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As Reações à Cidade Industrial

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Ficha 10 – 15.10.2019 
As Reacções à Cidade Industrial 
 
A Revolução Industrial vai introduzir uma classe social nova no mundo ocidental, que habitando os 
apertados espaços da cidade que lhe são deixados, e partilhando dos momentos de trabalho e de 
lazer na fábrica, se começa a organizar e reivindicar melhores condições de vida: o operariado. 
 
Com a primeira década do século XIX, a classe operária encena as primeiras manifestações para 
exigir melhores salários, horários de trabalho mais curtos, e também melhor habitação. Alguns 
confrontos das massas laborais com as forças da ordem, bem como a constatação pelo poder 
político das ínfimas condições de higiene com que se constrói, que se tornam particularmente 
notadas com a eclosão de um vasto surto de cólera nas principais cidades industriais nos anos 30 
desse século, vão levar ao esboço de uma nóvel legislação urbanística de contornos higienistas, 
que se vai materializar na Lei britânica de 9 de Agosto de 1844, em que se publicam os requisitos 
higiénicos mínimos para os alojamentos de aluguer e a proibição da habitação em divisões 
subterrâneas a partir de Julho de 1846. 
 
Dá-se assim origem ao Urbanismo enquanto ciência que estuda os fenómenos urbanos, e que 
formula, caracteriza e antecipa os modos de crescimento da cidade. “A liberdade completa, 
concedida às iniciativas privadas, é limitada pela intervenção da administração. […] Da cidade 
liberal passa-se à cidade pós-liberal.1” Trata-se de uma reacção ao crescimento desenfreado da 
cidade industrial, que havia produzido uma “quebra” com a evolução histórica “biológica” da cidade. 
 
A legislação de tipo urbanístico vai naturalmente produzir modelos de construção da cidade 
característicos, em que a quadrícula urbana que conhecemos desde Hipódamo se vai implantar de 
um modo particularmente inexpressivo, obedecendo a regras de especulação e utilitarismo, com 
resultados monótonos e indiferenciados. Na Barcelona de Cerdá, as ruas são todas iguais, sem 
qualquer gradação hierárquica, de modo a que todos os lotes possam obter uma cotação financeira 
homogénea, ainda que em certos casos, como na cidade burguesa de Haussman, mais opulenta e 
de aparência mais barroca, se procura “[…] enobrecer o novo ambiente urbano com os 
instrumentos urbanísticos tradicionais: a busca da regularidade, a escolha de um edifício 
monumental antigo ou moderno como pano de fundo de cada nova rua, a obrigação de manter 
uniforme a arquitectura das fachadas nas praças e nas ruas mais importantes.”2 No entanto, e 
particularmente nos subúrbios de habitação operária, predomina o modelo mais apropriado para o 
“negócio” imobiliário, essencialmente pragmático, e tentando maximizar o rendimento do terreno, 
ainda que cumprindo a legislação agora em vigor. 
 
 
 
 
1 e 2 BENEVOLO, Leonardo. “História da Cidade”. Editora Perspectiva, 3ª. Edição. São Paulo, 1999. 
Luisa
Realce
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Ficha B.doc 
 
 
A Lisboa de Ressano Garcia 
 
“O desenvolvimento típico da cidade continental é como segue: primeiro, as novas ruas são 
traçadas nos arredores da cidade. O sistema de esgotos é instalado e os lancis dos passeios e os 
candeeiros aparecem. Normalmente a construção começa nos lotes de esquina. Muito rapidamente 
as casas crescem tão alto quanto as leis permitem. Elas ficam sós, como fantasmas pairando no 
meio do campo vazio, com grandes empenas cegas sobre os lotes vizinhos cobertos de ervas, 
presságios sinistros do que o futuro tinha guardado. O terreno poluíra-se. Nada poderá já salvá-lo. 
Está condenado a ser coberto com sombrios quartéis do imobiliário, com pavimentos em pedra e 
pátios em betão. Quem, agora, quererá erguer pequenas e acolhedoras moradias e plantar jardins 
à sombra das paredes altas e vazias? O terreno poderá ficar vazio de dez a vinte anos, ou até 
mais, mas eventualmente eles viriam, aqueles altos e aborrecidos blocos apertadamente 
amontoados, habitados por milhares de trabalhadores cansados e pálidos.”3 
 
Olhando a descrição de Rasmussen, sob o título “Land and Speculation” (terreno e especulação), 
não deixamos de ajustá-la às várias plantas do início do século XX das Avenidas do Plano de 
Frederico Ressano Garcia, engenheiro formado na "École Impériale des Ponts et Chaussées" de 
Paris em 1869. 
 
