Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ficha 10 – 15.10.2019 As Reacções à Cidade Industrial A Revolução Industrial vai introduzir uma classe social nova no mundo ocidental, que habitando os apertados espaços da cidade que lhe são deixados, e partilhando dos momentos de trabalho e de lazer na fábrica, se começa a organizar e reivindicar melhores condições de vida: o operariado. Com a primeira década do século XIX, a classe operária encena as primeiras manifestações para exigir melhores salários, horários de trabalho mais curtos, e também melhor habitação. Alguns confrontos das massas laborais com as forças da ordem, bem como a constatação pelo poder político das ínfimas condições de higiene com que se constrói, que se tornam particularmente notadas com a eclosão de um vasto surto de cólera nas principais cidades industriais nos anos 30 desse século, vão levar ao esboço de uma nóvel legislação urbanística de contornos higienistas, que se vai materializar na Lei britânica de 9 de Agosto de 1844, em que se publicam os requisitos higiénicos mínimos para os alojamentos de aluguer e a proibição da habitação em divisões subterrâneas a partir de Julho de 1846. Dá-se assim origem ao Urbanismo enquanto ciência que estuda os fenómenos urbanos, e que formula, caracteriza e antecipa os modos de crescimento da cidade. “A liberdade completa, concedida às iniciativas privadas, é limitada pela intervenção da administração. […] Da cidade liberal passa-se à cidade pós-liberal.1” Trata-se de uma reacção ao crescimento desenfreado da cidade industrial, que havia produzido uma “quebra” com a evolução histórica “biológica” da cidade. A legislação de tipo urbanístico vai naturalmente produzir modelos de construção da cidade característicos, em que a quadrícula urbana que conhecemos desde Hipódamo se vai implantar de um modo particularmente inexpressivo, obedecendo a regras de especulação e utilitarismo, com resultados monótonos e indiferenciados. Na Barcelona de Cerdá, as ruas são todas iguais, sem qualquer gradação hierárquica, de modo a que todos os lotes possam obter uma cotação financeira homogénea, ainda que em certos casos, como na cidade burguesa de Haussman, mais opulenta e de aparência mais barroca, se procura “[…] enobrecer o novo ambiente urbano com os instrumentos urbanísticos tradicionais: a busca da regularidade, a escolha de um edifício monumental antigo ou moderno como pano de fundo de cada nova rua, a obrigação de manter uniforme a arquitectura das fachadas nas praças e nas ruas mais importantes.”2 No entanto, e particularmente nos subúrbios de habitação operária, predomina o modelo mais apropriado para o “negócio” imobiliário, essencialmente pragmático, e tentando maximizar o rendimento do terreno, ainda que cumprindo a legislação agora em vigor. 1 e 2 BENEVOLO, Leonardo. “História da Cidade”. Editora Perspectiva, 3ª. Edição. São Paulo, 1999. Luisa Realce Luisa Realce Ficha B.doc A Lisboa de Ressano Garcia “O desenvolvimento típico da cidade continental é como segue: primeiro, as novas ruas são traçadas nos arredores da cidade. O sistema de esgotos é instalado e os lancis dos passeios e os candeeiros aparecem. Normalmente a construção começa nos lotes de esquina. Muito rapidamente as casas crescem tão alto quanto as leis permitem. Elas ficam sós, como fantasmas pairando no meio do campo vazio, com grandes empenas cegas sobre os lotes vizinhos cobertos de ervas, presságios sinistros do que o futuro tinha guardado. O terreno poluíra-se. Nada poderá já salvá-lo. Está condenado a ser coberto com sombrios quartéis do imobiliário, com pavimentos em pedra e pátios em betão. Quem, agora, quererá erguer pequenas e acolhedoras moradias e plantar jardins à sombra das paredes altas e vazias? O terreno poderá ficar vazio de dez a vinte anos, ou até mais, mas eventualmente eles viriam, aqueles altos e aborrecidos blocos apertadamente