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357211216-Max-Scheler-A-situacao-do-homem-no-cosmos-pdf

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MAX SCHELER
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
Título Original: Die Stellung des Menschen im Kosmos
Autor: Max Scheler 
Tradução: Artur Morão
Grafismo: Cristina Leal
Paginação: Vitor Pedro
Todos os direitos reservados desta edição para
Edições Texto & Grafia, Lda.
Avenida Óscar Monteiro Torres, n.º 55, 2.º Esq.
1000-217 Lisboa
Telefone: 21 797 70 66
Fax: 21 797 81 30
E-mail: texto-grafia@texto-grafia.pt
www.texto-grafia.pt
Impressão e acabamento:
Papelmunde, SMG, Lda.
1.ª edição, Junho de 2008
ISBN: 978-989-95689-6-9
Depósito Legal n.º 278384/08
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida
no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
sem a autorização do Editor.
Qualquer transgressão à lei do Direito de Autor
será passível de procedimento judicial.
É em torno da ideia de conhecimento articulado com as 
necessidades de aquisição de uma cultura geral consistente que 
se projecta a colecção “Biblioteca Universal”.
Tendo como base de trabalho uma selecção criteriosa de 
autores e temas – dos quais se destacarão as áreas das ciências 
sociais e humanas –, pretende-se que a colecção esteja aberta a 
todos os ramos de saber, sejam de natureza filosófica, técnica, 
científica ou artística.
7
APRESENTAÇÃO
presente escrito de Max Scheler poderia, de 
certo modo, olhar-se quase como um “mani-
festo”. Com ele se traçam, de facto, as linhas 
fundamentais de uma nova disciplina que, mais tarde, viria 
a figurar no currículo de muitas faculdades universitárias sob 
o nome de “Antropologia filosófica”. É, a esse título e apesar 
da sua brevidade, um texto fundamental da filosofia contem-
porânea, e fruto igualmente de uma das mentes alemãs mais 
atentas, enérgicas e radiosas da primeira metade do século 
XX. Representa, ao mesmo tempo, o resumo coeso, denso e 
brilhante, de um projecto antropológico muito mais vasto que 
o autor tinha em mente realizar, que por ele foi repetidamente 
anunciado e prometido, mas nunca de todo levado a efeito. Em 
parte devido à morte prematura do filósofo em 1928, com a 
idade de 54 anos; em parte ainda devido ao espírito inquieto, 
quase vulcânico, de Max Scheler, fonte perene de ideias e de 
intuições geniais, mas talvez sem paciência e concentração para 
o trabalho lento de as organizar numa obra sistemática. 
No seu estado definitivo, mas de índole programática, 
este escrito é o desenvolvimento de uma conferência dada 
pelo autor em 24 de Abril de 1927, numa jornada rotulada 
de “Escola da sabedoria” (“Schule der Weisheit”) e organi-
zada pelo Conde Hermann Keyserling em Darmstadt à volta 
do tema “Homem e Terra”, na qual participaram também, 
entre outros, C. G. Jung e Leo Frobenius. Dentro da evo-
lução intelectual do filósofo, situa-se naquele que é habitual 
e consentâneo reconhecer como o segundo período do seu 
pensamento, que vai de 1920/22 a 1928 e representa uma 
O
8
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
inflexão significativa em relação aos anteriores motivos e 
núcleos da sua reflexão, graças aos quais Max Scheler havia 
conquistado um lugar de grande destaque na cena filosófica 
da Alemanha. 
De facto, o primeiro período, desdobrado ao longo do arco 
temporal de 1897 a 1920, centrara-se nos temas das emo-
ções humanas, do amor, da natureza da pessoa, dos valores 
e da sua respectiva hierarquia, do “eterno no homem”, ou 
seja, do “divino”; insistira, ao mesmo tempo, numa crítica 
virulenta a Kant, a Husserl e às noções de razão e consciên-
cia puras, próprias do idealismo alemão, contrapondo-lhes o 
lugar central do coração, do homem como “ens amans”, na 
linha agostiniana (do “ordo amoris”) e pascaliana (das “raisons 
du coeur”). 
O segundo período, em contrapartida, desenha uma 
viragem dramática no itinerário scheleriano; por um lado, 
o filósofo distancia-se da fé católica, de que antes fora um 
paladino muito apreciado e a cuja sombra desentranhara uma 
notabilíssima filosofia da religião; por outro, continua atento 
ao problema do “divino”, mas agora inserido numa visão do 
processo cósmico universal, em que adquirem realce os temas 
da energia vital (‘impulso’) e do ‘espírito’. Mas este é olhado 
como “impotente”, como necessitando das condições vitais, 
da história e das dimensões culturais para se realizar como 
‘espírito’, num processo evolutivo de ‘teomorfose’ de cunho 
panteísta, englobando todas as esferas da vida, desde a planta 
até ao elemento espiritual.
Aqui se inscreve A situação do homem no cosmos. Depois 
de constatar na cultura europeia três ideias irreconciliáveis 
do ‘homem’, que inspiraram respectivamente uma antro-
pologia teológica, outra filosófica e uma terceira científico-
-natural, Max Scheler apresenta o seu projecto de uma dou-
trina englobante do ser humano. Começa por fazer uma 
distinção entre o conceito sistemático-natural e o conceito 
9
APRESENTAÇÃO
essencial de ‘homem’, que possibilite o seu enquadramento 
e faça sobressair a sua posição específica no todo cósmico. 
