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1 Marketing Estratégico GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO- RACIAIS 1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS APRESENTAÇÃO Prezado(a) Acadêmico(a), Você está participando da disciplina de ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO- RACIAIS na modalidade a distância, ofertada pelo Centro Universitário Dinâmica das Cataratas - UDC. Sabemos que o seu percurso de aprendizagem necessita ser acompanhado e orientado, para que você obtenha sucesso nos estudos e construa um conhecimento relevante à sua formação profissional. Preparamos este material didático com os conteúdos teóricos e as orientações de atividades planejadas pelo professor, possibilitando, assim, guiá-lo no autoestudo ao longo do semestre. Além disso, você conta com o ambiente virtual de aprendizagem como espaço de estudo e de participação ativa no curso. Nele você encontra as orientações para realizar atividades e avaliações online, além de recursos que vão enriquecer a proposta deste material didático, tais como links para sites da Internet, vídeos gravados pelo professor e outros por ele sugeridos, textos, animações, ilustrações, dentre outras mídias. Lembre-se, no entanto, de que você deve se organizar para criar sua própria autonomia de estudo. Isso inclui o planejamento do seu tempo de dedicação ao estudo individual e de participação colaborativa no ambiente virtual. Este material é o seu livro-texto e apoio importante no desenvolvimento de sua aprendizagem no curso. Bom estudo! Direção UDC On-line SUMÁRIO 2 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 1 UNIDADE I – INTRODUÇÃO ..................................................................................... 3 1.1 O HUMANO: NATUREZA E CULTURA ............................................................... 4 1.2 CULTURA E TRABALHO ..................................................................................... 8 1.3 CULTURA E FORMAS DE TRABALHO ............................................................. 11 UNIDADE II – DEFINIÇÕES DE CULTURA ............................................................ 22 2.1 CULTURA OU CULTURAS ................................................................................ 25 2.2 A CENTRALIDADE DA CULTURA..................................................................... 34 3 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS UNIDADE I – INTRODUÇÃO Quando se trata de organizações ou relações empresariais surge logo a perspectiva multifacetária que é própria das organizações. Quanto maior for uma empresa, quanto maior for o campo de atuação de uma organização, tanto maior é o lastro de pessoas, culturas e relações interpessoais e interculturais sobre o qual suas ações incidem. É fundamental que o planejamento de tais ações contemple os diferentes aspectos envolvidos nas questões culturais. Na atualidade, uma empresa que atua em qualquer ramo há de se preocupar com questões que envolvem a cultura, as relações de gênero, sexo, etnia, etárias e outras. Esse texto produz um olhar sobre esses diferentes aspectos que envolvem as questões culturais, ciente de que a cultura assumiu uma posição central em qualquer fórum da sociedade atual. Para entender essa centralidade faz-se necessário estabelecer os conceitos que permitam visualizar os fluxos das diferentes compreensões, por um lado, e os dados que apontam para a intensidade como fatores culturais atuam sobre o cotidiano tanto nas instâncias de dimensões micro quanto nas de dimensões macro. As organizações percebem-se como agentes num mundo globalizado, isto é, multicultural, plural, e, simultaneamente, interligado. Entender de cultura globalizada e de culturas localizadas não é apenas um desafio, mas uma grande possibilidade de entender as possibilidades de negócios, mas também os riscos que são, cada vez mais, igualmente globalizados. Por outro lado, entender de cultura reflui para dentro da empresa. Pois, quando há uma percepção da cultura dos colaboradores mais diretos da empresa e das representações que os mesmos fazem da sua posição de sujeito naquela organização, pode se aprimorar o planejamento bem como se criar uma sinergia maior que possibilite potencializar ao máximo a participação desses colaboradores em direção aos objetivos da empresa. Ainda pode se afirmar que um melhor entendimento das questões culturais é imprescindível para a percepção das questões sociais que envolvem a empresa no que se refere a sua responsabilidade social. 4 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Dito isso, vale lembrar que ao se fazer uma abordagem antropológica da cultural, levando em conta a contribuição das demais ciências, bem como das contribuições da filosofia, se evoca uma série de conceitos que se entrecruzam e, por isso, precisam ser tratados em bloco. Desde já quero disponibilizar aqui um conceito de cultura, facilmente localizável na internet, que pode servir de base para um entendimento preliminar para os enunciados seguintes. O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica. (SILVA, 2006, p. 1). Bons estudos! 1.1 O HUMANO: NATUREZA E CULTURA Somos seres humanos, seres naturais e culturais simultaneamente. Há em nós aspectos naturais que amamos (como o prazer de ver, degustar, etc.) e outros que não gostamos tanto (envelhecer, morrer, etc.). Os aspectos naturais da nossa existência nos dão potencialidades – o ser humano nasce com uma capacidade inata para desenvolver as linguagens, possui em cérebro altamente desenvolvido, pode dispor da utilização do polegar opositor, só para citar alguns exemplos - por outro lado, nossa natureza nos coloca infinitas limitações, somos totalmente dependentes dos adultos por amplo espaço de tempo, no início de nossas vidas; nosso aparto biológico não nos permite voar; nossas forças físicas e o volume de nossa voz estão aquém do que desejamos. Na ânsia de vencermos tais limitações criamos objetos e crenças, transformamos espaços e modificamos nosso corpo, impomos um comportamento que parece mais adequado ao que entendemos ser. A natureza que há em nós está permeada pela cultura, de tal forma que não nos damos conta onde uma começa e a outra termina. 5 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Normalmente falamos de natureza sem sabermos muito bem a que nos referimos. Uns entendem natureza como o lugar ou o elemento que não sofreu alteração da ação humana. Outros a entendem como o princípio gerador da vida dentro de uma essência pré-estabelecida. Outros atrelam a natureza a um elemento definidor de atributos: “o homem é naturalmente”. Independente da concepção que possamos ter, a ciência tem mostrado que aquilo que definimos como natureza, depende de nossas concepções. Portanto, o que entendemos por natureza depende da cultura na qual estamos inseridos e dos discursos aos quais nos filiamos. Ou seja, até o que entendemos sobre “natureza”passa a depender da nossa cultura. Quando afirmo - estou com vontade de ir ao banheiro. O que estou a dizer? Que preciso suprir minhas necessidades fisiológicas (natureza?) ou que só consigo realizá-las no espaço “banheiro” (um espaço culturalmente criado para essa finalidade)? Uma pessoa que passou por transplantes tem uma vida possibilitada pela natureza ou pela cultura? Mesmo depois de até os nossos dentes sofrerem constantes intervenções da cultura odontológica que desenvolvemos, continuamos tendo um corpo natural? Nossos espaços são apenas naturais? Mesmo os mais belos bosques que visitamos são alterados por nossas ações e também por nossas interpretações. Assim uma árvore (aparentemente apenas natural) para alguns pode significar um elemento sagrado e para outro um valor comercial, ou artístico. Com isso pode se afirmar que o homem enquanto um ser cultural, intervém em si mesmo e no mundo modificando, transformando as coisas e a interpretação das coisas. O mundo (e nele o homem) está assim enredado na compreensão, na percepção que a cultura produz. Tanto que pode se afirmar que sem o homem não haveria mundo, uma vez que o mundo existe de fato na compreensão que o homem tem. Um mundo sem o homem seria um mundo sem definição, sem conceito. Vale aqui a leitura da poesia de Carlos Drummond de Andrade – Especulações em trono da palavra homem. Citamos abaixo um excerto da mesma, destacando apenas os versos que mais contribuem com esse texto: “Como se faz um homem? Apenas deitar, copular, à espera de que do abdômen 6 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS brote a flor do homem? ......Quanto vale o homem? Menos, mais que o peso? Hoje mais que ontem? Vale menos, velho? Vale menos morto? Menos um que outro, se o valor do homem é medida de homem? Como morre o homem, como começa? Sua morte é fome que a si mesma come? Morre a cada passo? Quando dorme, morre? Quando morre, morre? .... Tem medo de morte, mata-se, sem medo? Ou medo é que o mata com punhal de prata, laço de gravata, pulo sobre a ponte? Por que vive o homem? Quem o força a isso, prisioneiro insonte? Como vive o homem, se é certo que vive? .... Por que mente o homem? mente, mente, mente, desesperadamente? Por que não se cala, se a mentira fala, em tudo que sente? 