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Ficha 02 «polis».doc1 Ficha 02 A “polis” no mundo grego Uma posição estratégica privilegiada num espaço geográfico que faz charneira entre a Europa mediterrânica e a Ásia Menor justifica o aparecimento, num território de características topográficas acidentadas e com pouca vocação para a agricultura, de uma civilização que irá determinar a cultura subsequente de todo o mundo ocidental: os helénicos. Os primeiros povos de língua grega terão imigrado para a península balcânica pouco antes de 2.200 a.C., durante a Idade do Bronze Egeia. Por volta dos 1.500 anos a.C., os seus descendentes na Grécia central tinham estabelecida uma civilização que chegava tão longe como Rodes e se achava em estreito contacto com os reinos do próximo oriente, e que é hoje conhecida como cultura micénica. Os palácios micénicos foram edificados no século XIV a.C., encerrados em cidadelas fortificadas defendidas por robustas muralhas. O governo cabia a um Rei assistido por uma elaborada burocracia. O culto era ministrado por sacerdotes e sacerdotisas, e a mão-de-obra era organizada e altamente especializada. As principais cidades eram Micenas, Tirinto, Pylos e Knossos (em Creta). O comércio com Ocidente e Oriente atingiu particular prosperidade durante os séculos XIV e XIII a.C., com entrepostos de ambos os lados do mar Egeu. Ficha 02 «polis».doc2 Os trabalhadores viviam fora dos muros da cidadela, e o rei e nobreza no seu interior. As suas fortificações indicam que os micénicos eram um povo guerreiro, tendo Homero imortalizado uma de suas expedições bélicas: as guerras troianas. Em finais do século XIII a.C., as principais cidades micénicas são destruídas por outro povo de lingua grega, os dóricos, que se apossam da maior parte do Peleponeso, enquanto muitos micénicos fogem para a margem oriental do mar Egeu, nas costas da Anatolia, numa região que veio a ser conhecida como Jónia. Dentro das muralhas das suas cidades, que serviam de centro às regiões vizinhas, começam a surgir as Cidades-Estado (as polis), sede do governo para cidade e território, num fenómeno que virá a ocorrer na própria Grécia, apesar de certas zonas como a Arcádia, no centro do Peleponeso, conservarem um modo de vida rural, centrado na aldeia. A identidade política era determinada não por raça ou religião, mas pela cidade. Noutras zonas, cidades excepcionais ou afortunadas assimilam uma envolvente territorial especialmente vasta, como em Atenas e Esparta. Atenas, Acropole III. C. A. Doxiadis. Em finais do século XIII a.C., as principais cidades micénicas são destruídas por outro povo de língua grega, os dóricos, que se apossam da maior parte do Peleponeso, enquanto muitos micénicos fogem para a margem oriental do mar Egeu, nas costas da Anatolia, numa região que veio a ser conhecida como Jónia. Dentro das muralhas das suas cidades, que serviam de centro às regiões vizinhas, começam a surgir as Cidades-Estado (as polis), sede do governo para cidade e território, num fenómeno que virá a ocorrer na própria Grécia, apesar de certas zonas como a Arcádia, no centro do Peleponeso, conservarem um modo de vida rural, centrado na aldeia. A identidade política era determinada não por raça ou religião, mas pela cidade. Noutras zonas, cidades excepcionais ou afortunadas assimilam uma envolvente territorial especialmente vasta, como em Atenas e Esparta. A origem da cidade-estado reside na colina em que se refugiam os habitantes do campo para se defender dos inimigos; mais tarde, o povoado estende-se pelas planícies vizinhas, e geralmente é fortificada por um cinturão de muralhas. Distingue-se então a cidade alta (a acrópole, onde ficam os templos dos deuses, e onde os habitantes da cidade ainda podem refugiar-se para um ultima defesa), e a cidade baixa (a astu, onde se desenvolvem o comércio e as actividades cívicas). O território é limitado pelas montanhas, e compreende quase sempre um porto (a certa distância da costa, para não se expor ao ataque de esquadras inimigas); as comunicações com