A filosofia, ao encarar o homem terrestre, deve igualmente 
atender à organização vital do sujeito de conhecimento e à 
sua vontade de domínio. Em virtude da sua participação no 
impulso vital biopsíquico, o homem encontra-se radicado na 
série gradual das forças e capacidades psíquicas que, desde a 
planta, passando pelos animais mais insignificantes, chega ao 
nível dos animais superiores. No entanto, a sua especificidade 
não radica em ulteriores estádios do ser orgânico e vital, mas 
na dimensão espiritual, radicada no cosmos. Enquanto pes-
soa, as suas características são a abertura ao mundo, a cons-
ciência de si, a capacidade de objectivação. Enquanto espírito, 
dispõe de actos emocionais e volitivos, do poder de ideação e 
da intuição de fenómenos originários, que o capacitam para 
a “redução fenomenológica” e a consequente apreensão de 
conteúdos essenciais, autónomos, autógenos e inderiváveis de 
outras realidades. Nesta idoneidade reside o critério de toda 
a configuração cultural, mas cujo cumprimento só é possível 
através da fantasia impulsiva determinadora de imagens sob 
a direcção e o controlo do espírito. Se este é, na sua forma, 
originariamente desprovido de força, o impulso vital, por seu 
lado, carece de direcção no seu movimento. Por isso, a meta 
de todo o ser e acontecer finitos é a recíproca compenetração 
do espírito originariamente impotente e da força avassaladora 
do impulso, cego perante todas as ideias e valores espirituais – 
a espiritualização da vida e o revigoramento vital do espírito. 
Neste drama metafísico, que resume e condensa todo o acon-
tecer cósmico, o homem torna-se ‘colaborador de Deus’, em 
cujo ser absoluto, também ele em processo de auto-realização, 
têm o seu fundamento a natureza e o espírito.
* * *
10
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
O texto original, a partir do qual se fez a tradução aqui pro-
posta, encontra-se no volume IX das Obras Completas [Gesam‑
melte Werke] de Max Scheler, editadas pela Francke Verlag de 
Berna/Munique, 1976, pp. 7-71, sob a supervisão de Manfred 
S. Frings.
Artur Morão
* * *
Nota do Editor:
Os títulos das secções e subsecções [entre parêntesis 
rectos] não aparecem no texto de origem; indicam‑se para 
orientação do leitor e para uma identificação mais fácil dos 
conteúdos, à medida que vão sendo expostos.
11
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
ste trabalho constitui um resumo breve e muito 
conciso das minhas ideias sobre alguns pontos ful-
crais da antropologia filosófica; dela me ocupo desde 
há anos e aparecerá no início de 1929. As questões – Que é o 
homem, e qual é a sua situação no ser? – assediaram-me, desde 
o despertar da minha consciência filosófica, de um modo mais 
essencial do que qualquer outra questão filosófica. Os esforços 
de longos anos com que em todas as vertentes abordei o pro-
blema condensaram-se, desde 1922, na elaboração de uma obra 
mais vasta consagrada a este tema; e vi, com satisfação cres-
cente, que a maior parte de todos os problemas da filosofia, por 
mim já tratados, desembocava cada vez mais nesta questão.De muitos lados me expressaram o desejo de que a minha 
conferência “A situação peculiar do homem” (ver também Der 
Leuchter, VIII, 1927) que fiz em Darmstadt em Abril de 1927, 
na jornada da Escola da Sabedoria, aparecesse publicada à 
parte. Aqui se responde a tal desejo. 
Se o leitor se quiser informar sobre o desenvolvimento das 
minhas ideias em torno deste grande tema, recomendo-lhe a 
leitura sucessiva de: – 1. O ensaio Zur Idee des Menschen [Sobre 
a ideia do homem], que apareceu pela primeira vez na revista 
Summa em 1914 e foi, mais tarde, inserido na minha colectâ-
nea de ensaios e de artigos Von Umsturz der Werte (A subver-
são dos valores) 3.ª ed., 1927, Leipzig, 1923. Em seguida, na 
mesma obra, o meu ensaio (1912) O ressentimento na génese das 
morais. – 2. As secções correspondentes no meu livro Formalis‑
mus in der Ethik und die materiale Wertethik [Formalismo na 
ética e ética material dos valores] (1913/1916), 3.ª ed., Leipzig 
E
12
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
1927 1. Em seguida os capítulos relativos à especificidade da 
vida emocional no homem em Wesen und Formen der Sympa‑
thie [Essência e formas da simpatia], 3.ª ed., Bona. – 3. Sobre 
a relação do homem com a teoria da história e da sociedade, 
deveria referir-se o meu artigo Mensch und Geschichte [Homem 
e História] na Neue Rundschau de Novembro de 1926 (que 
aparecerá provavelmente no Outono de 1928 numa brochura 
especial, na editora da Neue Schweitzer Rundschau, Zurique, e 
também a minha obra Die Wissensformen und die Gesellschaft 
[As formas do saber e a sociedade], Leipzig 1926. Sobre a 
relação do homem, do saber e da cultura, comparem-se Die 
Formen des Wissens und die Bildung [As formas do saber e a 
cultura], Bona, 1915. – 4. Quanto às possibilidades de evolu-
ção do homem, expressei-me na conferência Der Mensch im 
kommenden Zeitalter des Ausgleichs [O homem na era futura do 
compromisso], impressa na colectânea que em breve aparecerá: 
Ausgleich als Aufgabe und Schicksal [Compromisso como tarefa 
e destino], editada pela Escola Superior alemã de política, na 
série “Ciência política”, Berlim, 1928.
Nas lições que, entre 1922 e 1928, dei na Universidade de 
Colónia sobre os “fundamentos da biologia”, a “antropolo-
gia filosófica”, a “teoria do conhecimento” e a “metafísica”, já 
várias vezes expus, de modo pormenorizado – e muito além 
do fundamento aqui proposto –, os resultados das minhas 
investigações. 
