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Marina Cardoso Hematologia 1 Introdução Síndromes Mielodisplásicas (SMD) são desordens hematológicas adquiridas. Caracterizam-se pela mutação da célula tronco hematopoiética da medula óssea, dando origem a células progenitoras anômalas (displásicas), incapazes de seguir os processos de maturação normal. As SMD podem, mais cedo ou mais tarde, se converter em leucemia aguda (transformação leucêmica), por uma segunda mutação, culminando em um quadro que rapidamente evolui para óbito. É uma importante causa de anemia crônica em idosos. etiologia São classificadas em duas formas: (1) Primária ou idiopática: típica de pacientes idosos (>60 anos), curso clínico arrastado. • Risco aumenta proporcionalmente à idade • Exposição a benzeno e à radiação ambiental são os fatores que estão mais relacionados (2) Secundária (induzida por drogas): que pode ocorrer anos após quimio/radioterapia, independe da idade do paciente. • Mais chance de evoluir para leucemia mieloide aguda (LMA), por isso, pior prognóstico • Drogas quimioterápicas mais associadas: Alquilantes e Inibidores da topoisomerase • Alquilantes ou “agentes radiomiméticos”: clorambucil, bussulfan, melfalan, nitrosureias e ciclofosfamida. • Pacientes que fazem alquilantes + radioterapia: 15% desenvolve SMD • Transplantes autólogos (quimio e rádio para obter aplasia total da medula): 20% desenvolve SMD. Patogênese A doença se inicia após mutação nos genes relacionados à síntese e duplicação do DNA, promovendo um desarranjo na maturação celular. Dessa forma, as células das linhagens hematopoiéticas passam a originar progenitores defeituosos (displásicos) que se proliferam e substituem as linhagens normais. As células displásicas apresentam menor capacidade de se transformarem em células adultas. O setor mais afetado é o eritroide, por esse motivo, quase sempre o quadro clínico predominante é de uma anemia crônica refratária ao tratamento medicamentoso. Uma série de alterações citogenéticas são descritas nas SMD: • Deleção do braço longo (q) dos CR 5,7 ou 20 • Trissomia do CR 8 Acredita-se que causem inativação de genes supressores de tumor. Essas alterações são mais encontradas na forma secundária. Quadro clínico Devemos suspeitar de mielodisplasia em todo paciente idoso (ou jovem que foi submetido a rádio/quimio) que apresente: • Anemia normocítica ou macrocítica, bicitopenia ou pancitopenia, uma vez descartada anemia megaloblástica. A anemia pode ser um achado laboratorial em paciente assintomático ou pode acompanhar quadro clínico característico: astenia, tonteira, cefaleia, dispneia e angina. A leucopenia pode causar infecções bacterianas ou fúngicas. A chance de infecções é desproporcional ao grau de leucopenia, devido à presença de mielócitos displásicos. → Infecção é a 1ª causa de morte na SMD! 2 Petéquias e púrpura aparecem em 25% dos casos devido a plaquetopenia ou disfunção plaquetária (com Plaquetometria normal!). Não são comuns achados de linfadenomegalia e hepato-esplenomegalia. Mas na Leucemia Mielonormocítica Crônica 25% tem esplenomegalia importante. Manifestações autoimunes (vasculites, artrite) estão presentes em 15% dos pctes com SMD. Complicações importantes: • Síndrome de Sweet: Dermatose neutrofílica febril. É um prenuncio do surgimento de LMA. Caracterizada pelo surgimento de placas eritematosas principalmente em tronco e face, febre alta e leucocitose neutrofílica. • LMA Complicação evolutiva da SMD. Há piora abrupta da anemia, trombocitopenia e surge leucocitose às custas de blastos mieloides. Em comparação com as leucemias primárias, o prognóstico é muito pior e a resposta à quimioterapia é precária. Laboratório Hemograma: • Anemia sem reticulocitose (achado universal), grau variável (leve, moderado ou grave). • Principalmente macrocítica (raramente > 115fL) ou normocítica. • Normocrômica • Leucopenia com neutropenia (50% dos casos). • Plaquetopenia (25% dos casos). Esfregaço de sangue periférico: As principais alterações encontradas são: • Macroovalócitos • Neutrófilos hipossegmentados (<3 segmentações nucleares) • Anomalia Pseudo-Pelger-Huet (neutrófilo com núcleo em forma de halteres) Mielograma: A confirmação só pode ser feita através de biopsia de medula óssea (apesar de não existir nenhum sinal patognomônico da doença). O aspirado de medula óssea pode sugerir o diagnóstico ao mostrar algumas displasias. As principais: • Megaloblastose (assincronia de maturação núcleo-citoplasma). • Diseritropoiese (eritroblastos bi ou multilobados, apresentando cariorrexis, vacuolização citoplasmática). • Sideroblastos em anel (eritroblastos que acumulam ferro em suas mitocôndrias em volta do núcleo, quando >15% do total de eritroblastos caracterizamos anemia sideroblástica). • Leve grau de mielofibrose em 50% (grua elevado em 10-15%). • Localização anormal dos precursores mieloides (ALIP): quando os mielócitos tomam a posição central na medula. Pior prognóstico. Estudo das alterações citogenéticas Oferece dados importantes para o diagnóstico das SMD, através da identificação de alterações clássicas, como as deleções 7 e 20q. O achado de deleção de q5 + mielodisplasia na MO = Síndrome q5. Classificação e Prognóstico As SMD foram classificadas em cinco grupos de acordo com características clínicas, laboratoriais e prognósticas pela FAB (French–American–British classification). Hoje, a classificação mais aceita é a da OMS (2002): Anemia refratária sem sideroblastos em anel <5% blastos mieloides <15% sideroblastos em anel Anemia refratária com sideroblastos em anel <5% blastos mieloides ≥15% sideroblastos em anel Anemia refratária com displasia multilinhagem Atipia >10% em duas ou mais linhagens <5% blastos <1000monócitos/mm³ na periferia Anemia refratária com excesso de blastos 1 (AREB 1) Várias atipias <5-9% blastos <1000monócitos/mm³ na periferia Anemia refratária com excesso de blastos 2 (AREB 2) Várias atipias 10-19% de blastos Presença ou não de bastonetes de Auer 3 OBS: ≥20% de blastos= LMA secundária a SMD <1.000 monócitos/mm3 na periferia Síndrome de deleção do 5q (prognóstico favorável) Megacariócitos hipolobulados < 5% de blastos na M.O. Deleção do 5q apenas SMD não classificável Atipias só na série granulocítica ou megacariocítica < 5% de blastos na M.O. Quanto aos fatores prognósticos, temos: Fatores de mau prognóstico Mielodisplasias secundárias Maior percentual de blastos (>5%) na MO ALIP Displasia multilinhagem ou pancitopenia Imuno-histoquímica CD34+ Deleção q7, trissomia 8, monossomia 7 Fatores de prognóstico favorável Menor percentual de blastos na MO Displasia apenas do setor eritroide, hemograma com anemia isolada Deleção q5, deleção q20 O IPSS é um instrumento que foi criado para avaliar o prognóstico de portadores de SMD, é a partir da classificação pelo IPSS que as condutas terapêuticas são instituída Tratamento Além do IPSS, dois outros fatores guiam a escolha do tratamento nas mielodisplasias: • Idade do paciente • Performance status: instrumento usado em oncologia e hematologia. Avalia de forma bem simplificada o estado clínico do pcte: PS 0: Atividade normal. PS 1: Sinais e sintomas de doença, mas deambula e leva seu dia a dia normal. PS 2: Fora do leito mais de 50% do tempo. PS 3: No leito mais de 50% do tempo. Carece de cuidados mais intensivos. PS 4: Restrito ao leito. Com base na combinação desses fatores, escolheremos entre as três condutas terapêuticas: Cuidados de suporte Para quem é indicado: Todos os pacientes de SMD como terapia adjuvante. Pacientes com PS ruim OU pacientesde baixo risco >60anos recebem somente cuidados de suporte. Condutas: Transfusão de hemocomponentes (quando indicado) + uso de quelantes de ferro (obrigatório a partir de 50 bolsas de hemácias, desferroxamina é o mais comum). Uso de fatores de crescimento hematopoiéticos tem benefícios em alguns pacientes: • Eritropoietina recombinante • G-CSF (fator estimulante de colônias de granulócitos • Romilplostin e eltrombopag (fatores de estimulação de síntese de plaquetas) Terapia de baixa intensidade Para quem é indicado: Todos os pacientes >60 anos com bom PS, OU pacientes <60 anos e risco baixo ou intermediário-1. Conduta: Baixas doses de Azacitidina, quimioterápico citotóxico que em baixas doses interfere na metilação do DNA (pode induzir maturação celular). Atrasa a progressão da SMD para LMA, aumentando a sobrevida. 4 Terapia de alta intensidade e transplante de células tronco hematopoéticas Para quem é indicado: Risco intermediário-2 e alto risco, com até 60 anos e bom PS. Conduta: Indução de aplasia medular seguida de transplante de CTH (“transplante de medula”). Citarabina + Etoposídeo + Idarrubicina é o esquema quimioterápico usado para preparar a medula (aplasiando-a) para o transplante. O TCTH é a única chance de CURA para as mielodisplasias. No entanto, devido aos altos riscos desse tratamento, reserva-se apenas para casos selecionados.
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