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Biografias não autorizadas - liberdade de expressão e privacidade na história da vida privada - Rebeca Garcia

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BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS - LIBERDADE DE EXPRESSÃO E
PRIVACIDADE NA HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA
Revista de Direito Privado | vol. 52/2012 | p. 37 | Out / 2012
DTR\2012\451291
Rebeca Garcia
Mestranda em Direito Civil pela UERJ. Advogada.
Área do Direito: Civil
Resumo: Este artigo propõe-se a analisar o caso das biografias não autorizadas, identificando o
conflito entre liberdade de expressão e direito à informação e o direito à privacidade, apontando
critérios de ponderação e mecanismos de tutela aplicáveis.
Palavras-chave: Biografias não autorizadas - Liberdade de expressão - Direito à informação -
Privacidade - Direitos da personalidade - Ponderação - Critérios de interpretação.
Abstract: This article proposes to analyse the case of the non-authorized biographies, identifying the
conflict between the freedom of speech and the right to information and the right to privacy, pointing
out balancing criteria and applicable mechanisms of protection.
Keywords: Non-authorized biographies - Freedom of speech - Right to information - Privacy -
Personality rights - Balancing - Interpretation criteria.
Sumário:
1.INTRODUÇÃO - 2.LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIREITO À INFORMAÇÃO, PRIVACIDADE: O
CASO DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS - 3.CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO - 4.MEDIDAS E
MODALIDADES DE TUTELA - 5.AS BIOGRAFIAS PÓSTUMAS E A PROTEÇÃO POST MORTEM
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE - 6.CONCLUSÃO - 7.BIBLIOGRAFIA
1. INTRODUÇÃO
A publicação de obras de caráter biográfico sem a autorização da pessoa retratada, ou de seus
herdeiros, tem posto em relevo o conflito entre direitos fundamentais igualmente assegurados pela
Constituição: de um lado, essencialmente, as liberdades de expressão e criação artística e o próprio
direito à informação; de outro, o direito à privacidade.
A convivência entre acesso à informação e direito à privacidade parece revelar-se ainda mais
dramática nos dias atuais; isto é, no cotidiano de uma sociedade que se tem classificado como “da
informação”, “do consumo”, “do espetáculo”. Diz-se, a respeito, que a era da informação tem dado
espaço à “explosão de informação”,1 onde a voracidade informativa (inclusive, e talvez
especialmente, o apetite por informações que tocam a vida privada das pessoas) é elevada à maior
potência, à medida também que se desenvolvem a tecnologia e as formas de obtenção e projeção
destas informações.
São vários os exemplos de imbróglios envolvendo biógrafos, editoras, biografados, herdeiros. Entre
os mais recentes – e emblemáticos -, vale menção o da biografia do cantor Roberto Carlos, escrita
por Paulo Cesar de Araújo, cuja disputa terminou em acordo entre as partes – e na retirada de
circulação do livro. Pode-se citar ainda, apenas para ilustrar a dimensão do problema, os casos
envolvendo a minissérie de televisão “Dalva e Herivelto”,2 ou a (possível) publicação de obras de
caráter biográfico sobre Lampião,3 Guimarães Rosa, Manuel Bandeira.4
A lista poderia ainda seguir adiante. E faz-se referência, aqui, apenas a casos que, mesmo não
levados às vias forenses, de alguma forma vieram a público.5 Pode-se supor, contudo, a existência
de ainda outros tantos, que se encerram em acordos privados e confidenciais. E outros que nem
mesmo chegam a ganhar corpo, por conta do recuo prévio de editoras, produtoras, autores, diante
do receio de custosas e demoradas disputas judiciais – cujo desfecho, no atual cenário, é de todo
imprevisível.6
Antes, contudo, de avançar sobre o tema, busca-se delimitar o que se designa, no presente estudo,
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como “biografia”. A preocupação não é meramente etimológica. Mais que mero gênero literário, as
biografias constituem “gênero jornalístico – reportagem vital, humana”.7 Não devem, contudo, ser
entendidas como sinônimo de “notícia”, ou de “fato noticioso”, como aqueles diuturnamente
publicados pela imprensa, e que, devido mesmo ao formato e ao maior dinamismo que envolve a
atuação jornalística tradicional, em geral sujeitam-se a controles, por parte da imprensa, menos
rigorosos.
Em síntese, biografia é a história de uma vida. Mas trata-se, aqui, de obras biográficas – sejam elas
veiculadas em livros, em filmes ou em outros formatos – que demandam do biógrafo pesquisas e
análises mais minudenciadas, sobretudo com o recurso a arquivos e registros históricos, a
entrevistas – quando possível – etc. Esses elementos, é verdade, também se situam no âmbito da
atividade jornalística tradicional, mas assumem, na confecção de uma obra biográfica, proporções
mais acentuadas. Sob esse aspecto, pode-se vislumbrar, nas biografias, um conteúdo e um papel
histórico de certa forma característico, que normalmente estimula, aliás, o interesse do autor na
realização e na publicação da obra8 – ou, mais amplamente, o interesse do público de acesso a
informações sobre aquela personagem.
Seguindo-se essa ordem de ideias, o presente estudo faz referência à biografia, por assim dizer,
mais tradicional. É dizer, à narrativa histórica, normalmente de feições literárias, da vida privada –
normalmente veiculada em livros, mas também em outros meios. Lembre-se que a vida privada,
numa vida de relações, forçosamente toca também a trajetória de outras pessoas, com maior ou
menor intensidade. Por isso, o ângulo de mirada adotado neste estudo, bem como os casos
selecionados do repertório jurisprudencial brasileiro, diz respeito, sobretudo, a biografias como
produtos editoriais bem-acabados – os quais não deixam, afinal, de enquadrarem-se de fato num
“gênero literário”.
Advirta-se também, desde já, que o objeto delimitado de estudo deixa de abarcar outras questões
que o tema eventualmente suscita. É o caso dos debates envolvendo direitos de autor – sobretudo
quando entra em cena a utilização, em obras biográficas, de escritos originais, cartas-missivas,
diários, fotografias etc.9 A análise de tais questões – não menos importantes – demandaria, no
entanto, estudo de maior fôlego.10
Também se passa, aqui, ao largo de situações conflituosas mais evidentes, que envolvem condutas
tipificadas como crime (em síntese, os crimes contra a honra – calúnia, difamação, injúria) e que já
deixam claro que direito merecerá ser tutelado no caso concreto.11 Concentra-se a atenção, mais
propriamente, sobre os casos em que os contornos dos interesses em jogo são menos definidos – e
por isso mesmo mais delicado o tratamento a ser dado ao problema.
Com efeito, e não é demais lembrar, a ordem constitucional brasileira, ao tutelar, entre outros
direitos, a liberdade de expressão e a privacidade, acena com a preocupação de assentar sobre
bases sólidas um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que tem entre seus fundamentos a
dignidade da pessoa humana. Voltando-se o olhar para trás, a experiência brasileira antidemocrática
de outrora ainda não está distante; ao contrário, ainda parecem existir feridas históricas por
cicatrizar. Isso talvez ajude a explicar a reação, comum na opinião pública, de prontamente
classificar como “censura” qualquer restrição à liberdade de expressão.
No entanto, o problema demanda análise mais sutil – e reações menos enérgicas. As situações de
conflito entre direitos fundamentais devem ser encaradas e solucionadas, essencialmente, por meio
da apreciação das situações concretamente consideradas, em todas as suas nuances, tendo-se
sempre em mente a centralidade da dignidade humana no ordenamento brasileiro.
Nessa atividade interpretativa, mostra-se essencial o recurso ao método da ponderação, que pode,
no caso concreto, conduzir à tutela preferencial tanto da liberdade de expressão/informação quanto
do direito à privacidade – sem com isso implicar um “retorno à censura”, de um lado, ou o fim da
privacidade em nome de um pretenso interesse público, de outro. A ponderação, contudo, deve
nortear-se por parâmetros seguros, que guiem a atuação não apenas do magistrado, mas do próprio
“corpo jurídico das editoras e dos advogados de biografados, prevenindo-se futurosconflitos”.12
Como se vê, o cenário é de indefinições e incertezas, as quais, na prática, acabam por produzir um
“efeito paralisante”.13 Nesse ambiente em suspensão, muitas vezes opta-se, na prática, por não
publicar nada, para não suportar os prováveis percalços econômicos – e mesmo de tempo – que um
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litígio normalmente traz consigo. Ou, em atitude ainda menos encorajadora, os autores seguem
adiante na tarefa de produzir biografias, mas ao gosto do biografado (ou de seus herdeiros), ou
explorando apenas o lado mais incisivamente já exposto da vida do biografado.14 Privam-se, assim,
de um viés mais crítico como forma de evitar problemas, mas fazendo da biografia um panegírico.
O que se propõe, nesta curta jornada, é trazer alguma contribuição para o debate, buscando pôr em
evidência os problemas que o tema suscita15 e enumerar parâmetros de ponderação. Talvez, assim,
se possam divisar eventuais caminhos que permitam movimentar-se nesse ambiente ainda
desorientado.