Posso constatar, com satisfação, que os problemas de 
uma antropologia filosófica se tornaram hoje na Alemanha o 
1 Nesta obra, importa ler, entre outros, os capítulos dedicados à 
teoria da realidade, da experiência e da percepção, p. 109 ss.; à crítica das 
teorias naturalistas do homem, p. 278 ss; ao estrato da vida emocional, 
p. 340 ss; e à pessoa, p. 384 ss. Cf. também no índice analítico dos 
assuntos, acrescentado à 3.ª ed., as referências indicadas pelos termos 
“homem”, “físico”, “psíquico”, etc, etc.
13
 verdadeiro centro de todas as pesquisas [no campo] da filosofia, 
e que fora dos círculos filosóficos especializados, também os 
biólogos, os médicos, os psicólogos e os sociólogos se esforçam 
por constituir uma nova imagem da estrutura essencial do 
homem.
E todavia nunca na história, de todos nós conhecida, o 
homem foi, tanto como hoje, um problema para si mesmo. No 
momento em que reconheceu que, menos do que nunca, possui 
um conhecimento rigoroso do que ele é, e em que a resposta 
possível a esta questão, seja ela qual for, a esta questão não o 
atemoriza, o homem parece animado de uma nova coragem: a 
coragem da verdade; ousa então levantar esta questão essencial 
de um modo novo, sem a associar, mais ou menos consciente-
mente, como até aqui era habitual, a uma tradição teológica, 
filosófica e científico-natural; e, firmando-se no tesouro con-
siderável de saberes particulares, que as diferentes ciências do 
homem constituiram, atreve-se a elaborar uma forma nova da 
sua autoconsciência e da intuição de si próprio.
Francoforte, fim de Abril, 1928
Max Scheler
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
15
e a um europeu culto se perguntar que entende ele 
pela palavra ‘homem’, quase sempre começam, na sua 
cabeça, a defrontar-se três âmbitos de ideias de todo 
inconciliáveis. Primeiro, o universo intelectual da tradição 
judeo-cristã de Adão e Eva, da criação, do paraíso e da queda. 
Em segundo lugar, o círculo de ideias da Grécia antiga em que, 
pela primeira vez no mundo, a autoconsciência do homem se 
elevou a um conceito da sua situação particular, mediante a 
tese de que o homem é homem pela posse da “razão”, logos, 
phronesis, ratio, mens, etc. – Logos significa aqui tanto o discurso 
como a aptidão para apreender a ‘quididade’ de todas as coisas. 
Estreitamente unida a esta ideia está a doutrina segundo a qual 
existe também, subjacente ao todo integral, uma “razão” sobre-
-humana, da qual o homem, e só ele entre todos os seres, par-
ticipa. O terceiro círculo intelectual, também ele já há muito 
transformado em tradição, é o da ciência moderna da natureza 
e da psicologia genética: o homem seria o resultado final, muito 
tardio, da evolução do planeta Terra – um ser que se distingue 
das formas animais que o precederam só pelo grau de complica-
ção das combinações de energias e de capacidades que, em si, se 
encontram já na natureza infra-humana. Estes três círculos de 
ideias não têm entre si unidade alguma. Possuímos assim uma 
antropologia científico-natural, uma antropologia filosófica e 
uma antropologia teológica, que mutuamente se ignoram – do 
homem, porém, não possuímos nenhuma ideia unitária. Ademais, 
por valiosa que possa ser a multiplicidade sempre crescente 
das ciências especiais que tratam do homem, ela, em vez de 
elucidar, oculta a sua essência. Se pensarmos também que os 
INTRODUÇÃO
S
16
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
três referidos sistemas de ideias da tradição se encontram hoje 
muito abalados, que a solução darwiniana do problema da 
nossa origem foi afectada de um modo muito especial, pode 
dizer-se que nunca como agora, em época alguma da história, 
o homem se tornou para si mesmo tão problemático. 
Decidi, por isso, sobre uma base mais ampla, fornecer 
um novo ensaio de antropologia filosófica. No que se segue, 
discutir-se-ão apenas alguns pontos que concernem à essência 
do homem em relação ao animal e à planta, em seguida, à sua 
peculiar situação metafísica e indicar-se-á uma pequena parte 
dos resultados a que cheguei.
Não se pode atacar a questão da situação peculiar do ser 
humano sem perscrutar a insidiosa ambiguidade encerrada já 
na palavra e no conceito “homem”. A palavra especificará, em 
primeiro lugar, as características particulares que o homem, no 
plano morfológico, possui, enquanto subgrupo dos vertebrados 
e dos mamíferos. É evidente, seja qual for o resultado desta 
construção conceptual, que o ser vivo denominado homem, 
não só permanece subordinado ao conceito de animal, mas 
constitui também um rincão, relativamente muito pequeno, 
do reino animal. Tal continua ainda a ser verdade mesmo se, 
com Lineu, se designar o ser humano como “o pico da série 
dos vertebrados mamíferos” (o que, aliás, é muito discutível 
no domínio factual e conceptual), pois este pico, como toda 
a sumidade de uma coisa, pertence ainda à coisa de que ele 
é pico. De um modo totalmente independente de semelhante 
conceito, confluem na unidade do homem a marcha vertical, 
a transformação da coluna vertebral, o equilíbrio do crânio, o 
poderoso desenvolvimento do seu cérebro e as configurações 
orgânicas suscitadas pelo andar erecto (como a mão preênsil 
com o polegar oponível, a regressão da mandíbula e dos den-
tes); mas o próprio termo “homem” designa, na linguagem 
de todos os dias e em todos os povos civilizados, algo de tão 
17
inteiramente diverso que só com dificuldade se encontrará na 
linguagem humana um outro vocábulo, que ostente análoga 
ambiguidade. Deve ele significar igualmente um conjunto de 
coisas que se opõem do modo mais estritoao conceito de “ani-
mal em geral” e, por conseguinte, a todos os mamíferos e ver-
tebrados. E opõe-se a estes no mesmo sentido que, porventura, 
ao infusório stentor, embora seja difícil contestar que o ser vivo 
apelidado de “homem” é, do ponto de vista morfológico, fisio-
lógico e psicológico, incomparavelmente mais semelhante a um 
chimpanzé do que o homem e o chimpanzé a um infusório. 