amontoados, habitados por milhares de trabalhadores cansados e pálidos.”3 Olhando a descrição de Rasmussen, sob o título “Land and Speculation” (terreno e especulação), não deixamos de ajustá-la às várias plantas do início do século XX das Avenidas do Plano de Frederico Ressano Garcia, engenheiro formado na "École Impériale des Ponts et Chaussées" de Paris em 1869. Este engenheiro português, que após breve passagem pela Câmara Municipal de Belém ingressa por concurso no quadro do município da capital em 1874 vai ficar ligado intimamente à política urbanística da cidade até à data da sua morte em 1911 - período durante o qual se desenvolve a urbanização do Bairro de Campo de Ourique (de iniciativa privada no começo, mas com esquema urbano traçado pelos serviços municipais de 1878); da Avenida da Liberdade (concluída em 1886) e bairros adjacentes do Conde de Redondo (a Nascente, concluído sob impulso camarário de 1900) e da Barata Salgueiro (a Poente, com desenvolvimento logo desde 1880); o plano de 1888 de expansão desde a Rotunda do Marquês para o lado do Campo Grande, nas suas partes adjacentes ao Parque da Liberdade (primeiro) e Avenida de Picoas até ao Campo Grande (depois); a Avenida dos Anjos (depois Avenida D. Amélia, modernamente Avenida Almirante Reis), para a qual já existia projecto em 1877, mas que apenas é aberta em 1903. Dada a importância na segunda metade do Século XIX das concretizações Haussmanianas, o prolongamento para Norte do Passeio Público (jardim alongado e fechado com portões sensivelmente onde hoje está a Praça dos Restauradores) sob a forma de um "Boulevard" de gosto burguês com a largura de 90 metros reveste-se de evidente inspiração francesa - aliás patente na formação de Ressano Garcia - que se prolonga pela restante área das Avenidas. No entanto, algumas características destinguem a Lisboa de Ressano Garcia e a Paris de Haussman: Na capital portuguesa, o planeamento assenta num exercício de expansão, enquanto que na cidade francesa se dá um re-ordenamento do tecido urbano existente. O conceito do engenheiro português encerra uma sensibilidade significativa para com os 3 RASMUSSEN, Steen Eiler. “Towns and Buildings”. The University Press of Liverpool. 1951. Ficha B.doc percursos pré-existentes: Rua das Picoas, Rua do Salitre, Rua de São Sebastião da Pedreira/Rua das Portas de Santo Antão, Rua Braamcamp (retomando um caminho rural que fazia a ligação do Rato a S. Sebastião), Rua do Sacramento (moderna Tomás Ribeiro), Avenida Duque de Ávila retomando a Estrada de Circunvalação, a Rua Gomes Freire sobrepondo-se à estrada que ligava o Rego ao Campo de Santana. Os desenho urbano parisiense orienta-se por um sistema radiado, em que as artérias convergem para nós onde se encontram praças circulares, enquanto em Lisboa as rotundas têm um efeito sobretudo visual. Na realidade, e analisando as plantas da cidade, verifica-se que da Praça Marquês de Pombal apenas irradiavam quatro artérias de 30 metros de largura (somadas à quinta, a larga Avenida), enquanto na Étoile convergem nada menos de 12 avenidas. Acresce que no Marquês, duas das vias - a Joaquim António de Aguiar e a Duque de Loulé - possuiam um papel sobretudo simetrizante no conjunto, uma vez que anteriormente ao lançamento da Auto-Estrada de Duarte Pacheco a primeira não conduzia a nenhum lado, e a segunda resumia-se a umas curtas dezenas de metros até à novel Rua Camilo Castelo- Branco. Na Praça Duque de Saldanha (originalmente, Praça de Picoas), a situação é ainda mais flagrante - com excepção das óbvias Avenida Fontes Pereira de Melo e da República (que inicialmente foi Avenida Ressano Garcia), a única via que de facto irradia é a Avenida Casal Ribeiro (que vai ligar à Estefânia). Utopias e Cidades-Jardim Como reacção às carências da cidade industrial, vão surgir um conjunto de iniciativas para resolver essas questões, passando por vezes por propostas utópicas