modos lineares do pensar e agir no que se refere UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 140 à escolarização. Os desafios devem ser enfrentados e as propostas educacionais revistas, pensando em uma escola inclusiva como um todo. A inclusão deve nortear a tomada de decisões que resultem em novas práticas de ensino e aprendizagem nas escolas. O paradigma inclusivo não se coaduna a concepções que dicotomizam as pessoas com ou sem deficiência, pois os seres humanos se igualam na diferença, refletida nas relações, experiências e interações. As pessoas com surdez não podem ser reduzidas à condição sensorial, desconsiderando as potencialidades que as integram a outros processos perceptuais, enquanto seres de consciência, pensamento e linguagem (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010, p. 8). O objetivo do AEE de modo geral é apoiar seus alunos, oferecendo o atendimento complementar e/ou suplementar no contraturno escolar, e estabelecendo um elo com a sala de aula comum, organizando o ambiente de aprendizagem, potencializando a capacidade de cada aluno, organizando a parceria entre os professores do AEE e professor regente da turma regular, com o intuito de promover a aprendizagem dos alunos, ampliando sua formação, suas habilidades, e desenvolvendo a sua linguagem. A proposta do AEE para surdos é promover o acesso dos alunos com surdez ao conhecimento escolar em duas línguas: Libras e em Língua Portuguesa. Para que isso ocorra, a proposta do MEC, a partir do documento: A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: abordagem bilíngue na escolarização de pessoas surdas (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010), esclarece os conceitos de Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Libras, Atendimento Educacional Especializado (AEE) de Libras e Atendimento Educacional Especializado (AEE) para o ensino da Língua Portuguesa. 2.1 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO EM LIBRAS O AEE em Libras ocorre em horário oposto ao da escolarização, conforme já mencionamos, e fornece a base conceitual dos conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula. Esse atendimento contribui para que o aluno com surdez participe das aulas, compreendendo o que é tratado pelo professor e interagindo com seus colegas. [...] o professor do AEE trabalha com os conteúdos curriculares que estão sendo estudados no ensino comum em Libras, articuladamente com o professor de sala de aula. Trata-se de um trabalho complementar ao que está sendo estudado na sala de aula, de uma exploração do conteúdo, em Libras; em que o professor de AEE retoma as ideias essenciais, avaliando durante o processo o plano de atendimento do aluno com surdez (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010, p. 12). TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 141 Esta proposta pedagógica possibilita a ampliação da relação dos alunos com o conhecimento, auxiliando-os na elaboração dos próprios conceitos. 2.2 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO DE LIBRAS O AEE de Libras, também chamado AEE para o ensino de LIBRAS, requer critérios metodológicos que favoreçam a contextualização significativa, como é o ensino de qualquer língua. O professor de Libras deve planejar o ensino desta língua a partir dos diversos aspectos que envolvem sua aprendizagem, [...] referências visuais, anotação em língua portuguesa, dactilologia (alfabeto manual), parâmetros primários e secundários, classificadores e sinais. Para atuar no ensino de Libras, o professor do AEE precisa ter conhecimento estrutura e fluência na Libras, desenvolver os conceitos em Libras de forma vivencial e elaborar recursos didáticos (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010, p. 12). O AEE deve ser planejado com base na avaliação prévia do conhecimento que o aluno possui em relação à Libras, realizando este atendimento de acordo com o período de desenvolvimento da língua em que o aluno se encontra. Em seguida, o professor de Libras precisa pensar na organização didática que prioriza o uso de imagens e de todo tipo de referências. Durante o atendimento, os alunos precisam interagir e vivenciar diálogos e trocas simbólicas, em que o professor mediador, sempre avaliando o processo, recorre ainda a outros recursos pedagógicos se necessário for. Ao final, o professor avalia sistematicamente a aprendizagem específica dos alunos em Libras: os sinais, a fluência e a simetria. “Em fluência e simetria analisam: configuração de mão; ponto de articulação; movimento; orientação e expressão facial. Avaliam também o emprego de termos técnico-científicos, de acordo com o ano ou ciclo escolar em que o aluno se encontra” (ALVEZ; FERREIRA; DAMÁZIO, 2010, p. 18). 2.3 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO DE LÍNGUA PORTUGUESA A escola é local da aprendizagem formal da língua portuguesa na modalidade escrita, em seus vários níveis de desenvolvimento, e a proposta didático-pedagógica para se ensinar português escrito se orienta na concepção bilíngue – Libras e Língua Portuguesa escrita, como línguas de instrução destes alunos com surdez. Nesta proposta de educação bilíngue, os alunos e professores utilizam as duas línguas em diversas situações do cotidiano e das práticas discursivas. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 142 A abordagem bilíngue, de acordo com o referido documento, tem como objetivo o ensino da língua portuguesa escrita e a leitura, e é um dos grandes desafios na escolarização de estudantes surdos. Por isso é importante considerar: Alunos com surdez e o ato de ler: além da atribuição de significados à imagem gráfica, Martins (1982) define a leitura como a relação que o leitor estabelece com a própria experiência,por meio do texto. Envolve aspectos sensoriais, emocionais e racionais. Ler não é dizer o já dito, mas falar do outro sentido é impossível uma leitura do consenso, as diferentes interpretações revelam a riqueza presente no texto. A leitura se dá por meio de um processo de interlocução entre o leitor e o autor mediados pelo texto, num movimento que estimula seus mecanismos perceptivos, do todo para as partes e vice- versa, resultando nos percursos de contextualização, descontextualização e recontextualização. No percurso de contextualização, o aluno parte do todo textual para formar o sentido inicial da produção de significados. No percurso de descontextualiza há o reconhecimento das partes do texto, das suas estruturas em palavras e frases, sílabas e grafemas. No percurso da recontextualização, o aluno realiza o processo de montagem de outros sentidos e a produção de novas palavras ou textos. Aluno com surdez e o ato de escrever: para Martins (1982), o texto é uma tessitura de palavras, ideias e concepções articuladas de forma coerente e coesa. Ensinar aos alunos com surdez, assim como aos demais alunos, a produzir textos em português, objetiva torná-los competentes em seus discursos, oferecendo-lhes oportunidades de interagir nas práticas da língua oficial e de transformar-se em sujeitos de saber e poder com criatividade e arte. Para que essa aprendizagem ocorra, a educação escolar deve apresentar aos alunos com surdez a diversidade textual circulante em nossas práticas sociais. Essa apropriação dos gêneros e discursos é essencial para que os alunos façam uso da língua portuguesa. 