Este segundo conceito deve, claro está, ter um sentido intei-
ramente diverso, uma origem de todo diferente do primeiro 2. 
É desejo meu chamar ao segundo conceito o conceito eidético 
do homem, em oposição ao primeiro, de cunho sistemático-
-natural. Será em geral legítimo este segundo conceito, que 
atribui ao homem enquanto tal uma situação peculiar, incom-
parável a qualquer outra posição específica de uma espécie? 
Tal é o nosso tema.
2 Cfr., a este respeito, o ensaio “Sobre a ideia de homem” (1914), na 
obra Von Umsturz der Werte. Demonstro aí que o conceito tradicional 
do homem é constituído pela semelhança com Deus; que, portanto, 
pressupõe já a ideia de Deus como centro de referência. 
INTRODUÇÃO
19
ó nos é possível clarificar a situação peculiar do homem, 
se examinarmos a estrutura global do mundo bio-
psíquico. Tomarei então como ponto de partida uma 
série gradual das forças psíquicas e das capacidades, que a ciência, 
pouco a pouco, destacou. Quanto ao limite do psíquico, ele 
coincide em geral com o limite do vivo 3. Além das proprie-
dades essenciais objectivas que se manifestam nas coisas que 
dizemos “vivas”, como o automovimento, a autoformação, a 
autodiferenciação, a autodelimitação no espaço e no tempo 
(não há aqui que entrar nos seus pormenores), é um facto que os 
seres vivos não só são objectos para observadores externos, mas 
também possuem um ser para‑si e uma interioridade (Fürsich 
und Innensein) em que se apreendem a si mesmos, uma carac-
terística a eles essencial – a cujo respeito se pode mostrar que 
ela tem a mais íntima comunhão, na estrutura e na forma de 
fluxo, com os fenómenos objectivos da vida. É o lado psíquico 
da autonomia, do movimento espontâneo, etc., do ser vivo em 
geral – o fenómeno originário psíquico da vida.
[Impulso afectivo (planta)]
O grau ínfimo do psíquico – ao mesmo tempo o vapor 
que tudo impele até às alturas mais luminosas da actividade 
espiritual e fornece a energia eficaz aos mais puros actos do 
3 Revelou-se errónea a doutrina segundo a qual o psíquico só 
começa com a “memória associativa”, ou somente no animal − ou até 
só no homem (Descartes). Mas é arbitrário atribuir um psiquismo ao 
inorgânico. 
[I – HIERARQUIA DO SER 
PSICOFÍSICO]
S
20
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
pensamento e aos mais ternos gestos da bondade irradiante – é 
constituído pelo “impulso afectivo” (Gefühlsdrang) inconsciente, 
privado de sensação e de representação. Nele não há ainda sepa-
ração entre “sentimento” (Gefühl) e “pulsão” (Trieb) (que, como 
tal, tem já sempre uma orientação específica e uma finalidade 
“para” algo, por exemplo, alimento, satisfação sexual, etc.). Um 
simples “movimento de aproximação”(Hinzu), por exemplo em 
direcção à luz, e “um movimento de retirada” (Vonweg), um 
prazer e uma dor sem objecto, os seus dois únicos estados. Mas 
o impulso afectivo é já muito afastado dos centros e campos 
de forças subjacentes às imagens transconscientes, que deno-
minamos corpos “anorgânicos”; em nenhum sentido se pode 
atribuir a estes uma interioridade.
Este primeiro estádio do devenir psíquico, tal como se apre-
senta no impulso afectivo, devemos e podemos atribuí-lo já à 
planta. A impressão de que a esta falta um estado interno nasce 
apenas da lentidão dos seus processos vitais; frente à lupa do 
tempo, esmorece esta impressão. Mas não se trata de à planta 
atribuir já a “sensação” e a “consciência”, como fez Fechner. 
Quem, como ele, considera – erroneamente – a “sensação” e a 
“consciência” como as componentes básicas mais elementares 
do psíquico deveria recusar à planta a ocorrência anímica. O 
impulso afectivo da planta está já, sem dúvida, ordenado ao 
seu meio, a um crescimento nela segundo as orientações fun-
damentais do “em cima” e do “em baixo”, para a luz e para 
a terra; todavia, está apenas ordenado ao todo indeterminado 
dessas direcções do meio, às possíveis resistências e realidades 
nelas presentes – importantes para a vida do organismo vegetal 
–, mas não a determinadas componentes e estímulos do meio 
ambiente, a que corresponderiam particulares qualidades sen-
soriais e elementos imaginais. Por exemplo, a planta reage espe-
cificamente à intensidade dos raios luminosos, mas não altera 
a sua reacção segundo as cores e as orientações dos raios. De 
acordo com investigações aprofundadas feitas, não há muito, 
21
pelo botânico holandês Blaauw, à planta não se podem atri-
buir tropismos específicos, sensações, nem sequer os mínimos 
começos de um arco reflexo; também não associações e reflexos 
condicionados, por conseguinte, nenhuma espécie de “órgãos 
dos sentidos”, como os que Haberlandt tentou circunscrever. 