de reorganização da própria sociedade4. Neste âmbito, assume papel pioneiro o filantropo inglêsRobert Owen (1771-1858) que na esteira de vários anos de acção filosófica e social em torno da questão do operariado, funda a comunidade de New Harmony, no Indiana (EUA), que deveria conter valências agrícolas, industriais, habitacionais, hospitalares, escolares, desportivas e sociais, mas que por vários motivos acaba em insucesso. O francês Fourier propõe um outro modelo em que no conjunto do Falanstério, a "Falange" (a 4 Para melhor conhecimento desta matéria, ler "O Urbanismo" de Françoise Choay. Editorial Perspectiva. São Paulo, 1979. Luisa Realce Ficha B.doc comunidade que se formará) trabalha, estuda e convive; o projecto, constituído por vários edifícios, chega a ter uma elaboração bastante detalhada, mas a obra não chega a realizar-se em França. Na América, no entanto, na década de 1840 a 1850, o movimento conhece um adesão notável, chegando a produzir-se a fundação de 41 comunidades Fourieristas. Secção do Familistério de Godin Um dos discípulos de Fourier, Victor Considérant, tenta a fundação, com 250 seguidores, de uma comunidade "falangista" no Texas. A iniciativa gorou-se, mas um dos financiadores, o também francês Jean Baptiste Godin (1817-1889), industrial de Guise, onde possui uma oficina metalúrgica, promove a construção nas proximidades dessa fábrica de uma versão adaptada e mais pequena do "Falanstério", a que chamará o "Familistério". O primeiro bloco foi começado em 1859, o bloco central em 1862 e o terceiro em 1877; entretanto, foram criados os serviços gerais (1860), a creche e o jardim-escola (1862), as escolas, o teatro (1869), os banhos e a lavandaria (1870). Em 1880 Godin institui uma cooperativa entre os seus operários, a quem confiou a gestão da fábrica e do Familistério. Em 1939, a cooperativa ainda se achava activa, tendo o estabelecimento inicial sido mesmo aumentado. Em território português, interessará apontar o exemplo do empresário José da Silva Graça, proprietário do importante jornal republicano "O Século". Na Rua Formosa (hoje, "Rua do Século"), constrói os escritórios e tipografias do jornal, e no edifício vizinho manda construir um bloco de habitações para os trabalhadores do jornal. A iniciativa não é coroada de um absoluto sucesso, dado que uma boa parte dos empregados do jornal não acolhem com grande entusiasmo a deslocação para o novo edifício. No entanto, o prédio acaba por ser habitado, desconhecendo-se se por famílias dos Luisa Realce Ficha B.doc empregados do jornal, e ainda há poucos anos, já após a conversão do conjunto dos blocos habitacional e redacção/oficinas tipográficas em sede da Secretaria de Estado do Ambiente, residia ainda uma senhora no complexo. No âmbito das iniciativas filantrópicas do jornal e seus proprietários, interessa também comentar a construção da sua Colónia Balnear, em S. Pedro do Estoril, para onde os filhos dos funcionários iam a banhos nos meses de Verão. Numa reacção à problemática da cidade industrial de contornos igualmente utópicos, salienta-se finalmente a celebrada "Cidade-Jardim" de Ebenezer Howard. Com a ocupação intensiva dos centros das cidades, e a construção especulativa dos subúrbios, que cumprindo as normas urbanísticas vigentes, não deixam de possuir no lucro o fito único da sua acção, é natural que o ambiente rural de espaços abertos e contacto com a natureza voltasse a ser altamente apreciado, numa reacção estética que subscrevem Ruskin, Carlyle, Dickens, Engels, Geddes e Howard. A cidade-jardim tenta associar a vida urbana a um ambiente suburbano de traços rústicos; as casas possuem algum terreno ajardinado à sua volta, e as ruas amplas têm árvores plantadas no passeio. As ruas são serpenteantes, num gosto inglês que já se lia nos "crescents" neo-clássicos dos John Wood, e que terá raízes na "Utopia" de Thomas More, que descreve uma cidade onde o habitante se acha rodeado pela natureza.. As concretizações imediatas das teorias de Ebenezer Howard, são importantes, mas incomparavelmente superior é a sua relevância para a cidade ocidental contemporânea européia e americana (do Sul e do Norte), e mesmo nas cidades coloniais asiáticas, africanas e oceânicas. A sua influência estender-se- -á mesmo às propostas "modernas" do CIAM e Frank Lloyd Wright. "As primeiras iniciativas de construção popular, patrocinadas por empresários privados ou pelo Estado, desenvolvem-se neste clima ideológico [...]