3 POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DE SURDOS NO ESTADO DE SANTA CATARINA A Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina relata um pouco do início de sua trajetória histórica: No Estado de Santa Catarina, as precursoras ideias de educação especial organizaram-se no ano de 1954, quando da visita a Florianópolis do professor João Barroso Júnior, técnico de educação do Ministério de Educação e Cultura, que veio ao Estado para divulgar o INES do Rio de Janeiro. No entanto, somente em 1957 é que oficialmente se inicia o atendimento ao público na área da educação especial, com o funcionamento de uma classe especial para crianças deficientes, no Grupo Escolar Dias Velho, posteriormente denominado Grupo Escolar Barreiros Filho (SANTA CATARINA, 2009, p. 12). TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 143 Alguns anos depois, a Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE – buscou consolidar a articulação entre o ensino regular e o especial. O Conselho Estadual de Educação fixou normas para o ensino especial, prevendo e promovendo a expansão das classes especiais de 142 para 2.000 na rede regular de ensino, através da Resolução nº 06/84. Para efetivação desta política de integração da pessoa com deficiência, o Estado implementou as salas de multimeios para atender às necessidades dos alunos com deficiência através do Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE. A proposta da Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina (2009) usa o conceito deficiente auditivo como aquele que apresenta perda parcial ou total, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala, através do ouvido. A mensuração é feita através de avaliações que comprovem: [...] perda bilateral de 25 decibéis (dB) ou mais, resultante da média aritmética do audiograma, aferidas nas frequências de 500 Hertz (Hz), 1.000 Hz, 2.000 Hz, 3.000 Hz, 4.000 Hz; variando de acordo com o nível ou acuidade auditiva da seguinte forma: Leve/moderada: perda auditiva de 25 a 70 dB. A pessoa, por meio de uso de Aparelho de Amplificação Sonora Individual – AASI, torna-se capaz de processar informações linguísticas pela audição; consequentemente, é capaz de desenvolver a linguagem oral. Severa/profunda: perda auditiva acima de 71 dB. A pessoa terá dificuldades para desenvolver a linguagem oral espontaneamente. Há necessidade do uso de AASI e ou implante coclear, bem como de acompanhamento especializado, em geral, utiliza um sistema de comunicação por sinais (SANTA CATARINA, 2009, p. 10). Podemos analisar as considerações estaduais de perda auditiva em decibéis com a perda auditiva lançada pelo MEC pouco depois, já citadas na Unidade 2 deste livro: Grau de deficiência Perda auditiva Perda Auditiva Leve De 25 a 40 dB Moderada De 45 a 70 dB Severa De 75 a 85 dB Profunda Superior a 85 dB QUADRO 2 – GRAU DA SURDEZ FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/>. Acesso em: 4 out. 2017. Observe que os números referentes aos graus da surdez citados pelo estado de Santa Catarina se assemelham aos do MEC, a proposta de Santa Catarina apenas junta algumas modalidades. Lembramos ainda que os serviços oferecidos pelo poder público de Santa Catarina são: UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 144 [...] diversificados, oferecidos pelo poder público de forma direta e indireta, por meio das instituições conveniadas com a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), para atender às necessidades educacionais especiais da pessoa com deficiência, condutas típicas e altas habilidades (SANTA CATARINA, 2009, p. 27). O Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE –, conforme a proposta do Estado, na área da educação de surdos, prevê nas escolas da rede estadual de ensino a organização de salas para atendimento dos educandos surdos que frequentam o ensino regular no contraturno. A Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina – Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE (SANTA CATARINA, 2009) segue a seguinte organização, no que se refere à educação de surdos: Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE; Turma bilíngue – LIBRAS/Português, na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental para educandos com deficiência auditiva; Professor intérprete em turmas das séries finais do ensino fundamental, ensino médio, nas modalidades da Educação Básica e no nível superior; Instrutor de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS em todos os níveis de ensino, etapas e modalidades da Educação Básica (SANTA CATARINA, 2009, p. 27). Segundo a política de Santa Catarina, na educação infantil as crianças surdas devem ser matriculadas no SAEDE/DA, na rede regular de ensino. O respectivo serviço tem como objetivo propiciar a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Pela mesma proposta estadual, no Ensino Fundamental (1ª a 4ª) e Educação de Jovens e Adultos, o atendimento será organizado através de turma bilíngue. Educandos surdos incluídos no Ensino Médio e Educação Profissional, matriculados na rede regular de ensino como turma mista (ouvintes e surdos na mesma sala), necessitam de um professor intérprete de língua de sinais. Os educandos surdos são chamados a frequentar o SAEDE/DA, pois necessitam da aquisição de língua de sinais e português como segunda língua. Terão atendimento no SAEDE/DA no contraturno. Os profissionais disponibilizados no SAEDE/DA são o professor ouvinte, no ensino do português para os educandos surdos como segunda língua (L2), e o professor surdo, no ensino de Libras como primeira língua (L1). Para as crianças de 0 a 3 anos de idade que apresentarem atraso no desenvolvimento neuropsicomotor ou com prognóstico de atraso no desenvolvimento, “serão disponibilizados serviços de estimulação essencial pela FCEE e pelas congêneres conveniadas com ela” (SANTA CATARINA, 2009, p. 30). Além do serviço de estimulação essencial, quando houver uma deficiência sensorial associada, será disponibilizado pelo poder público ou pelas congêneres TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 145 na área da deficiência sensorial o Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE –, que é o caso dos alunos surdos, cegos ou surdocegos, que deverão ter contato com a Libras ou o Braille o mais cedo possível. Ressaltamos que qualquer criança com deficiênciamatriculada em creches, da esfera municipal ou estadual, que requerer atendimento reabilitatório, deverá ser encaminhada aos serviços de estimulação essencial oferecido pela congênere, pelos centros de reabilitação mantidos pelo poder público, sem que haja desligamento da creche. 