Demonstrou-se que os fenómenos motores desencadeados por 
estímulos, e que anteriormente se referiam a semelhantes coi-
sas, são componentes dos movimentos gerais de crescimento da 
planta. Se perguntarmos o que é o conceito mais geral de 
“sensação” – nos animais superiores, as estimulações exercidas 
sobre o cérebro pelas glândulas de secreção interna poderiam 
representar as sensações mais primitivas e estar na base tanto 
das sensações orgânicas como das dos processos externos –, 
então ele é o conceito da réplica específica de um momentâneo 
estado orgânico e motor do ser vivo a um centro e a possibili-
dade de, graças a esta réplica, modificar os movimentos que se 
vão seguir no próximo momento temporal. No sentido desta 
determinação conceptual, a planta não tem nenhuma sensação, 
nenhuma “memória” específica que ultrapasse a dependência 
dos seus estados vitais relativamente ao todo da sua pré-história, 
e nenhuma genuína capacidade de aprendizagem, como a que 
já apresentam até os mais simples infusórios. As investigações 
que, supostamente, atribuíram às plantas reflexos condiciona-
dos e uma certa aptidão para a domesticação, poderiam muito 
bem ter-se transviado. 
Do que nos animais chamamos “vida instintiva” existe, na 
planta, apenas a geral pulsão para o crescimento e a reprodução, 
ínsita no impulso afectivo. A planta demonstra, pois, com a 
máxima clareza, que a vida não é essencialmente “vontade de 
poder”, mas, sim, que o impulso para a reprodução e para a 
morte é o impulso originário de toda a vida. Não escolhe por 
si o alimento, não se comporta activamente na fecundação; é 
fecundada passivamente pelo vento, pelas aves, pelos insectos 
e, como em geral prepara o alimento de que necessita a partir 
[I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO]
22
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
da matéria inorgânica que, em certa medida, existe em toda a 
parte, não precisa, como o animal, de procurar sítios determi-
nados para encontrar alimentos. A planta não tem a margem 
do movimento local espontâneo do animal, não tem nenhuma 
sensação ou pulsão específica, não tem nenhuma associação ou 
reflexo condicionado, não tem nem sistema motor nem sistema 
nervoso, é um todo de carências, que se apreendem claramente 
e sem equívoco a partir da sua estrutura de ser. Pode mostrar-se 
que, se a planta possuísse uma só que fosse destas coisas, deveria 
possuir também outra e todas as outras. Como não há sensação 
sem impulso e sem início de uma acção motora, é forçoso que 
onde falta o sistema motor seja também inexistente um sistema 
de sensações. A multiplicidade das qualidades sensoriais, que 
um organismo animal possui, nunca é maior do que a diversi-
dade da sua mobilidade espontânea – e é função da última.
A orientação essencial da vida, designada pelo termo “vege-
tal”, “vegetativo” – os múltiplos fenómenos de transição, já 
conhecidos de Aristóteles, entre a planta e o animal, provam 
que não lidamosaqui com conceitos empíricos – é uma pulsão 
exclusivamente dirigida para fora. Por isso, falo, a respeito da 
planta, de impulso afectivo “extático”, para indicar a carência 
total de réplica, típica da vida animal, dos estados orgânicos a 
um centro, a ausência plena de um retorno da vida a si mesma, 
de uma re‑flexio primitiva, do mais débil estado interno “cons-
ciente”. Pois a consciência só aparece na primitiva re‑flexio da 
sensação, e tal sempre por ocasião de resistências – toda a cons-
ciência assenta na dor e todos os graus superiores da consciência 
na dor crescente – com que depara o movimento espontâneo 
originário. Juntamente com a consciência, com a sensação, falta 
à planta toda a “vigilância” vital, que dimana apenas da função 
vígil da sensação. Mas a planta pode dispensar as sensações, 
justamente porque – sendo o maior químico entre os seres vivos 
– prepara ela própria, a partir das substâncias inorgânicas, o 
material da sua construção orgânica. A sua existência é assim 
23
absorvida pela nutrição, pelo crescimento, pela reprodução e 
pela morte (sem duração vital específica).
Na existência vegetal, encontra-se já, todavia, o fenómeno 
originário da expressão, uma certa fisionomia dos seus estados 
internos, das condições circunstanciais do impulso afectivo do 
ser interno da sua vida, como murcho, vigoroso, luxuriante, 
pobre. A “expressão” é um fenómeno primigénio da vida – de 
nenhum modo, como pensava Darwin, um conjunto de acções 
teleológicas atávicas. Em contrapartida, o que de todo falta à 
planta são as funções de notificação, com que deparamos em 
todos os animais, e que determinam toda a interacção entre 
eles; tornam o animal já bastante independente da presença 
imediata das coisas necessárias à sua vida. Só no homem é que, 
nas funções de expressão e de notificação, se edifica a função 
representativa e denominativa dos signos. Não encontramos no 
mundo vegetal o duplo princípio, essencial a todos os animais 
que vivem em grupo, de pioneiro e seguidores, de ostentação 
e imitação.