Este engenheiro português, que após breve passagem pela Câmara Municipal de Belém ingressa 
por concurso no quadro do município da capital em 1874 vai ficar ligado intimamente à política 
urbanística da cidade até à data da sua morte em 1911 - período durante o qual se desenvolve a 
urbanização do Bairro de Campo de Ourique (de iniciativa privada no começo, mas com esquema 
urbano traçado pelos serviços municipais de 1878); da Avenida da Liberdade (concluída em 1886) 
e bairros adjacentes do Conde de Redondo (a Nascente, concluído sob impulso camarário de 
1900) e da Barata Salgueiro (a Poente, com desenvolvimento logo desde 1880); o plano de 1888 
de expansão desde a Rotunda do Marquês para o lado do Campo Grande, nas suas partes 
adjacentes ao Parque da Liberdade (primeiro) e Avenida de Picoas até ao Campo Grande (depois); 
a Avenida dos Anjos (depois Avenida D. Amélia, modernamente Avenida Almirante Reis), para a 
qual já existia projecto em 1877, mas que apenas é aberta em 1903. 
 
Dada a importância na segunda metade do Século XIX das concretizações Haussmanianas, o 
prolongamento para Norte do Passeio Público (jardim alongado e fechado com portões 
sensivelmente onde hoje está a Praça dos Restauradores) sob a forma de um "Boulevard" de gosto 
burguês com a largura de 90 metros reveste-se de evidente inspiração francesa - aliás patente na 
formação de Ressano Garcia - que se prolonga pela restante área das Avenidas. No entanto, 
algumas características destinguem a Lisboa de Ressano Garcia e a Paris de Haussman: 
 
 Na capital portuguesa, o planeamento assenta num exercício de expansão, enquanto que na 
cidade francesa se dá um re-ordenamento do tecido urbano existente. 
 O conceito do engenheiro português encerra uma sensibilidade significativa para com os 
 
 
 
 
3 RASMUSSEN, Steen Eiler. “Towns and Buildings”. The University Press of Liverpool. 1951. 
Ficha B.doc 
 
percursos pré-existentes: Rua das Picoas, Rua do Salitre, Rua de São Sebastião da 
Pedreira/Rua das Portas de Santo Antão, Rua Braamcamp (retomando um caminho rural que 
fazia a ligação do Rato a S. Sebastião), Rua do Sacramento (moderna Tomás Ribeiro), 
Avenida Duque de Ávila retomando a Estrada de Circunvalação, a Rua Gomes Freire 
sobrepondo-se à estrada que ligava o Rego ao Campo de Santana. 
 
 Os desenho urbano parisiense orienta-se por um sistema 
radiado, em que as artérias convergem para nós onde se 
encontram praças circulares, enquanto em Lisboa as rotundas 
têm um efeito sobretudo visual. Na realidade, e analisando as 
plantas da cidade, verifica-se que da Praça Marquês de Pombal 
apenas irradiavam quatro artérias de 30 metros de largura 
(somadas à quinta, a larga Avenida), enquanto na Étoile 
convergem nada menos de 12 avenidas. 
 
Acresce que no Marquês, duas das vias - a Joaquim António de 
Aguiar e a Duque de Loulé - possuiam um papel sobretudo 
simetrizante no conjunto, uma vez que anteriormente ao 
lançamento da Auto-Estrada de Duarte Pacheco a primeira não 
conduzia a nenhum lado, e a segunda resumia-se a umas 
curtas dezenas de metros até à novel Rua Camilo Castelo- 
Branco. 
 
Na Praça Duque de Saldanha (originalmente, Praça de Picoas), a situação é ainda mais 
flagrante - com excepção das óbvias Avenida Fontes Pereira de Melo e da República (que 
inicialmente foi Avenida Ressano Garcia), a única via que de facto irradia é a Avenida Casal 
Ribeiro (que vai ligar à Estefânia). 
 
 
Utopias e Cidades-Jardim 
 
Como reacção às carências da cidade industrial, vão surgir um conjunto de iniciativas para resolver 
essas questões, passando por vezes por propostas utópicas de reorganização da própria 
sociedade4. 
 