4 AVALIANDO A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE BRASILEIRA Em outubro de 2013, a Portaria nº 1.060 instituiu um Grupo de Trabalho MEC/SECAD com o objetivo de elaborar subsídios para a Política Nacional de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, com orientações para formação inicial e continuada de professores, para o ensino da Libras e da Língua Portuguesa como segunda língua. Este grupo de intelectuais surdos e ouvintes, doutores e mestres, muitos deles líderes conhecidos e atuantes na área de surdez do Brasil. No relatório, este grupo copilou uma série de informações pertinentes à análise, vejamos: No Brasil, 4,6 milhões possuem deficiência auditiva e 1,1 milhão são surdas, totalizando aproximadamente 5,7 milhões de pessoas. No Censo do IBGE foram utilizadas 3 categorias para este levantamento populacional: "não consegue de modo algum" (supostamente, ouvir e escutar); "grande dificuldade" ou "alguma dificuldade". Segundo o Censo Escolar (INEP, 2012), o total de alunos surdos na Educação Básica é de 74.547, os dados indicam a fragilidade da oferta e, consequentemente, da matrícula na educação infantil (4.485); a dificuldade de acesso à educação profissional (370), a predominância de matrículas no ensino fundamental (51.330); a queda das matrículas no ensino médio (8.751); a crescente evolução de matrícula na EJA (9.611). De acordo com o Censo da Educação Superior (INEP, 2011), há um total de 5.660 estudantes matriculados em cursos superiores, sendo 1.582 surdos, 4.078 com deficiência auditiva e 148 com surdocegueira (BRASIL, 2014a, p. 3). Este grupo observou, que até 2012, quando realizado o último Censo, que até o último Censo, os surdos e a surdez foram inscritos na ordem da dificuldade em escutar e ouvir, e lembram que as conquistas dos movimentos surdos deslocaram a questão da diferença de ser surdo, não seria apenas a dificuldade de ouvir, mas sim uma condição de grupo, de comunidade; um grupo minoritário, com cultura própria e que se diferenciam pelo uso da Libras. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 146 Também criticam fortemente a escolarização dos surdos, para eles a atual política [...] reforça premissas que já sustentaram outras modalidades de escolarização que fracassaram (as escolas especiais com seriação dupla interrompida no ensino primário ou fundamental; as escolas de integração com classes de reforço, e agora, como variante do período integracionista são disponibilizadas as escolas inclusivas com AEE etc.) (BRASIL, 2014, p. 3). Para o grupo Brasil (2014a), em todos esses modelos de educação citados “houve o rompimento com a lógica de que os surdos devem ser surdos em português por dever e em Libras por concessão”. Assim, a escolarização dos surdos não pode estar vinculada à condição auditiva do estudante. Isto deve estar garantido na área da saúde, o acesso à oralização em suas modalidades com uso de próteses interna e externa – implante coclear e AASI, ou seja, com suporte vinculado ao espaço clínico. O suporte pedagógico não se vincula à condição de ouvir, se vincula ao espaço escolar. As garantias de direitos constitucionais conquistados através das lutas para a educação dos surdos devem ser vinculadas a uma educação linguístico-cultural e não a uma educação especial marcada pela definição da surdez como falta sensorial, como anomalia a ser reabilitada. As Escolas Bilíngues de Surdos são específicas e diferenciadas e têm como critério de seleção e enturmação dos estudantes, não a deficiência, mas a especificidade linguístico-cultural reconhecida e valorizada pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, em vista da promoção da identidade linguística da comunidade surda, bem como do favorecimento do seu desenvolvimento social (BRASIL, 2014a, p. 6). Pensando assim, o atendimento escolar dos estudantes surdos e surdocegos necessitariam de ajustes nos sistemas de ensino, pois é reconhecido e assegurado por dispositivos legais o direito a uma educação bilíngue de surdos em todo o processo educativo. Precisamos agora romper com o paradigma atual, construindo uma nova compreensão entre identidade cultural e pessoa surda. A educação bilíngue, defendida pelo grupo Brasil (2014a), converge com a proposta do MEC em a relação à aquisição das línguas consideradas L1 como língua de sinais materna, e L2 como língua portuguesa escrita, porém envolve a criação de uma escola bilíngue (para surdos) com [...] ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 147 condição necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do português (BRASIL, 2014a, p. 6). Neste documento, a Educação Bilíngue Libras – Português também é entendida como a escolarização que respeita a condição da pessoa surda e sua experiência visual como constituidora de cultura singular, sem, com isso, desconsiderar a necessidade da aprendizagem escolar do português. Percebam que o grupo de avaliação da escola bilíngue, Brasil (2014a) muito mais que avaliar, se propõe a criar alternativas, novas relações entre a comunidade surda e a aprendizagem. Historicamente, a Educação de Surdos esteve vinculada à Secretaria de Educação Especial (SEESP), de onde emanaram as políticas públicas para a área, a qual tem como foco o atendimento educacional especializado ao alunado com deficiências. Atualmente, as políticas para a Educação de Surdos encontram-se no âmbito da SECADI – Secretaria de Alfabetização Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, o que é um avanço interessante para a comunidade surda, pois a questão da surdez, definitivamente, não se inscreve na área da Educação Especial, conforme argumentado acima. Os surdos que demandam atendimento especializado são os que têm outros comprometimentos (por exemplo, surdocegos, surdos autistas, surdos com deficiência visual, deficiência intelectual, com síndromes diversas ou com outras singularidades) (BRASIL, 2014a, p. 6). O posicionamento do grupo que elaborou o relatório partiu da seguinte premissa para argumentar a desvinculação da educação de surdos da área da Educação Especial: “para que uma nova arquitetura educacional formal e pública se consolide na perspectiva da Educação Bilíngue de