7 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Por que chora o homem? ... Para que serve o homem? para estrumar flores, para tecer contos? Para servir o homem? Para criar Deus? Sabe Deus do homem? E sabe o demônio? ....Mas existe o homem? Poesia Completa de Carlos Drummond de Andrade, p. 428 (Nova Aguilar) Disponível em: http://palavraguda.wordpress.com/2007/12/24/especulacoes-em-torno-da- palavra-homem/ acesso em 12/07/2014. A poesia de Drummond nos leva a pensar que somos nós que definimos “como se faz um homem”, igualmente definimos “o valor do homem”; “o sentido da vida do homem”; “o que é mentira na fala do homem”; “a serventia de um homem”; “o que é a morte de um homem”; etc. Somos seres naturais no sentido que nosso equipamento biológico obedece a determinações sobre as quais podemos interferir, mas não conseguimos (pelo menos até o momento) anulá-las. Tais determinações nos desafiam a transformar o mundo para impedir que elas nos embarguem de vivenciarmos uma vida com mais satisfação. Essa realidade fez com que a humanidade em todos os tempos buscasse mecanismos de ampliação do seu próprio equipamento biológico, potencializando-o ao máximo para alcançar suas realizações. Desde a criação da alavanca, da roda, dos óculos ou do telefone, o que o ser humano buscou foi ampliar-se em suas possibilidades. Assim a tecnologia transformou o próprio homem. Eis um paradoxo, o homem cria o objeto transformando a natureza e o objeto transforma o homem tornando-o mais capaz. Nesse primeiro momento já podemos afirmar que o humano é um ser que se autoproduz na cultura. Disso pode se depreender que homem e cultura são http://palavraguda.wordpress.com/2007/12/24/especulacoes-em-torno-da-palavra-homem/ http://palavraguda.wordpress.com/2007/12/24/especulacoes-em-torno-da-palavra-homem/ 8 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS reciprocamente criatura e criador. Por esse motivo há quem pergunte: quem veio primeiro o homem ou a cultura? Se o homem é um ser cultural e ao mesmo tempo produtor da cultura, só se pode conceber o homem e a cultura como simultaneamente nascidos. Mesmo nos mitos da fundação do mundo, nas mais diferentes culturas, o ser humano aparece transpassado pela cultura, seja na forma de comportamento que apresenta, na crença que demonstra ou na forma de legalidade que propõe. 1.2 CULTURA E TRABALHO O que está afirmado acima já aponta para o que aqui irá se tratar: o homem, desde sempre, é um ser que trabalha e ao trabalhar se produz. Mas o que é trabalho? Primeiro vamos nos afastar da ideia de trabalho como sinônimo de emprego. Pois trabalhamos mesmo fora de nossos postos de trabalho. Trabalho é tudo o que fazemos para transformar o mundo e a nós mesmos. O ser humano deseja transformar o mundo. Ele dispõe da capacidade de pensar – prefigurar – o mundo já transformado. Cria em sua mente o mundo que ainda não é, e põe-se a trabalhar para que esse mundo que ainda não é passe a sê-lo. O trabalho humano é teleológico. Antes de nos pormos a agir já visualizamos os resultados. Investimos esforço físico, energia e tempo para que o que está preconcebido se torne realidade. Antes de lavarmos o carro já o imaginamos limpo e nos pomos a trabalhar para que o carro limpo aconteça. Talvez a melhor maneira de se definir o que é trabalho humano seja definindo o seu contrário. O que é trabalho desumano. Muitas vezes se define como trabalho desumano o que produz grande fadiga, ou o que traz um desgaste físico ou emocional significativo. Assim, se caracteriza como trabalho desumano o do pedreiro ou o do camponês. Como então entender que muito trabalho fatigante e desgastante, em muitos casos, produz satisfação e realização pessoal? Imagine a satisfação do pedreiro que trabalhou todo seu feriado na construção de sua casa, jamais concordaria que aquele trabalho foi desumano. Sem entrar nesse mérito. Quero definir aqui como trabalho desumano aquele que dispensa as características próprias do ser humano. Então, trabalho desumano 9 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS seria aquele que anula a criatividade, o trabalho no qual a pessoa que o exerce não tem condições de pré-determinar, de divergir, de interferir na lapidação da obra sobre a qual atua. Assim o trabalho pode ser cansativo e fatigante mas vivenciado como obra sobre a qual o ser humano exerceu toda sua humanidade, aplicando sua criatividade, sua capacidade de fazer escolhas e de planejar o resultado que buscava. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante totóo curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais (MARX, K. p. 1). Quando Karl Marx definia o trabalho como algo teleológico, não dizia nenhuma novidade. O ser humano ao se pôr a trabalhar já tem “pré-figurado” o resultado do seu trabalho. Assim, o camponês antes de arar a terra já visualiza a plantação crescendo e o processo pelo qual seu terreno irá passar para tornar-se verde novamente. Da mesma forma o pedreiro em sua construção e todos outros trabalhadores que podem participar do planejamento e da criação de sua obra. O trabalho humano guarda assim o sentido de transcendência. Nele o homem, projeta-se a um “ainda não”, a um momento que ele ainda não vivenciou, buscando fugir do seu estado atual. A vontade de romper com seu estado atual impulsiona o ser humano a trabalhar para criar um momento outro, uma nova situação em outras bases. Nessa nova situação, não apenas as coisas serão outras, ele “o próprio homem” será outro. Portanto, o que caracteriza verdadeiramente o trabalho é seu status de atividade voltada a uma finalidade pré-estabelecida, pré-figurada. A finalidade última 10 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS do trabalho é sempre transformar o mundo, permitindo ao homem adentrar em uma nova realidade ainda não vivida. Se o trabalho é a ação transformadora da realidade, na verdade o animal não trabalha, mesmo quando cria resultados materiais com essa atividade, pois sua ação não é deliberada, intencional. O trabalho humano é a ação dirigida por finalidades conscientes, a resposta aos desafios da natureza na luta pela sobrevivência. Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de ideias e ao mesmo tempo uma experiência propriamente dita. O trabalho, ao mesmo tempo que transforma a natureza, adaptando-a às necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo suas faculdades. Isso significa que, pelo trabalho, o homem se autoproduz. Enquanto o animal permanece sempre o mesmo na sua essência, já que repete os gestos comuns à espécie, o homem muda as maneiras pelas quais age sobre o mundo, estabelecendo relações também mutáveis, que por sua vez alteram sua maneira de perceber, de pensar e de sentir. (ARANHA, 1999. p. 5) O trabalho é transformador da natureza e do próprio homem, portanto elemento fundamental na manutenção e na criação da cultura humana e da cultura de cada povo. Mas o próprio processo de trabalho, a execução dos nossos projetos subjetivos, é produtor de cultura, em múltiplos sentidos. É, nele, que o humano toma inúmeras decisões, portanto precisa fazer complexas inferências, aprimorando sua forma de pensar, sentir e determinar. É durante o processo de trabalho que o homem busca agregar forças, seja ela dos instrumentos inanimados (alavanca, roda d’água, etc.), ou dos animais que consegue dominar e colocar a seu serviço. No mesmo processo de trabalho o ser humano busca parcerias e estabelece relações com outros humanos para conseguir sucesso em seus empreendimentos mais amplos. Assim o trabalho, enquanto ação teleológica, desperta o homem para a coletividade e a comunhão de objetivos. Por ser uma atividade relacional, o trabalho, além de desenvolver habilidades, permite que a convivência não só facilite a aprendizagem e o aperfeiçoamento dos instrumentos, mas também enriqueça a afetividade resultante do relacionamento humano: experimentando emoções de expectativa, desejo, prazer, medo, inveja, o homem aprende a conhecer a natureza, as pessoas e a si mesmo. O trabalho é a atividade humana por excelência, pela qual o homem intervém na natureza e em si mesmo. O trabalho é condição de transcendência e, portanto, é expressão da liberdade (ARANHA, 1999. p. 6). 