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Julho/ 2019 Professor/autor: Me. Ênio Caldeira Pinto Coordenadoria de Ensino a Distância: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional Todos os direitos em língua portuguesa reservados por: Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR 86055-670 Tel.: (43) 3371.0200 3Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | SUMÁRIO Bíblia II - Introdução ao Antigo Testamento Introdução geral à disciplina.................................................................................................04 Unidade I - O Pentateuco Introdução..............................................................................................................................11 1. A história do texto do Antigo Testamento........................................................................11 2. O Cânon do Antigo Testamento........................................................................................16 3. A Torá: A história das origens...........................................................................................27 4. A Torá: Formas literárias....................................................................................................30 3. A Torá: Interpretando textos normativos..........................................................................38 Unidade II - Os livros históricos Introdução..............................................................................................................................52 1. Teorias sobre os livros históricos.....................................................................................54 2. O eneateuco: outra teoria relevante...................................................................................65 3. O gênero das histórias........................................................................................................71 4. Visão panorâmica sobre os livros históricos.....................................................................78 Unidade III - Os Livros Poéticos Introdução..............................................................................................................................97 1. A literatura sapiencial........................................................................................................98 2. A Perseverança, otimismo e vida....................................................................................111 3. Os Salmos: Gênero e teologia..........................................................................................123 4. O Cântico da vida e do amor............................................................................................138 Unidade IV - Os livros proféticos Introdução............................................................................................................................144 1. O movimento profético.....................................................................................................145 2. Panorama teológico dos profetas...................................................................................154 3. Estrutura literária do oráculo profético..........................................................................163 4. Hermenêutica dos profetas............................................................................................163 Para assistir os vídeos, ouvir os podcasts e fazer os exercícios, acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) Atenção! Lembre-se que faz parte de suas obrigações: 1 - Participação na disciplina por meio da realização dos exercícios; 2 - Exercício integrativo - Resumo da disciplina, 800 a 900 palavras; 3 - 2 Provas objetivas (5 questões cada); 4- Leitura de textos complementares (100 páginas); Consulte o “Programa de curso” e veja mais detalhes! | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA4 BÍBLIA II – Introdução ao antigo testamento Introdução geral à disciplina Prezado(a) estudante, seja bem-vindo(a) a mais uma disciplina da Área de Bíblia. Desta vez será a disciplina Bíblia II: Introdução ao Antigo Testamento, cuja ênfase recairá sobre o estudo literário de cada livro, ou seja, o reconhecimento das grandes coleções de tipologias textuais (Pentateuco, Históricos, Profetas e Poesia) e os principais elementos da composição deles (autoria, data e lugar). Em síntese, esta disciplina cobrirá o Estudo do contexto histórico e geográfi co do antigo oriente, análise literária dos livros do Antigo Testamento. Doravante, para facilitar a escrita, em todo o decorrer da leitura deste material, será utilizada a sigla AT para Antigo Testamento. O objetivo desta disciplina é proporcionar ao(à) estudante de Teologia uma visão panorâmica sobre o conteúdo literário do Antigo Testamento, bem como auxiliar sobre a variedade de leituras (hermenêuticas) das principais coleções, além de oferecer subsídios de ensino e aprendizagem para o anúncio da Palavra de Deus. Este tipo de abordagem irá paulatinamente contribuir para o crescimento do(da) estudante, tornando a leitura do AT dinâmica, contextual e relevante para a prática da espiritualidade e estudo da Palavra. Para esta disciplina, espera-se que o aluno adquira as seguintes competências: a) assimilar a estrutura literária de cada uma das principais coleções; b) discorrer panoramicamente o conteúdo de cada livro, ou seja, os grandes temas; c) sintetizar as principais divisões (blocos ou perícopes maiores) dos livros do AT; e d) descrever as grandes coleções do AT enquanto obra literária sagrada. E as principais habilidades são: a) listar e apresentar as divisões do AT; b) apresentar o conteúdo formal de cada livro; c) praticar a leitura bíblica de textos do AT como estudo devocional e hermenêutico; e d) ensinar o conteúdo introdutório aos livros do AT para grupos pequenos em comunidades religiosas. 5Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | Aqui, na Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), o ensino do Antigo Testamento sempre é enfatizado como uma das ferramentas que possibilita o entendimento acerca da importância da Palavra (leitura, estudo e interpretação) no processo de formação da identidade cristã, tanto através da prática da espiritualidade como do aperfeiçoamento do conhecimento (sabedoria) e da qualidade ministerial (culto, liturgia, educação cristã e educação teológica, aconselhamento, etc). De fato, o ensino do conteúdo bíblico é um dos pontos fortes da instituição, porque acredita na educação como processo de redenção de vidas. Outra ênfase que a FTSA quanto ao ensino do AT é que muitos alunos acabam simpatizando-se pelo estudo de textos que acabam se tornando a pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso. E, dentre os textos mais escolhidos, os Profetas e os Salmos são os mais apreciados pelos estudantes. Tal escolha comprova o porquê termos alunos voltados à prática da justiça – uma qualidade essencial do ministério profético – e do sentido da vida enquanto indivíduo integralmente alcançado pela fé em Cristo – uma transformação ocasionada em pessoas que foram impactadas por um ministério voltado ao cuidado da vida. Portanto, a estrutura do conteúdo desta disciplina será cumprida em quatro unidades. A primeira delas corresponde ao agrupamento dos cinco primeiros livros do AT, denominado de Torá ou simplesmente Pentateuco. Em seguida, virá o conteúdo dos livros Históricos – assim denominados porque se referem à transição do período tribal para o período monárquico e suas composições, ou seja, rolos que trazem dados da historiografi a do povo de Deus. A terceira unidade discorrerá sobre um agrupamento de dezessete livros, denominados Profetas – grupo de escola sapiencial que inauguram o movimento dos arautos de Deus. A quarta e última unidade tratará sobre os efeitos estilísticos e poéticos da Sabedoria ou simplesmente Poesia – conjunto de livros que tratam de ensinamentos sobre o estilo de vida, comportamentos, orientações, práticas litúrgicas, celebrativas e ritos. Comojá dito, esta disciplina fornecerá uma visão panorâmica de cada uma das grandes coleções do AT. HOMME Realce HOMME Realce HOMME Realce HOMME Realce | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA6 Para que você, aluno(a) de Teologia, obtenha excelente êxito nesta disciplina, é oferecida uma estrutura que irá te proporcionar um entendimento panorâmico (geral) de como será ensinado o conteúdo. Esta estrutura é baseada na metodologia dos livros de Introdução ao Antigo Testamento. Ou seja, há um roteiro fi xo (físico e mental) que percorrerá todo o estudo do AT, mas que se torna dinâmico quando o conteúdo de cada um dos livros é inserido. Esta metodologia é oferecida por todas as instituições sérias de ensino teológico, mas é preciso já fazer aqui uma breve distinção, qual seja: não se deve entender esta disciplina como aquela que irá interpretar a passagens bíblica de um livro do AT, mas aquela que irá oferecer uma visão panorâmica de todo o livro. E por que assim, deste jeito? É porque a disciplina é de Introdução ao AT, logo, a metodologia é de oferecer uma visão panorâmica. Mas, quando chegar a disciplina de Metodologia Exegética, então serão oferecidos os instrumentos (roteiros) e ferramentas (procedimentos de interpretação) para uma passagem (tecnicamente chamada de perícope). Neste caso, não se adotará livros de Introdução, mas os de Comentários exegéticos. Então, o roteiro sugerido para esta atual disciplina é o seguinte: autoria, lugar, data, conteúdo, forma literária. No primeiro quadro a seguir, você entenderá como deve ser feita a identifi cação da autoria, também chamada de redator, escritor, ou ainda, remetente. Trata-se de obter uma visão geral sobre o tipo de pessoa que escreveu o referido texto HOMME Realce 7Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | (conhecimento sobre o assunto, observação indireta ou participação direta, nível de formação e meios de acesso à informação, etc). A descoberta da autoria é mediante vários métodos de identifi cação escriturística, auto- revelação (o próprio autor se declara na escrita), pseudonomia (quando atribui-se a obra a uma pessoa renomada, célebre, notável, geralmente como homenagem), ou ainda quando convencionou-se tradicionalmente dar um nome à composição do texto. Enfi m, saber sobre a autoria de um texto ajuda, na maioria das vezes, no processo de interpretação do texto todo. No segundo eslaide, a estrutura é utilizada para descobrir sobre o lugar em que o livro bíblico foi escrito. Esta técnica ajuda a identifi car (e a entender) dois tipos de contextos: o do autor e o do leitor. A relevância desta identifi cação consiste em assumir os papeis de intérprete sobre o texto bíblico. Por exemplo, a leitura do Salmo 1 permite situar um homem abençoado (feliz) porque, em sua trajetória de vida, não se ajuntou a homens injustos (incrédulos), antes preferiu meditar na Palavra de Deus e buscar estilos de vida abundante e saudável, tal como a do homem do campo, junto ao riacho e alimento da terra. No entanto, a composição deste salmo, dando abertura ao Saltério (150 salmos) foi