Surdos” (BRASIL, 2014a, p. 7). O grupo defende uma reestruturação da organização da SECADI, relativa à educação bilíngue de surdos. A Educação Bilíngue de surdos não é compatível com o atendimento oferecido pela Educação Especial, pois restringe-se às questões impostas pelas limitações decorrentes de deficiências de um modo extremamente amplo, como se o surdo, ele próprio, pela surdez, fosse dela objeto em si mesmo. Considerado como parte de uma comunidade linguístico cultural, o estudante surdo requer outro espaço do MEC para implementar uma educação bilíngue regular que atenda às distintas possibilidades de ser surdo. Em decorrência, surdos com deficiências além da surdez devem ser atendidos em atendimentos especializados organizados com base nos princípios da Educação Bilíngue oferecida em Libras e Português Escrito como segunda língua (BRASIL,2014a, p. 6-7). O mesmo relatório caracteriza as escolas bilíngues considerando os termos da “24ª Declaração e os direitos garantidos aos surdos a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência supracitada, a FENEIS (2013)” (BRASIL, 2014a, p. 4). UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 148 As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor – aluno e sem a utilização do português sinalizado. Consta ainda, no referido relatório, que as escolas bilíngues de surdos devem oferecer educação em tempo integral. “Os municípios que não comportem escolas bilíngues de surdos devem garantir educação bilíngue em classes bilíngues nas escolas comuns (que não são escolas bilíngues de surdos)” (BRASIL, 2014, p. 4a). A Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências, na Meta 4, prevê [...] universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL, 2014b, p. 12). Esta meta é composta por 19 estratégias, sendo que a estratégia 4.7 menciona a oferta da educação bilíngue, cujo texto prevê [...] garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos art. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdoscegos (BRASIL, 2014b, p. 13). Vale ressaltar que há um conjunto de normativas e posicionamentos teóricos de profissionais que defendem a educação bilíngue para estudantes surdos. Vamos agora retomar um pouco da concepção política, porém com foco específico no ensino bilíngue para alunos surdos. 5 CONCEPÇÃO DE POLÍTICA LINGUÍSTICA PARA A EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS Parafraseando o autor Coope (1989 apud BRASIL, 2014a), elencado pelo grupo de pesquisadores de SECADI, Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, a política linguística representa uma forma de intervenção social em uma determinada TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 149 comunidade. Ela vai determinar decisões quanto ao uso das línguas nestes locais, e a partir disso instaura-se um planejamento linguístico que objetiva e implementa a política linguística traçada. Quem idealiza um planejamento linguístico conduz as decisões a respeito do uso das línguas de uma determinada comunidade, podendo ou não coincidir com os interesses da própria comunidade, assim como já observado, por exemplo, na história das comunidades surdas. Portanto, [...] um planejamento linguístico é dirigido por decisões políticas e, portanto, envolve questões complexas, uma vez que não são apenas questões de ordem linguística que o define, mas implica questões éticas da perspectiva das comunidades envolvidas. Mudar as relações entre várias línguas determina a complexidade de um planejamento linguístico (BRASIL, 2014a, p. 7). Kloss (1969 apud BRASIL, 2014a, p. 7) menciona que há dois tipos de planejamento linguístico: Planejamento de corpus e planejamento de status. Planejamento de corpus refere a intervenções na forma da língua (por exemplo, criar ou modificar formas escritas, criação de neologismos, controle de empréstimos, padronização etc.). Por outro lado, planejamento de status refere a intervenções no status social da língua e na sua relação com as demais línguas (promoção de uma língua, uso na educação, uso na mídia, status oficial etc.). Se analisarmos estes planejamentos, a política linguística concedida por meio do Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, tem como consequência um planejamento linguístico de status, porque reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como língua nacional oficial usada pela comunidade surda brasileira. Com a oficialização segue uma série de intervenções para regularizá-la e promovê-la e isso determina a educação bilíngue de Surdos. Estas intervenções são as citadas no próprio documento de lei, veja alguns exemplos: • A obrigatoriedade do ensino de Libras para todos as licenciaturas e curso de fonoaudiologia. • O compromisso dos órgãos públicos em garantir o acesso às informações na Libras para os Surdos. • A criação dos cursos de formação de professores de Libras. • Professores de Português como segunda língua para Surdos e formação de tradutores e intérpretes de Libras e Português. Brasil (2004) cita ainda o capítulo IV do Decreto nº 5626/2005, que prevê um planejamento linguístico para a difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação, ou seja, o documento deixa claro que deve se instaurar uma política que efetive um processo para o reconhecimento da LIBRAS e a sua promoção por meio da educação, inclusive uma educação muito UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 150 bem esmiuçada ao se referir à perspectiva bilíngue, reconhecendo a LIBRAS como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua das pessoas surdas, “encaminhando o reconhecimento desse status no âmbito educacional” (BRASIL, 2004a, p. 8). Vinculado à educação bilíngue necessariamente, em 2010 foi promulgado o Decreto nº 7.387 (BRASIL, 2010), que institui a ação governamental de realizar o primeiro inventário nacional das línguas brasileiras. O compromisso estatal com as línguas inventariadas e reconhecidas pelo Governo Federal está explicitado por meio dos seguintes artigos: Art. 2º As línguas inventariadas deverão ter relevância para a memória, a história e a identidade dos grupos que compõem a sociedade brasileira. Art. 3º A língua incluída no Inventário Nacional da Diversidade Linguística receberá o título de “Referência Cultural Brasileira”, expedido pelo Ministério da Cultura. Art. 4º O Inventário Nacional da Diversidade Linguística deverá mapear, caracterizar e diagnosticar as diferentes situações relacionadas à pluralidade linguística brasileira, sistematizando esses dados em formulário específico (BRASIL, 2010). Em seu artigo 5º, o Decreto nº 7.387 determina que: “As línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público”. No Plano Nacional de Educação e Políticas Locais para implantação