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1 Ficha 01 Os Primórdios do Fenómeno Urbano Há cerca de 10.000 anos, os habitantes da faixa temperada do planeta aprenderam a produzir o seu alimento, cultivando plantas e criando animais, e organizaram estabelecimentos estáveis: as primeiras aldeias. Esta passagem histórica, ao fim de cerca de quatro milhões de anos de evolução da raça humana, marca a transição do caçador-recolector, eminentemente nómada, para uma sociedade sedentária que procura criar bio-massa (alimento) para a sua subsistência. Aproximadamente 5.000 anos depois, nas planícies aluviais do Crescente Fértil, algumas aldeias transformam-se em cidades; os produtores de alimentos são persuadidos ou obrigados a produzir um excedente a fim de manter uma população de especialistas: artesãos, mercadores, guerreiros e sacerdotes, que residem num estabelecimento mais complexo, a cidade, e daí exercem o controle sobre os campos. Esta organização social requer o invento da escrita; daí começa de facto a civilização e a história escrita. Doravante todos os acontecimentos históricos sucessivos dependem da quantidade e da distribuição do excedente da produção de bio-massa. Esta ocorre de modo natural no planeta, desde antes da existência da raça humana, sendo processo inerente à vida.Através da fotosíntese, a energia solar é fixada e armazenada nas plantas. Esses recursos energéticos servem essencialmente para sustentar a vida da planta – mas uma parte variável da energia destina-se também ao seu crescimento. Dentro de cadeias tróficas, essa planta poderá então ser consumida por animais vegetarianos, que por sua vez realizam a conversão da bio-massa vegetal em proteínas e lípidos. 2 Subsequentemente, as espécies animais carnívoras – ou os omnívoros, tais como o ser humano (que se acham metabolicamente preparados para consumir, tanto a bio-massa vegetal quanto a animal) - consomem os espécimes vegetarianos. Os herbívoros, como se sabe, devem passar boa parte da vida alimentando- se, uma vez que em todo o caso a energia armazenada nas plantas não é tão assinalável que permita de outro modo. Já o carnívoro, ao alimentar-se da carne do herbívoro, pode aproveitar a importante concentração de prótidos e lípidos acumulados no corpo do animal consumido. É curioso notar que não parece usual, dentro das cadeias tróficas assinaladas, que os animais carnívoros se alimentem uns dos outros. Ocorre com frequência, isso sim, que se procurem eliminar mutuamente, no topo das cadeias alimentares, para então poderem dispôr de modo mais hegemónico dos recursos animais que habitam o mesmo território. A agricultura consiste num conjunto de procedimentos através dos quais o ser humano controla e melhora o crescimento das plantas e dos animais (através da pecuária), recorrendo à plantação sistemática, à poda e monda, à rega, à fertilização, ao cruzamento de espécimes, etc. Nesse sentido sabemos que algumas franjas da raça humana não fizeram ainda nos dias de hoje a passagem para um modo de vida "urbano": os índios da Amazónia, alguma tribos africanas e comunidade das Ilhas do Pacífico não têm ainda uma sociedade especializada, e todos devem participar da criação de riqueza alimentar, assim como sucedia com as tribos índias norte- -americanas, que viviam um modo de vida nómada há tão-só um século. A cidade - sede da autoridade - nasce da aldeia, mas não é apenas uma aldeia que cresceu. Ela forma-se quando as industrias e os serviços já não são executadas pelas pessoas que cultivam as terras, mas por outras que não têm esta obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o excedente da produção. Nos nossos dias, estudos da Geografia Humana referem sempre o carácter de "urbanidade" de um núcleo populacional à predominância do sector terciário no seu seio. O Crescente Fértil Na Mesopotâmia - a planície aluvial banhada pelos Rios Tigre e Eufrates - o excedente concentra-se nas mãos dos governantes das cidades, representantes do deus local; nesta qualidade recebem os rendimentos de 3 parte das terras comuns, a maior parte dos despojos de guerra, e administram estas riquezas acumulando as provisões alimentares para toda a população, fabricando ou importando os utensílios de pedra e de metal para o trabalho e para a guerra, registando as informações e os números que dirigem a vida da comunidade. As cidades Sumérias, no início do 2º milénio a.C., já são muito grandes e abrigam várias dezenas de milhares de habitantes. São circundadas por um muro e um fosso que as defendem e que, pela primeira vez, excluem o ambiente aberto natural do ambiente fechado da cidade. O terreno da cidade já é dividido em propriedades individuais, enquanto o campo é administrado em comum por conta das divindades. Cerca de 2500 a.C., Sargão de Akad unifica pela primeira vez sob um só reinado os terrenos da Mesopotâmia, que até então haviam estado divididos por várias cidades-estado independentes. Dá-se a fundação de novas cidade residenciais, que obedecem a planos pré-estabelecidos, com uma estrutura ortogonal e uma cidadela real. A Sargão sucedem na hegemonia regional os reis Sumério de Ur, e as dinastias da Babilónia, onde em 3.500 a.C. os habitantes já possuíam representações à escala, em tabuínhas de barro, de territórios e cidades que nos evidenciam que estas sociedades já tinham conhecimentos rigorosos de topografia. A forma essencial da arquitectura civil gira em volta do pátio central da residência, em torno do qual abrem os vários compartimentos, numa modalidade recorrente durante muitos séculos na bacia mediterrânea, e que ainda encontramos de um modo quase intacto na Andaluzia. No Egipto, são as próprias condições naturais - as cheias anuais do Nilo - que provocam um refinamento técnico nas áreas do levantamento e restituição topográficos - as águas do Rio sagrado arrastavam consigo os marcos de extrema dos terrenos, pelo que houve que desenvolver sistemas para repor os limites das propriedades após o período das cheias. Esta tecnologia vem a ser utilizada na planificação das sucessivas capitais do Império Egípcio, assentando em soluções ortogonais para urbes em que a construção civil se desenvolvia com o tijolo cozido ao sol, reservando-se a alvenaria de pedra para a "cidade dos mortos" - as vastas áreas exteriores à 4 "cidade dos vivos", onde as mastabas e pirâmides perpetuavam a memória dos defuntos. Curiosamente, para um povo que tanto valorizava a vida além da morte, eram as construções religiosas e funerárias que implicavam as técnicas construtivas mais sofisticadas e perenes, em consequência do que são muito menores os vestígios das "cidades dos vivos" - executadas em materiais mais perecíveis - que chegam aos nossos dias. Tel-el-Amarna, detalhes do bairro central: planta geral (1370-1350 a.C.) A envergadura da realização dos monumentos funerários obrigava à deslocação maciça de população, pelo que com frequência a sua execução levava à fundação de núcleos populacionais para alojamento da mão de obra, o que provocou desenhos operativos racionais e repetitivos, originando padrões semelhantes aos bairros operários do século XIX, com condições de circulação e ventilação reduzidas. Vale do Nilo e Mesopotâmia vem a ser incluídos, do século VI ao IV (conquista às mãos dos macedónios de Alexandre), no poderoso império Persa, que tem origem no actual Irão, e cuja actividade pacificadora permite a circulação de homens, mercadorias e ideias num extensão vasta. Na residência monumental dos reis persas - conhecida pelo nome grego de Persépolis - os modelos dos vários países do império são combinados entre sí dentro de um rígido esquema cerimonial, que tão impressionado deixarão o Imperador Magno. Aldeia de El Lahun, realizada pelo Faraó Sesostris II para os operários agregados à construção de uma pirâmide (ca. 1800 a.C.)
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