2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIREITO À INFORMAÇÃO, PRIVACIDADE: O CASO DAS
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS
Como se apontou inicialmente, a publicação de biografias não autorizadas normalmente põe direitos
fundamentais em rota de colisão – em suma, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito
à informação (art. 5.º, IV, IX e XIV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), de um lado, e direito à privacidade
(art. 5.º, X, da CF/1988 (LGL\1988\3)),16 de outro.
A questão não é simples. Com efeito, o exercício da liberdade de expressão e o aceso à informação
constituem direitos essenciais à saúde de um regime democrático. Isso não implica, contudo, uma
prevalência abstrata sobre o direito à privacidade – igualmente essencial.
A arena democrática não implica o abandono de opacidades,17 que não apenas preservam, mas
promovem o pleno desenvolvimento e expressão da personalidade. Como acertadamente lembra
Tepedino, “o direito à privacidade consiste em tutela indispensável ao exercício da cidadania”.18
Deve-se, portanto, evitar conferir a priori uma densidade maior à liberdade de expressão e de
informação em relação ao direito à privacidade.19
Ao propósito, o direito à privacidade passou por profundas modificações ao longo do tempo,20 desde
a tradicional e limitada visão do “direito de estar só”, preconizada por Warren e Brandeis,21 até uma
dimensão mais ampla e positiva; como registra Rodotà, a privacidade passa a ser compreendida no
sentido de controle sobre a circulação das informações sobre a própria vida. Por outras palavras,
trata-se da autoconstrução da vida privada e proteção contra julgamentos descontextualizados.22
Como se vê, não é o mesmo que afirmar um direito absoluto à “história sobre a própria vida”.23
2.1 A criticada disciplina do Código Civil
A celeuma em torno das biografias não autorizadas, longe de parecer se aproximar de uma solução,
parece acentuar-se com a aplicação do art. 20 do CC/2002 (LGL\2002\400),24 que reforça – embora
em texto criticável (e de fato criticado) – a tutela do direito à imagem da pessoa. Não é pacífica,
contudo, a leitura que vem sido dada ao artigo.
Segundo o texto legal, a utilização de imagem alheia, em princípio, depende da autorização do seu
titular. Lida em sua literalidade, a norma confere ao titular do direito de imagem a possibilidade de
proibir sua publicação, exposição ou utilização com fins comerciais, ou que lhe atinjam a honra –
abrindo-se exceção apenas quando o uso é necessário à administração da Justiça ou por exigência
de ordem pública. É normalmente a este dispositivo que biografados ou herdeiros apegam-se para
buscar, entre outras medidas, a proibição da circulação de biografias não autorizadas. Não à toa, ele
tem sido foco de atenção e de debates, inclusive no âmbito legislativo.
Afora a crítica de alguns autores,25 já se notam iniciativas concretas para rever o dispositivo. Na
esfera legislativa, há pelo menos dois projetos de lei relevantes, e muito semelhantes. Trata-se do
PLC 393/2011, do Deputado Newton Lima, e do PLC 395/2011, apresentado pela Deputada Manuela
D’Ávila. Muito semelhantes, as proposições pretendem emendar o referido art. 20, para deixar claro
que a mera ausência de autorização não impede a “divulgação de imagens, escritos e informações
com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão
pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”.26
Outra frente de atuação atualmente em destaque é a judicial, por meio do controle abstrato de
constitucionalidade. Em julho de 2012, a Associação Nacional dos Editores de Livros – Anel ajuizou
ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 4.815), questionando no STF a constitucionalidade dos
arts. 20 e 21 do CC/2002 (LGL\2002\400).
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A Anel pleiteia que se dê interpretação conforme a Constituição aos referidos dispositivos, tornando
dispensável a autorização do biografado ou demais retratados para a publicação de obras de caráter
biográfico – senão das obras em geral, ao menos daquelas a respeito de pessoas públicas ou
envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo. Segundo se lê da inicial, “os dispositivos legais
em questão, em sua amplitude semântica, não se coadunam com a sistemática constitucional da
liberdade de expressão e do direito à informação. Com efeito, a dicção que lhes foi conferida acaba
dando ensejo à proliferação de uma espécie de censura privada que é a proibição, por via judicial,
das biografias não autorizadas”.27
Além disso, considerando-se a literalidade do texto legal, que prevê como exceções as hipóteses de
administração da justiça ou manutenção da ordem pública – além da hipótese, claro, em que haja
autorização da pessoa retratada ou de seus herdeiros -, os dispositivos questionados, conforme
argumenta a Anel, “acabam por violar as liberdades de manifestação do pensamento, da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5.º, IV e IX, CF (LGL\1988\3)), além do direito
difuso da cidadania à informação (art. 5.º, XIV)”.28 Dado o caráter recente da ação, contudo, não há
ainda pronunciamento do STF sobre a relevante questão.
A tentativa, hoje em evidência, de alterar o polêmico art. 20 do CC/2002 (LGL\2002\400) representa
um passo importante. É razoável supor que ela estimula uma cultura histórica e também criativa, em
cujo contexto autores e historiadores não tenham receio (prévio) de retratar fatos e aspectos de vidas
privadas, de narrar “estórias” – que se inserem na história, a grande estória sem começo nem fim de
que falava Hannah Arendt. A medida, contudo, não parece representar solução final para o
problema.29
Independentemente, contudo, do posicionamento que o STF venha a adotar no julgamento da ADIn
4.815, ou do resultado das alterações legislativas propostas, já se pode dizer que a falta de
autorização da pessoa retratada ou de seus herdeiros quanto a obras de caráter biográfico ou
histórico – como nas publicações jornalísticas – não é, a rigor, impeditivo da publicação da obra.
Conforme o entendimento manifestado pelo juiz que, no primeiro grau da justiça paulista, apreciou a
recente disputa entre o músico João Gilberto e a Editora Cosac Naify, a “biografia é uma obra de
informação e, como tal, deverá ser admitida, ainda que sem consentimento do biografado. Somente
será ilícito o conteúdo e aí, sim, caberá intervenção judicial preventiva (interdital) ou de reparadora”.30
Além disso, é preciso lembrar que desde já “o intérprete e o magistrado têm, nos casos relativos ao
uso indevido de imagem, o dever de suprir a omissão legislativa, verificando se a hipótese diz
respeito ao exercício da liberdade de informação”.31 De todo modo, deve-se reconhecer que autores
e editoras contarãocom substratos mais consistentes para sustentar a publicação de obras de
caráter biográfico sem a autorização do retratado ou de seus herdeiros, o que, por si só, representa
um avanço para a cultura e o acesso à informação. Nesse sentido, no atual ambiente paralisado
parece positiva a proposta de alteração legislativa, como a proposta de interpretação conforme a
Constituição.
2.2 Narrativa e vida relacional
Não se pode perder de vista ainda o caráter relacional da vida privada. A vida em sociedade implica
uma vida de relações, naturalmente complexa. Esse viés de relacionalidade constitui fundamento do
próprio sistema jurídico, expressando uma posição alinhada não apenas à ideia de vida em
sociedade, mas ao princípio da solidariedade.32
Não raro, os conflitos envolvendo biografias surgem justamente da referência a personagens
coadjuvantes da trajetória do biografado – mas não menos importantes para a obra. Com efeito,
muitas vezes são as figuras chamadas secundárias que obstaculizam a edição de uma biografia.
Mas, afinal, como narrar a “história da vida privada” sem tocar outras? Como indica a célebre frase
de John Donne, “nenhum homem é uma ilha”. Mesmo uma biografia de Crusoé tocaria a trajetória de
outras pessoas – ainda que fosse, por exemplo, a de sua família ou a daqueles com quem o
náufrago tenha encontrado durante o período de isolamento insular.
A este respeito, merece menção o caso, apreciado pelo TJRJ, relativo ao ex-Embaixador José Jobim
e a autobiografia de Evandro Lins e Silva.33 Na obra em questão, assim como em depoimento dado
para os arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), o
advogado carioca, que narrava sua trajetória (o que não significa que falasse apenas de si),
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expressão e privacidade na história da vida privada
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mencionou o suicídio de seu amigo diplomata. As herdeiras de Jobim, inconformadas com a
referência, ajuizaram ação pleiteando a supressão do trecho, considerado ofensivo à memória do
falecido.
O tribunal carioca, entretanto, considerou que a menção ao episódio era “de pouca significação, sem
cunho injurioso ou sensasionalístico”, e que a referência havia sido feita em caráter apenas
incidental. Os magistrados debruçaram-se sobre o caso com atenção, ponderando ainda que as
circunstâncias da morte do diplomata haviam sido amplamente divulgadas, à época, nos principais
jornais do país, e mesmo na televisão. Não vislumbraram, por fim, ofensa à honra ou à memória do
ex-embaixador.