da educação bilíngue para surdos, segundo Lins, Souza e Nascimento (2016): Foi adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;/ Ministério da Cultura a categorização das línguas minoritárias brasileiras que incluiu: línguas indígenas, variedades regionais da língua portuguesa, línguas de imigração, línguas de comunidade afro- brasileiras, língua brasileira de sinais e línguas crioulas. Como um dos resultados desse inventário, houve, novamente, o reconhecimento da Libras como língua nacional e, consequentemente, o direito dos brasileiros oriundos das comunidades surdas à preservação de sua língua – Libras – e cultura, do que decorre, novamente, o direito de terem escolas específicas e formação de educadores graduados com currículo que atenda e respeite as diferenças linguísticase culturais dessas pessoas (SOUZA; 2016, p. 4). No que se refere à educação bilíngue de surdos, movimento decorrente da concepção citada anteriormente, a proposta é retirá-la da educação especial deslocando-a para uma diretoria ou setor que cuide de políticas educacionais bilíngues e multiculturais brasileiras no MEC. Trazendo as avaliações do grupo sobre nossas instituições educacionais, a Lei é clara quanto a oferecer o ensino da Libras, o ensino da língua portuguesa como segunda língua, contar com professores regentes que conheçam a situação bilíngue dos estudantes surdos, além de contar com intérpretes de língua de TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 151 sinais, e ao nos depararmos com a realidade vemos que se tenta alcançar o objetivo. Estamos no caminho, porém não nos arriscaríamos em dizer que temos a educação bilíngue ideal. As leis são recentes, as discussões também e estamos caminhando para a construção da educação plena dos sujeitos surdos. Brasil (2014a) é contundente ao referir-se ao decreto que inclui a recomendação da criação de um ambiente bilíngue, uma vez que orienta a difusão da Libras entre todos os professores e funcionários, direção da escola e familiares. Ainda orienta quanto ao reconhecimento da língua portuguesa como segunda língua, no sentido de adequar o ensino e as avaliações relativas à escrita observando-se esse aspecto, inclusive adotando avaliações em Libras. De nada adianta as personagens estarem no ambiente se a educação bilíngue não acontecer. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 152 LEITURA COMPLEMENTAR Na linha de discussão desta unidade, culminamos com a revista Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS –, que nos dará mais subsídios de reflexão sobre os temas discorridos aqui e suporte para as atividades. Bom proveito! REVISTA FENEIS DA FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS, Nº 41, SETEMBRO/NOVEMBRO DE 2010 FONTE: Disponível em: <https://issuu.com/feneisbr/docs/revis- ta_feneis_41>. Acesso em: 5 out. 2017. Em repúdio às declarações do MEC, pesquisadores defendem bilinguismo e pedagogia surda As declarações da diretora de políticas educacionais especiais do Ministério da Educação (MEC), Martinha Claret, na última Revistada Feneis causaram grande repercussão na comunidade surda e entre os pesquisadores da área. Ao defender a inclusão educacional como princípio que orientou a Conferência Nacional de Educação (CONAE), a representante do MEC acusou as escolas de surdos de segregacionistas e afirmou que o MEC não acredita na existência de uma cultura surda. Para ela, as crianças surdas devem estudar nas escolas regulares, junto às outras, como forma de desenvolvimento da autonomia e do respeito à diversidade. TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 153 FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 14) Para a diretora de políticas educacionais da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Patrícia Luiza Rezende, a declaração não só desvaloriza o modo de vida dos surdos brasileiros como também fere a sua dignidade. “Um pronunciamento dessa natureza rebaixa a cultura surda e desrespeita leis, documentos e convenções internacionalmente reconhecidos”, questiona. Um dos exemplos, explica Patrícia, é a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Defi ciência, signatária da Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhece a identidade cultural dos surdos. Como repúdio, a Feneis vai pedir retratação ao ministério por meio de um manifesto formal e acionar as instâncias legais. Segundo Patrícia Rezende, que também é professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), “é incompreensível que o MEC, depois de apoiar tantas iniciativas que valorizam a Língua de Sinais, tenha esse posicionamento”. Com os recursos do ministério é realizado, anualmente, o exame de profi ciência em Libras (Prolibras) e o curso de graduação a distância Letras/Libras. A escola bilíngue de surdos é segregacionista? “Falar que a escola bilíngue de surdos é segregacionista é uma falácia”, classifi ca o professor Tarcísio Leite, da UFSC. Ele explica que, cada vez mais, ganha força a tese de que a segregação é promovida pelas políticas educacionais que reconhecem diferentes línguas e culturas. “O argumento é plausível, pois recorre à ideia de que, se queremos unir as pessoas, devemos colocá-las juntas e não separadas”. Apesar de ser aparentemente aceitável, esclarece o professor, essa UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 154 concepção de inclusão rejeita as diferenças culturais dos surdos e as especifi cidades linguísticas. “Existe o imaginário de que basta colocar um intérprete na sala de aula, uma muleta para o aluno surdo, e estaremos promovendo a inclusão e o bilinguismo”, defende. O professor Tarcísio justifi ca que, na maioria das vezes, o conceito de unidade nacional contido na expressão “somos todos brasileiros” pode gerar um apagamento das diferenças e uma recriminação daqueles que não se enquadram plenamente nessa unidade. “Os dissidentes são facilmente colocados contra os interesses da nação brasileira. É o que acontece com os surdos ao serem acusados de segregacionistas”, argumenta o professor. A maioria dos pesquisadores da área defende que reunir surdos em uma mesma escola ou sala de aula não signifi ca separá-los do mundo ou torná- los mais dependentes. Ao contrário, os ambientes linguísticos que favorecem a vivência de uma língua de maneira espontânea fazem com que os sujeitos se tornem mais autônomos, pois eles alcançam o conhecimento de maneira mais rápida e efi caz. A experiência linguística plena faz com que as pessoas se sintam seguras nas interações sociais e na relação com seus pares. Além disso, acreditam os pesquisadores, quanto maior o desenvolvimento linguístico dos sujeitos, maior a capacidade de buscar conhecimento e de utilizá-lo livremente no seu cotidiano. Eles podem, de maneira independente, transitar no mundo e compreendê-lo. Assim, o conhecimento de mundo adquirido pelos surdos por meio uma língua natural, a Libras, seria mais efi ciente. Segundo a pesquisadora Mariana Campos, da Universidade Federal de São Carlos, defender uma escola onde a cultura surda é respeitada nada mais é do que considerar o valor da comunidade linguística na construção do conhecimento. “Estar em comunidade não signifi ca segregar ou formar guetos, mas sim construir, a partir da língua e da cultura, interações importantes para o aprendizado. Os diálogos com os colegas na escola e a troca espontânea de ideias, sem barreiras linguísticas, são essenciais”, analisa a professora. O próprio MEC, explica Mariana, defende que o desenvolvimento das crianças é feito por meio de interações, nas quais confl itos e negociações de sentimentos, ideias e soluções são elementos indispensáveis na educação. Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Defi ciência “As pessoas com defi ciência deverão fazer jus, em base de igualdade com as demais pessoas, a terem reconhecida e apoiada sua identidade cultural e linguística específi ca, inclusive as línguas de sinais e a cultura dos defi cientes auditivos”. (Artigo 30, sobre a participação na vida cultural) “Sobre a educação, os países signatários desse documento deverão tomar medidas apropriadas, incluindo: TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 155 a. Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda; b. Garantia de que a educação de pessoas, inclusive crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados às pessoas e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social”. (Artigo 24, sobre a Educação) FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 15) Bilinguismo mascarado Muitos pesquisadores acreditam também que a política educacional de inclusão no Brasil cometeequívocos ao levantar a bandeira do bilinguismo para surdos. Segundo a professora Gladis Perlin, da UFSC, o modelo de bilinguismo defendido nas escolas inclusivas camufl a a opressão da cultura surda. Por meio da oferta de intérpretes de Libras e de alguma adaptação de conteúdo, a escola inclusiva segue se autodenominando bilíngue. Na verdade, o que caracteriza o bilinguismo é o ambiente linguístico propício. Nessas escolas, nem todos sabem Libras, as metodologias não são específi cas e nem todos conhecem cultura surda e seus artefatos culturais. Segundo a pesquisadora Paula Botelho, a noção de que o português é uma língua estrangeira para os surdos ainda está distante da realidade brasileira. “Um detalhe que é fundamental, mas irônica e frequentemente esquecido é que os surdos estão adquirindo, ou adquiriram o português, sem ouvir a língua falada”, comenta. Conforme explica a pesquisadora, em uma escola onde a língua oral seja predominante, seja ela inclusiva ou não, os surdos estarão privados do aprendizado de maneira natural. Em um espaço onde tudo é mediado oralmente, a presença do intérprete, explica ela, é insufi ciente para garantir a plena aquisição tanto da Libras quanto da Língua Portuguesa. “Temos que entender claramente que uma língua oral, sem audição, não se aprende espontaneamente. A exposição à uma língua oral não oferece nem um terço do input linguístico – experiências linguísticas que a criança recebe de seu meio social, se comparado ao caso dos ouvintes”, explica. Dessa maneira, para que os surdos tenham uma aquisição plena, em primeiro lugar da Libras, e depois da Língua Portuguesa, é preciso ter condições linguísticas favoráveis, explica Paula. Isso signifi ca priorizar a Libras para os surdos da mesma maneira que priorizam o português para as crianças ouvintes. Esse seria um bilinguismo real, que vai além da coexistência de duas línguas em um ambiente de ensino. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 156 O problema apontado pela pesquisadora é se a educação brasileira está realmente disposta a promover um bilinguismo real. “Cabe questionar se as escolas regulares, as mesmas que defendem a perspectiva inclusiva, estão aptas, dispostas e equipadas para ensinar o Português como segunda língua e usar a Libras como meio de instrução. É clara a necessidade desta oferta para os surdos?”, questiona Paula. Existe cultura surda? É comum observar a surpresa e a incredulidade das pessoas quando se deparam com o termo “cultura surda”. Segundo a pesquisadora Karin Strobel, em seu livro Imagens do outro sobre a cultura surda, quando a palavra “surdo” é mencionada, as pessoas a associam com isolamento, incapacidade e falta. Presume-se que para se integrarem é preciso ouvir e falar. Esse imaginário, segundo Karin, faz com que a concepção de cultura surda seja quase inaceitável. A pesquisadora, que também é presidente da Feneis, defi ne cultura surda como “uma maneira de o sujeito surdo entender o mundo e modifi cá-lo a fi m de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com suas percepções visuais”. Essa noção abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo, defi ne a professora. Karin explica que o povo surdo que participa das comunidades compartilha algo em comum, valores, normas e comportamentos, que só são intercambiados por aqueles que acessam o mundo visualmente. Ou seja, ela enfatiza que o modo visual de apreender o mundo e a construção de uma história compartilhada são dois grandes elementos defi nidores da noção de cultura surda. Esse algo em comum é o responsável por construir uma identidade coletiva, conhecida como identidade surda. Outra cultura resulta em produções de artefatos culturais materiais, como a literatura, o teatro, as artes visuais e as adaptações de tecnologias de acessibilidade. Outros artefatos imateriais são a vida esportiva nas associações de surdos, a vivência na comunidade surda, a participação política na militância, a convivência familiar, dentre outros. Segundo a pesquisa de mestrado da professora Mariana Campos, 50% dos alunos de uma escola inclusiva se sentem tristes e frustrados por não encontrarem artefatos da cultura surda na escola. FONTE: Revista Feneis (Set-Nov 2010, p. 16) Inclusão excludente Segundo a pesquisadora Gladis Perlin, a perspectiva atual de inclusão desenha um modelo que não respeita o surdo na sua diferença. “Quando se percebe que o diferente, o surdo, não consegue e não quer viver conforme o modelo inclusivo imposto, então surge um processo de considerá-lo menor, incapaz, com falta, necessitado e que precisa ser protegido”, explica Gladis. A desvalorização da cultura surda vem desse processo. TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 157 A professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Maura Corcini Lopes, explica que existe uma nova roupagem