escrito durante o período do Exílio Babilônico, cujo movimento sacerdotal procurou recuperar a cultura e a tradição nacional de Israel através de cânticos e celebrações litúrgicas, ao mesmo tempo que adoravam e cultuavam HOMME Realce HOMME Realce | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA8 a Deus. Neste sentido, qual é o real contexto: o do leitor, que insiste em ser um homem abençoado? ou o do escritor, que quer estimular a viva esperança de culto em meio a terras estranhas? Seja qual for o contexto escolhido, a interpretação será: se for o do leitor, então o comentário será sobre a vida simples, de um lavrador ou morador do campo, sistema familiar e tribal, vinculado às raízes da terra como bênção de Deus; e se for o do escritor, então o comentário será sobre a tradição sacerdotal que resgatou valores centrais do estudo da Lei (Torá) de Deus como roteiro de uma vida bem sucedida. O terceiro roteiro apresenta a dica de como pode-se determinar a data da escrita. Na verdade, é mais um indicativo de como pensou-se a cronologia do livro do que propriamente a convenção do calendário (dia, mês e ano). São raros os textos que dão estas dicas. Miquéias 1:1, por exemplo, é rico em informar quase com exatidão o período de sua escrita: “Palavra de Javé dirigida a Miquéias de Morasti, no tempo em que Joatão, Acaz e Ezequias eram reis de Judá. Palavra que lhe foi dirigida em visão a respeito de Samaria e Jerusalém”. A relevância desta identifi cação colabora muito para o levantamento do contexto histórico – um procedimento requisitado pela Hermenêutica e par excellence pela Exegese Bíblica. A datação é uma etapa importante, pois auxilia o leitor (intérprete) a observar o tempo de como uma determinada situação estava sendo peculiar para uma comunidade e, em seguida, como no desenvolvimento da narrativa (ou da HOMME Realce 9Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | história) essa mesma situação foi alterada (transformada), seja para uma destruição ou para uma restauração. O quarto eslaide aponta para a análise do conteúdo de cada livro do AT. Trata-se de uma metodologia que facilita o rápido entendimento sobre o todo do livro. É muito comum, inclusive, ater-se às divisões principais (também conhecida como composição e/ou estrutura). Classicamente, esta análise é feita a partir de vários blocos (ou agrupamentos), indicadas em cada livro de Introdução ao Antigo Testamento ou nas Bíblias de Estudo. A relevância desta técnica contribui para a rápida assimilação do conteúdo, a fi m de direcionar o(a) estudante para a unidade de pensamento entre outros livros. A divisão do conteúdo possibilita o estudo sistemático de leituras históricas e teológicas, difundidas pelo próprio escritor do livro bíblico. Por exemplo, o livro de Salmos é dividido em cinco grandes agrupamentos (assemelhando-se à divisão do Pentateuco), mas que dentro de cada divisão sempre há um salmo introdutório e um salmo conclusivo, cooperando com o leitor sobre o entendimento dos 150 salmos produzidos. E, da mesma forma, como entender a divisão do livro de Isaías, a partir da classifi cação de autoria: Primeiro Isaías (capítulos 1-39), Segundo Isaías (capítulos 40-55) e Terceiro Isaías? (capítulos 56-66). Em outras palavras, a divisão é um sistema de leitura e de interpretação. HOMME Realce HOMME Realce | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA10 O quinto, e último, roteiro considera a identifi cação da tipologia textual (também chamada de análise literária, ou ainda crítica das formas), através da qual os escritores bíblicos fi zeram uso para comunicar a mensagem de Deus. Quando o assunto foi escrito, o autor teve que colocá-lo em uma forma textual, e, para isto, ele precisou adotar linguisticamente um tipo de texto que fosse conhecido pelos leitores e de fácil compreensão. Vale dizer aqui que as tipologias textuais são adotadas naturalmente pelos compositores (escritores), e, tratando-se de contextos culturais de leitores, ocorrem muita difi culdade de interpretação quando o contexto literário do leitor difere do contexto do autor. Por exemplo, a forma de oráculo profético, pronunciado por Amós, não se encontra em nenhuma produção literária de falantes brasileiros, pois as formas são diferentes. Neste sentido, o(a) aluno(a) de Teologia estuda as formas ou tipologias textuais contidas nos textos bíblicos, também chamados de perícope, para compreender as partes do texto (estrutura), e, ao mesmo tempo, identifi cando os recursos literários utilizados para produzir o sentido e signifi cado, isto é, as rimas, as fi guras de linguagem, os efeitos sonoros, etc. (chamada de análise estilística). No vídeo introdutorio será feita a apresentação e, ao mesmo tempo, a indicação de três livros sobre a Introdução ao Antigo Testamento. Não se trata de leitura obrigatória, nem tampouco de aquisição (compra) deles. 11Bíblia II- Introdução ao AT | FTSA | A presente indicação é uma recomendação sobre obras que discorrem sobre cada livro do AT, cujo propósito é situar o(a) estudante sobre o conteúdo escriturístico revelado por Deus ao seu povo. Assista ao vídeo: Apresentação à disciplina - Professor Ênio Unidade 1: O Pentateuco Introdução Nesta primeira unidade, você irá obter uma visão geral (ou panorâmica) sobre o conteúdo dos cinco (penta, cinco) primeiros livros (teucos, rolos) do Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Para isto, a proposta de estudo abordará os seguintes tópicos: (1) A história do texto do Antigo Testamento, (2) O cânon do Antigo Testamento, (3) A Torá: a hist ória das origens, (4) A torá: Formas Literárias, e (5) a TORÁ: Interpretando textos normativos. Em cada um deles, haverá vídeos, leituras complementares e a seção SAIBA MAIS, além dos 2 exercícios de fi xação, dos 2 exercícios de aplicação e de 1 exercício de refl exão. O objetivo desta unidade é conhecer as diferentes formas textuais dos cinco primeiros livros e dominar os principais conteúdos de cada um deles. Recomenda-se que, para o estudo de cada livro, o texto bíblico seja consultado panoramicamente, a fi m de familiarizar-se com a leitura das aulas e a imediata conferência com a Bíblia. A Avaliação 1 será feita no fi m da Unidade II, sendo composta de dez questões objetivas. 