. Luisa Realce Ficha B.doc Em 1845 foi criada a primeira Society for Improving the Dwellings of the Labouring Class, financiada por ricos particulares que renunciavam a qualquer rendimento do capital investido, para manter baixo o aluguer dos alojamentos [...]."5 Em 1853, Titus Salt iniciou a construção de uma aldeia-modelo, Saltaire, e no mesmo ano foi fundado o burgo de Bromborough pelos operários da fábrica de velas Price. Letchworth (1903) e Welwyn, em Inglaterra, seguem também o modelo da cidade-jardim e ainda subsistem prósperamente, assim como Margarethen-Hohe, em Essen, fundada pela família de industriais Krupp, ou Kronenberg, fundada (1873) pelos mesmos também na envolvente de Essen. A cidade operária da fábrica de chocolates Menier em Noisiel sur Marne, Bourneville, fundada (1895) pelo industrial chocolateiro George Cadbury seguem modelos e motivações semelhantes, assim como Port Sunlight (1887), fundada por W. H. Lever. Na Península Ibérica no âmbito da teoria da cidade-jardim, interessa mencionar a proposta utópica da "Cidade Linear", com uma extensão de 5200 metros, a 7 km. do centro de Madrid, visando criar um subúrbio desafogado para os cidadãos que não possuíssem habitação condigna. Em Portugal, tendo-se dado a industrialização de um modo mais ténue, mas também mais tardio, é natural que toda a problemática da cidade industrial surgisse também mais tardiamente. Assim, se desde finais do século XIX a classe operária se vai comprimindo nas "Vilas Operárias" dispersas um pouco por toda a cidade, torna-se evidente que algo mais deverá ser feito em prol das massas mais desfavorecidas da cidade, e é nesse sentido que a Republica emergente empreende a construção do primeiro bairro operário do país: o Arco do Cego, para além da Rua do Arco do Cego, que delimitava a cidade a Nascente. A construção do bairro do Arco do Cego, aproveitando a Lei dos Solos de 1912, que estabelece o regime geral das expropriações necessárias à expansão urbana, aos melhoramentos do Estado e à construção de bairros operários, inicia-se em 1919, arrastando-se até 1935. A fábrica de cerâmica "Lusitana" já existia no local, aproveitando as ricas barreiras que aí haviam. Um terminal de eléctricos importante na vizinhança justificava também a selecção do local. 5 GOITIA, Fernando Chueca. op. cit. Ficha B.doc O plano geral, que não chega a completar-se, seguia sensivelmente a modalidade da "cidade- jardim", incluindo a ambiciosa localização de um hospital, uma casa de repouso, correios, esquadra da GNR, administração do bairro, uma escola profissional, um mercado, um volumoso teatro-circo- biblioteca que assumiria o centro do conjunto (onde em 1940 se irá construir o Liceu Filipa de Lancastre), e um restaurante comunitário. O promotor foi o estado, através do Ministério do Trabalho, e os autores do projecto os arquitectos Edmundo Tavares e Frederico Carvalho. O saldo (das rendas das casas) deveria reverter para a fundação de bairros similares. Na vizinhança do aeroporto da Portela vai surgir um outro bairro de habitações económicas, inaugurado em 1942: o Bairro da Encarnação. "Eis que hoje precisamente nós vamos começar a obra da casa económica, da casa dos mais pobres, casa salubre, independente, ajeitada como um ninho - lar da família operária, lar modesto, recolhido, português" - discursava o Presidente do