11 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Para pensar I – Em todos os postos de trabalho, a pessoa que trabalha participa ativamente do planejamento de suas atividades? II – O desenvolvimento tecnológico utilizado nas organizações tem contribuído para a humanização do trabalho? III – A globalização da economia tem possibilitado uma maior troca de conhecimento entre os trabalhadores? IV – As organizações, enquanto espaços de trabalho, tornam mais efetivos os intercâmbios e as formas de solidariedade entre os trabalhadores? 1.3 CULTURA E FORMAS DE TRABALHO Se o trabalho produz a cultura e é por excelência uma atividade humana, conforme o humano foi mudando também mudaram as formas de trabalho. Reciprocamente, alteradas as formas de trabalho, essas causaram transformações no ser humano. Isto é, não só o exercício do trabalho, mas a forma de organizá-lo produziu transformações na cultura. MARX (op. cit. p.1) dirá: “O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios e trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho”. Os primeiros grupos humanos não contavam com a noção de propriedade privada. Entre eles, tudo era de todos. Lá o trabalho era visto como tarefa de todos e as formas de divisão do trabalho respeitavam apenas as capacidades físicas de cada um. Mais do que isso, grande parte das atividades visavam à mera sobrevivência o que exigia o empenho de todos e de cada um. Com isso não está se afirmando que não houvesse uma hierarquia das competências individuais, onde alguns se destacavam como caçadores e outros como artesões, etc. Porém, a cumplicidade e solidariedade eram formas concretas de 12 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS resolver problemas e garantir a sobrevivência, assim, um caçador em tempos de migração assumiria qualquer outra tarefa. Pois sua função primeira era defender e apoiar o grupo na busca de melhores condições de vida. Com o surgimento da agricultura, descoberta principalmente pelas mulheres, o ser humano pode planejar melhor suas atividades, pois havia agora uma nova atividade, a do cultivo, que ao mesmo tempo em que possibilitou mais alimentação, melhor nutrição, ampliou significativamente a quantidade de indivíduos em cada grupo. Desde então, incipientes formas de divisão de trabalho começam a acontecer, se atribuindo aos homens mais a caça e a pesca e às mulheres, crianças e velhos o cultivo. Com a domesticação dos animais, essa divisão torna-se novamente tênue, pois a atividade pastoril irá ocupar tanto mulheres como homens. É com o início da “civilização” que a divisão do trabalho torna-se evidente. Com o surgimento da propriedade privada dos meios de produção as formas de trabalho passam a ser organizadas de outra forma. Vale lembrar que a principal forma de propriedade privada era a terra, fonte dos bens essenciais à sobrevivência. Desde então, o foco não é mais a sobrevivência e conforto do grupo, mas a sobrevivência e conforto dos proprietários. Logo, o trabalho passa a ser dividido conforme seus critérios. Assim vemos, por exemplo, no Egito Antigo o faraó estabelecer quem seria escriba, quem seria agricultor, quem seria construtor. A legitimação da propriedade privada e, consequentemente, da autoridade do faraó dar-se-á pela religião e por outros mecanismos. Mas a imposição dessa mesma autoridade se dará pelo uso da força. Quando os mecanismos de persuasão não funcionam se apela à coação. Por esse motivo, fica evidente a divisão do trabalho que privilegia sacerdotes e escribas, num primeiro escalão. Pois são eles que assegurarãoa ideologia que sustentará a estrutura social. A forma de se conceber e de se organizar o trabalho passa por profundas transformações. Surgem atividades realizadas em forma de mera exploração do outro ser humano como instrumento de trabalho, desumanizando o processo, pois quem realiza o trabalho não participa do seu planejamento, nem pode colocar nele sua criatividade. O trabalho não é mais realizado pelo sujeito como uma estratégia de transformação da realidade, mas passa a ser mera execução de ordens desprovidas de sentido para quem as obedece. O que se questiona aqui não é a fadiga do 13 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS trabalhador, nem a insalubridade de seu trabalho, mas o fato de ele não participar do planejamento do mesmo, nem poder, no processo de trabalho, determinar-se. Tal realidade levará os gregos a repudiarem o trabalho e exaltarem o “ócio”, o tempo livre, a possibilidade de estarem disponíveis para guerrear, criar, fazer política e filosofar. A filosofia grega logo irá estabelecer a distinção entre os que devem trabalhar e os que foram apartados para o “ócio”. Entenda-se que ócio não é sinônimo de descanso ou tempo para nada fazer, mas a total liberação das atividades que visam à sobrevivência, para a realização das atividades tidas como dignas. É importante enfatizar que a palavra escola deriva da palavra ócio, ou seja, a escola é o lugar dos que estão liberados das atividades indignas e passam a ocupar- se com seu aprimoramento nos campos da arte, da política e da guerra (Paidéia). Por outro lado, os que estão destinados as atividades indignas aprenderão o necessário lá no próprio processo de trabalho (Douléia). Não podemos confundir, por um lado, ócio com improdutividade, visto que cidadãos gregos que usufruíam do ócio dedicavam-se às artes, ao estudo, ao ensino, à política e à guerra. Por outro lado, não se pode pensar a cultura grega a partir de concepções capitalistas atuais centradas num consumo infinito, portanto numa produção infinita, onde tudo deve ser transformado em mercadoria e onde todos são valorizados, apenas, pela sua participação no crescimento da economia. Essa, com certeza, não era uma preocupação dos gregos. Nem seus escravos eram avaliados pela produtividade, bastava que possibilitassem ao seu senhor conforto e lhe tivessem respeito. Entre os gregos, portanto, o trabalho estava associado ao esforço físico, fadiga e penalização; trabalhar era uma atividade indigna reservada aos escravos. Os romanos seguirão a mesma lógica. Mesmo que eles não dediquem, com tanto afinco, o tempo livre ao estudo, à filosofia e à arte; o dedicarão à arte da guerra, à política e à elaboração de leis. Do que até aqui foi exposto pode se perceber que não houve uma preocupação com o desenvolvimento da técnica, uma vez que a distância entre os que trabalhavam e os que estudavam era grande. Mesmo assim, não se pode afirmar que os gregos não tiveram grandes avanços técnicos, pois, mesmo havendo essa distância entre trabalho e ócio, os gregos conseguiram avanços significativos tanto no 14 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS fabrico de armas, como na arte da arquitetura. A construção da Acrópole parece ser uma prova irrefutável do avanço da tecnologia entre os gregos. O cristianismo trará nova compreensão do trabalho. Visto como um mal necessário, o trabalho servirá para afastar o homem dos “maus pensamentos”. O cansaço e a fadiga afastarão os humanos dos pensamentos pecaminosos, associados à gula e ao sexo. Por isso, mesmo nos mosteiros o tempo deve ser dividido entre: “tempo de contemplação” e “tempo de trabalho”. Nos relatos dos mosteiros beneditinos é comum se ler sobre o trabalho exercido pelos monges sob ordenação de seus superiores. Nesse período a organização do trabalho sé dá a partir da ideologia da nobreza articulada com a doutrina da Igreja. Na doutrina se consagram três formas de atividade: I – Os Belatores - nobres destinados à arte da guerra – são os nobres destinados desde a infância a arte da guerra. Ou seja, todos nascidos nobres, permaneceriam nobres para sempre e sua função social seria defender os seus contra os inimigos externos que poderiam atacar. Seu esforço físico estava associado aos constantes treinamentos para as guerras, além do preparo para a vida de cavaleiro. II – Os Oratores – nobres destinados à vida eclesial - os bispos, padres, monges, freiras e demais pessoas destinadas à vida religiosa. Sua tarefa era orar pelo lugar onde viviam para defender as pessoas contra os ataques da forças espirituais do mal, além de preservarem a própria santidade e desenvolverem todos os trabalhos eclesiásticos. Nos mosteiros, bem como nos conventos, o trabalho manual era visto como parte da preservação da vida religiosa. II – Os Laboratores – os camponeses – destinados ao trabalho que garantirá todos os recursos destinados à sobrevivência dos seus e dos nobres desenvolverão todas as atividades, desde o cultivo das terras até a fabricação de armas, jóias e vestimentas talares. Portanto, cuidarão de toda a produção de bens materiais. No trabalho servil, serão explorados pelos nobres (clérigos ou não), que lhes imporão um trabalho árduo, mas em suas terras terão o direito de planejar e executar conforme seus próprios critérios. 