Em virtude da ausência de centralização da vida vegetal, 
sobretudo da inexistência de um sistema nervoso, a dependên-
cia dos órgãos e das funções orgânicas é nas plantas, por natu-
reza, mais íntima do que nos animais: cada estímulo, graças 
ao sistema reticular de condução das estimulações, presente 
na planta, altera nela todo o estado vital em maior medida 
do que acontece no animal. Por isso, a planta presta-se com 
maior, e não menor, dificuldade a uma explicação mecânica da 
vida do que o animal (em geral). Pois, só com o aumento da 
centralização do sistema nervoso no animal cresce também a 
independência das suas reacções parciais – e, assim, uma certa 
aproximação do corpo animal à estrutura da máquina.
Além disso, a individualização, isto é, a medida da consis-
tência espacial e temporal, é muito menor na planta do que 
no animal. A planta não é capaz de uma adaptação activa ao 
ambiente morto e vivo; por isso, no caso das suas efectivas 
[I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO]
24
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
relações teleóclinas 4 com o contexto anorgânico do seu meio, 
e ainda com os insectos e com as aves, etc., pode dizer-se que 
ela atesta, em maior medida do que o animal, não só a unidade 
da vida em sentido metafísico, ínsita em todos os fenóme-
nos figurais morfológicos, mas também o devir progressivo de 
todo o tipo de elaborações das formas de vida em complexos 
compactos de matéria e energia. É descabido o princípio de 
utilidade, tão desmedidamente valorizado pelos darwinistas e 
teístas – como se, num sentido objectivamente teleológico, a 
planta existisse ali “para” o animal, o animal “para” o homem, 
como se na natureza existisse um anelo que tem por fim o 
ser humano; despropositado é também o lamarckismo. Além 
disso, as formas luxuriantes das suas partes folhosas indicam, 
na sua plenitude, ainda de modo mais enfático do que a riqueza 
de formas e cores dos animais, a presença de um princípio 
que actua ludicamente e domina só de modo estético, na raiz 
desconhecida da vida.
O primeiro estádio da vertente interna da vida, o impulso 
afectivo, está presente não só em todos os animais, mas tam-
bém no homem. (Este – como veremos – congrega em si todos 
os graus essenciais da existência em geral, em particular da 
vida, e nele a natureza inteira, pelo menos quanto às suas 
regiões essenciais, chega à unidade mais concentrada do seu 
ser). Não há nenhuma sensação, nenhuma percepção, nenhuma 
representação, que não assente neste impulso obscuro, e que 
este não sustenha com o seu fogo que se imiscui incessante-
mente nos tempos do sono e da vigília – inclusive, a sensação 
mais elementar nunca é só efeito da excitação, mas é sempre 
também função de uma atenção pulsional. O impulso repre-
senta ao mesmo tempo a unidade de todas as tendências e 
emoções humanas, na sua rica articulação. Segundo alguns 
4 Palavra composta, de origem grega, que significa “inclinar-se para 
um fim”. N. do T.
25
sábios modernos, ele poderia estar localizado no nosso tronco 
cerebral que, provavelmente, é também o centro das funções 
das glândulas endócrinas, mediadoras dos processos somáticos 
e anímicos. Ademais, o impulso afectivo é, no homem, o sujeito 
da vivência primária de resistência, a qual constitui a raiz de 
toda a noção de “realidade” e de “ factualidade”, sobretudo da 
unidade e da impressão de realidade efectiva, prévia a todas 
as funções representativas. A representação e o pensamento 
mediato (raciocínio) nunca nos podem indicar coisa alguma 
excepto o “ser-assim” (Sosein) e o “ser-outro” (Anderssein) da 
realidade efectiva. Esta, enquanto “ser-real” do real, só nos é 
dada numa resistência geral ligada à angústia, a saber, numa 
vivência da resistência 5. 
Do ponto de vista “organológico”, o sistema nervoso “vege-
tativo”, que regula sobretudo a distribuição do alimento, repre-
senta no homem, como já o seu nome indica, o que nele ainda 
subsiste de natureza vegetativa. Uma subtracção periódica de 
energia no sistema animal, que regula o comportamento dinâ-
mico exterior, em benefício do sistema vegetativo é, prova-
velmente, a condição fundamental do ritmo dos estados de 
sono e de vigília. O sono é, assim, um estado relativamente 
vegetativo.
[Instinto (animal)]
A segunda forma anímica essencial, que se segue ao impulso 
afectivo extático na hierarquia objectiva da vida, é por nós vis-
lumbrada no que designamos como “instinto” – palavra obscura, 
muito controversa segundo a sua interpretação e o seu sentido. 
Subtrair-nos-emos a esta obscuridade, abstendo-nos, antes de 
mais, de toda a definição por meio de conceitos psicológicos 
5 Cfr. os meus ensaios “Erkenntnis und Arbeit” in Die Wissensfor‑
men und die Gesellschaft (1926) e “Idealismus – Realismus” in Philoso‑
phischen Anzeiger, 2, Fasc. 3, Bona 1927.
[I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO]
26
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
e determinando o instinto (e os subsequentes estádios essen-
ciais) só a partir do chamado “comportamento” do ser vivo. Tal 
“comportamento” é sempre objecto de observação externa e 
presta-se à descrição. Pode determinar-se sem atender às uni-
dades fisiológicas do movimento que o suportam, e também 
sem introduzir na sua característica conceitos de excitação física 
ou química. Independentemente de toda a explicação causal, 
quer fisiológica quer psicológica, e antes dela, podemos apreen-
der unidades e mudanças da conduta de um ser vivo, quando 
se alteram os elementos do meio, e obtemos assim relações 
regulares, que são já significativas na medida em que apre-
sentam um carácter holístico e teleóclino. Os “behavioristas” 
erram quando, no conceito de comportamento, incorporam já 
o processo fisiológico da sua ocorrência. O valor deste conceito 
consiste precisamente em ele ser um conceito psicofisicamente 
indiferente. Ou seja, todo o comportamento é sempre também 
expressão de estados internos; pois, nada há de intrapsíquico 
que não se “expresse”, imediata oumediatamente, na conduta. 