Concelho, Oliveira Salazar. Paulino Montez traduziu tudo isto num bairro de pequenas moradias em estilo neo-tradicionalportuguês, com a curiosidade acrescida de o ter desenhado em forma de borboleta: uma alameda central, como corpo principal, com o edifício dos bombeiros numa extremidade e uma igreja na outra; as "asas" enquadrando uma sequência de ruas, paralelas e simétricas, com casas monotonamente iguais e imitando, em ponto pequeno, uma normal habitação burguesa da época. A distribuição das moradias regia-se pelas ordens do decreto. Seriam privilegiados chefes de família, empregados, operários ou outros assalariados que fossem sócios dos sindicatos nacionais, funcionários do Estado, civis e militares, dos corpos e corporações administrativas e operários dos respectivos quadros permanentes, "segundo preferências fixadas". Do significado desta ultima expressão, muitos foram os que duvidaram, constando (e verificando-se até certo ponto) que o critério tinha sobretudo a ver com a ligação mais ou menos próxima ao regime vigente. O sistema seguia modelos da Itália de Mussolini e da España de Franco, que sensivelmente na mesma época punham em marcha também campanhas de povoamento das partes mais desabitadas do país. A Junta de Colonização Interna, criada en 1936, punha à disposição do povoamento do Alentejo as terras abandonadas. Uma lei de 1937 visando realizar a «colonização interna», mas que jamais se pôs em prática, chegou a propôr a possibilidade de expropriação de terras. Ficha B.doc O colono teria que reunir as seguintes condições: «Ser português, menor de 45 anos, robusto e saudável, sério, ter amor ao trabalho e à família, não ser alcoólico, nem agitador, nem comunista, acatar a Constituição e a ordem social, ter exercido durante 5 anos mesteres agrícolas […], ou ser diplomado pela escola agrícola».6 Sendo em aula apresentados apenas alguns representantes mais assumidos do modelo "cidade- jardim" entre nós – há que acrescentar que urbanizações de filiação mais ou menos directa nos postulados de Howard, há-os em quase todas as cidades portuguesas. Com o avanço dos séculos XIX e XX, os aspectos legislativos e técnicos da prática inicial do Planeamento Urbano Ocidental serão gradualmente aperfeiçoados, desde a primitiva regulamentação higienista britânica, de 1844 e 1846, e portuguesas de 1864, 1885 (Plano Geral de Melhoramentos) e 1903 (Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas); às experiências originais holandesas de Planeamento (os Planos Reguladores Gerais) em 1901, e portuguesas, em 1934 (os Planos Gerais de Urbanização) e 1971 (Planos Parciais de Urbanização e Planos de Pormenor). Não só o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (o Decreto-Lei 38 382 de 7 de Agosto de 1951, vulgo RGEU), vem consagrar alguma da experimentação urbanística desse período, apontando algum articulado desse documento para a forma urbana promovida pelo movimento da “Cidade Jardim”, como também os decretos-lei 4137, de 25 de Abril de 1918, relativo à promoção de Bairros de Casas Económicas e o 23052 de 1933, relativo ao Regime de Rendas Resolúveis virão impulsionar os modernos empreendimentos habitacionias de cariz social do Estado Novo na principais cidades do país – seguindo eles próprios o modelo defendido por Ebenezer Howard. O Dec.-Lei 38 382: Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) O Decreto-Lei 38 382 de 7 de Agosto de 1951, “Regulamento Geral das Edificações Urbanas”, constitui o pilar fundamental da “arte de bem construir” na República Portuguesa. Publicado há mais de meio século, por um elenco governativo ainda presidido por António de Oliveira Salazar, veio revogar o igualmente histórico Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, anexo ao Decreto de 14 de Fevereiro de 1903, bem como um conjunto de legislação avulsa em vigor até à data de aprovação do 38 382. Na introdução à sua concepção, o legislador