2.3 O caso Roberto Carlos em detalhes (ou antes: O Rei e eu)
O tema ora em estudo costuma remeter ao rumoroso caso, citado acima, envolvendo a biografia não
autorizada de Roberto Carlos. O projeto editorial acabou cancelado pouco depois de sua gênese,
diante da reação do artista. Roberto obteve medida liminar de apreensão dos exemplares, levando a
Editora a alinhavar um acordo, homologado pelo TJRJ,34 e cujos termos específicos permanecem
confidenciais.
O cantor havia, além disso, apresentado ação penal no Juizado Especial Criminal de São Paulo
contra Paulo Cesar de Araújo, mas o processo terminou em transação penal. O biógrafo ainda
ajuizou, posteriormente, ação em que pleiteava indenização e autorização para a publicação e a
comercialização da obra, mas o caso, julgado em 2009, encerrou-se com decisão favorável a
Roberto Carlos e a manutenção do acordo celebrado.
A controvérsia envolvendo Roberto e biografias não autorizadas, contudo, não é inédita. Em 1979,
ainda sob a égide da Constituição de um regime ditatorial, os exemplares de O Rei e eu, livro de
memórias escrito pelo “amigo íntimo, secretário e mordomo”,35 Nichollas Mariano, foram apreendidos
e incinerados por determinação judicial. O livro narrava supostos detalhes da vida do cantor,
contendo, ao que parece, informações muito íntimas, inclusive sobre o acidente de trem na
Cachoeiro de Itapemirim de Roberto Carlos – fato então desconhecido do público e dos fãs do
artista.
Embora não se tenha acesso ao conteúdo dos dois processos, parece razoável supor que a biografia
mais recente constitui um trabalho revestido de maior seriedade por parte do biógrafo, que realizou
grande esforço de pesquisa e investigação – diferentemente do livro de autoria do mordomo.36 Além
disso, muitos dos fatos que antes repousavam na esfera mais íntima da vida do cantor hoje são de
conhecimento público – como as manias do Rei. É de se questionar, portanto, se a obra Roberto
Carlos em detalhes violava, de fato, direitos de personalidade do artista, e se a medida de proibição
da circulação do livro resistiria a uma ponderação minudenciada. A questão, porém, resolveu-se
prematuramente e em termos confidenciais, de maneira que não se pode sair, aqui, do terreno da
mera especulação.
2.4 A “cultura da autorização” e o “efeito paralisante”
Pode-se dizer que ainda predomina, no cenário atual, o que se identificou como “cultura da
autorização”;37 na falta desta, prefere-se não arriscar a publicar qualquer coisa. Não raro, contudo, a
negativa é exercida sem qualquer justificativa razoável – por vezes, pode-se dizer, mesmo de forma
abusiva -, sobretudo por parte dos herdeiros, quando se trata da biografia de pessoa já falecida ou
ausente.38 A postura acaba desencorajando a pesquisa e a divulgação de obras biográficas,
sedimentando o referido “efeito paralisante”.
Parece mais do que razoável sustentar que a mera ausência de autorização, em regra, não
caracterizaria, por si, ofensa aos direitos de personalidade do biografado.39 Ao propósito, “basta
interpretar o art. 20 à luz da Constituição para perceber que a ausência de autorização não impede
juridicamente a edição de biografias, do mesmo modo que não impede a circulação de jornais”.40 Sob
esse prisma, a autorização representaria não um obstáculo ou condição prévia essencial (hoje, por
vezes intransponível), mas, mais propriamente, sinal de colaboração – e mesmo um maior
compromisso, por parte da pessoa autorizada. Por outro lado, deve-se lembrar que mesmo a
concessão de autorização não exime o autor da biografia do dever de responsabilidade.41
A jurisprudência, nos casos que passaram por seu crivo, mostra-se vacilante, inclinando-se por
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vezes num sentido, por vezes noutro. O problema, contudo, não reside na diversidade de
posicionamentos – que, a rigor, se reputa até saudável. Como se disse, a ponderação entre os
interesses em conflito, sem que se atribua, à partida, proeminência a um ou outro, pode conduzir a
resultados distintos.
Por vezes pode revelar-se mais importante a proteção à privacidade da pessoa (mesmo que isso
implique, por exemplo, a proibição da publicação de uma obra); por outros, pode-se apresentar, no
caso concreto, solução mais correta a que privilegia a liberdade de expressão e informação, embora
afetando a privacidade do biografado. Problemático, contudo, é verificar o laconismo de muitos
julgados, nos quais não fica claro o iter percorrido pelo magistrado para chegar a uma ou outra
conclusão. Revela-se, portanto, fundamental encontrar diretrizes que orientem a ponderação.
3. CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO
À luz do panorama desenhado nas linhas anteriores, mostra-se fundamental, para enfrentar o conflito
entre direitos fundamentais, indicar parâmetros que sirvam de norte à difícil tarefa de ponderação
entre os diversos interesses em causa.42 Busca-se, assim, estimular “a coerência jurisprudencial,
mas sem que se perca de vista a flexibilidade necessária para não aprisionar em fórmulas conceitos
tão cheios de sutilezas como o interesse público e a personalidade humana”.43
Como se viu, a jurisprudência mostra-se por vezes reticente quanto aos critérios considerados na
apreciação dos litígios que lhe são submetidos. Noutras ocasiões, mostra-se “monotemática”,
apegando-se a apenas um parâmetro, sem considerar outros elementos e nuances relacionados ao
suporte fático em questão. Contudo, a despeitodas eventuais (e mesmo prováveis) dificuldades, não
se pode fugir ao dever de ponderação, essencial nas situações de colisão entre direitos
fundamentais.
A análise do repertório jurisprudencial brasileiro e das contribuições da doutrina auxilia na
identificação e sistematização de diretrizes interpretativas. Vale recorrer aqui, ainda, à contribuição
do Enunciado 279, da IV Jornada de Direito Civil do CJF, que busca adequar a interpretação do art.
20 do CC/2002 (LGL\2002\400) à Constituição.44 Também é interessante avaliar, sem perder de vista
a necessidade de servir-se do direito comparado de forma crítica, o exemplo do art. 79.º do Código
Civil (LGL\2002\400) português,45 e mesmo do Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) argentino,
atualmente sob a apreciação do Senado.
A proposta de texto legal argentino, aliás, parece apresentar uma disciplina mais completa e
consentânea à realidade, prevendo como exceções não apenas as hipóteses em que haja um
interesse científico, cultural ou educacional prioritário, mas também aquelas em “que se trate do
exercício regular do direito de informar sobre acontecimentos de interesse geral”. Outro ponto muito
interessante e coerente com a preocupação histórica que normalmente cerca as obras de caráter
biográfico (e informativo em geral), é a de que, decorridos 20 anos da morte da pessoa retratada, a
reprodução não ofensiva passa a ser livre.46
Conjugando-se essas diferentes contribuições, é possível apontar alguns critérios básicos de
ponderação: (a) notoriedade da pessoa e do fato; (b) forma de obtenção das informações; (c) local
do fato; (d) veracidade do fato. Antes de passar ao breve exame de cada um deles, é preciso
sublinhar a importância não apenas da ponderação em si, mas do recurso a múltiplos critérios, que
não se excluem; antes, complementam-se. Permite-se, assim, apreciar com mais coerência e
realismo as diversas facetas do caso.
3.1 Notoriedade
A notoriedade da pessoa e do fato constitui elemento a que os tribunais normalmente se atêm nos
casos em que se reconhece maior peso à liberdade de expressão e ao acesso à informação. Mas
essas decisões em geral se limitam a asseverar que o fato, por ser de conhecimento público, não
teria qualquer conteúdo novo,47 ou que, por ser notória a pessoa, não haveria problema na
publicação de fatos a ela pertinentes – a menos que a obra se revelasse ofensiva a sua honra.48
A notoriedade é comumente traduzida na perigosa – quiçá equivocada – expressão “pessoa pública”,
que sugere uma supressão da privacidade da pessoa famosa, em nome de um “legítimo interesse da
sociedade em conhecer a trajetória daqueles que mais se destacaram no cenário social”.49
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As pessoas “públicas”, porém, têm vida privada. O vocábulo, empregado aqui entre merecidas
aspas, deve ser rejeitado, para evitar-se a armadilha de supor que a pessoa famosa renuncie à sua
privacidade.50 Embora se possa reconhecer que no caso de pessoas famosas acaba assumindo
maior relevo, na prática, um interesse do público no acesso a informações a elas relativas, não se
pode afirmar que a celebridade implica supressão da privacidade. Não à toa, Schreiber considera
este um falso parâmetro.51
Não se quer com isso dizer que o caráter mais ou menos notório da pessoa é irrelevante para a
ponderação. Mas é menos decisivo do que à primeira vista pode parecer. O fato de a pessoa
retratada ser famosa “pode, quando muito, sugerir que há algum grau de interesse do público em ter
acesso à imagem, pela só razão de dizer respeito àquela pessoa. Isso não basta, contudo, para que
se conclua pela prevalência da liberdade de informação”.52 Não se pode, em suma, reduzir o
problema – complexo – a uma mera verificação de notoriedade.