Por conseguinte, ele pode e deve explicar-se sempre, ao mesmo 
tempo, de dois modos, fisiológico e psicológico: é tão erróneo 
preferir a explicação psicológica à explicação fisiológica como a 
segunda à primeira. O “comportamento” é o campo de obser-
vação, descritivamente “médio”, de que devemos partir.
Nesta acepção, chamamos “instintivo” a um comporta-
mento que possui as seguintes características: primeiro, deve 
ter um sentido, quer dizer, ser de tal modo que relativamente ao 
todo do portador da vida, à sua alimentação e reprodução, ou 
ao conjunto de outros portadores da vida, possua um carácter 
teleológico (ao serviço de interesses próprios ou estranhos). 
Deve, em segundo lugar, desenrolar-se segundo um ritmo fixo, 
inalterável. Depara-se com este ritmo, não nos órgãos que 
se usam para a conduta e que, com a remoção de qualquer 
um deles, se podem alterar; também não na combinação de 
movimentos singulares, que podem mudar, segundo a situação 
27
de partida do corpo animal numa tarefa ou operação seme-
lhante. A natureza amecânica do instinto, a impossibilidade de 
o reduzir a combinações de reflexos isolados ou em cadeias (a 
“tropismos”, como Loeb fez), está assim garantida. Este ritmo, 
esta forma temporal, cujas partes reciprocamente se exigem, 
também não os têm os movimentos significativos, adquiridos 
por associação, por exercício e hábito – segundo o princípio 
que Jennings designou de “tentativa e erro”. O nexo de sen-
tido não precisa de se vincular a situações presentes, mas pode 
igualmente visar situações muito afastadas no tempo e no 
espaço. Por exemplo, os preparativos de um animal em vista 
do inverno ou da postura dos ovos não são, decerto, carentes 
de sentido, embora se possa demonstrar que ele, enquanto indi-
víduo, jamais viveu situações semelhantes, e que aí se encontra 
excluída a informação, a tradição, a imitação dos congéneres; 
comporta-se, como o faz já o electrão, segundo a teoria dos 
quantos: “como se” previsse um estado futuro.
Um terceiro rasgo do comportamento instintivo é que ele 
responde somente a situações que se repetem de modo típico, 
que são importantes para a vida da espécie enquanto tal, mas 
não para a experiência peculiar do indivíduo. O instinto está 
sempre ao serviço da espécie, quer da própria quer de outra, 
com a qual a primeira se encontra numa importante relação 
vital (as formigas e os seus hóspedes; formações de fungos nas 
plantas; insectos e aves, que fecundam os vegetais, etc.). Esta 
característica distingue nitidamente a conduta instintiva, pri-
meiro, do “treino espontâneo” por “tentativa e erro” e de toda 
a “aprendizagem”; em segundo lugar, do uso da “inteligência” 
– porque, como veremos, são ambos originariamente úteis ao 
indivíduo, e não à espécie. A conduta instintiva nunca é, pois, 
uma reacção aos conteúdos peculiares do meio, que variam de 
indivíduo para indivíduo, mas apenas a uma estrutura muito 
especial, a um tipo específico de organização dos possíveis ele-
mentos do ambiente. Enquanto os conteúdos particulares 
[I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO]
28
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
podem ser profundamente modificados, sem que o instinto 
se transvie e induza a enganos, a mínima mudança da estru‑
tura suscitará erros. Eis o que se caracteriza como “rigidez” 
do instinto, em contraste com os modos de comportamento 
extremamente plásticos, que se baseiam no treino, na auto-
-instrução e na inteligência. Na sua poderosa obra, Souvenirs 
entomologiques, J.-H. Fabre aduziu, com a máxima precisão, 
uma multiplicidade ingente de semelhante comportamento 
instintivo. A esta subserviência à espécie é inerente o facto de o 
instinto, nos seus rasgos fundamentais, ser inato e hereditário: e 
decerto enquanto aptidão especificada para tal comportamento, 
e não apenas enquanto aptidão geral para adquirir modos de 
conduta, como também o são, naturalmente, o hábito, o treino 
e a inteligência. Aliás, o carácter inato não significa aqui que o 
comportamento, que importa apelidar de instintivo, se deveria 
desenrolar logo após o nascimento, mas somente que ele está 
ordenado a períodos determinados de crescimento e de matu-
ridade, e até eventualmente a formas diversas dos animais (no 
caso de polimorfismo). 
Por fim, uma característica muito importante do instinto 
é esta: ele representa uma conduta que é independente do 
número das tentativas feitas por um animal para enfrentar uma 
situação: pode, neste sentido, designar-se como previamente já 
pronto. Se não é possível conceber a genuína organização do 
animal como suscitada por meio de pequenos passos de varia-
ções diferenciadas, também não se pode explicar o “instinto” 
mediante a adição de movimentos parciais bem sucedidos. 
Pode, sem dúvida, o instinto ser especializado pela experiência 
e pela aprendizagem, como se vê, por exemplo, nos instintos 
dos animais predadores, aos quais é inato o perseguir uma 
determinada presa, mas não a arte de levar a bom termo tal 
exercício. Mas o que o exercício e a experiência aqui realizam 
corresponde apenas, por assim dizer, às variações de uma melo-
dia, não à aquisição de outra nova. O instinto está, portanto, 
29
já incorporado na morfogénese dos próprios seres vivos e actua, 
na mais estreita ligação, com as funções fisiológicas configu-
radoras, que constituem as formas estruturais do corpo do 
animal.