1. A história do texto do antigo testamento é de comum senso que literalmente os livros não caem do céu. Os textos escritos (em vez de textos orais) têm autores, usam letras, uma certa língua (ou mais de uma) e utilizam algum meio material para | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA12 serem preservados no tempo. Uma longa história de produção, tradição e tradução aconteceu para que hoje os leitores pudessem acessar os textos do AT através de um belo volume impresso de papel, com capa de couro e em uma língua inteligível. Assim como hoje, os mecanismos e recursos digitais, têm possibilitado um alcance maior de leitores do AT. As palavras do AT (tanto como as do NT) foram escritas por homens (Jo 1:14), mas sob a orientação do Espírito Santo, isto é, foram “inspirados” a escrever a Palavra de Deus). Isso signifi ca que o AT tem uma origem humana, a partir da qual deve-se conhecê-la para melhor perceber a sua mensagem. Defi ne-se o processo de formação da Bíblia através da seguinte sequência: Os homens de Deus: • contaram e transmitiram as palavras de Deus oralmente (Dt 6,6-7; 1Co 15,3); • escreveram textos em tabuletas de argila e em folhas de papiro (Ex 17,14; Jr 36,2; Lc 1,1-3); • copiaram as tabuletas e as folhas e juntaram-nas em rolos e em códices (compilações de folhas de papiro ou pergaminho). Depois dos rolos e códices, vieram os livros escritos e mais tarde os livros impressos. Os textos originais do AT (isto é, os textos escritos pelo próprio autor) não existem mais. A única coisa que preservada até os dias atuais são as cópias e as cópias das cópias. Arqueólogos conseguiram achar pedaços e partes de cópias bastante velhas dos textos do AT, mas nunca acharam um texto original escrito por um autor bíblico. Vale ressaltar aqui, que o AT atual, disponibilizado nas inúmeras versões de Bíblia em Língua Portuguesa, sempre considerou o critério do cânon para afi rmar que a Bíblia (AT) está completa. Ou seja, Deus deu sua Palavra completa, não podendo haver acréscimos! E, no desenvolvimento da transmissão e ensino acerca das Escrituras, o leitor cristão interpretou literalmente que a Bíblia foi encontrada integralmente em um só volume. Vale a pena estudar sobre os detalhes de cada descoberta e de cada procedimento utilizado pela Comissão no processo de formação do cânon. 14 A Palavra tornou-se carne e sangue, e veio viver perto de nós. Nós vimos a glória com nossos olhos, uma glória única: o Filho é como o Pai, sempre generoso, autêntico do início ao fim. 6-9 Escrevam no coração os mandamentos que estou transmitindo a vocês. Apropriem-se deles e levem seus filhos a se apropriar deles. Que eles sejam o assunto de sua conversa, onde quer que vocês estiverem — sentados em casa ou andando pela rua. Que eles sejam repetidos desde a hora em que vocês se levantam, de manhã, até a hora de cair na cama, à noite. Que eles estejam amarrados na mão e na testa de vocês, como lembretes, e até escritos no batente da porta das casas e nas portas das suas cidades. Peterson, Eugene H.. Bíblia - A Mensagem . Editora Vida. Edição do Kindle. 3-9 A primeira coisa que fiz foi apresentar a vocês de coração a Mensagem que recebi: o Messias morreu pelos nossos pecados, exatamente como dizem as Escrituras; foi sepultado e se levantou da morte no terceiro dia — mais uma vez, exatamente como dizem as Escrituras. Falei a vocês que ele apareceu vivo a Pedro, depois aos seus seguidores mais próximos e mais tarde a mais de quinhentos seguidores ao mesmo tempo — muitos deles estão por aí (ainda que alguns já tenham morrido) —, depois, ele passou um tempo com Tiago e com o restante dos que chamou para falar em seu nome, e, finalmente, apareceu vivo a mim. Faz todo sentido que eu viesse por último, pois nem mereço ser incluído no grupo original, como vocês bem sabem, já que passei anos perseguindo a igreja de Deus. Peterson, Eugene H.. Bíblia - A Mensagem . Editora Vida. Edição do Kindle. 14 O Eterno disse a Moisés: “Escreva um relato desta batalha, para que Josué possa ler mais tarde, porque vou apagar a memória de Amaleque da face da terra”. Peterson, Eugene H.. Bíblia - A Mensagem . Editora Vida. Edição do Kindle. 361-2 No quarto ano do reinado de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, Jeremias recebeu esta Mensagem do Eterno: “Pegue um rolo e escreva tudo que eu disse com respeito a Israel e Judá e a todas as nações, desde o tempo em que comecei a falar a você, durante o reinado de Josias, até o dia de hoje. Peterson, Eugene H.. Bíblia - A Mensagem . Editora Vida. Edição do Kindle. 11-4 Várias pessoas se deram ao trabalho de relatar por escrito os fatos extraordinários que se passaram entre nós, que eram, ao mesmo tempo, o cumprimento de profecias das Escrituras. Elas basearam seus relatos em testemunhas oculares que dedicaram a própria vida à Palavra. Investiguei cuidadosamente esses relatos, inteirando-me da história desde o princípio, e decidi escrever tudo ao senhor, honrado Teófilo, para que não haja nenhuma dúvida a respeito da confiabilidade de tudo que lhe foi ensinado. Peterson, Eugene H.. Bíblia - A Mensagem . Editora Vida. Edição do Kindle. 13Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | Há quatro fatos que precisam ser destacados para conhecer sobre a história do texto do AT. O primeiro deles é sobre Os Rolos de Qumran ou simplesmente Os Papiros do Mar Morto. Afi nal, as histórias mais notáveis sobre a formação do AT, para exemplifi carem sobre a chegada da Palavra de Deus até nós, são melhores aceitas quando contadas pelos achados dos rolos do Mar Morto, em Qumran. No ano de 1947, um jovem pastor de ovelhas achou em uma cova nas montanhas perto do mar morto uns rolos de escritura depositadas em cântaros de barro. Levou alguns deles e os vendeu na feira da sua aldeia. Por acaso um arqueólogo passou por aquela feira e achou os rolos. Logo reconheceu o grande valor deles e comprou-os. Depois pediu ao jovem que lhe mostrasse o lugar onde é que tinha achado os rolos. Assim foram descobertas as cavernas de Qumran, que contêm uma antiga biblioteca de um monastério judaico (os monges de Qumran), situado perto do Mar Morto, onde foram guardados inúmeros textos sagrados do AT originários do ano 200 a.C., isto é, quase mil anos mais velhos de que os códices de Aleppo e Leningrado. A investigação dos rolos de Qumran mostrou que não existe uma diferença signifi cativa entre os textos do ano 200 a.C. e as cópias do ano 930 d.C. Uma prova maravilhosa da fi delidade e exatidão do processo da tradição dos textos sagrados do AT. O segundo fato pelo qual pode-seadotar como entendimento acerca da formação do Antigo Testamento diz respeito à existência da Septuaginta, comumente chamada de Tradução dos Setenta, ou ainda, representada pela numeração romana LXX. Ela foi a primeira coleção completa dos livros do AT. A palavra septuaginta é latina e vem de uma tradição antiga que afi rma ter sido exatamente setenta e dois homens que fi zeram tal tradução. Mas na verdade este trabalho levou muito mais tempo, mais ou menos de 300 até 100 a.C. A razão porque esta tradução foi feita é que houve muitos judeus, na época do Império Romano (a partir de 63 a.C.) que viveram fora dos territórios da Palestina e que não aprenderam a língua hebraica dos seus antepassados. Eles precisaram de uma tradução de suas Sagradas Escrituras na língua ofi cial do Império Romano, que na época era o grego. A qualidade e o estilo da tradução são bem variados | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA14 de livro para livro. Há casos que saem do literal à paráfrase. Em sua origem, a ordem dos livros da LXX eram: a Torá, os Livros Históricos, os Livros Poéticos, os Apócrifos e os Livros Proféticos. Na época da Igreja Primitiva (século I), a Bíblia que tanto os apóstolos e os cristãos liam e citavam era diretamente uma referência à LXX. Neste sentido, algumas citações no NT que fazem referência às passagens do AT parecem livres e diferentes do atual AT, que foi traduzido do diretamente do hebraico. O terceiro fato que precisa ser considerado é a contribuição dos Massoretas. As cópias mais importantes dos textos do AT são as cópias feitas na língua hebraica, realizada por uma escola de escribas israelitas chamados massoretas. Os massoretas foram homens com uma grande tradição na arte de escrever e copiar; produziram cópias dos livros do AT e, ao mesmo tempo, tiveram o objetivo de manter o texto original inalterado e ileso. Durante muitos séculos, os massoretas mantiveram uma tradição irrepreensível e imaculada dos textos do AT. Porém, as cópias mais antigas, escritas pelos massoretas, ainda preservadas atualmente, são originárias do ano 930 d.C. São os códices chamados Codex Aleppo e Codex Leningradensis (têm estes nomes porque se encontram hoje em dia nos arquivos das cidades de Alepo e Leningrado (St. Petersburgo, na Russia). Isto signifi ca que entre o tempo em que o último livro do AT foi escrito (400 a.C.) e o tempo em que a cópia mais antiga do AT inteiro foi escrita, existe um espaço de mais de que 1000 anos! Logo, as cópias massoréticas conseguiram manter o sentido da originalidade da Palavra de Deus, ditada, narrada e copiada do AT. Por último, o quarto fator no estudo da formação do texto do AT a ser considerado refere-se à Bíblia Hebraica. Ao observar o uso frequente da LXX na igreja cristã (primitiva), i.e., como os fi éis conseguiram provar, através dos próprios textos da LXX, que Jesus Cristo é o Messias, os judeus decidiram abandonar esta tradução grega e voltaram para a sua Bíblia Hebraica, isto é, a coleção dos livros do AT na língua hebraica. Esta coleção já tinha existido antes de Cristo, o próprio Senhor Jesus a usou (Lc 24:27 e Mt 23:34). Entretanto, o Cânon Hebraico tornou-se fi xo e foi 15Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | estabelecido somente no ano 90 d.C., no Sínodo de Jabne ou Jâmnia, em rejeição à LXX que os cristãos utilizaram. E, para tornar tal diferenciação mais nítida da LXX, uma nova ordem de livros foi colocada para a Bíblia Hebraica: Lei, Profetas Anteriores (Livros Históricos), Profetas Posteriores, Escrituras. Por este tempo, alguns cristãos continuaram seguindo a LXX e, por isto, decidiram manter a ordem antiga, na qual os Profetas Posteriores vêm no fi m, pois apontavam para Cristo. Já os judeus decidiram acrescentar os 5 rolos das festas (Rute, Cantares, Eclesiastes, Lamentações e Ester) e os livros do tempo do