Neste âmbito, assume papel pioneiro o filantropo inglêsRobert Owen (1771-1858) que na esteira 
de vários anos de acção filosófica e social em torno da questão do operariado, funda a comunidade 
de New Harmony, no Indiana (EUA), que deveria conter valências agrícolas, industriais, 
habitacionais, hospitalares, escolares, desportivas e sociais, mas que por vários motivos acaba em 
insucesso. 
 
O francês Fourier propõe um outro modelo em que no conjunto do Falanstério, a "Falange" (a 
 
 
 
 
4 Para melhor conhecimento desta matéria, ler "O Urbanismo" de Françoise Choay. Editorial Perspectiva. 
São Paulo, 1979. 
Luisa
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comunidade que se formará) trabalha, estuda e convive; o projecto, constituído por vários edifícios, 
chega a ter uma elaboração bastante detalhada, mas a obra não chega a realizar-se em França. 
Na América, no entanto, na década de 1840 a 1850, o movimento conhece um adesão notável, 
chegando a produzir-se a fundação de 41 comunidades Fourieristas. 
 
Secção do Familistério de Godin 
 
Um dos discípulos de Fourier, Victor Considérant, tenta a fundação, com 250 seguidores, de uma 
comunidade "falangista" no Texas. A iniciativa gorou-se, mas um dos financiadores, o também 
francês Jean Baptiste Godin (1817-1889), industrial de Guise, onde possui uma oficina metalúrgica, 
promove a construção nas proximidades dessa fábrica de uma versão adaptada e mais pequena 
do "Falanstério", a que chamará o "Familistério". O primeiro bloco foi começado em 1859, o bloco 
central em 1862 e o terceiro em 1877; entretanto, foram criados os serviços gerais (1860), a creche 
e o jardim-escola (1862), as escolas, o teatro (1869), os banhos e a lavandaria (1870). 
 
Em 1880 Godin institui uma 
cooperativa entre os seus operários, 
a quem confiou a gestão da fábrica e 
do Familistério. Em 1939, a 
cooperativa ainda se achava activa, 
tendo o estabelecimento inicial sido 
mesmo aumentado. 
 
Em território português, interessará 
apontar o exemplo do empresário 
José da Silva Graça, proprietário do 
importante jornal republicano "O 
Século". Na Rua Formosa (hoje, "Rua 
do Século"), constrói os escritórios e 
tipografias do jornal, e no edifício vizinho manda construir um bloco de habitações para os 
trabalhadores do jornal. A iniciativa não é coroada de um absoluto sucesso, dado que uma boa 
parte dos empregados do jornal não acolhem com grande entusiasmo a deslocação para o novo 
edifício. No entanto, o prédio acaba por ser habitado, desconhecendo-se se por famílias dos 
Luisa
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empregados do jornal, e ainda há poucos anos, já 
após a conversão do conjunto dos blocos habitacional 
e redacção/oficinas tipográficas em sede da Secretaria 
de Estado do Ambiente, residia ainda uma senhora no 
complexo. No âmbito das iniciativas filantrópicas do 
jornal e seus proprietários, interessa também 
comentar a construção da sua Colónia Balnear, em S. 
Pedro do Estoril, para onde os filhos dos funcionários 
iam a banhos nos meses de Verão. 
 
Numa reacção à problemática da cidade industrial de 
contornos igualmente utópicos, salienta-se finalmente 
a celebrada "Cidade-Jardim" de Ebenezer Howard. 
 
Com a ocupação intensiva dos centros das cidades, e 
a construção especulativa dos subúrbios, que 
cumprindo as normas urbanísticas vigentes, não 
deixam de possuir no lucro o fito único da sua acção, 
é natural que o ambiente rural de espaços abertos e 
contacto com a natureza voltasse a ser altamente 
apreciado, numa reacção estética que subscrevem 
Ruskin, Carlyle, Dickens, Engels, Geddes e Howard. 
 
A cidade-jardim tenta associar a vida urbana a um ambiente suburbano de traços rústicos; as casas 
possuem algum terreno ajardinado à sua volta, e as ruas amplas têm árvores plantadas no passeio. 
As ruas são serpenteantes, num gosto inglês que já se lia nos "crescents" neo-clássicos dos John 
Wood, e que terá raízes na "Utopia" de Thomas More, que descreve uma cidade onde o habitante 
se acha rodeado pela natureza.. 
 