No que respeita aos fatos, a notoriedade é normalmente identificada naqueles já veiculados pela
imprensa, ou que de alguma forma já são de conhecimento público (pela divulgação na Internet, por
exemplo). Não é rara, aliás, a assertiva de que “os fatos são públicos e notórios e estão estampados
nos jornais da época”, não havendo por que proibir-se a publicação.53 Mas a noção, aparentemente
objetiva, deve ser tomada com cautela, para não implicar soluções simplistas.
Veja-se, por exemplo, o caso envolvendo o livro Na toca dos leões, do jornalista Fernando Morais,
sobre a história da agência de publicidade W/Brasil. O TJGO, apreciando o pleito do Deputado
Ronaldo Caiado, que buscava a proibição da circulação do livro, acabou reformando a decisão de
primeira instância, que havia concedido a medida, ao prático argumento de que não se poderia “fazer
a busca e apreensão do referidos livros, não porque a medida seja abusiva, mas sim pelo fato de
não ter mais praticidade diante da projeção que ganhou o caso na mídia nacional e internacional”.54
3.2 Forma de obtenção das informações
Outro critério a se considerar diz respeito à forma como as informações são obtidas. Aqui, será
relevante indagar, em termos gerais, se o biógrafo utilizou-se de meios admitidos em direito para ter
acesso ao substrato informativo acerca do biografado. Nessa linha, é importante considerar se o
biógrafo teve acesso devidamente franqueado às informações, ou se, por exemplo, interceptou
correspondência do biografado, ou se utilizou câmeras, microfones ou outros dispositivos
escondidos. Importante verificar, também, se as informações estão disponíveis em arquivos e
registros públicos, ou se foram obtidas de maneira abusiva, e assim por diante.55
Todas as circunstâncias envolvendo a captação das informações relativas à pessoa devem ser
avaliadas, servindo para indicar, com o recurso também a outros critérios, quais interesses são
merecedores de tutela no caso. É preciso cuidado, porém, para não encarar o fato de as informações
estarem disponíveis em arquivos e registros públicos como uma presunção de “que a divulgação
desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos
envolvidos”.56
3.3 Local do fato: ou a expectativa de privacidade
O local e a natureza do fato utilizado na narrativa biográfica também são relevantes na análise. No
entanto, deve-se evitar, aqui, armadilha semelhante àquela relacionada à ideia de “pessoa pública”.
O que releva considerar não é o mero caráter público ou privado, aberto ou fechado, do ambiente.
Deve-se apurar, mais propriamente, se, no local, era de se supor que houvesse, por parte da
pessoa, uma expectativa de privacidade.57
O critério da (razoável) expectativa de privacidade foi levado em conta com especial atenção, por
exemplo, pela House of Lords inglesa, em caso envolvendo a famosa Naomi Campbell.58
Concluiu-se, ali, que a publicação de detalhes do tratamento contra dependência química da modelo
violava seu direito à privacidade. Também o faziam as fotografias tiradas por paparazzi da modelo na
rua – lugar, a rigor, “público” -, que, em trajes simples, acabava de sair de reunião dos Narcóticos
Anônimos. A decisão foi posteriormente mantida pela Corte Europeia de Direitos Humanos.59
3.4 Veracidade do fato
O critério da veracidade não deve ser entendido como equivalente de “verdade” – mas, talvez,
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expressão e privacidade na história da vida privada
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apenas de uma verdade submetida a um juízo de plausibilidade.60 Isto porque o conceito pode
revelar-se enganoso, especialmente quando se recorda que a biografia é, por excelência, uma
narrativa literária, ainda que não ficcional.61
Com efeito, há muitas versões de um mesmo fato; e a própria memória, que serve de importante
suporte à narrativa, não é linear, nem exatamente fiel aos acontecimentos – os quais podem já estar
sedimentados em épocas distantes.62 A dificuldade de se saber a verdade sobre qualquer coisa não
dispensa, contudo, o compromisso em assegurar ou verificar os fatos, na tentativa de certificar-se de
sua correção e exatidão.
3.5 Alguns critérios específicos e o chamado critério do interessepúblico na divulgação em
tese
O caso específico das biografias não autorizadas, ressalvadas eloquentes exceções,63 ainda
ressente-se, de certa forma, da enumeração de critérios mais específicos. Nesse sentido, parece útil,
além dos parâmetros enumerados acima, avaliar nos casos concretos, em especial, o
comportamento do biografado em relação ao fato narrado; e o formato de apresentação do fato.64
No que respeita à atitude do biografado, importa considerar se a pessoa mostra-se – ou mostrava-se
– mais ou menos reservada, e isso especialmente com relação aos fatos retratados na obra
biográfica. Em síntese, o magistrado, ao lançar-se à árdua tarefa de ponderação, deve buscar
ater-se à visão de mundo do biografado, resistindo “à tentação de decidir segundo a sua própria
concepção de vida privada. É a visão de mundo do biografado que deve ser ponderada com a
liberdade de expressão do biógrafo”.65
Quanto ao formato de apresentação, assume relevância na ponderação saber se o fato é
apresentado de forma mais ou menos séria, mais ou menos sensacionalista. Por exemplo, não são
poucos os títulos, muitas vezes mal disfarçadas autobiografias,66 que buscam “pegar carona” na
popularidade do verdadeiro biografado, por vezes alardeando “segredos”, “detalhes”, na tentativa de
seduzir os leitores.
Também cabe avaliar, aqui, se a narrativa é veiculada por meios de maior ou menor alcance. Por
exemplo, não tem a mesma repercussão, em regra, uma produção cinematográfica sobre a vida de
uma pessoa e um livro biográfico ou uma biografia de contornos mais acadêmicos. Tudo isso deverá
ser levado em consideração pelo intérprete.
Há quem aponte, ainda, o critério da existência de interesse público na publicação em tese, no
sentido de que um direito do público à informação teria maior peso sobe o direito da pessoa. A noção
– a que se filia parte dos constitucionalistas brasileiros67 – é comum na tradição americana, onde a
liberdade de expressão consagrada pela 1.ª Emenda assume ares quase mitológicos. E pode-se
identificar algum reflexo dessa postura, em menor proporção, no referido Enunciado 279 do CJF, que
recomenda o prestígio a “medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.
Contudo, reitera-se aqui a premissa apontada no início deste trabalho: não é possível atribuir
proeminência precípua à liberdade de expressão. O intérprete não pode furtar-se à ponderação,
baseando-se numa suposta e abstrata preferência pela liberdade de expressão e de informação em
relação aos direitos de personalidade. Ademais, a tradicional dicotomia entre interesse público e
privado – adverte Perlingieri – deve ser superada, na medida em que o interesse público, numa
ordem constitucional que tem na dignidade humana o seu centro, consiste justamente na realização
da dignidade da pessoa, o que, não necessariamente, coincide com um interesse dito “coletivo”.68
4. MEDIDAS E MODALIDADES DE TUTELA
Os interesses postos em causa nas situações envolvendo a publicação de biografias não autorizadas
podem ser tutelados de formas distintas – e não somente num momento patológico. Para além das
medidas, deve-se pensar, também, nas modalidades de proteção aos interesses em relevo nos
casos. Como assinala Doneda, a respeito da tutela dos dados pessoais, pode haver
complementaridade entre os diversos modelos possíveis de proteção, mesmo que um eventual
modelo ocupe posição dominante no sistema de tutela.69
A análise da jurisprudência, especialmente nos casos em que se conferiu tutela aos direitos da
personalidade do biografado, indica serem comuns as medidas preventivas de suspensão da
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circulação da obra, ou apreensão – de exemplares já postos ou prestes a serem postos em
circulação. Ainda mais comum é, num momento posterior à publicação, a medida reparatória70 – seja
porque a obra já chegou a conhecimento público e é inútil proibir a comercialização, seja porque se
prefere, na linha do Enunciado 279, adotar medidas que privilegiem a publicação.
Com efeito, uma leitura ainda pouco detida do capítulo do Código Civil (LGL\2002\400) dedicado à
disciplina dos direitos da personalidade parece indicar, quanto às medidas de tutela, um prestígio ao
remédio indenizatório. No entanto, ao que se lê do próprio art. 12, não só em perdas e danos
resolvem-se eventuais lesões; cuida-se também da possibilidade de se “exigir que cesse a ameaça,
ou a lesão, a direito da personalidade, (…) sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. E,
quanto ao direito à imagem, o citado art. 20, por sua vez, também trata da possibilidade de proibição
do uso da imagem, “sem prejuízo da indenização que couber”.
Medida também possível, mas incomum e polêmica (mesmo perigosa), é a intermediária solução
entre a permissão (indenizada) e a proibição total da publicação: a restrição parcial no conteúdo da
obra. A solução esbarra não só no risco caracterizar verdadeira censura, mas também no de
encarar-se qualquer restrição como suposta censura (ainda quando não o seja), lançando dúvidas
sobre a legitimidade da medida. Além disso, é razoável imaginar que a determinação de cortes
parciais pode comprometer a integridade da obra.