o mundo exterior realizam-se sobretudo por via marítima. Ficha 02 «polis».doc3 A península helénica acha-se portanto na época clássica espartilhada entre incontáveis domínios políticos autónomos. A Magna Grecia somente será unificada por um príncipe macedónio, Alexandre o Grande. Depois da sua ocupação pelo Império Romano, tardarão quase 2 milénio para que se torne pela primeira vez uma nação independente, com Atenas por capital: no século XIX d.C, após a sua libertação do jugo Otomano. A polis acha-se naturalmente na origem da política, tal como estará na da democracia: demos (povo) + cracia (poder). Analogamente, vimos que urbanidade, civismo e civilização originam em urbe e cidade (civitas). As diversas cidades-estado da Grécia possuíram diferentes sistemas de governação, e mesmo dentro de todas elas, houveram alterações nos modelos com a passagem do tempo. Assim, se na origem das urbes gregas, tanto em Creta como na cultura micénica, nos deparamos com sistemas monárquicos, nos quais o soberano se acha rodeado dos representantes das castas mais elevadas, de estirpe guerreira e sacerdotal, mais tarde na maioria das cidades-estado serão ensaiados diversos modelos apontando o regime democrático – mas cada qual, repete-se, em regimes peculiares, que se alteram sucessivamente. Louis Kahn – Convento das Irmãs Dominicanas (Pennsylvania) Esparta, por exemplo, perpetua um curioso regime monárquico com características curiosas: existem dois Reis, que herdam a soberania da respectiva sogra – o que vale por dizer que o monarca adquire esse título por matrimónio com a filha herdeira do anterior Rei. Ou seja: a sucessão é matrilinear. Embora o poder seja exercido pelo homem, a sucessão passa realmente da rainha para a sua filha. Em todo caso, mesmo em Esparta a monarquia tem as suas limitações políticas, sendo que para assegurar a representação popular nas decisões dos monarcas, em certo momento surge a figura do éforo – um magistrado eleito, em número total de cinco, que deve ser consultado pelos Reis em certas circunstâncias, e que fiscaliza a actuação dos dois monarcas. Em todo caso, o sistema político mais comum é aquele da democracia, que tem por modelo a cidade de Atenas. Também nesta polis, os sistemas de governação são adaptados ao longo dos tempos, mas na época áurea da Ficha 02 «polis».doc4 cidade, na viragem do século V para o século IV a.C., os órgãos de governação principais – uma vez que o sistema político ateniense possuía uma quantidade muito maior de magistraturas, tribunais e cargos administrativos, militares e políticos - de modo sintético, eram os seguintes: A assembléia dos cidadãos (ágora ou ekklesia1) que se reúne para ouvir as decisões dos conselhos ou para deliberar. O local de reunião é habitualmente a praça do mercado (que também se chama ágora) ou então, nas cidades maiores, um local ao ar livre expressamente previsto para esse fim, designado ekklesia (literalmente, assembleia), que em Atenas se situava na colina de Pnice, mas que em Priene se reunia no teatro - que nesta cidade podia reunir 5.000 pessoas. Os seus membros eram a totalidade dos cidadãos-livres com mais de 30 anos de idade, o que em Atenas alcançaria os 40.000. A assembléia possuía amplos poderes, e do seu efectivo apuravam-se os representantes sorteados para o conselho dos quinhentos. O conselho dos quinhentos (bulé), ou – espécie de senado - que representam a assembléia dos cidadãos. Em típico mecanismo de defesa do regime democrático, cada um dos 10 demos (regiões administrativas da cidade-estado ateniense) nomeia, por sorteio, 50 representantes seus, de entre aqueles se apresentem voluntariamente para os devidos efeitos, que irão tomar assento no conselho. Para evitar abusos de poder, cada cidadão-livre não pode ser nomeado mais que duas vezes na sua vida para a bulé, não sendopermitido que esses dois mandatos ocorressem de modo sucessivo. Sucede assim que, no termo da sua vida, era incomum que algum cidadão não tivesse tomado assento no conselho dos quinhentos pelo menos uma vez na vida (logo que se tivesse voluntariado para sorteio). De entre os seus vastos poderes, evidencia-se a atribuição de poderes legislativos, sendo que dentro da bulé se produziam as propostas de lei, para levar a votação na ekklesia. Durante cada décima parte do ano (uma pritanía), um conjunto de atribuições de ordem executiva eram atribuídas aos prítanes: o conjunto de 50 buleutas (membros da bulé), representantes de um demos, que nesse prazo de tempo é responsável, pelo menos simbolicamente, pela governação da cidade. Junto ao lar comum, consagrado ao deus protector da cidade, onde se oferecem sacrifícios, realizam-se banquetes rituais e recebem-se hóspedes estrangeiros. Na origem, seria era o lar do rei, tornando-se mais tarde um lugar simbólico, anexo ao edifício onde se reúnem os primeiros dignitários da cidade (os prítanes), a que se chama prítaneu. Compreende um altar com um fosso cheio de brasas, uma cozinha e uma ou mais salas de refeição. O fogo deve ser mantido aceso, e 1 AKURGAL, Ekrem. “Ancient Civilizations and ruins of Turkey”. Edições “NET”. 9ª. Edição . Istambul, 2001. Ficha 02 «polis».doc5 quando os emigrantes partem para fundar uma nova colónia, tomam do lar da pátria o fogo que deve arder no prítaneu da nova cidade. Essa imagem do Mundo Grego chega-nos sob a forma sugestiva da chama dos jogos olímpicos. Nas cidade democráticas, o pritaneu e o buleutérion encontram-se nas proximidades da ágora.2 A cidade, no seu conjunto, forma um organismo artificial inserido num ambiente natural, e ligado a este ambiente por uma relação delicada; respeita as linhas gerais da paisagem natural, que em muitos pontos significativos é deixada intacta, interpreta-a e integra-a com as construções arquitectónicas. A regularidade dos templos é quase sempre compensada pela irregularidade dos arranjos envolventes, que depois se reduz na desordem da paisagem natural. As ruas das cidades são traçadas de maneira irregular, com excepção de algumas artérias de especial significado, como o Dromos rectilíneo que liga a Ágora de Atenas ao Dípilon (porta dupla de entrada na muralha, a Norte). O organismo da cidade desenvolve-se no tempo, mas alcança a partir de certo momento uma disposição estável, que é preferível não perturbar com modificações parciais. O crescimento da população não produz uma ampliação gradativa, mas a adição de um outro organismo equivalente ou mesmo maior que o primitivo (chama-se paleópole à cidade velha e neápole à cidade nova), ou então a partida de uma colónia para uma região longínqua. Olinto, após ampliação de Hipódamo de Mileto (432 a.C.). A cinzento a paleápole, a escuro a neápole. A população (excluindo escravos e estrangeiros) é sempre reduzida, em consequência dos territórios reduzidos de que dispõe, e da respectiva pobreza de recursos. As cidades com cerca de 10.000 habitantes (este número é considerado normal para uma grande cidade, e os teóricos aconselham a que o mesmo não seja ultrapassado) não passam de quinze. Esta medida não é considerada um obstáculo, mas antes a condição necessária para um organizado desenvolvimento da vida civil. A população deve ser suficientemente numerosa para formar um exército na guerra, mas não tanto que impeça o bom funcionamento da assembleia, isto é, que permita aos cidadãos conhecerem-se entre si e escolherem os seus magistrados. Assim, quando uma fase de especial estabilidade e prosperidade se verifica, com um consequente crescimento populacional, formam-se 2 Para mais informação quanto ao funcionamento dos órgãos político-administrativos ca cidade na Grécia Antiga, consultar: FERREIRA, José Ribeiro. «A Democracia na Grécia Antiga». Livraria Minerva. Coimbra, 1990. Ficha 02 «polis».doc6 grandes expedições colonizadoras de territórios fora da Grécia, com uma consequente difusão da cultura helenística e alargamento dos seus mercados comerciais. A partida da expedição para paragens relativamente distantes, antecedida da consulta dos oráculos, e realização de sacrifícios rituais, é comandada pelo oicistes – chefe político e militar