As concretizações imediatas das teorias de 
Ebenezer Howard, são importantes, mas 
incomparavelmente superior é a sua relevância 
para a cidade ocidental contemporânea 
européia e americana (do Sul e do Norte), e 
mesmo nas cidades coloniais asiáticas, 
africanas e oceânicas. A sua influência 
estender-se- -á mesmo às propostas 
"modernas" do CIAM e Frank Lloyd Wright. 
 
"As primeiras iniciativas de construção popular, 
patrocinadas por empresários privados ou pelo 
Estado, desenvolvem-se neste clima ideológico 
[...]. 
Luisa
Realce
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Em 1845 foi criada a primeira Society for Improving the Dwellings of the Labouring Class, 
financiada por ricos particulares que renunciavam a qualquer rendimento do capital investido, para 
manter baixo o aluguer dos alojamentos [...]."5 
 
Em 1853, Titus Salt iniciou a construção de uma aldeia-modelo, Saltaire, e no mesmo ano foi 
fundado o burgo de Bromborough pelos operários da fábrica de velas Price. Letchworth (1903) e 
Welwyn, em Inglaterra, seguem também o modelo da cidade-jardim e ainda subsistem 
prósperamente, assim como Margarethen-Hohe, em Essen, fundada pela família de industriais 
Krupp, ou Kronenberg, fundada (1873) pelos mesmos também na envolvente de Essen. A cidade 
operária da fábrica de chocolates Menier em Noisiel sur Marne, Bourneville, fundada (1895) pelo 
industrial chocolateiro George Cadbury seguem modelos e motivações semelhantes, assim como 
Port Sunlight (1887), fundada por W. H. Lever. 
 
Na Península Ibérica no âmbito da teoria da cidade-jardim, interessa mencionar a proposta utópica 
da "Cidade Linear", com uma extensão de 5200 metros, a 7 km. do centro de Madrid, visando criar 
um subúrbio desafogado para os cidadãos que não possuíssem habitação condigna. Em Portugal, 
tendo-se dado a industrialização de um modo mais ténue, mas também mais tardio, é natural que 
toda a problemática da cidade industrial surgisse também mais tardiamente. Assim, se desde finais 
do século XIX a classe operária se vai comprimindo nas "Vilas Operárias" dispersas um pouco por 
toda a cidade, torna-se evidente que algo mais deverá ser feito em prol das massas mais 
desfavorecidas da cidade, e é nesse sentido que a Republica emergente empreende a construção 
do primeiro bairro operário do país: o Arco do Cego, para além da Rua do Arco do Cego, que 
delimitava a cidade a Nascente. 
 
A construção do bairro do Arco do Cego, aproveitando a Lei dos Solos de 1912, que estabelece o 
regime geral das expropriações necessárias à expansão urbana, aos melhoramentos do Estado e à 
construção de bairros operários, inicia-se em 1919, arrastando-se até 1935. A fábrica de cerâmica 
"Lusitana" já existia no local, aproveitando as ricas barreiras que aí haviam. Um terminal de 
eléctricos importante na vizinhança justificava também a selecção do local. 
 
 
 
5 GOITIA, Fernando Chueca. op. cit. 
Ficha B.doc 
 
 
O plano geral, que não chega a completar-se, seguia sensivelmente a modalidade da "cidade- 
jardim", incluindo a ambiciosa localização de um hospital, uma casa de repouso, correios, esquadra 
da GNR, administração do bairro, uma escola profissional, um mercado, um volumoso teatro-circo- 
biblioteca que assumiria o centro do conjunto (onde em 1940 se irá construir o Liceu Filipa de 
Lancastre), e um restaurante comunitário. O promotor foi o estado, através do Ministério do 
Trabalho, e os autores do projecto os arquitectos Edmundo Tavares e Frederico Carvalho. O saldo 
(das rendas das casas) deveria reverter para a fundação de bairros similares. 
 
Na vizinhança do aeroporto da Portela vai surgir um outro bairro de habitações económicas, 
inaugurado em 1942: o Bairro da Encarnação. "Eis que hoje precisamente nós vamos começar a 
obra da casa económica, da casa dos mais pobres, casa salubre, independente, ajeitada como um 
ninho - lar da família operária, lar modesto, recolhido, português" - discursava o Presidente do 
Concelho, Oliveira Salazar. 
 