O problema não é simples. É possível que eventual supressão, por pequena que possa parecer,
sacrifique toda a narrativa, desfigurando ou mesmo inviabilizando a biografia. Por outro lado, pode
ser que se esteja diante, no caso concreto, de um falso dilema, que pode ser ultrapassado com o
recurso à razoabilidade – a título de ilustração, pode ser viável preservar a obra e a privacidade da
pessoa lesada (um terceiro referido na obra, por exemplo) através de medidas intermédias, como a
alteração apenas no nome utilizado, por exemplo.71
É de se pensar, ainda, na possibilidade de o biógrafo, diante de uma potencial modificação em sua
obra, sentir-se lesado na condição de autor, ao ter de modificar a biografia por ele elaborada – afinal,
uma biografia não consiste em mero apanhado de dados históricos objetivos, mas em criação
intelectual.
A análise, entretanto, não pode ser feita em termos abstratos. Mais uma vez, fundamental o exercício
de ponderação, realizado no caso concreto. Não nos parece adequado, contudo, atribuir ao
magistrado poderes que ultrapassem o de determinar, por exemplo, ligeiras supressões ou
substituição de nomes, para descambar na alteração efetiva no conteúdo. Não cabe ao magistrado
reescrever a obra; esta, parece, é tarefa reservada ao autor – em não sendo possível, seria então o
caso da medida aparentemente traumática da proibição da publicação.
Como se vê, não há remédio único, cabendo ao juiz ponderar não apenas no momento de decidir
que interesses merecem tutela, mas também no de definir que medidas revelam-se, no caso
concreto, mais adequadas à proteção da personalidade – à luz, é claro, do pleiteado pelas partes.
Além disso, deve-se ter cuidado com uma preferência por sanções a posteriori, na medida em que
isso equivaleria a “atribuir um preço à intimidade do biografado, com efeitos bem mais nefastos do
que se pode perceber a princípio”.72 E vale novamente a ressalva: é preciso ter cuidado para não
cair-se na armadilha de, em vez de contar uma história, fazer apenas um elogio da vida privada.73
Embora se note, atualmente, especial atenção dedicada ao art. 20 do CC/2002 (LGL\2002\400), a
ideia de que a mera alteração no texto legal pode solucionar de vez o conflito entre os interesses em
questão parece, senão míope, ao menos ingênua. É bem verdade que a alteração legislativa pode
ser útil, não apenas por conferir certa sensação de segurança, mas também por prescrever de forma
mais incisiva parâmetros interpretativos – impondo ao juiz o exercício da ponderação.
Como se disse, atualmente há dois Projetos em tramitação no Congresso Nacional com vistas a
modificar o dispositivo. Há quem elogie a iniciativa, que permitiria forjar um ambiente de segurança
jurídica. Os Projetos, contudo, limitam-se a permitir obras de conteúdo biográficoa respeito de
pessoas com dimensão pública ou inseridas em acontecimentos de interesse da coletividade; “erram,
portanto, o alvo”.74 Além disso, os modelos de tutela não se esgotam, ou não devem se esgotar, na
via legislativa.
Assume particular importância o papel da autorregulação, como eficaz complemento e suporte à
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regulação estatal. Deve-se estimular a criação de um arcabouço deontológico definido, com a
criação de regras específicas para o setor (especialmente, aqui, o editorial) e, quem sabe, também
sanções disciplinares; um código de conduta elaborado por quem lida com esses problemas
cotidianamente e conhece de perto as características e dilemas próprios da área – como já ocorre,
por exemplo, no âmbito da publicidade ou da imprensa.
É útil, inclusive, o estímulo à criação ou à consolidação de entidades representativas que
congreguem os principais agentes desse tipo de segmento literário ou artístico,75 e das quais
participem, de preferência, não apenas editoras. É saudável que as iniciativas envolvam também os
autores, que podem ter interesses distintos a serem tutelados, contribuindo para um debate mais
completo. O incentivo à autorregulação, portanto, parece uma possibilidade útil para a questão – não
única, é verdade -, evitando disputas judiciais, normalmente demoradas e custosas.
5. AS BIOGRAFIAS PÓSTUMAS E A PROTEÇÃO POST MORTEM DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE
Os problemas que as biografias não autorizadas suscitam revelam-se, muitas vezes, ainda mais
dramáticos quando o biografado é falecido – ou ausente. Trata-se, aliás, de hipótese, em regra, mais
comum, quando se considera o papel histórico desempenhado pelo gênero em questão. Afora as
dificuldades práticas normalmente enfrentadas pelos biógrafos, que muitas vezes se veem às voltas
com as idiossincrasias e suscetibilidades de herdeiros,76 as biografias póstumas desencadeiam ainda
outras delicadas questões – essencialmente no que respeita ao tratamento conferido à proteção post
mortem dos direitos da personalidade.
O tema também se liga, no fundo, com a questão de se saber como seremos lembrados depois da
morte. Por vezes, por trás da preocupação dos biografados – ou de seus herdeiros – com a
utilização de sua imagem, ou de sua história, na narrativa biográfica, reside a tentativa de controlar
ou de certa forma modelar sua trajetória aos olhos do público.77 A indagação, que possivelmente
passa pela cabeça de muitos, embora seja primariamente um assunto extrajurídico (filosófico, até),
pode vir a merecer a atenção e a tutela do Direito, como se verá a seguir.78
5.1 A questão da legitimidade
Os direitos da personalidade são, entre outras características, intransmissíveis. Não significa, porém,
que cessa a proteção, por exemplo, à imagem da pessoa que morre. O legislador, contudo, não
transmite aos herdeiros os direitos de personalidade para que, em nome próprio, pleiteiem sua
devida tutela; há apenas uma atribuição de legitimidade para a atuação em defesa da memória do
falecido.
Verifica-se, na disciplina legal conferida à proteção post mortem dos direitos da personalidade, uma
incoerência legislativa. Isto porque o legislador, aparentemente sem especial razão, exclui no
parágrafo único do art. 20 o colateral do rol e legitimados (genericamente previstos no art. 12 do
CC/2002 (LGL\2002\400)).
Mais criticável ainda, contudo, é a restrição estabelecida quanto à legitimidade para promover,
judicialmente, a tutela dos direitos de personalidade do morto – o “cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”, segundo a dicção do parágrafo único do art.
12, ou “cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”, nos termos do parágrafo único do art. 20. No
entanto, em se tratando da defesa de direitos da personalidade do falecido, a restrição parece
excessiva, sem razão que a justifique.
Mais apropriado seria, como bem aponta Schreiber, ampliar a legitimação para qualquer pessoa
legitimamente interessada – e interesse legítimo, aqui, apurado nas situações concretas. A medida
permitiria uma tutela mais ampla dos direitos de personalidade do falecido – sobretudo o de imagem.
Deve-se reconhecer, contudo, que a possibilidade de que terceiros invistam-se na posição de
interessados poderia estimular, não propriamente uma proteção mais efetiva, mas a busca por
satisfação, por vias oblíquas, de interesses puramente econômicos, associados a uma eventual
indenização. A essa possibilidade reage-se, porém, com a preocupação, de um lado, de que o
magistrado tente, quando possível e mais efetivo à proteção da personalidade, recorrer a outras
medidas que não (apenas) a reparatória. De outro, com iniciativas com vistas a esvaziar de
motivações (puramente) econômicas a iniciativa judicial da tutela dos atributos da personalidade do
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morto.79
Alvo de merecida crítica é, também, o “erro de perspectiva” do legislador, ao adotar, na tutela dos
direitos da personalidade, um viés típico do direito das sucessões, de cunho essencialmente
patrimonial80 – reforçando, a rigor, a postura, não rara, voltada apenas para os interesses
econômicos relativos à exploração da obra biográfica. Aliás, não raro se nota, em disputas
envolvendo a utilização de imagem de pessoas falecidas, a confusão entre interesses deste e os de
seus herdeiros, os quais por vezes, a pretexto de suposta violação à memória do de cujus, por vezes
pleiteiam em nome deste uma proteção a interesses particulares.
5.2 O caso Estrela Solitária
Caso emblemático, no contexto da proteção post mortem dos direitos da personalidade, é o da
biografia do ícone do futebol, Garrincha, Estrela Solitária. O livro, escrito por Ruy Castro sem a
autorização das herdeiras do jogador, rendeu uma disputa judicial que se arrastou por anos.
Alegando violação ao direito de imagem, ao nome, à intimidade, à honra e à vida privada, as
herdeiras sustentavam que a obra “execrava” a memória do pai, e pleitearam vultosa indenização, a
título de danos morais e patrimoniais.
Causaram-lhe espécie, principalmente, os trechos que faziam referência à relação de Garrincha com
o álcool e as mulheres – fatos e façanhas que, embora contrariassem, talvez, os pudores das
herdeiras, eram não apenas de conhecimento público, mas mesmo alardeados pelo próprio jogador,
quando vivo. Mais uma vez, demonstra-se a necessidade de apreciar-se o caso com os olhos postos
na visão de mundo do biografado, e não dos legitimados que agem em seu nome.