15 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Para pensar Embora tenhamos em alguns locais trabalho escravo, você já deve ter notado que nenhuma das formas de organizar o trabalho, listadas acima, são amplamente utilizadas hoje. Então, antes de continuar a leitura tente responder as seguintes questões: I – Existem hoje pessoas que não trabalham por acharem o trabalho algo desprezível? II – A camada mais rica da sociedade atual vive o ócio ou trabalha arduamente para ampliar seus lucros e suas fortunas? III – Atualmente uma pessoa é valorizada por viver no “ócio”? Acima vimos que na escravidão o trabalho árduo e fatigante era imposto aos que precisavam obedecer. Vimos também que tanto o escravo grego como o servo medieval (este apenas quando trabalhava em suas terras) tinham certa participação na condução de suas atividades, bem como a possibilidade de aprender e desenvolver novas técnicas, independente das determinações de seus senhores. A forma de se organizar o trabalho interfere na forma de se organizar a sociedade. A organização das formas de trabalho é fundamental para a produção cultural de um povo. Pois, nela aparecem as formas de organização social, a forma de se desenvolverem as técnicas de trabalho, a forma de se ter acesso aos bens e a forma hierarquizada ou não das pessoas e das atividades a serem desenvolvida. Na tabela abaixo apresento algumas considerações bem conhecidas dos historiadores e dos cientistas das ciências humanas, mas que podem nos ajudar a entender o texto posterior a ela. Período Histórico Exemplo de Pessoas de Destaque Fator de destaque – status - de uma pessoa em determinada sociedade. Período anterior a Antiguidade Clássica Idosos Eram pessoas que se destacavam por conhecerem as tradições do seu povo, sua história, seus remédios, suas doutrinas, seu corpo moral. Pelo conhecimento histórico que tinham e pela experiência de vida, eram respeitadas e valorizadas como pessoas sábias, que mantinham a unidade do grupo. 16 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Grécia Clássica 600 a.C – 400 a.C Filósofo e outros estudiosos de forma geral As pessoas mais respeitadas eram as que tinham melhor argumento. Os filósofos, matemáticos e outros conseguiam comprovar suas teorias ou validar seus enunciadose, por isso, tornavam-se pessoas de destaque social. Também políticos que faziam bom uso da retórica, produzindo argumentos sólidos eram tidos como dignos de respeito. Exemplos: Platão, Aristóteles, Pitágoras... Roma Republicana e Império Romano O homem cívico – Político ou Soldado. Nesse período, em Roma, todo o respeito e status elevado se dirigia ao homem que demonstrasse ter por Roma amor maior que por si próprio. Alguém que demonstrasse estar disposto abrir mão de seus privilégios para bem servir Roma. Exemplos: Júlio César, Marco Aurélio, Trajano, etc... Período Medieval 470 d.C – 1453 d.C O Homem da Fé Nesse período as pessoas que tinham um status mais elevado eram os clérigos, além de serem nobres, entendiam dos desígnios de Deus. Exemplos: Agostinho, Tomás de Aquino, Bento de Núrcia, Francisco de Assis. Modernidade Período Cientistas Desde a renascença, mas em especial no século XVIII e XIX, os homens que ganharam destaque são os que atuaram no mundo da ciência, assim destacaram-se Descartes, Rousseau, Newton, Galileu e outros. Na atualidade Os mais úteis. Na atualidade as pessoas são avaliadas e valorizadas por sua utilidade. Quais pessoas, que vindo ao nosso bairro, encontrariam muitos admiradores querendo fotos e autógrafos? Não necessariamente as pessoas mais ricas ou mais poderosas, mas as pessoas que se mostram mais úteis para o mundo dos negócios, mais úteis em campanhas publicitárias, mais úteis no desenvolvimento de determinada tecnologia. Basta pensarmos num grande jogador de futebol, ele é assediado por todos como um ícone do momento. Mas se problemas físicos lhe tirarem definitivamente do 17 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS campo, em meses não terá mais utilidade e será esquecido. Fonte: Elaborado pelo autor (2014) Partindo-se da tabela acima temos que nos perguntar como se construiu a ideia de que nossa utilidade é aquilo que nos define como pessoa de maiores ou menores status. Na primeira metade do século XVI, quando nem a modernidade havia ainda se constituído, Martim Lutero já exaltava o trabalho, em qualquer profissão. Para ele, o trabalho era o exercício do amor ao próximo e a Deus. Contrariando o catolicismo da época, Lutero dirá que a vida sacerdotal ou monástica não é mais elevada do que a vida em outra ocupação. Assim eleva o valor do trabalho como forma de serviço a Deus. Acontece então uma mudança radical na forma de ver o trabalho, o exercício da profissão. Antes trabalhar era apenas uma forma de cumprir com os deveres de fidelidade ao senhor feudal e de conseguir a subsistência. Lutero exaltará o trabalho atribuindo a ele um valor espiritual. Trabalhar torna-se uma forma de agradar a Deus. Sugestão de Vídeo Filme: Lutero Ficha técnica: Diretor: Eric Till Elenco: Joseph Fiennes, Alfred Molina, Bruno Ganz, Jonathan Firth, Peter Ustinov, Claire Cox e Uwe Ochsenknecht. Produção: Dennis A. Clauss,Brigitte Rochow, Christian P. Stehr e Alexander Thies. Duração: 121 min Ano: 2003 País: Alemanha Gênero: Drama SINOPSE DO FILME LUTERO Após quase ser atingido por um raio, Martinho Lutero acreditou ter recebido um chamado e se juntou ao Monastério. Ainda jovem e admirado, logo se vê atormentado pelas práticas da Igreja Católica da época. As tensões se intensificam quando prega suas 95 teses na porta da Igreja. Obrigado a se redimir publicamente, se recusa a negar os seus escritos até que a Igreja Católica consiga provar que suas palavras contradizem a Bíblica. Preso e excomungado, foge. Mesmo vivendo como um criminoso numa aventura emocionante, mantém sua fé e luta para que todas as pessoas tenham acesso a Deus http://www.sinopsedofilme.com.br/mostrar.php?q=124 http://www.sinopsedofilme.com.br/mostrar.php?q=124 18 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Tenha mais informações sobre o filme em: http://www.eduardostefani.eti.br/blogs/blog1. php/2012/11/13/resenha-do-filme-lutero-2003 - acesso em 12/07/2014. João Calvino irá tirar consequências das ideias de Lutero, em parte, contrariando ao próprio pensamento de Lutero. Calvino irá defender a doutrina na qual o trabalho não é apenas uma forma de se servir a Deus. Segundo ele, quando uma pessoa com seu trabalho consegue riquezas, demonstra que está sendo abençoada por Deus naquilo que faz. Portanto, acumular riquezas advindas do esforço pessoal, do trabalho dedicado, é uma forma de provar que está sendo abençoado por Deus. Toda doutrina da predestinação desenvolvida por Calvino reforçará a noção de que o trabalho é uma forma de louvor a Deus. Também que a burguesia emergente, que buscava acumular através da dedicação ao trabalho, mostrava-se abençoada ao ampliar suas posses. O Renascimento cultural e científico e o Mercantilismo abriram os horizontes da Europa, a partir de 1450. A reforma de João Calvino (1509-1564), exaltando o individualismo, a atividade econômica e o êxito material, deu grande impulso à economia. Enriquecer não constituía mais um pecado, desde que a riqueza fosse obtida honestamente e pelo trabalho. A cobrança de juro e a obtenção de lucro passaram a ser permitidas. Entre os protestantes, o verdadeiro pecado veio a ser a ociosidade, quando a mente desocupada passa a se ocupar do mal. Como a leitura da Bíblia tornou-se fundamental no culto, incentivou-se a educação, o que se repercutiu na melhoria da produtividade do trabalho e no desenvolvimento econômico (Souza, s.d, p.4). Como muito bem mostrou Max Weber, em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, a doutrina desenvolvida pelos reformadores foi exaltadora