Deveras relevante é a relação do instinto com as sensações, 
com a actividade das funções sensoriais e com os órgãos dos 
sentidos, e também com a memória. Exclui-se que o instinto 
surja só graças às experiências sensoriais externas (sensualismo). 
O estímulo da sensação desencadeia apenas o decurso ritmica-
mente firme da actividade instintiva, sem determinar que ele 
ocorra de um certo modo. Estímulos de sensações olfactivas 
e visuais podem aqui desencadear a mesma actividade – mas 
não devem ser sequer da mesma modalidade, e menos ainda 
da mesma qualidade, as sensações que fomentam tal desen-
cadeamento. Antes se verifica a proposição inversa: o que um 
animal para si pode representar e sentir é, em geral, regido e 
determinado a priori pela relação dos seus instintos inatos à 
estrutura do meio ambiente. O mesmo vale acerca das suas pro‑
duções mnésicas: emergem estas sempre no sentido e no âmbito 
das suas tarefas instintivas predominantes, da sua sobredeter-
minação; e só de modo secundário é importante a frequência 
das ligações associativas dos reflexos condicionados e dos exer-
cícios. O animal, que pode ver e ouvir, vê e ouve apenas o que é 
relevante para a sua conduta instintiva – inclusive, em análogos 
estímulos e condições sensoriais da sensação. Na história da 
evolução, as vias nervosas aferentes e os órgãos receptores só 
se formaram todos após o estabelecimento das vias nervosas 
eferentes e dos órgãos efectores. No homem é ainda subjacente 
ao ver o impulso para ver e, a este, o impulso geral para a 
vigília; o impulso para o sono encerra os órgãos e as funções 
sensoriais. Por isso, a memória, tal como a vida sensorial, está 
totalmente rodeada pelo instinto, nele imersa. As chamadas 
acções “impulsivas” do homem são nele o absoluto contrário 
[I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO]
30
SITUAÇÃO DO HOMEM NO COSMOS
da acção instintiva; olhadas na sua inteireza, podem ser de todo 
absurdas (por exemplo a busca de um veneno tóxico).
Demonstrou-se já como impossível (Jennings – Alverdes) 
toda a derivação dos modos instintivos de comportamento 
a partir de tropismos e taxias 6 mecanicamente concebidos 
(Loeb) – que são, antes, instintos mais simples –, toda a redu-
ção a combinações de reflexos isolados das vias motoras (que, 
segundo investigações recentes, não existem; nem sequer o 
reflexo patelar ou o reflexo de fechar as pálpebras é um reflexo 
mecânico) e a reflexos em cadeias. Igualmente impossível, 
porém, é reduzir o instinto à herança de modos de conduta 
que assentam no “hábito” e no “treino espontâneo” (Spencer), 
ou seja, em última análise, na regularidadeassociativa e no 
reflexo condicionado, ou ver nele uma automatização ulterior 
do comportamento “inteligente” (Wundt). O devir do instinto 
de uma espécie é um produto parcial da própria formação 
específica; o instinto é, “em linha pura”, de todo inalterá-
vel. Passos parciais, como os do hábito e do exercício, não o 
podem modificar, como também não a “arquitectura” de um 
animal. O instinto é, sem dúvida, uma forma mais primitiva 
do ser e acontecer do que as formações anímicas complexas 
determinadas por associações. É-nos possível mostrar que os 
fluxos psíquicos, subsequentes à regularidade associativa (de 
harmonia com o hábito), se localizam no sistema nervoso bas-
tante mais acima, são, portanto, geneticamente mais tardios 
do que os modos instintivos de conduta. De facto, os modos 
comportamentais sensorialmente unitários (agarrar uma coisa, 
cantar uma melodia) podem ainda ter lugar em manifestações 
patológicas de deficiência, onde já não se consegue extrair 
algo de sensorialmente menos articulado (movimentos isola-
dos, como mover apenas um dedo; ou cantar a escala). Estas 
6 Palavra de origem grega, ligada à biologia, que significa “ordena-
ção”, “classificação”. N. do T.
111
 APRESENTAÇÃO ........................................................ 7
 PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ........................... 11
 INTRODUÇÃO ........................................................... 15
[Impulso afectivo (planta)] ................................................. 19
 [I – HIERARQUIA DO SER PSICOFÍSICO] ................... 19
[Instinto (animal)] ............................................................. 25
[Memória associativa] ........................................................ 32
[Inteligência prática (animais superiores)] .......................... 40
 [II – DIFERENÇA ESSENCIAL ENTRE O HOMEM 
E O ANIMAL] ............................................................. 47
[Essência do espírito] ......................................................... 49
[Exemplos de categorias “espirituais”] ............................... 54
[O espírito como actualidade pura] ................................... 59
 [III – O ACTO FUNDAMENTAL DO 
ESPÍRITO] – [Ideação] ................................................. 61
[Redução fenomenológica] ................................................. 64
[O homem como “asceta da vida”] .................................... 67
 [IV – TEORIA “NEGATIVA” E TEORIA “CLÁSSICA” 
DO HOMEM] ............................................................. 69
[Crítica da teoria negativa] ................................................. 70
[Crítica da teoria clássica] .................................................. 76
[Relação do espírito e da vida] ........................................... 80
 [V – IDENTIDADE DO CORPO E DA ALMA] .............. 85
[Crítica das concepções naturalistas] ................................. 95
[Crítica de Klages] ............................................................. 98
 [VI – CONTRIBUTO PARA A METAFÍSICA 
DO HOMEM] ............................................................. 103
ÍNDICE

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