No TJRJ, as herdeiras obtiveram vitória parcial, tendo reconhecido direito à indenização por danos
morais.81 A decisão, apertada, levou à oposição de embargos infringentes, em que se admitiu a
existência não de danos morais, mas apenas patrimoniais, arbitrando-se indenização no valor
correspondente a cinco por cento sobre o total do preço do livro a ser apurado em liquidação. A
decisão foi por fim mantida pelo STJ.82
É verdade que a discussão sobre a intransmissibilidade dos direitos de personalidade era, então,
mais candente – lembre-se que regia o caso o Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), omisso quanto à
disciplina dos direitos da personalidade. De todo modo, vale lembrar que o TJRJ reconheceu
expressamente o caráter intransmissível dos direitos da personalidade, e que a hipótese era de
legitimação legal para defesa da imagem e da honra da pessoa falecida. Mas o tribunal carioca
lembrou que é possível que os sucessores tenham interesse, também para agir em nome próprio,
quando a imagem do falecido projeta efeitos econômicos para além de sua morte.83
6. CONCLUSÃO
Passadas mais de duas décadas desde a promulgação da Constituição democrática, e quase uma
década da promulgação do novo Código Civil (LGL\2002\400), os contornos do direito à privacidade
e da liberdade de expressão/informação são cada vez menos rígidos – e as situações de colisão
exigem uma análiseigualmente flexível, atenta aos interesses em jogo e às diversas circunstâncias a
permear o caso concreto. Como adverte Tepedino, “a privacidade é direito casuístico por excelência,
suscitando, por isso mesmo, proteção que seja dúctil”.84
Buscou-se, aqui, lançar alguns feixes de luz sobre o problema e os diversos interesses normalmente
postos em causa nas situações envolvendo a publicação de biografias não autorizadas. A análise ora
empreendida revelou o fundamental papel da ponderação e a necessidade de superação de
armadilhas conceituais, como a de supor mais importante, abstratamente, o valor da liberdade de
expressão.
Diante do delicado conflito entre privacidade e liberdade de expressão, quando se trata de contar
para o público a história da vida privada, revela-se importante a atuação do intérprete. Por aí já se vê
como também é preciso empreender o esforço de não apenas identificar, mas também sistematizar
critérios interpretativos que guiem, além do magistrado, os demais agentes envolvidos nesse tipo de
situação (editoras, autores etc.). Afinal, é justamente nos casos mais nublosos que uma ponderação
criteriosa se revela particularmente relevante. Mas é preciso ter em mente, como se disse, que a
mera falta de autorização da pessoa retratada ou de seus herdeiros não é, por si só, impeditivo da
publicação de obras biográficas – como já não é impeditivo de publicações jornalísticas.
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Além disso, os modelos de tutela não se esgotam numa única via. A legislação não pode nem deve
exaurir a questão, embora possa, é evidente, servir na tarefa de apontar critérios, mesmo que para
assegurar um mínimo de segurança jurídica. É possível evitar, com isso, embates judiciais
contraproducentes, resguardando-se ainda a coerência e mesmo a sobrevivência de um gênero
literário. Talvez seja, ao menos, um aceno em direção a alguma segurança jurídica – um alento, no
atual ambiente de ainda total desorientação.
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2. Os herdeiros de Manuel Nuno Carpinteiro, último marido de Dalva, ajuizaram ação indenizatória
alegando uso não autorizado e pejorativo da imagem de seu pai na minissérie “Dalva e Herivelto”. Os
herdeiros, que buscavam também impedir a comercialização da obra, alegavam que o
relacionamento do pai com a cantora não teria sido retratado de forma fiel, deixando de abordar
certos aspectos envolvendo o acidente com a cantora. O TJRJ entendeu que não havia qualquer
dano, eis que a minissérie evitou apresentar semelhanças entre a personagem e a pessoa real,
apresentando, por exemplo, profissão e nacionalidade distintas, “de tal sorte que seu nome e sua
identidade restaram preservados diante da antinomia entre o tipo externo do que se tem por real e a
ficção naquela minissérie. Daí porque, o público e os veículos de comunicação não reconheceram na
figura do personagem o genitor dos autores” (TJRJ, AC 0118642-75.2010.8.19.0001, 6.ª Câm. Civ., j.
07.03.2012, m.v., rel. Des. Pedro Freire Raguenet).
3. Expedita Ferreira Nunes, filha única de Virgulino Ferreira, o Lampião, e Maria Bonita, obteve na
justiça sergipana a interdição do livro “Lampião – O Mata Sete”.A obra tornou-se motivo de polêmica
ao retratar Lampião como homossexual, apontando um triângulo amoroso entre o popular
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cangaceiro, Maria Bonita e o também cangaceiro Luiz Pedro. Ao que se lê da decisão que concedeu
a medida liminar em novembro de 2011 (mantida abril de 2012), o livro parecia dedicar especial
atenção aos aspectos sexuais da vida de Lampião. O julgador, baseando-se no que chamou de
conhecida virilidade de Lampião, considerou esse aspecto de tal maneira ofensivo à honra e à
intimidade da própria Expedita e também dos falecidos, que proibiu a circulação do livro: “Pois bem,
entre evitar eventual prejuízo financeiro do requerido, com a proibição da publicação do seu livro e
evitar ofensa à honra da requerente e de seus pais, deve o Judiciário, por óbvio, ficar com a segunda
opção e proteger a honra e a intimidade da requerente e seus genitores. (…) Não é de ninguém
novidade, a característica de virilidade que sempre se tentou passar da história de vida de Lampião,
pai da requerente, tanto é assim que o mote do livro a ser publicado pelo requerido trata
exclusivamente desta questão relativa à opção sexual do mesmo. (…) Então, percebe-se facilmente
que a questão diz respeito exclusivamente à intimidade da requerente e de seus genitores, pois de
forma expressa, segundo se infere do texto da entrevista concedida pelo requerido ao Jornal
Cinform, o mesmo lança dúvidas, inclusive, a respeito da paternidade da requerente. Ora, uma
simples ação de investigação de paternidade é acobertada pelo manto do segredo da justiça, com
muito mais razão deve ser protegida a intimidade da requerente, diante do conteúdo do livro que o
requerido pretende publicar” (TJSE, Processo 201110701579, 7.ª Vara Cível de Aracajú, j.
24.11.2011, Juiz Aldo Albuquerque de Mello).
4. Confira-se, a respeito, matéria publicada na imprensa recentemente: MARTINEZ, Luciana;
VENTURA, Mauro. Biografias autorizadas. O Globo. Segundo Caderno, 19.02.2011, p. 1. As
dificuldades são apontadas também na literatura estrangeira: “In practicing the craft, biographers
have faced formal legal restrictions on their activities. Legal doctrines have placed powerful shields on
the forearms of many subjects (and their families) reluctant to have their lives examined and exposed
by biographers. Vladimir Nabokov wrote to his biographer: ‘I shall not hesitate to sue you for breach
of contract, slander, libel, and deliberate attempts to damage my personal reputation’” (BILDER, Mary
Sarah. The shrinking back: the law of biography. Stanford Law Review, n. 43, p. 302, jan. 1991).
5. Já se tem mesmo notícia de uma insólita categoria de obras biográficas: “A autobiografia não
autorizada”. Trata-se de Julian Assange: the unauthorised autobiography, obra biográfica sobre
Julian Assange, fundador do polêmico site Wikileaks. Ele havia celebrado contrato com editora
inglesa para escrever um livro de memórias. No entanto, depois de horas de entrevista ao jornalista
responsável por minutar o livro, Assange recuou e desistiu do projeto. A editora, que, segundo
noticiado, já lhe havia adiantado vultosa soma, publicou então o livro (LEIGH, David. Julian Assange:
The unauthorised autobiography – Review. Guardian. Londres. 26.09.2011. Disponível em:
[www.guardian.co.uk/books/2011/sep/26/julian-assange-unauthorised-autobiography-review]).
6. É interessante considerar também que o conflito pode se verificar não apenas no caso das obras
desautorizadas. Por vezes, mesmo as ditas biografias autorizadas podem revelar-se, no caso
concreto, ofensivas a direitos da personalidade – por vezes do próprio biografado, que, a despeito da
autorização, pode ver-se ofendido, por exemplo, em sua honra.
7. A definição é de Alberto Dines, nome de destaque do jornalismo brasileiro. E o autor emenda:
“Biografias podem ser publicadas em livro, jornal, revista e mostradas em rádio, cinema, televisão.
Fazem parte do obituário mas nada têm a ver com elogios fúnebres. Não precisam ser portadoras de
tristezas, podem ser mensageiras de grandes proezas. De qualquer forma, em qualquer tamanho ou
formato, a biografia não pode escapar da sua obrigação liminar: mostrar uma pessoa através dos
feitos e defeitos” (DINES, Alberto. Leonel Brizola (1922-2004): o combate que valeu a pena.
Observatório da Imprensa. 29.06.2004. Disponível em:
[www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=283MEM001], grifou-se).