da comitiva. Os Traçados Hipodâmicos Os principais centros de colonização são a Sicília e o Sul de Itália. Na primeira fundam-se Akragas (a romana Agrigento), com mais de 20.000 habitantes, e Selinunte. Siracusa, colonizada pela grega Corinto, torna-se a maior cidade helénica do Ocidente. No Sul de Itália, entre outras, fundam-se Poseidonia (a romana Paestum), Nápoles e Pompeia no litoral. Chalchis (a moderna Khalkhis), na Euboea, funda várias outras cidades na região, e a Jónia, a partir da sua principal cidade - Mileto - promove a colonização em torno do Mar Negro. A pequena ilha de Thera funda o grande reino de Cyrene (a Cirenaica) no Noroeste da Libia. Da necessidade de organizar os espaços das novas urbes, optimizando os recursos materiais e humanos disponíveis, surge com Hipódamo de Mileto (cerca de 500 - cerca de 408 a.C.) a introdução do desenho geométrico no planeamento urbano, o que configura uma idealização a-priorística do espaço arquitectónico e a criação de um sentido global para os assentamentos humanos. O urbanista teria imaginado uma cidade de 10.000 habitantes, dividida em três classes, uma composta de artesãos, outra de agricultores e uma terceira de guerreiros; o território deveria igualmente ser dividido em três partes, uma consagrada aos deuses, uma pública e uma reservada às propriedades individuais. Este desenho geométrico é uma regra racional, aplicada da escala do edifício à escala da cidade, num sistema de ocupação de espaço urbano que perdura até aos nossos dias, como se poderá verificar da confrontação da malha de Olinto (432 a.C.) com a estrutura reticulada de Manhattan. Ficha 02 «polis».doc7 Hipódamo terá projectado a nova malha urbana do Pireu (porto de Atenas) em 450 a.C., e de Mileto (sua terra natal que havia sido arrasada pelos persas), bem como da colónia grega de Thurii (no golfo de Tarento, Itália), no litoral oriental de Itália, e talvez Olinto. O geógrafo grego Estrabão atribui-lhe também o planeamento da cidade de Rodes, em 408-07 a.C., apesar de muito estudiosos modernos duvidarem da sua actividade profissional nesse período. As já referidas Pesto, Nápoles, Pompeia, Olinto e Akragas, bem como Priene, obedecem igualmente a regras e desenhos geométricas. No entanto há que salientar que, do estudo das malhas hipodâmicas das cidades gregas, ressalta uma sensibilidade apurada no lançamento das quadrículas de quarteirões sobre o terreno; o perímetro das cidades não é regular, e as muralhas percorrem os festos mais defensáveis. Os lotes terminam de modo irregular, onde os obstáculos naturais como elevações ou declives acentuados não permitem um desenvolvimento fácil da construção. Acresce que, como já se viu, no mundo grego predominam os assentamentos em terrenos acidentados, pelo que muitas vezes os traçados sofrem duas ou mais orientações, resultando num esquema urbanístico verdadeiramente tri-dimensional, como na cidade de Pérgamo, de fundação alexandrina. Com Alexandre Magno da Macedónia, dá-se a unificação do mundo grego, o que possibilita uma escala maior na difusão da cultura grega, encontrando em paragens menos acidentadas de regiões mais férteis as condições para a realização de aglomerados da escala que já havia sido lograda em épocas anteriores na Suméria, e que nesta fase da história da humanidade se estavam construindo igualmente no Extremo Oriente. É assim que surge a cidade de Alexandria, junto ao delta do Rio Nilo, cobrindo uma superfície de 900 ha, e circundada de extensos arrabaldes: trata-se antes de uma região urbanizada - uma "megalópole" - e podeter atingido de 500.000 a um milhão de habitantes, enquanto Antioquia, na Ásia Menor, terá atingido 200 ou 300.000 habitantes. Assim, se em Olinto as vias principais da cidade atingem larguras de 5 a 10 metros, e as secundárias de 3 a 5 metros, em Alexandria e Antioquia, as artérias principais, muitas vezes ladeadas por pórticos, atingem larguras de 30 metros e comprimentos até 4 e 5 quilómetros. Planta de Alexandria Antiga
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