do trabalho e do acúmulo de bens que dele possa derivar. A classe burguesa preocupada com a escassez de mão de obra para suas fábricas, nos séculos seguintes, irá se utilizar dessa doutrina. A consonância entre a doutrina dos reformadores e os interesses da burguesia instituiu o trabalho como um valor supremo e o não trabalho, o ócio ou a preguiça, como um mal, um pecado, um crime a ser punido. A ideia de que o homem é pleno de capacidades e deve colocá-las a serviço dos outros homens na transformação do mundo já estava presente na Europa com o http://www.eduardostefani.eti.br/blogs/blog1 19 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS advento do humanismo, mas vai se aprofundar rapidamente na doutrina religiosa e mesmo na literatura. Vejamos as palavras de Hamlet na obra de William Shakespeare: Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus! A maravilha do mundo! O padrão de todos os seres criados! (Hamlet, William Shakespeare, trad., São Paulo: Martin Claret, 2002, p.47). O trabalho como obra humana será exaltado e toda a recusa ao trabalho ou o pouco afinco na execução do mesmo serão vistos como condenáveis. O rico será visto como abençoado e o pobre como aquele a quem Deus não deu o dom de saber tirar bons resultados de seu trabalho. Portanto, nessa visão, o pobre é culpado pela sua pobreza. Tal ideologia legitimou a exploração do trabalho nas fábricas, inclusive de crianças de pouca idade. Sugestão de Vídeo Filme: Daens - Um Grito de Justiça Ficha técnica (Daens) Drama, Biografia, Histórico, Bélgica, França, Holanda, 1992, 138min; Colorido. Direção: Stijn Coninx. Sinopse Drama indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1993. Narra a história do padre belga Adolf Daens(Jan Decleir), um pioneiro na luta pelos direitos dos trabalhadores em seu país na virada do século. Nessa época, as tecelagens do norte da Bélgica decidiram substituiros operários por mulheres e crianças, a quem pagavam salários menores. Impressionado pela miséria que presencia, o religioso lidera um movimento de protesto. Um filme, que partindo de seu tema, o trabalho das mulheres (e a comparação dos salários dos Homens) e do trabalho do menor, se mantém atualíssimo. Tenha mais informações sobre o filme em http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?con teudo=678# Acesso em 12/07/2014. O maior representante do liberalismo clássico, Adam Smith, em sua principal obra - "A Riqueza das Nações" -, afirmou que a riqueza dos países não residiria no ouro, na prata ou na agricultura, mas sim no trabalho, capaz de transformar matéria bruta em produtos com valor de mercado. Para ele o trabalho era o fator gerador de http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=678 http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=678 http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=678 http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=678 20 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS riquezas e o estado não devia interferir na economia, isto é, entre outras coisas, na relação entre patrão e empregado. Portanto, as fábricas se tornaram livres para explorar a mão de obra e extrair o máximo do trabalho para a produção e obtenção de lucros. O filme - “Deans: um grito de justiça” –, sugerido acima, mostra como as fábricas, tendo liberdade, extraíram o máximo dos trabalhadores, em especial de mulheres e crianças. Para legitimar essa exploração criou-se toda uma ideologia de exaltação do trabalho e de condenação aos que se negavam a trabalhar, mesmo nas piores condições de trabalho. Ao contrário dos gregos que viam no ócio um direito dos cidadãos mais dignos, aqui a ociosidade será vista como desprezível. Aquele que se nega a trabalhar é pessoa de má índole, ofende a Deus e deixa de contribuir como o crescimento da riqueza. Daí a frase “o trabalho dignifica o homem”. O capitalismo caracteriza-se pelo emprego de trabalhadores assalariados, juridicamente livres, que vendem a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção, denominados empresários, que os contratam para produzir bens ou serviços a serem destinados ao mercado, com o fim de obter lucro. Para gerar esse lucro, definido como a diferença entre as receitas totais e os custos totais, o capitalista aluga ou constrói prédios, compra máquinas e matérias- primas e contrata trabalhadores, incluindo-se pessoal de escritório e técnicos de nível médio e superior. (Souza, s.d, p.7). Atualmente, a forma como a economia tem se organizado, coloca o trabalho como fator decisivo para a sobrevivência de cada um. Ter acesso ao trabalho torna- se fundamental para se manter a qualidade de vida. No Brasil, a distribuição de renda piorou entre 1960 e 1985 e melhorou entre 1985 e 1993. O índice de Gini do Brasil passou de 0,50, em 1960, para 0,66, em 1985, caindo para 0,60 em 1993. Com o advento do Plano Real, estudos recentes mostram que a distribuição de renda melhorou entre 1994 e 1997, mas piorou nos últimos anos, pelo aumento do desemprego. A população brasileira de menor renda, entretanto, empobreceu. Em 1960, os 10% mais pobres detinham 1,9% da renda, percentual que caiu para 0,7% em 1993; enquanto 1% da população mais rica, que detinha 12,1% da renda nacional, em 1960, passou para 15,5%, em 1993 (cfe. IBGE) (Souza, s.d, p.24). 21 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Com a reestruturação produtiva, o desenvolvimento de novas tecnologias e a produção baseada na demanda, ter acesso a um posto de trabalho tornou-se uma conquista. Tudo isso coloca o trabalhador numa nova relação como o seu trabalho, onde além de obter o acesso ao posto de trabalho ele deve manter-se como o mais apto para ocupá-lo, além de estar preparado para a versatilidade que o mundo do trabalho lhe exige. Síntese da unidade I O Homem se produz através da cultura. No trabalho o homem transforma o mundo e a si mesmo. Trabalho humano é o que não inibe as potencialidades criativas do homem. Diferentes culturas forjaram suas formas de organizar e conceber o trabalho. O trabalho produz cultura, pois altera as relações dos homens com o meio e com os outros homens. A concepção do que é o trabalho irá sempre depender dos interesses em jogo em determinada sociedade. Na cultura atual a tecnologia desafia o homem a cavar seu espaço na esfera produtiva. 22 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS UNIDADE II – DEFINIÇÕES DE CULTURA Acima já se tratou de alguns elementos que estão envolvidos quando falamos de cultura. Aqui queremos problematizar o conceito de cultura para podermos entender melhor sua relevância para a sociedade atua. Edgar Morin discute as questões culturais da perspectiva da filosofia para estabelecer um conceito que dê conta dos desafios atuais que se apresentam para a humanidade. Ele entende que: A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas (MORIN, 2000. p. 56). LARAIA (2009. p.68) entende que a cultura produz em nós atitudes, comportamentos e posturas por nos oferecer uma cosmovisão. Diz ele: “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. Destaco abaixo sete contribuições de KROEBER apresentadas por LARAIA (2009, p. 48-49), para ampliação do conceito de cultura. 1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. 2. O homem age de acordo com seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou [...]. 3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar para isso seu aparato biológico, o homem modifica o seu equipamento superorgânico. 4) Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper com as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu habitat. 5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas. 6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação, não importa o termo) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional. 