cativeiro (Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas) para o fi m do cânon. O vídeo a seguir não é propriamente um vídeo, mas um áudio, narrado por Maurício Filho. Trata-se de um resumo muito signifi cativo sobre a Lei (Torá, Pentateuco). Vale a pena observar como a exposição faz relações sobre as dualidades: material e espiritual, entre outros. Assista ao vídeo: O que é Torá / Pentateuco? Disponível em: h� ps://www.youtube.com/watch?v=17FqFcYYdMw Duração: 10m40s Assista ao vídeo: O que é Torá / Pentateuco? Disponível em: h� ps://www.youtube.com/watch?v=17FqFcYYdMwh� ps://www.youtube.com/watch?v=17FqFcYYdMw Duração: 10m40s | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA16 Exercício de fi xação Basicamente, o judaísmo e o cristianismo têm fonte primária na literatura do Antigo Testamento, cuja história de transmissão, preservação e desenvolvimento foram reconstruídos através de achados importantes, compromisso pessoal de grupos religiosos, cuidado quanto à tradução dos textos e respectiva produção escrita como referência de leitura. Especifi camente sobre a história do texto do AT, é correto afi rmar que: a. ( ) O AT abrange os rolos de papiros encontrados no Cairo (Egito), quando os hebreus estavam no Egito e, depois os escritos exílicos que foram encontrados em Nínive. b. ( ) O AT compreende historicamente os rolos de Qumran, a Septuaginta, os textos massoréticos e a BHS (Bíblia Hebraica). c. ( ) O AT é o primeiro testamento, escrito por Moisés, e refere-se aos livros de Gênesis, Levíticos, Números, Josué e Juízes, porque resumem a história do povo de Deus. d. ( ) O AT é a coletânea escrita durante a peregrinação no deserto, desde o Sinai até à entrada em Canaã, e os escritos foram preservados pelos levitas. e. ( ) O AT registra os feitos de Deus com o seu povo e, resumidamente, refere-se apenas ao Código de Lei, isto é, aos Dez Mandamentos. 2. O Cânon do antigo testamento Para iniciar este tópico, vale a pena gastar algumas linhas sobre a defi nição de cânon. Basicamente, o signifi cado é “régua”, isto é, a medida utilizada para determinar a exatidão dos critérios previamente escolhidos. Trata- se de confi rmação do conteúdo do texto (mensagem, ensinamento e função) em relação aos demais textos já canônicos. É mais uma procura por erros teológicos (ou dogmáticos) do que de produção literária. Uma vez que o texto passasse pelos critérios de análise canônica (literalmente 17Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | pelas medidas), ele era inserido aos demais já existentes e começava a ser chamado de Escritura. O que vale também afi rmar aqui é que os textos do AT infl uenciaram demais a teologia cristã, bem como de outras literaturas sacras no mundo. Como já dito, o AT era considerado a Bíblia dos primeiros cristãos e também a Bíblia de Jesus. Tanto Jesus como os primeiros cristãos costumavam ler o AT em uma tradução grega (a Septuaginta [LXX]). A imagem seguinte mostra uma página deste texto. Trata-se de um manuscrito da metade do século IV. Acima, você pode ver duas páginas do Codex Sinaiticus, ou seja, o texto do AT em grego. Observe que este texto é sem divisões entre as palavras e utiliza só as letras maiúsculas. Os primeiros cristãos e os judeus que, possivelmente, não falavam hebraico utilizavam este texto para conhecer o conteúdo do AT. Se você é capaz de ler em inglês, visite este o site a seguir. Você poderá visualizá-lo, sem precisar ir até a biblioteca. Disponível em: h� p://www.codexsinai� cus.org Para o mundo cristão, o AT é inseparável do NT, pois juntos constituem- se no que comumente chama-se de Bíblia Cristã. E, neste caso, o AT é | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA18 a primeira e a maior parte desta Bíblia. E, como o AT é especifi camente sobre o povo de Israel, os textos dele desempenham um papel muito relevante para as comunidades cristãs, pois há sempre a necessidade de interpretar o contexto hebraico, associado à respectiva mensagem de Deus para o seu povo, e, posteriormente, deve-se reler tal contexto à luz da mensagem do Novo Testamento. Em certo sentido, isto explica porque há sempre leiturasdo AT na liturgia que as comunidades cristãs fazem semanalmente. A Bíblia tem um papel decisivo para a fé cristã, pois ela testemunha acerca dos feitos de Deus no mundo. A pergunta com que muitas religiões se ocupam é: “Como conhecer a Deus?” Algumas fi losofi as e religiões acham que o seu deus pode ser reconhecido pelo pensamento humano, pela nossa interpretação do mundo, ou experiências paranormais. Outra máxima vale para a religião cristã: o Deus cristão quer ser reconhecido como aquele que já se revelou para os homens. Jesus era judeu, conhecia as Escrituras Sagradas do Judaísmo e testemunhou de que não havia nenhum outro deus além do Deus dos patriarcas de Israel: o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. A Bíblia não só testemunha da experiência de Jesus, mas da totalidade dos procedimentos de Deus “Pai”, como Jesus disse no primeiro pedido da Oração do Pai Nosso. Isto também nos amarra, como cristãos, ao AT. Sem dúvida, Deus está continuamente agindo na história e está presente também nos dias de hoje, mas na Bíblia o testemunho foi interpretado mais claramente. Consequentemente, na fé cristã pode-se refl etir sobre Deus somente na interação com a Bíblia. Sem a Bíblia não há nenhum conhecimento de Deus que seja confi ável. Portanto, o AT era a Bíblia de Jesus. A Bíblia nos traz experiências das primeiras testemunhas de nossa fé. Pois a Bíblia preserva o testemunho da fé desde