8. A esse respeito, veja-se: “As a prism of history, biography attracts and holds the reader’s interest in
the larger subject. People are interested in other people, in the fortunes of an individual” (TUCHMAN,
Barbara. Biography as a prism of history apud KALMAN, Laura. The power of biography. Law e
Social Inquiry. v. 23, n. 2, p. 481, Spring 1998).
9. Veja-se, por exemplo, o caso envolvendo a publicação de livro contendo cartas-missivas do pintor
Di Cavalcanti para uma de suas amantes, além da reprodução de fotografias de alguns de seus
quadros e mesmo o esboço de um perfil biográfico do artista. O Tribunal, concentrando-se sobre a
questão da utilização das cartas, inicialmente encarou a disputa sob o viés do direito autoral,
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS - Liberdade de
expressão e privacidade na história da vida privada
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entendendo ter havido contrafação com a publicação da obra sem a autorização da cessionária dos
direitos patrimoniais de autor, outorgados pelo pintor. Depois, em embargos de declaração, a Corte
retificou o entendimento, sem justificativas muito claras, afirmando não se estar diante de obra
protegida pela propriedade intelectual, o que não descaracterizaria, contudo, a violação e a
condenação que havia sido imposta – desta vez, no entanto, a condenação se justificaria por conta
da ofensa à privacidade do pintor. A destinatária das cartas, que as vendeu, e o sócio da editora, que
as comprou e promoveu a publicação, foram condenados solidariamente ao pagamento de
indenização (TJRJ, AC 1996.001.05756, 7.ª Câm. Civ., j. 08.04.1997, m.v., rel. Des. Áurea Pimentel
Pereira, RTJERJ 34/218).
10. Outro tema palpitante, mas que também não é contemplado de forma específica nesse estudo,
pelas mesmas razões apontadas acima, diz respeito ao conflito entre privacidade e liberdade de
criação artística na utilização de vidas reais na ficção. Embora o assunto escape aos limites definidos
para este trabalho, faz-se referência, aqui, a dois casos interessantes. O primeiro deles, apreciado
pelo Judiciário brasileiro, refere-se ao filme Cidade de Deus, cujo personagem Sandro Cenoura
seria, em realidade, retrato de Adilson Batata, autor de um livro com histórias na comunidade
carioca. O TJRJ, contudo, entendeu que eventuais coincidências não comprovavam se tratar da
mesma pessoa (TJRJ, AC 2009.001.50660, 18.ª Câm. Civ., j. 06.10.2009, v.u., rel. Des. Jorge Luiz
Habib). O outro caso, que chegou ao Tribunal Constitucional alemão, é o do livro Esra (BVerfG, 1
BvR 1783/05, j. 13.6.2007), que acabou sendo banido. A ex-namorada e a ex-sogra do autor
reconheceram-se em duas personagens do livro, que contava detalhes relacionados à intimidade e
mesmo à vida sexual das duas mulheres. A Corte alemã, em votação apertada (5 votos a 3), embora
reconhecendo a importância da liberdade de expressão, e chegando mesmo a debater sobre o que
seria arte, entendeu que o livro violava a privacidade e a intimidade das duas. A Corte asseverou
ainda que a medida adequada seria a proibição total do livro, pois não seria atribuição dos
magistrados editá-lo (confira-se, a propósito, CLARCK, Birgit. Freedom of art v. personality rights:
ban upheld on the real life novel Esra. Journal of Intellectual Property Law e Practice, v. 3, n. 4, p.
223).
11. Para além dos exemplos mais evidentes e extremados de crimes contra a honra, “é preciso
proteger a intimidade e o direito à informação na vida cotidiana, ainda quando não se configure a
hipótese de crime” (TEPEDINO, Gustavo. Informação e privacidade. Temasde Direito Civil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008. vol. 1, p. 535).
12. SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 145.
13. LEWICKI, Bruno. Realidade refletida: privacidade e imagem na sociedade vigiada. In:
TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (coords.). O direito e o tempo: embates jurídicos e
utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 109.
14. Nesse sentido: “To avoid potential litigation, the biographer will explore only a subject’s traditional
public life – the commonly accepted area of accessibility. Venturing into aspects which the law
assumes are ‘private’ will be too difficult” (BILDER, Mary Sarah. Op. cit., p. 358).
15. A propósito, conforme a perspicaz lição de Perlingieri, é preciso “raciocinar por problemas e não
por conceitos” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 371).
16. “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (…) IX – é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…) XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional.”
17. Para recorrer à expressão de Rodotà (A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008).
18. TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 535.
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expressão e privacidade na história da vida privada
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19. Embora o texto constitucional não utilize o vocábulo “privacidade”, referindo-se, no art. 5.º, X, a
“intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, empregam-se esses conceitos, aqui
(por questões também de praticidade), situando-os no campo mais amplo do direito à privacidade.
20. Nesse sentido: “De todos os aspectos da personalidade, a privacidade é certamente o que sofreu
as transformações mais radicais” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Ampliando os direitos da
personalidade. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2011. p. 140).
21. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis. The right to privacy. Harvard Law Review, v. IV, n. 5.
22. O inovador conceito é-nos apresentado por Rodotà. Conforme se lê, também, na lição de Maria
Celina Bodin de Moraes, o direito à privacidade é expressão do “direito de determinar as
modalidades de construção da própria esfera privada, bem como ao direito de manter o controle
sobre as próprias informações. O direito à privacidade, visto assim, configura-se como um
instrumento fundamental contra a discriminação e a favor da igualdade e da liberdade” (MORAES,
Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 141-142). A perspectiva também encontra eco em autores
norte-americanos: “It protects self-determination, rather than simply offering a ‘mere right to be alone’.
Envisioning privacy this way suggests that a right to privacy requires not isolation, but respect for
personhood” (BILDER, Mary Sarah. Op. cit., p. 359).
23. AMORIM, José Roberto Neves. Direito sobre a história da própria vida. RT 749/133.
24. Eis a dicção legal: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou
à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a
publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou
de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes”.
25. Veja-se, por exemplo: “Tendo-se em vista a redação de seu art. 20, o Código Civil
(LGL\2002\400), neste ponto, constitui verdadeiro obstáculo a uma tutela da imagem condizente com
a proteção integral da dignidade da pessoa humana. Com efeito, além de sugerir, em sua parte final,
a não autonomia da proteção à imagem, uma vez que a lesão só se concretizaria com a
concomitante lesão à honra, ou caso se destinasse a fins comerciais, pecando assim pelo excesso, o
dispositivo peca ainda por omissão, ao afirmar que somente a ‘administração da justiça’ ou a
‘manutenção da ordem pública’ podem justificar a divulgação não autorizada da imagem,
desconsiderando outros interesses merecedores de tutela e que podem revelar-se, no caso concreto,
mais relevantes” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 139, grifou-se).
26. O texto aparece em ambas as proposições – grifou-se.
27. Petição inicial apresentada na ADIn 4.815/2012, p. 2.
28. Idem, p. 3.
29. Nos termos em que formuladas, as referidas proposições legislativas, e mesmo a mencionada
ADIn 4.815, parecem resolver – se é que resolvem – a questão apenas em parte. Por exemplo, o
foco no caráter público da pessoa retratada não parece dar conta dos conflitos suscitados quanto
aos personagens coadjuvantes, por exemplo, que fazem parte de qualquer obra biográfica e nem
sempre se enquadram na assim chamada categoria de pessoas “públicas”. Tampouco daria conta,
ao que parece, dos casos envolvendo obras de ficção, que poderiam situar o debate para além do
argumento relativo à importância histórica das biografias, do acesso do público à história de seu
meio social. Além disso, a própria avaliação do caráter histórico da informação e da pessoa retratada
por dar margem à discussão.
30. TJSP, Processo 583.00.2012.181186-8, 9.ª Vara Cível de São Paulo, j. 20.08.2012, Juiz
Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. O músico ajuizou ação de busca e apreensão, pleiteando a
apreensão de exemplares do livro “João Gilberto”, organizado por Walter Garcia e editado por Cosac
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS - Liberdade de
expressão e privacidade na história da vida privada
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Naify, ao argumento de que não autorizara a utilização de sua imagem, e de que a obra ostentava
conteúdo ofensivo a sua imagem e intimidade. O caso é recente e ainda não chegou a um desfecho
final. Mas o despacho proferido pelo juiz, que se deteve sobre as características e finalidades da
obra concretamente considerada, parece animador.
31. SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 105.
32. PERLINGIERI, Pietro. Relações jurídicas e suas vicissitudes. O direito civil na legalidade
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 728-729. O direito, como ciência social, como
expressão das relações sociais (cujos fatos não encontram diferença ontológica em relação aos
chamados fatos jurídicos), é, mais que um direito do indivíduo, um direito das relações.