23 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS 7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência história das gerações anteriores, Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo. Disso temos que admitir que ao nascermos em um grupo humano toda a carga cultural desse grupo perpassará nossa forma de perceber e viver, moldando nosso caminhar, escolhendo nossas palavras. Pois, nos comunicaremos com a língua desse grupo e aprenderemos os movimentos aprovados e reprovados, etc., antes mesmo de termos qualquer possibilidade de negá-los. Como veremos mais adiante, a cultura é resultado de uma infinidade de intercâmbiosentre gerações e entre culturas, esses intercâmbios possibilitaram um processo de humanização, pois quanto mais produzimos cultura mais nos distanciamos do homem natural, uma vez que superamos os limites que a natureza nos colocava. A cultura se tornou possível porque, em nossa inteligência abstrata, conseguimos trabalhar com símbolos assim criamos, por exemplo, as leis, as moedas e uma infinidade de conceitos com os quais trabalhamos sem nos darmos conta que são meras abstrações. Tais símbolos fazem sentido quando conectados a cultura que lhe atribui sentido. Vimos que um símbolo é alguma coisa que se apresenta no lugar de outra e presentifica algo que está ausente. Quando dizemos que a Cultura é a invenção de uma ordem simbólica, estamos dizendo que nela e por ela os humanos atribuem à realidade significações novas por meio das quais são capazes de se relacionar com o ausente: pela palavra, pelo trabalho, pela memória, pela diferenciação do tempo (passado, presente, futuro), pela diferenciação do espaço (próximo, distante, grande, pequeno, alto baixo), pela diferenciação entre o visível e o invisível (os deuses, o passado, o distante no espaço) e pela atribuição de valor às coisas e aos homens (bom, mau, justo, injusto, verdadeiro, falso, belo, feio, possível, impossível, necessário, contingente) (CHAUI, 1998. p.293). Todas as organizações trabalham com pessoas, dirigem-se às pessoas, buscam convencer ou persuadir pessoas, atuam no sentido de motivar pessoas. Interagem com outras organizações comandadas por diferentes pessoas. Quanto mais amplo for lastro de relações de uma organização maior será a necessidade de seus agentes entenderem a cultura das outras organizações e das outras pessoas. Internamente, o clima organizacional pode ganhar qualidade quando se entende a 24 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS cultura das pessoas ali envolvidas. Se relacionar com as pessoas exige conhecer as pessoas, mas para conhecermos as pessoas precisamos entender a cultura na qual se inscrevem, bem como entender o processo pelo qual essa cultura está passando. Para pensar I – Muitas pessoas só existem na cultura - na linguagem. Você concorda com quem diz que a Branca de Neve é real porque serve de modelo para algumas mulheres? II – Segundo as contribuições de Kroeber, apresentadas por Laraia, o homem se adapta ao meio ou adapta o meio a ele, para não precisar se adaptar? III – Qual a sua definição do conceito de cultura? IV – Afirmamos que nossa forma de ser é definida pela cultura, na qual estamos inseridos. Com as organizações acontece o mesmo? Por que? Desafio: Na coluna nº 01 você encontra uma poesia dirigida a um educador. Transcreva a mesma para a coluna nº 02, dirigindo-a a um executivo. Para tal você precisará se colocar no lugar de alguém que está lidando com o executivo. Coluna 01 - PARA VOCÊ ME EDUCAR... Coluna 02 – Seu texto Para você me educar, você precisa me conhecer, precisa saber da minha vida, meu modo de viver e sobreviver; conhecer a fundo as coisas nas quais eu creio e às quais me agarro nos momentos de solidão, desespero, sofrimento. Precisa saber e entender as verdades, pessoas e fatos aos quais me entrego quando preciso ir além de mim mesmo. Para você me educar, precisa me encontrar lá onde eu existo, quer dizer, no coração das coisas, nos mitos e nas lendas, nas cores e nos movimentos, nas formas originais e fantásticas, na Terra, nas estrelas, nas forças dos astros, do sol e da chuva. ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- 25 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Para você me educar, você precisa estar comigo onde eu estou, mesmo que você venha de longe e que esteja muito adiante. Só há um adiante para mim: aquele que eu construo e conquisto. Só há uma forma de construí-lo: a partir de mim mesmo e do meio em que vivo. Para você me educar, precisa compreender a cultura do contexto em que se dá meu crescimento. Pois suas linhas de força são as minhas energias. Suas crenças e expectativas são as que passam a construir o meu credo e as minhas esperanças. Mas eu também estou aberta para as outras culturas. Identidade cultural não significa prisão ao espaço que ocupo mas abertura ao que é autenticamente nosso e ao que, vindo de fora, nos pode fazer mais nós mesmos. A cultura universal é produto de todos os homens, Mas como posso contribuir com essa fraternidade se não constituí o meu eu e não tenho minha expressão cultural própria? ..... (Autor Desconhecido) Disponível em: http://profonodete.blogspot.com.br/2011/01/p ara-voce-me-educar.html, acesso em 12/07/2014. ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- ---------------------------------------------------- -------------------------------------------- 2.1 CULTURA OU CULTURAS Muitas vezes ouvimos vozes inflamadas defendendo a superioridade dessa ou daquela cultura. Alguns falam de culturas como se houvesse uma linha ascendente que parte lá dos primatas, como ponto mais baixo (mais atrasado) e se estende até o povo “mais evoluído”, normalmente, um povo associado ao maior desenvolvimento tecnológico. Outras vozes falam de determinada cultura como se ela fosse propriedade de um povo, construída por elementos criados por esse povo e demonstrasse a http://profonodete.blogspot.com.br/2011/01/para-voce-me-educar.html http://profonodete.blogspot.com.br/2011/01/para-voce-me-educar.html 26 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS capacidade inventiva somente daquele povo. Nessa mesma direção alguns pensam a cultura como algo fechado, embora reconheçam que dentro de um povo sempre existem os que se desviam da “verdadeira cultura” daquele povo. Assim defendem que um “verdadeiro alemão” está associado à cerveja (Bier), às salsichas (Wurst) e ao Strudel e ao Knedel. Logo, um alemão que prefere uma feijoada, seria uma espécie de pseudo alemão. Neste caso, a incorporação de novos hábitos ou novos elementos numa cultura, seria uma forma de descaracterizá-la, de empobrecê-la. Seguindo essa lógica pode se encontrar alguém que diga que um indígenado povo Guarani (que convive a mais de 500 anos com a cultura europeia) não é bem índio por estar usando uma camiseta da Coca-Cola. Verdade é que a camiseta da Coca-Cola representa toda uma tentativa de colonização cultural, mas a introdução do uso de camisetas da Coca-Cola numa tribo, não apaga a cultura local, apenas traz mais um elemento que ali será utilizado e interpretado segundo o momento atual daquela cultura. Situação semelhante acontece com os imigrantes alemães que povoaram partes do sul do Brasil. É fácil definir alguns traços que ligam esses imigrantes ao velho continente. Tais traços vão desde a dedicação ao trabalho até as formas de organizarem e conduzirem os rituais religiosos. Por outro lado, é comum você chegar à casa de agricultores imigrantes, ou mesmo numa reunião de senhoras alemãs na igreja, e encontrá-los comendo uma “cuca” (pão doce, com recheio ou cobertura igualmente doce) acompanhada de um chimarrão, bebida oriunda da cultura indígena. A presença do chimarrão na casa dos imigrantes ou da camiseta da Coca- Cola na tribo indígena demonstra apenas que a cultura desse grupo agregou um novo elemento, mas não que ela se desfez ou se enfraqueceu. Tal realidade comprova que uma cultura não é estática, nem estável, ela se faz e se refaz num processo dinâmico e até contraditório, incluindo novos elementos, secundarizando outros elementos e, até abandonando elementos que a constituíam. O estudo de qualquer cultura irá apontar para a origem estrangeira de muitos de seus elementos, quanto maior for o interesse de um grupo humano de agregar elementos de outras culturas e dar-lhes um sentido peculiar, tanto mais complexa torna-se essa cultura. Assim, o chimarrão indígena e o chimarrão do imigrante, mesmo sendo o mesmo elemento, revestem-se de sentidos diferentes, próprios daquela cultura. Seria possível imaginar um líder de uma tribo defender o uso do chimarrão 27 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS como elemento propiciador de maior saúde aos seus consumidores e um imigrante defender o mesmo uso afirmando que o chimarrão cria vínculos na família e entre vizinhos reforçando laços comunitários. No mundo globalizado a cultura tornou-se um elemento central, as formas de comunicação e as trocas de bens e de concepções têm possibilitado um apagamento das fronteiras entre uma e outra cultura, bem como desafiado cada cultura local apresentar suas peculiaridades, deixando claro o que lhe caracteriza como única dentro da aldeia global. Cito na íntegra o texto do antropólogo Ralph Linton - “o Cidadão norte- americano” - por ele permitir que se perceba como uma cultura é profundamente permeada por elementos de outras culturas, mesmo que numa atitude costumeira – pouco reflexiva – não percebamos isso. O cidadão norte-americano “O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos esses materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções europeias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito. Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário tem a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do séc. XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast, com uma laranja vinda do 28 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abssínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar o seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple inventado pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de alguma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no norte da Europa. Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-europeia, o fato de ser cem por cento americano.” (LINTON, citado por LARAIA, 2003, p.106-108) Para Pensar Antes de continuar a leitura dedique-se a responder as seguintes questões: Questão I - Tente elencar o maior número de elementos de outras culturas que interferiram, ou interferirão, neste seu dia. Questão II - A cultura na qual você vive é herdeira principalmente de quais culturas? Questão III - Com a globalização todas as culturas se tornarão iguais? Questão IV - Quais elementos você pode identificar como típicos, específicos, de sua cultura? O texto de LINTON aponta para a variedade de elementos de múltiplas culturas em uma só cultura, essa se faz herdeira de todo um lastro de descobertas de outros povos. Isso poderia nos levar ao equívoco de pensar que esse texto está tratando de uma unificação ou planificação das culturas e do total apagamento das fronteiras entre uma cultura e outra. Caso pensássemos assim entraríamos em sintonia com as vozes que criticamos acima. Insisto que alguns alimentam 29 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS preconceituosamente a ideia de que estamos num processo de evolução e que uma cultura mais evoluída irá seduzira todos para adotarem seus elementos e procedimentos. Mas não é isso que LINTON está afirmando, apenas mostra em sua narrativa que o cidadão norte americano, possivelmente sem perceber, está imerso numa miscelânea de heranças das mais diversas fontes culturais e que seu estilo de vida só se tornou possível graças ao aprendizado que seu povo recebeu de outras culturas. O fato de haver uma intensa comunicação entre as diferentes regiões do planeta e uma troca tanto de bens materiais como de tecnologias e de outros conhecimentos nas mais diversas áreas e isso estar tornando menos vivíveis a fronteira entre uma cultura e outra, não é sinal de que iremos viver numa cultura unificada. Vejamos alguns exemplos: As línguas – Muitos pensavam que com a globalização a língua inglesa se tornaria uma língua predominante de tal forma que as outras línguas iriam perder seu prestígio. De fato a língua inglesa hoje é fundamental para os intercâmbios próprios dos tempos globalizados. Mas ao contrário do que se esperava, outras línguas, entre elas o Português e o Espanhol, ganham mais prestígio. Existe hoje todo um trabalho de divulgação dessas línguas com vistas a sua expansão, ora esse trabalho abre porta para relações comerciais e políticas, ora as relações comerciais e políticas abrem porta para a expansão da língua. O mesmo poderia se dizer da culinária, das danças ou das religiões. O velho pensamento homogeneizador - que acreditava que as grandes religiões seriam amplamente dominantes - vê de um lado a preservação de religiões tradicionais, como a Umbanda no Brasil, bem como o ressurgimento de antigos cultos como os das antigas religiões célticas. Além disso, as religiões dominantes como o cristianismo agregam dentro de si uma variedade de doutrinas que aponta mais para uma pluralidade de cultos e crenças do que para uma unificação. Frente a essas constatações pode ser que alguém simplifique tudo defendendo que há uma cultura mundial e que essa cultura é a própria pluralidade, a vida permeada por um variado conjunto de elementos culturais que cada indivíduo elege como seus e que a vida se dá em relações multiformes, dependendo das escolhas individuais. 30 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Diversos estudiosos debruçaram-se sobre essa temática e apontam para um caminho diferente. Tentarei demonstrar isso utilizando aqui algumas contribuições de Stuart Hall e Edgar Morin. Na próxima unidade demonstrarei que cada cultura é peculiar em suas representações e na forma como constrói a identidade dos indivíduos. Um efeito desta compressão espaço-tempo é a tendência à homogeneização cultural — a tendência [...] de que o mundo se torne um lugar único, tanto do ponto de vista espacial e temporal quanto cultural: a síndrome que um teórico denominou de McDonaldização do globo. É, de fato, difícil negar que o crescimento das gigantes transnacionais das comunicações, tais como a CNN, a Time Warner e a News International tende a favorecer a transmissão para o mundo de um conjunto de produtos culturais estandardizados, utilizando tecnologias ocidentais padronizadas, apagando as particularidades e diferenças locais e produzindo, em seu lugar, uma ‘cultura mundial’ homogeneizada, ocidentalizada. Entretanto, todos sabemos que as consequências desta revolução cultural global não são nem tão uniformes nem tão fáceis de ser previstas da forma como sugerem os ‘homogeneizadores’ mais extremados. É também uma característica destes processos que eles sejam mundialmente distribuídos de uma forma muito irregular — sujeitos ao que Doreen Massey (1995) denominou de uma decisiva “geometria do poder” — e que suas consequências sejam profundamente contraditórias. Há, certamente, muitas consequências negativas — até agora sem solução — em termos das exportações culturais do ocidente tecnologicamente super desenvolvido, enfraquecendo e minando as capacidades de nações mais antigas e de sociedades emergentes na definição de seus próprios modos de vida e do ritmo e direção de seu desenvolvimento [...]. Há também diversas tendências contrapostas impedindo que o mundo se torne um espaço culturalmente uniforme e homogêneo [...]. A cultura global necessita da “diferença” para prosperar — mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial (como, por exemplo, a cozinha étnica). É, portanto, mais provável que produza “simultaneamente” novas identificações (Hall, ibid.) “globais” e novas identificações locais do que uma cultura global uniforme e homogênea. (HALL, Stuart, 1997, p.3) Ao mesmo tempo em que uma cultura global, uniforme e homogênea transita pelo planeta instalando produtos culturais que se tornam hegemônicos, uma infinidade de expressões culturais autóctones, locais e peculiares (re) aparecem. Os fatores que as faz (re) surgir podem ser variados. Como já citado acima, um produto cultural local pode ser rebuscado como insumo para as estratégias do mercado que visa transformar tudo, inclusive questões culturais, em mercadoria. Assim a dança de um determinado grupo local pode ser fator de atração de turistas e tornar-se fonte de lucro 31 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS para uma rede de investidores em turismo. Portanto, para estes é fundamental que se volte às origens e se encontre as peculiaridades dessa antiga dança para que ela, parecendo mais exótica, seja mais atraente para o público já enfadado com os ritmos globalizados. Também a culinária local pode tornar-se fator de atração turística bem como incrementar o comércio de determinados ingredientes de menor aceitação no mercado. Da mesma forma a cultura religiosa local que exalta um espaço sagrado ou um santo, ali estabelecido, pode ampliar o lucro de quem investe na exploração desse negócio. Vale lembrar que a exploração mercadológica de um produto cultural, não necessariamente afeta as concepções que o envolvem. Outro fator que pode fazer ressurgirem produtos culturais peculiares a um grupo social é a necessidade de reforçarem sua identidade e estabelecerem vínculos internos mais robustos, a massificação tende a apagar as fronteiras que estabelecem as identidades e as diferenças, tema que trataremos na próxima unidade. A resistência a essa massificação pode se dar através da valorização daquilo que é próprio daquele grupo