Paulino Montez traduziu tudo isto num bairro de pequenas moradias em estilo neo-tradicionalportuguês, com a curiosidade acrescida de o ter desenhado em forma de borboleta: uma alameda 
central, como corpo principal, com o edifício dos bombeiros numa extremidade e uma igreja na 
outra; as "asas" enquadrando uma sequência de ruas, paralelas e simétricas, com casas 
monotonamente iguais e imitando, em ponto pequeno, uma normal habitação burguesa da época. 
 
A distribuição das moradias regia-se pelas 
ordens do decreto. Seriam privilegiados chefes 
de família, empregados, operários ou outros 
assalariados que fossem sócios dos sindicatos 
nacionais, funcionários do Estado, civis e 
militares, dos corpos e corporações 
administrativas e operários dos respectivos 
quadros permanentes, "segundo preferências 
fixadas". Do significado desta ultima 
expressão, muitos foram os que duvidaram, 
constando (e verificando-se até certo ponto) 
que o critério tinha sobretudo a ver com a 
ligação mais ou menos próxima ao regime 
vigente. 
 
O sistema seguia modelos da Itália de Mussolini e da España de Franco, que sensivelmente na 
mesma época punham em marcha também campanhas de povoamento das partes mais 
desabitadas do país. A Junta de Colonização Interna, criada en 1936, punha à disposição do 
povoamento do Alentejo as terras abandonadas. Uma lei de 1937 visando realizar a «colonização 
interna», mas que jamais se pôs em prática, chegou a propôr a possibilidade de expropriação de 
terras. 
Ficha B.doc 
 
O colono teria que reunir as seguintes condições: «Ser português, menor de 45 anos, robusto e 
saudável, sério, ter amor ao trabalho e à família, não ser alcoólico, nem agitador, nem comunista, 
acatar a Constituição e a ordem social, ter exercido durante 5 anos mesteres agrícolas […], ou ser 
diplomado pela escola agrícola».6 
 
Sendo em aula apresentados apenas alguns representantes mais assumidos do modelo "cidade- 
jardim" entre nós – há que acrescentar que urbanizações de filiação mais ou menos directa nos 
postulados de Howard, há-os em quase todas as cidades portuguesas. 
 
Com o avanço dos séculos XIX e XX, os aspectos legislativos e técnicos da prática inicial do 
Planeamento Urbano Ocidental serão gradualmente aperfeiçoados, desde a primitiva 
regulamentação higienista britânica, de 1844 e 1846, e portuguesas de 1864, 1885 (Plano Geral de 
Melhoramentos) e 1903 (Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas); às experiências 
originais holandesas de Planeamento (os Planos Reguladores Gerais) em 1901, e portuguesas, em 
1934 (os Planos Gerais de Urbanização) e 1971 (Planos Parciais de Urbanização e Planos de 
Pormenor). Não só o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (o Decreto-Lei 38 382 de 7 de 
Agosto de 1951, vulgo RGEU), vem consagrar alguma da experimentação urbanística desse 
período, apontando algum articulado desse documento para a forma urbana promovida pelo 
movimento da “Cidade Jardim”, como também os decretos-lei 4137, de 25 de Abril de 1918, relativo 
à promoção de Bairros de Casas Económicas e o 23052 de 1933, relativo ao Regime de Rendas 
Resolúveis virão impulsionar os modernos empreendimentos habitacionias de cariz social do 
Estado Novo na principais cidades do país – seguindo eles próprios o modelo defendido por 
Ebenezer Howard. 
 
O Dec.-Lei 38 382: 
Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) 
 
O Decreto-Lei 38 382 de 7 de Agosto de 1951, “Regulamento Geral das Edificações Urbanas”, 
constitui o pilar fundamental da “arte de bem construir” na República Portuguesa. Publicado há 
mais de meio século, por um elenco governativo ainda presidido por António de Oliveira Salazar, 
veio revogar o igualmente histórico Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, anexo 
ao Decreto de 14 de Fevereiro de 1903, bem como um conjunto de legislação avulsa em vigor até à 
data de aprovação do 38 382. Na introdução à sua concepção, o legislador manifestava já na 
época, contudo, a possibilidade, e até necessidade, da realização e publicação de legislação 
específica a áreas concretas da construção, através de regulamentos especiais que efectivamente 
são publicados sucessivamente relativos a, por exemplo, redes de esgotos e abastecimento de 
água, betão armado, electricidade, gás, etc. 
 