manifestava já na época, contudo, a possibilidade, e até necessidade, da realização e publicação de legislação específica a áreas concretas da construção, através de regulamentos especiais que efectivamente são publicados sucessivamente relativos a, por exemplo, redes de esgotos e abastecimento de água, betão armado, electricidade, gás, etc. Tratando-se de um documento de trabalho indispensável a todo o agente participante na área do projecto e da construção em Portugal, o carácter extremamente abrangente do RGEU faz dele 6 BAPTISTA, Fernando. Agricultura, espaço e sociedade rural. Editorial Fora do Texto. Coimbra, 1993. Ficha B.doc contudo uma peça que também deve ser dada a conhecer a qualquer profissional do domínio do Urbanismo e mesmo – porque não dizê-lo – da sociedade portuguesa. A sua revisão foi realizada sucessivamente no tempo, com alterações em 1952, 1962, 1963, 1975, 1982, 1985, 1986, 1990, 1993, 1999 e, finalmente, 2001, com a publicação do Decreto-Lei 177 de 4 de Junho. Entre outro articulado relevante, salientam-se: TÍTULO II CONDIÇÕES GERAIS DAS EDIFICAÇÕES . . . Artigo 40º. O pavimento dos andares térreos deve assentar sobre uma camada impermeável ou, quando a sua estrutura for de madeira, ter caixa de ar com a altura mínima de 0,50 m e ventilada por circulação transversal de ar, assegurada por aberturas praticadas nas paredes. Destas aberturas, as situadas nas paredes exteriores terão dispositivos destinados a impedir, tanto quanto possível, a passagem de objectos ou animais. Artigo 41º. Os pavimentos das casas de banho, retretes, copas, cozinhas e outros locais onde forem de recear infiltrações serão assentes em estruturas imputrescíveis e constituídas por materiais impermeáveis apresentando uma superfície plana, lisa e facilmente lavável. TÍTULO III CONDIÇÕES ESPECIAIS RELATIVAS À SALUBRIDADE DAS EDIFICAÇÕES E DOS TERRENOS DE CONSTRUÇÃO . . . Art. 59º. A altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés ou acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno existente V. arts. 61º e 62º. § 1º. Nas edificações construídas sobre terrenos em declive consentir-se-á, na parte descendente a partir do referido plano médio, uma tolerância de altura até ao máximo de 1,50 m. § 2º. Nos edifícios de gaveto formado por dois arruamentos de largura ou de níveis diferentes, desde que se não Ficha B.doc imponham soluções especiais, a fachada sobre o arruamento mais estreito ou mais baixo poderá elevar-se até à altura permitida para o outro arruamento, na extensão máxima de 15 metros. § 3º. Nas edificações que ocupem todo o intervalo entre dois arruamentos de larguras ou níveis diferentes, salvo nos casos que exijam soluções especiais, as alturas das fachadas obedecerão ao disposto neste artigo. § 4º. Em caso de simples interrupção de continuidade numa fila de construções poderá o intervalo entre as duas edificações confinantes ser igual à média das alturs dessas edificações, sem prejuízo, no entanto, do disposto no artigo 60º. Art. 60º. Independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a 10 metros. V. arts. 59º, § 4º e 61º. § único. Tratando-se de arruamentos já ladeados, no todo ou na maior parte, por edificações, as câmaras municipais poderão, sem prejuízo do que esteja previsto em plano de urbanização aprovado, estabelecer alinhamentos com menor intervalo, não inferior, contudo, ao definido pelas construções existentes. CAPÍTULO III DISPOSIÇÕES INTERIORES DAS EDIFICAÇÕES E ESPAÇOS LIVRES Com particular realce para os: Artigos 65º a 71º, 77º. a 80º. As instâncias municipais, contudo, através de Posturas Municipais avulsas, Instrumentos de Planeamentoou Normas Regulamentares específicas, poderão ainda condicionar a actuação nas esferas da Arquitectura e Urbanismo. A título de exemplo apresentam-se os artigos iniciais das Normas da CMLisboa para intervenção nos espaços históricos da cidade.
Compartilhar