humano, que “resgata” o seu passado, sua história, seus costumes. Vale lembrar que toda forma de “rebuscar” o passado é sempre uma forma de se manter a memória do grupo apenas naquilo que ela é desejada. Ou seja, se busca no passado os elementos, os fatos que servem para organizar a vida no presente. A destruição das culturas locais, além de serem improváveis, seria um empobrecimento do legado de gerações que, em cada tempo, produziram elaborações significativas. Produção que se mantém viva em cada povo e que transgrediram fronteiras inserindo-se desapercebidamente em outras culturas, como nos mostrou LINTON em seu belo texto, já citado. As técnicas podem migrar de uma cultura para outra, como foi o caso da roda, da atrelagem, da bússola, da imprensa. Foi assim também com determinadas crenças religiosas, depois com ideias leigas que, nascidas em uma cultura singular, puderam se universalizar. Mas existe em cada cultura um capital específico de crenças, ideias, valores, mitos e, particularmente, aqueles que unem uma comunidade singular a seus ancestrais, suas tradições, seus mortos. Os que veem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou a ocultar a unidade humana; os que veem a unidade humana tendem a considerar como secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, é apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a 32 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIAE RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS diversidade, a diversidade que se inscreve na unidade (MORIN, 2000. p. 56). Atualmente se constata, cada vez com mais intensidade, a presença de grupos que, por se sentirem agredidos pela globalização e homogeneização da cultura, reagem a ela produzindo espaços e estratégias de resistência. Em muitos casos essa resistência é pautada naquilo que MORIN chama de racionalização. Ou seja, naquilo que acontece quando determinado grupo social ou toda uma sociedade se fecha em torno de uma verdade tida como absoluta, quando o pensamento se fecha sobre si mesmo, impedindo questionamentos ou reflexões. A racionalização possibilita a criação de grupos fundamentalistas que se organizam para produzir uma identidade pautada na absoluta concordância com as verdades formuladas por aquele grupo. Assim, determinado grupo se compacta internamente, fortalece seus vínculos e assume uma atitude proselitista por um lado e maniqueísta por outro. Proselitista: Aquele que zelosamente busca novos adeptos para sua doutrina. Pessoa ou grupo que se empenha em convencer ou persuadir outros a frequentarem o mesmo grupo, aderindo às mesmas crença e valores. Maniqueísta: Prática de dividir pessoas ou atitudes entre as que pertencem ao bem e as que pertencem ao mal. Diz-se daqueles que só conseguem ver maldade ou engano, nas pessoas que não são do seu grupo e não conseguem refletir criticamente sobre as práticas e crenças do seu grupo. Fundamentalistas são os que se valendo de uma interpretação literal dos livros sagrados, impõem internamente seus dogmas, impedindo discordância; e alimentam um profundo desprezo, quando não ódio, pelas doutrinas ou procedimentos contrários ao de seu grupo. O próprio ritmo e a irregularidade da mudança cultural global produzem com frequência suas próprias resistências, que podem, certamente, ser positivas, mas, muitas vezes, são reações defensivas negativas, contrárias à cultura global e representam fortes tendências a “fechamento” (ver Woodward, 1997). Por exemplo, o crescimento do fundamentalismo cristão nos EUA, do fundamentalismo islâmico em regiões do Oriente Médio, do fundamentalismo hindu na Índia, o ressurgimento dos nacionalismos étnicos na Europa Central e Oriental, a atitude anti-imigrante e a postura eurocética de muitas sociedades do ocidente europeu, e o nacionalismo cultural na forma de reafirmações da herança e da tradição [...], embora tão diferentes entre si, podem ser considerados como reações culturais 33 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS conservadoras, fazendo parte do retrocesso causado pela disseminação da diversidade efetuada pelas forças da globalização cultural. (HALL, Stuart, 1997, p.4) Embora as diferentes formas de reação a globalização, homogeneização e uniformização da cultura possam ser criticadas, em especial as caracterizadas como formas de fundamentalismo, todas elas aparecem como reação a um poder que tenta atuar através da dominação cultural. Se retrocedermos até as décadas de 1960 e 1970, ou já na década de 1930, perceberemos o poder da cultura norte americana no Brasil. Os EUA, em especial, nos tempos de Guerra Fria, elaborou todo um plano de divulgação de seu estilo de vida para ser adotado nos países capitalistas. Na figura do Superman, o herói defensor da liberdade e do bem, projetou uma imagem positiva dos EUA, fazendo-nos crer que deveríamos nos aculturar e adotar seu estilo de vida – conhecido como “american way of life”. É normal que um povo viva, defenda e tente divulgar seu estilo de vida. Todos acreditam que sua forma de ver e viver a vida faz sentido. A imposição de determinada cultura ou a hierarquização das mesmas que são problemáticas. Existem aqueles que banalizam a cultura do outro, ou até acreditam que o outro não tenha cultura. Quando superamos nosso preconceito e assumimos uma postura de alteridade percebemos que cada grupo humano tem sua cultura e que todas elas são complexas. Em cada cultura encontraremos sentidos atribuídos aos conceitos que em nossa cultura chamamos de, saudade, luto, amor, paz, belo, dor, ódio, deus, medo, vida, morte, parto, etc. Nesse “etc.” cabem páginas de conceitos que existem em cada cultura. Mas não só conceitos, costumes, crenças, valores, tradições, a língua (todas as línguas são complexas) e a produção material que pressupõe conhecimento dos elementos da natureza, dos meios de ordená-los e utilizá-los, dos instrumentos de trabalho, da organização do trabalho e da distribuição de seus resultados. Um simples camponês semianalfabeto, além de tudo isso, domina o conhecimento do nome, forma, comportamento e utilidade de milhares de espécies animais e vegetais. Talvez haja quem diga que ele não tem cultura! Num país como o nosso, dizer que alguém é inculto porque é semianalfabeto deixa transparecer que Cultura é algo que pertence a certas camadas ou classes sociais socialmente privilegiadas, 34 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS enquanto a incultura está do lado dos não-privilegiados socialmente, portanto, do lado do povo e do popular (CHAUI, 1998, p.291). Sugestão de Vídeo Filme: A Excêntrica Família de Antonia Ficha Técnica Gênero: Drama Direção: Marleen Gorris Roteiro: Marleen Gorris Elenco: Dova Van Der Groe, Marina De Graa, Wileque Van Ammel Rooy Duração: 102 min. Ano: 1995 País: Bélgica / Holanda / Inglaterra Cor: Colorido Sinopse Comandada por Antonia, a saga familiar atravessa três gerações, falando de força, de beleza e de escolhas que desafiam o tempo. Nesse universo conhecemos curiosos personagens, como o filósofo pessimista, a netinha superdotada, a filha lésbica, a avó louca, o padre herege, a amiga que adora procriar, a vizinha que sofre abusos sexuais e os muitos amigos que são acolhidos por sua generosidade. 2.2 A CENTRALIDADE DA CULTURA A percepção da centralidade da cultura pode se dar a partir da observação das nossas experiências cotidianas, experiência aqui entendida como aquilo que nos acontece, aquilo que se passa conosco. A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos 35 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS lares através dos esportes e das revistas esportivas, que frequentemente vendem uma imagem de íntima associação ao "lugar" e ao local através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo declínio industrial. (HALL, Stuart, 1997, p.5) Há uma consciência de que a cultura interfere nas relações de poder, propiciando um lugar privilegiado de comando a quem dispor de meios e estratégias para interferir no processo de sua produção e controle. Em meio a toda conversa sobre “desregulamentação” (…) tem ocorrido um processo de sofisticação e intensificação dos meios de regulação e vigilância: o que alguns têm denominado “o governo pela cultura”. Neste diferentes exemplos reconhecemos que a “cultura” não é uma opção soft. Não pode mais ser estudada como uma variável sem importância, secundária ou dependente em relação ao que faz o mundo mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo,
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