Tratando-se de um documento de trabalho indispensável a todo o agente participante na área do 
projecto e da construção em Portugal, o carácter extremamente abrangente do RGEU faz dele 
 
 
 
 
6 BAPTISTA, Fernando. Agricultura, espaço e sociedade rural. Editorial Fora do Texto. Coimbra, 
1993. 
Ficha B.doc 
 
contudo uma peça que também deve ser dada a conhecer a qualquer profissional do domínio do 
Urbanismo e mesmo – porque não dizê-lo – da sociedade portuguesa. 
 
A sua revisão foi realizada sucessivamente no tempo, com alterações em 1952, 1962, 1963, 1975, 
1982, 1985, 1986, 1990, 1993, 1999 e, finalmente, 2001, com a publicação do Decreto-Lei 177 de 4 
de Junho. 
 
Entre outro articulado relevante, salientam-se: 
 
TÍTULO II 
CONDIÇÕES GERAIS DAS EDIFICAÇÕES 
. 
. 
. 
Artigo 40º. O pavimento dos andares térreos deve assentar 
sobre uma camada impermeável ou, quando a sua estrutura for 
de madeira, ter caixa de ar com a altura mínima de 0,50 m e 
ventilada por circulação transversal de ar, assegurada por 
aberturas praticadas nas paredes. Destas aberturas, as 
situadas nas paredes exteriores terão dispositivos 
destinados a impedir, tanto quanto possível, a passagem de 
objectos ou animais. 
 
Artigo 41º. Os pavimentos das casas de banho, retretes, 
copas, cozinhas e outros locais onde forem de recear 
infiltrações serão assentes em estruturas imputrescíveis e 
constituídas por materiais impermeáveis apresentando uma 
superfície plana, lisa e facilmente lavável. 
 
 
TÍTULO III 
CONDIÇÕES ESPECIAIS RELATIVAS À SALUBRIDADE DAS 
EDIFICAÇÕES E DOS TERRENOS DE CONSTRUÇÃO 
. 
. 
. 
Art. 59º. A altura de qualquer edificação será fixada de 
forma que em todos os planos verticais perpendiculares à 
fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés 
ou acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela 
linha recta a 45, traçada em cada um desses planos a partir 
do alinhamento da edificação fronteira, definido pela 
intersecção do seu plano com o terreno existente V. arts. 
61º e 62º. 
§ 1º. Nas edificações construídas sobre terrenos em declive 
consentir-se-á, na parte descendente a partir do referido 
plano médio, uma tolerância de altura até ao máximo de 1,50 
m. 
§ 2º. Nos edifícios de gaveto formado por dois arruamentos 
de largura ou de níveis diferentes, desde que se não 
Ficha B.doc 
 
imponham soluções especiais, a fachada sobre o arruamento 
mais estreito ou mais baixo poderá elevar-se até à altura 
permitida para o outro arruamento, na extensão máxima de 15 
metros. 
§ 3º. Nas edificações que ocupem todo o intervalo entre dois 
arruamentos de larguras ou níveis diferentes, salvo nos 
casos que exijam soluções especiais, as alturas das fachadas 
obedecerão ao disposto neste artigo. 
§ 4º. Em caso de simples interrupção de continuidade numa 
fila de construções poderá o intervalo entre as duas 
edificações confinantes ser igual à média das alturs dessas 
edificações, sem prejuízo, no entanto, do disposto no artigo 
60º. 
 
Art. 60º. Independentemente do estabelecido no artigo 
anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações 
nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não 
poderá ser inferior a 10 metros. V. arts. 59º, § 4º e 61º. 
 
§ único. Tratando-se de arruamentos já ladeados, no todo ou 
na maior parte, por edificações, as câmaras municipais 
poderão, sem prejuízo do que esteja previsto em plano de 
urbanização aprovado, estabelecer alinhamentos com menor 
intervalo, não inferior, contudo, ao definido pelas 
construções existentes. 
 
 
CAPÍTULO III 
DISPOSIÇÕES INTERIORES DAS EDIFICAÇÕES 
E ESPAÇOS LIVRES 
 
Com particular realce para os: 
 
Artigos 65º a 71º, 
77º. a 80º. 
 
As instâncias municipais, contudo, através de Posturas 
Municipais avulsas, Instrumentos de Planeamentoou Normas 
Regulamentares específicas, poderão ainda condicionar a 
actuação nas esferas da Arquitectura e Urbanismo. A título 
de exemplo apresentam-se os artigos iniciais das Normas da 
CMLisboa para intervenção nos espaços históricos da cidade.

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