gerações distantes, sendo assim, nossa obrigação em torno dos textos bíblicos é dupla: (1) precisamos de uma compreensão histórica – o que o texto signifi cava; (2) precisamos buscar o signifi cado atual dos textos bíblicos – o que o texto signifi ca. 19Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | Na história cristã houve e ainda há a tentativa de desvalorizar o AT como um documento obsoleto ou eliminá-lo do cânon cristão. Já em meados do séc. II o teólogo cristão Marcião de Sinope elaborou a tese de que o Deus proclamado por Jesus e Paulo estava em contradição ao deus vingativo e feroz do AT. Em discussões calorosas, a Igreja Antiga insistiu na primeira parte do cânon e considerou Marcião como herege da igreja junto com seus numerosos seguidores. Mas as perguntas que Marcião propusera foram levantadas muitas vezes durante a história da igreja. No século XIX o famoso historiador da igreja, Adolf von Harnack, exigiu que fi nalmente estava na hora da igreja cristã lançar o AT (como símbolo da grande paralisação eclesiástica) no monte de escória da história (HARNACK, 1924, p. 217). A desvalorização do AT frequentemente andava e anda junto com a desvalorização do povo judaico. O antijudaísmo cristão contribuiu com o antissemitismo moderno. A igreja entendeu como um novo Israel herdando o status do antigo povo de Deus que consequentemente deserdou. O AT, por consequência, era a escritura sagrada de uma religião estranha e sem graça. Por isso, não deve-se esquecer o seguinte: Jesus era judeu, Paulo também. O que é chamado no cristianismo de “Antigo Testamento” era a Bíblia que ambos possuíam. As escrituras judaicas determinavam seus pensamentos e conversas. Além disso, os textos do Novo Testamento não podem ser entendidos sem o AT. Eles frequentemente reiteram os conceitos, imagens, metáforas, fundamentos, histórias e teologia do AT. Só pense sobre esse nome “Jesus Cristo” ou “Messias”! Neste sentido, pode-se chamar a Bíblia cristã de uma “edição ampliada” do AT. Signifi ca dizer que nessa “nova edição” há novas escrituras (biografi as, livros históricos, cartas...) que foram tomando o título de sagradas escrituras. Isso tem algumas implicações para a nossa concepção e para o nome do AT. | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA20 O AT não conta com nenhuma designação própria para sua coleção de livros. Como já visto, a escritura sagrada dos judeus foi a Bíblia de Jesus e de seus discípulos. Por isso, o NT refere-se ao AT como “a escritura” ou “as escrituras”. Em o NT percebe-se uma diferenciação entre esse corpus das escrituras: A lei (de Moisés) e os profetas Moisés e os profetas Moisés, os profetas e as escrituras a lei de Moisés, os profetas e os Salmos Mt 5:17; 7:12; 11:13; 22,40; Lc 16:16; Jo 1:45; At 24:14; 28:23; Rm 3:21 Lc 16:29.31 Lc 24:27 Lc 24:44 No vídeo abaixo, há um trecho retirado do fi lme “Os Dez Mandamentos”, gravado em 1956 (mas a imagem está excelente). Entenda como a ênfase é feita sobre o entendimento do termo “Lei” como liberdade, viver e morrer sem lei, a lei de Deus, etc. Assiste ao vídeo: Os Dez Mandamentos Disponível em: h� ps://www.youtube.com/watch?v=oIZyd237xgM Duração: 4m20s No prólogo à tradução grega do livro apócrifo Eclesiástico (“Sirácida”, 132 a.C.) diz: “Muitas e grandes coisas são nos dados através da lei, dos profetas e das outras escrituras, que lhe seguem...”, dando a interpretar que “outras escrituras” poderiam signifi car os “testamentos”. A terminologia “testamento” sugere a ideia de “aliança”, como pode-se observar no NT: • Lc 22,20; 1Co 11,25: “Este cálice é o novo testamento/aliança no meu sangue...”; 21Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | • 2Co 3,6: “O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento/aliança ...”; • Hb 9,15; 12,24: Jesus como Mediador do novo testamento/aliança. Pode-se, então, com isto deduzir que as ações de Deus anteriormente são da “velha aliança/antigo testamento”? Claro que não! Especialmente 2Coríntios 3:6 (evidentemente) põe uma relação desigual entre a velha e nova aliança. Mas isso não é correto no que tange a relação entre AT e NT. E com o anúncio do Novo Testamento já no AT, em Jeremias 31, é preciso distinguir bem esses conceitos de aliança. Entretanto, em 2Coríntios 3:14 encontram-se os dizeres paulinos: “Mas os seus sentidos se endureceram; porque até hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido”. Aqui, onde se lê “antiga aliança,” refere-se, obviamente, a um livro. O que leva a concluir, por um lado, em um comentário sobre o AT no NT que o AT é antiquado. Por outro lado, isso obviamente não é verdade para todo o AT. Contudo, aqui encontra-se essa tensão entre a continuidade e descontinuidade ao descrever a relação entre os dois testamentos (livros). Por causa disso, Erich Zenger sugere descrever o AT como “Primeiro Testamento” (ZENGER, 2003). Alguns teólogos também usam o termo “Bíblia Hebraica” ou “Tanach”, uma palavra artifi cial que vem das letras iniciais das palavras hebraicas, que descrevem o conteúdo tripartido do AT: Torá, Neviim e Ketuvim (Instrução-Lei, Profetas e Escrituras). Essas possibilidades evitam termos que sugerem uma depreciação do AT. Todavia, chamar essa primeira parte da Bíblia cristã “Antigo Testamento” é uma designação tradicional que está sempre lembrando os cristãos de que o Novo Testamento é uma continuação do AT. Contudo, deve-se estar alerta aos perigos de uma desvalorização dos livros incluídos e também da probabilidade de barreiras na conversação com os judeus. Pelo menos hoje, precisa-se de uma