para o antigo processo de normalização dos surdos, que antes impunha um modelo de pessoa ouvinte a ser seguido. O novo processo de normalização coloca os surdos como uma comunidade que vive sob risco social por estar sempre ameaçada pelas barreiras de comunicação. Ela acredita que a escola inclusiva segue um caminho sem volta, fazendo com que os surdos sejam cada vez mais excluídos do processo de aprendizagem. “As nossas pesquisas são resultados negativos sobre o triste fim dos surdos incluídos sem condições para isso”, demonstra a pesquisadora. “Temos certeza de que a inclusão excludente veio para ficar. Se não há volta, precisamos nos filiar a algum conceito de inclusão, de maneira a pensar a diferença surda com dignidade ética”, propõe a pesquisadora. O politicamente correto Para a professora Maura Corcini Lopes, o respeito à diversidade disseminado no país se resume à aceitação da Língua de Sinais. Há um esforço em difundir a Libras, promover cursos de formação de professores e intérpretes e contratar tradutores para os eventos. “A visibilidade da Língua de Sinais, expressão maior de uma cultura visual, é usada como atração para aqueles que se encantam com um mundo politicamente correto e para aqueles que querem aprender Libras para concorrerem às vagas de emprego”, expõe a pesquisadora. Há uma espécie de encantamento com a diversidade e a negligência daquilo que seria, de fato, o respeito aos surdos e a sua cultura. Ao mesmo tempo que negam as escolas bilíngues para surdos, as instâncias governamentais defendem a Libras. O paradoxo, explica a pesquisadora, faz parte de uma estratégia que “usa a difusão da Língua de Sinais para incutir na alma brasileira que somos um país bilíngue e que vivemos sem barreiras de acessibilidade”. Nessa mesma direção, a pesquisadora Lucyenne Matos, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), aponta que as políticas de inclusão atuais apenas fazem concessões aos surdos, mas não os reconhecem de fato. Para ela, a Libras se tornou uma ferramenta política que está sendo usada contra os próprios surdos. “Essa política nos sufoca e nos massacra. Somos obrigados a escutar das instâncias estaduais e municipais comentários como: Vocês não queriam a Libras nas escolas? Vocês não queriam os intérpretes? Estamos dando a vocês essa oportunidade. Estamos deixando vocês fazerem isso. Contratamos os surdos para que eles parem de reclamar, senão os contratos são rescindidos”, critica a pesquisadora. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 158 Características da escola bilíngue de surdos - Língua de sinais como meio de instrução; - Presença de surdos e ouvintes bilíngues, sejam eles professores, funcionários ou alunos; - Atividades culturais e esportivas bilíngues; - Ambiente linguístico em que a Libras e a Língua Portuguesa compartilhem espaços; - Ambiente linguístico que propicie a vivência da cultura surda; - Presença de artefatos culturais como os materiais de acessibilidade e as produções culturais surdas; - Currículo pedagógico que leve em conta as especificidades culturais, com inserção de conteúdos como história e literatura surda; - Conteúdos acessíveis visualmente; - Língua Portuguesa ensinada e avaliada como segunda língua; Com a colaboração de Ronice Quadros (UFSC). Características da escola bilíngue de surdos FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 18) A verdadeira escola bilíngue de surdos Segundo a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ronice Quadros, a melhor escola para educar os surdos é aquela que propicia um ambiente linguístico em que a Libras e a Língua Portuguesa compartilham espaços e onde os conteúdos sejam acessíveis visualmente. “Uma boa escola para surdos é aquela em que as pessoas sejam bilíngues e usam tanto uma como a outra língua, de acordo com quem estiver conversando. É aquela que vai garantir o encontro entre surdos para estes vivenciarem sua cultura. Esta escola que descrevo pode ser uma escola bilíngue de surdos e pode ser uma escola bilíngue pública. Vai depender de se criar um espaço que faça uma educação bilíngue”, defende a professora. A pesquisadora Flaviane Reis, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), diferencia a escola para Surdos e Escola de Surdos. Para ela, a escola bilíngue se enquadra no segundo caso. Diferente da escola para surdo, que usa a Língua de Sinais apenas como ferramenta para o aprendizado do português. Ela fala que isso não signifi ca desprezar a importância da segunda língua. “Sempre teremos confronto com a outra língua que é o português, que é como a língua estrangeira para os surdos. Da nossa língua, passamos algum tempo, e partimos para a língua estrangeira, a língua portuguesa. É como se vivêssemos de repente entre fronteira. A segunda língua está ali e podemos usá-la no momento em que se atravessar a fronteira. Usar a língua para que a identidade não seja uma prisão, mas que mostre a identidade de que somos para o outro”, defi ne. TÓPICO 3 | AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À SURDEZ 159 A professora Rita Nacajima, do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (Ines), conta que sua experiência como professora de surdos sempre foi dentro de propostas bilíngues. “Como trabalhei com a educação infantil foi essencial a presença de profi ssionais surdos, o que garantiu a interação e aprendizado em Libras. As crianças aprendem naturalmente e as estratégias utilizadas sem todo o processo são negociadas junto ao profi ssional surdo” (Assistente educacional em Libras). A escola bilíngue de surdos na prática “Antes ele era agressivo e nada prendia a atenção dele. Agora ele tem um objetivo, ele copia, é interessado, está mais calmo e sabe esperar. Aprendeu os sinais e está sabendo se comunicar melhor, coisa que ele não sabia antes. Na escola inclusiva ele copiava sem compreender. Hoje ele sabe o que escreve. Antes ele não sabia nem o que era certo ou errado, o que pode e o que não pode”. Com essas palavras, Cléa Machado descreve as mudanças na educação do seu fi lho Alisson. Aos dez anos ele retornou à Escola Especial Professor Alfredo Dub, da cidade gaúcha de Pelotas, onde já havia estudado até os quatro anos. Cléa explica que na escola de ouvintes o fi lho passou por muitas difi culdades de alfabetização. Foi quando ela decidiu retornar à escola de surdos. A escola possui atualmente 88 anos. Fundada em 1949, a instituição fi lantrópica não trabalhava com a fi losofi a bilíngue até 1995. A diretora Marli Schulz explica que a instituição ainda está no processo de transição para o bilinguismo, mas que todas as aulas são em Libras. Dos 23 professores, seis são surdos e a escola ainda conta com um funcionário surdo também. “As vantagens no aprendizado