33. TJRJ, AC 2000.001.02459, 17.ª Câm. Civ., j. 05.04.2000, v.u., rel. Des. Maria Inês Gaspar,
RTJERJ 46/287. A respeito dos conflitos envolvendo terceiros mencionados em biografias, há
decisão, cuja ementa vale a transcrição: “Tratando-se de obra literária biográfica de artista com quem
a autora assumidamente tinha relacionamento muito próximo e constante, somado à questão de
ambas serem figuras públicas e de grande fama, é natural que a apelante seja mencionada nos
escritos sobre a cantora, justamente por ter feito parte de importantes episódios de sua vida. Não se
vislumbra nos trechos destacados conteúdo que tenha capacidade ofensiva aos direitos da
personalidade da autora, tanto em sua honra subjetiva quanto objetiva” (TJRJ, AC
0076030-64.2006.8.19.0001, 1.ª Câm. Civ., j. 23.11.2010, rel. Des. Maria Augusta Vaz, grifou-se). O
processo, contudo, tramita em segredo de justiça, não sendo possível conhecer o inteiro teor da
decisão.
34. TJRJ, AgIn 2007.002.06253, 18.ª Câm. Civ., j. 03.05.2007, v.u., rel. Des. Pedro Freire Raguenet.
35. MARIANO, Nichollas. O Rei e eu: minha vida com Roberto Carlos. Rio de Janeiro: Roberto
Goldkorn, 1979.
36. Em razão da época, e do segredo de justiça que possivelmente cercavao processo, não se teve
acesso aos autos ou a referências mais precisas sobre o caso. Mas, em entrevista à Revista Veja,
Saulo Ramos, advogado de Roberto Carlos à época, pontua que os casos situam-se em patamares
distintos: “O livro do mordomo não tem um caso que seja verdade. Era tudo mentira. Foi uma briga
judicial grande para apreender e queimar o livro antes de ele sair. Já o livro mais recente é uma
biografia perfeita. Não tem um ataque moral contra o Roberto. O Roberto me consultou e eu o
aconselhei a não tomar nenhuma providência. Eu recusei a causa, e ele procurou outros advogados.
Agora, não houve, nesse caso, condenação, mas um acordo. A Planeta, que é a minha editora,
capitulou diante do desejo do Roberto” (TEIXEIRA, Jerônimo. Entrevista: Saulo Ramos – Jabuticabas
jurídicas. Veja. n. 3.026. São Paulo. Abril, 28.11.2007. Disponível em:
[http://veja.abril.com.br/281107/entrevista.shtml]).
37. LEWICKI, Bruno. Insegurança na cultura. O Globo, Cad. O País, 11.04.2010.
38. Atitudes, por exemplo, como a das herdeiras do festejado escritor Guimarães Rosa: “Para
publicar algo de papai, é preciso pedir autorização à minha irmã e a mim. (…) Não existem biografias
dele e não damos licença para ninguém” (MACHADO, Cassiano Elek. Diário arquivado. Revista Piauí
, n. 3, p. 49). Ou ainda: “‘É tanta confusão para conseguir autorizações que as pessoas acabam
mudando de ideia’. Vilma Guimarães Rosa reconhece que a ideia é exatamente esta: dificultar a vida
dos pesquisadores” (idem, p. 50).
39. Embora se tenha afastado, na delimitação do objeto de estudo, a análise de questões
envolvendo esse tópico, revela-se útil, aqui, traçar-se um paralelo com as discussões que cercam a
reforma da Lei de Direito Autoral – ambiente onde a “cultura da autorização” parece notadamente
acentuada. Nesse sentido, vale menção a proposta de redação do art. 52-B do projeto de atualização
do referido diploma (PL 3.133/2012, em seu texto apresentado como Anteprojeto de Lei): “Art. 52-B.
O Poder Judiciário poderá autorizar o uso de obras literárias ou de artes visuais sempre que, ao
exercer seus direitos patrimoniais, o herdeiro ou sucessor do autor da obra exceda manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes,
prejudicando o seu acesso ou fruição pela sociedade” (grifou-se).
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40. SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 143. Rejeita-se, portanto, a noção de que “não há biografia
não autorizada, nos termos da norma constitucional” (TJRJ, AC 2001.001.02270, 2.ª Câm. Civ., j.
17.07.2001, m.v., rel. Des. Gustavo Kuhl Leite, Ementário 06.2002 n. 19 14.03.2002, RTJERJ
53/220).
41. A liberdade de expressão, como qualquer liberdade, aliás, deve ser exercida com
responsabilidade (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 140). Não parece defensável, assim,
a ideia de que, por si só, o “consentimento retira a ilegalidade do ato” (AMORIM, José Roberto
Neves. Op. cit., p. 129).
42. A tarefa não é fácil, “e seu resultado varia conforme as circunstâncias do caso concreto, o que
desperta quase sempre temores de insegurança ou tratamento desigual. Daí a necessidade sempre
sentida de se enumerarem parâmetros que possam servir de guia ao magistrado na difícil tarefa de
ponderar” (SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 105).
43. LEWICKI, Bruno. Realidade refletida… cit., p. 110.
44. O enunciado prescreve o seguinte texto: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros
interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à
informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do
retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua
utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a
divulgação de informações” (grifou-se).
45. “Artigo 79.º (Direito à imagem) (…) 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada
quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de
justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier
enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido
publicamente” (grifou-se).
46. Confira-se o teor do dispositivo proposto: “Artículo 53.- Derecho a la imagen. Para captar o
reproducir la imagen o la voz de una persona, de cualquier modo que se haga, es necesario su
consentimiento, excepto en los siguientes casos: a) que la persona participe en actos públicos; b)
que exista un interés científico, cultural o educacional prioritario, y se tomen las precauciones
suficientes para evitar un daño innecesario; c) que se trate del ejercicio regular del derecho de
informar sobre acontecimientos de interés general. En caso de personas fallecidas, pueden prestar el
consentimiento sus herederos o el designado por el causante en una disposición de última voluntad.
Si hay desacuerdo entre herederos de un mismo grado, resuelve el juez. Pasados veinte (20) años
desde la muerte, la reproducción no ofensiva es libre”.
47. Tese similar já foi defendida com êxito perante o Tribunal de Justiça paulista, em ação
envolvendo o jogador Ronaldo Fenômeno: “Conforme as contrarrazões, a obra originou-se de
informações colhidas em reportagens e pesquisas efetuadas pelos escritores, sendo portanto
resultado de entrevistas fornecidas pelo próprio atleta, amigos e familiares, não havendo material
novo que já não estivesse a circular na imprensa. Ademais, não foi apontada nenhuma circunstância
falsa no contexto da obra; os empresários são parte ilegítima para a causa, estando a postular
interesse alheio em nome próprio; houve autorização do irmão do atleta (cf. f. 39); algumas
informações anotadas pelos agravantes constam de obra prefaciada pelo próprio atleta biografado.
(…) Não há sinais suficientes de bom direito e de grave risco para que se ordene, in limine a drástica
medida de busca e apreensão” (TJSP, AgIn 0048487-75.1998.8.26.0000, 4.ª Câm. de Direito
Privado, j. 18.02.1999, v.u., rel. Des. José Osório de Azevedo Júnior).
48. Vale citar, a respeito da utilização de fotografias, caso recente envolvendo os herdeiros de
Manuel Bandeira, que tentaram impedir a publicação de livro de fotojornalista contendo a reprodução
de uma fotografia do poeta. O tribunal carioca, no caso, entendeu inexistir violação ao direito de
imagem do poeta, apegando-se, essencialmente, no perigoso critério da “figura pública”,
acrescentando, ainda, que a imagem não expunha o poeta em situação vexatória ou ofensiva a sua
intimidade, retratando-o apenas em seu cotidiano (TJRJ, AC 0269599-93.2007.8.19.0001, 6.ª Câm.
Civ., j. 01.12.2010, v.u., rel. Des. Pedro Raguenet).
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49. SARMENTO, Daniel. O direito à informação. O Globo, Cad. Opinião, 26.02.2011, p. 7.
50. Nessa linha, veja-se: “É evidente que a notoriedade acarreta alguns fardos, e justifica a
incidência de um interesse maior da opinião pública na vida particular das pessoas famosas. (…) O
que não se deve, todavia, é resumir a questão a um primário binarismo que suprime qualquer
expectativa de privacidade das pessoas notórias. Tampouco é saudável o comportamento inverso”
(LEWICKI, Bruno. Realidade refletida… cit., p. 108). Veja-se, também, a respeito: SCHAUER,
Frederick. Can public figures have private lives? In: PAUL, Ellen Frankel et al. The right to privacy.
Cambrigde: Cambridge University Press, 2000. p. 293-309.
51. SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 107.
52. Idem, p. 108.
53. A expressão encontra-se no voto vencedor, ainda no TJRJ, sobre o caso envolvendo a biografia
do jogador Garrincha (TJRJ, AC 2001.001.02270, 2.ª Câm. Civ., j. 17.07.2001, m.v., rel. Des.
Gustavo Kuhl Leite, Ementário 06.2002 n. 19 14.03.2002, RTJERJ 53/220).
54. O deputado argumentava que a

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