são claras. O aluno aprende bem mais rápido com a Libras”, explica Marli. Quando os alunos terminam os estudos na escola bilíngue, na 8ª série, vão para a escola pública inclusiva de Pelotas. A professora Elisabeth Castro, quem tem dois fi lhos surdos, comenta que os resultados da escola bilíngue são louváveis. Ela é a favor da inclusão social, já que os surdos precisam transitar no mundo, serem consumidores e terem independência. Para ela, o papel dos pais também é de extrema relevância. Elisabeth explica que uma vantagem da escola bilíngue é a presença de currículos, conteúdos e avaliações específi cos, que respeitam a singularidade da língua de sinais. Além disso, na escola bilíngue os alunos têm a liberdade que de serem diferentes. “Percebemos que os alunos têm a liberdade de se exporem e admitirem algum desconhecimento na frente dos colegas. Sabemos que as crianças ouvintes, pelo fato de ouvirem, têm acesso a inúmeras informações que os surdos não têm. Diante desses colegas, os surdos se sentem constrangidos”, aponta Elisabeth. Entretanto, a professora adverte que também a escola bilíngue precisa mudar, de modo a acompanhar o novo aluno surdo, que tem acesso à internet e apreende o mundo com um outro olhar. “É preciso aproveitar essa potencialidade da tecnologia e adaptar o ensino a essa nova realidade do surdo”, explica. UNIDADE 3 | POLÍTICAS DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS SURDAS 160 Já a professora Ana Marci Oliveira, que dá aulas na mesma escola e já acompanhou projetos de inclusão, explica que há uma grande difi culdade de compreensão do que é o surdo na escola inclusiva. “Inclusão não é só colocar intérprete. Não é só o professor fazer uma adequação. É respeitar linguisticamente a característica da pessoa que está lá. É pensar no surdo como alguém que pensa diferente que usa uma língua diferente”, explica. FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 18) FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 18) FONTE: Disponível em: <https://issuu.com/feneisbr/docs/revista_feneis_41>. Acesso em: 5 out. 2017. 161 Neste tópico, você viu que: • O Atendimento Educacional Especializado – AEE proposto pelo MEC ou o Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE proposto pelo Estado de Santa Catarina, são convergentes em seus objetivos, atendendo os alunos no contra turno de forma suplementar e complementar. Diferenciando- se em algumas estratégias e metodologias. • As duas propostas estudadas desenham como deve acontecer a inclusão a partir da Educação Bilíngue, os profissionais que atuam neste contexto e a forma minuciosa em que devemos estar articulados para que ela aconteça. • O grupo do MEC/SECAD avaliou que o ensino Bilíngue nas nossas instituições educacionais tem oferecido o ensino da Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua, conta com professores regentes que conheçam a situação bilíngue dos estudantes Surdos, além de contar com intérpretes de língua de sinais, porém levanta a necessidade de o ambiente ser bilíngue, não estar ligado apenas a alguns profissionais; e orienta quanto ao reconhecimento da Língua Portuguesa como segunda língua, no sentido de adequar o ensino e as avaliações relativas à escrita observando-se esse aspecto, inclusive adotando avaliações em Libras. • A revista da FENEIS nos dá este suporte, trazendo o retrato do que tem sido discutido e do vem acontecendo na prática, para ela precisamos evoluir da escola inclusiva para uma escola verdadeiramente bilíngue. • Evidente que o grupo de avaliação vai além nesta discussão da educação bilíngue de surdos, trazendo o movimento decorrente da concepção acima, com a proposta de retirar o “Ensino Bilíngue” do setor da educação especial, deslocando-a para outro setor, que cuide de políticas educacionais bilíngues e multiculturais brasileiras no MEC. É uma proposta arrojada que engloba os Surdos enquanto Comunidade Surda, claro que ainda não é legalizada, é uma ideia sendo discutida. RESUMO DO TÓPICO 3 162 AUTOATIVIDADE a) AEE em LIBRAS. b) AEE de Libras. c) AEE de Língua Portuguesa. ( ) Também chamado AEE para o ensino de LIBRAS, requer critérios metodológicos que favoreçam a contextualização significativa da própria língua em si, priorizando o uso de imagens e de todo tipo de referências, como é o ensino de qualquer língua.( ) Fornece a base conceitual dos conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula. O professor instrutor de Libras do AEE busca os conteúdos trabalhados pelo professor do ensino comum. ( ) Tem como objetivo o ensino da Língua Portuguesa escrita e a leitura, e é um dos grandes desafios na escolarização de estudantes surdos. Características da escola bilíngue de surdos - Língua de sinais como meio de instrução; - Presença de surdos e ouvintes bilíngues, sejam eles professores, funcionários ou alunos; - Atividades culturais e esportivas bilíngues; - Ambiente linguístico em que a Libras e a Língua Portuguesa compartilhem espaços; - Ambiente linguístico que propicie a vivência da cultura surda; - Presença de artefatos culturais como os materiais de acessibilidade e as produções culturais surdas; - Currículo pedagógico que leve em conta as especificidades culturais, com inserção de conteúdos como história e literatura surda; 1 O Atendimento Educacional Especializado – AEE –, proposto pelo MEC, atende aos alunos surdos no contraturno escolar em três momentos pedagógicos: AEE em LIBRAS; AEE de Libras; e AEE de Língua Portuguesa. Relacione o atendimento as suas especificidades, de acordo o texto: 2 A Política do Estado de Santa Catarina traz uma proposta de atendimento às crianças surdas de 0 a 3 de idade. Qual é esta proposta? 3 A partir das nove características da escola bilíngue de surdos: Avalie item a item comparando-os com a escola onde você atua ou uma escola que você conheça. Assim as respostas estarão relacionadas à inclusão em sua região. 163 - Conteúdos acessíveis visualmente; - Língua Portuguesa ensinada e avaliada como segunda língua; Com a colaboração de Ronice Quadros (UFSC). Características da escola bilíngue de surdos FONTE: Revista Feneis (Set-Nov. 2010, p. 18) 164 165 REFERÊNCIAS ABUD, K. M. Conhecimento Histórico e Ensino de História: a produção do conhecimento histórico escolar. In: SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. (Orgs.). III Encontro Perspectivas do Ensino de História. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1995. ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de História. In: Cadernos Cedes. Campinas, v. 25, n. 67. pp. 309-317, set/dez. 2005. ALBRES, Neiva de Aquino; NEVES, Sylvia Lia Grespan (Org.). Libras em estudo: formação de profissionais. 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