forte valorização do AT. Especialmente na sociedade atual, na qual a fé cristã está cada vez menos conhecida, e deve-se enfatizar mais a leitura do AT. Sem o AT, toda a salvação de | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA22 Jesus fi ca “no ar”. Além disso, o AT esclarece as perguntas fundamentais do ser humano em relação a Deus. Um lembrete: O AT testemunha acerca do amor de Deus pelo pecador, bem como as variadas tentativas de resgate e redenção deste pecador. Um dos grandes obstáculos porque muitos rejeitam a Cristo é porque também rejeitaram a revelação do Antigo Testamento. Diferente do NT, o cânon do AT possui diferenças de tamanho para várias igrejas cristãs. As dúvidas giram, acima de tudo, em torno dos livros apócrifos (literalmente “livros escondidos”). A Igreja Antiga os incluiu em torno de 400 d.C. Eram livros que o judaísmo e os primeiros cristãos não incluíam nas escrituras sagradas.Foram os reformadores no séc. XV que decidiram que todos os livros sem fundamento hebraico não deviam ser utilizados nos cultos públicos, sendo que, dessa forma, eles também não pertenciam ao cânon. A Igreja Católica fi cou com os apócrifos (Judite, Tobias, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria de Salomão, I e II Macabeus, além de adições aos livros de Ester e Daniel). Ela aceitou esses livros como “livros deuterocanônicos” (= livros de um segundo cânon). Entretanto, as 11 Igrejas Ocidentais (Igreja Ortodoxa) decidiram, apenas em 1672, incluir os livros Judite, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria de Salomão. A tradição judaica desde o início se limitou para as escrituras hebraicas (ou aramaicas; partes de Esdras e Daniel). Esta delimitação do conteúdo do cânon (judaico) pode ser datada no tempo de Jesus. O cânon judaico refl ete os tempos de origem e canonização dos vários livros da coleção. Também percebe-se uma hierarquia entre os livros – nenhum dos livros tem a mesma autoridade que a Torá. Por isso a tradição rabínica colocou um alto valor na “Torá Oral” que traz a maior parte da Torá do Sinai. Essa tradição oral foi escrita na Mishná e outros livros. Esses textos nunca foram continuados pela igreja cristã. A hierarquia é também visível nas leituras na sinagoga. A Torá é lida inteiramente todos os anos. Vários textos dos profetas são lidos como comentários da Torá. Entre as Escrituras, os Salmos e os Megilloth (“cinco rolos”: Cântico; Rute; Lamentações; Eclesiastes; Ester) fazem parte da liturgia - mas com uma 23Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | função menos importante que a Torá. Os últimos são lidos nas grandes festas do judaísmo: Os 5 Megilloth Schavuot Pessach Sucot Tishá BeAv Purim Festa das semanas Festa da páscoa Festa dos Tabernáculos Festa de comemoração da destruição do templo Festa de Purim Rute Cântico; Eclesiastes Lamentações Ester Como a palavra grega “cânon” signifi ca “regra” ou “instrumento de medir”, é possível já pensar em produção teológica. Com o termo “cânon do AT” determina-se a coleção encerrada de escritos inspirados pelo Espírito Santo. Abrange aqueles escritos que têm autoridade normativa para a igreja, isto é, que servem como regra para a o desenvolvimento da fé e da vida dos cristãos. Pode-se resumir uma interpretação teológica do cânon a partir da contribuição de Erich Zenger (2003): BLOCO SEÇÃO ASSUNTO INTERPRETAÇÃO I Gn – Dt Revelação originária no Sinai Torá como promessa e interpelação II Js 2 Mc História de Israel na terra Passado III Jó – Sr Sabedoria para a vida Presente IV Is – Ml Profetismo Futuro Os livros Gn-Dt preservam que a Torá revelada no Sinai, contendo os dois focos “mandamento do amor a Deus” - “mandamento do amor ao próximo” (cf. Mc 12:28-34 par.), constitui a revelação originária de Deus, fundamentada na Criação e quem vem a todos os povos por meio de Israel. O fato de os Dez Mandamentos terem sido outorgados como proclamação de direito divino e de direito humano conforme a “história” no deserto do Sinai e anterior à tomada da terra, descrita em Gn-Dt, é interpretado pela própria tradição judaica como mandamentos que não devem ser lei de vida apenas para Israel, mas para todos os povos. Isso vale justamente para os cristãos, que devem “cumprir” a Torá no discipulado de | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA24 Jesus (cf. Mt 22:34-39 com base em Mt 5:17-20). Os blocos subsequentes II-IV visam conduzir para essa vida com a Torá do Sinai. O bloco II (Js-2Mc) demonstra a partir do exemplo de Israel o que acontece numa comunidade que vive com essa Torá, mostra sua concretização e como isso ocorre, mas também que pode fracassar. Os leitores cristãos da Bíblia devem sentir e experimentá-lo com esse povo, envolvendo-se intimamente – como história de suas irmãs e seus irmãos judeus (não como história deles próprios) e como história do seu Deus comum. O bloco III (Jó-Sr) convida cada pessoa a buscar, com ajuda desses escritos sapienciais, a verdadeira sabedoria salvadora da vida. A maneira de fazê-lo é ouvir a Torá, orando-a e meditando nela, pois ela se comunica, a todos os que se abrem a ela, por meio da Criação e das instruções a Israel. O bloco IV (Is-Ml) projeta a visão de que o mundo e a história chegam à plenitude quando os povos peregrinam até Sião, para lá aprender a grande Torá da paz de Javé (Is 2,1-5: texto programático canônico no início do bloco IV) e para participar desse modo da renovação ou restauração fundamental de tudo, prometida pelos livros dos profetas a toda a terra – e que acontecerá, naturalmente não deixando Israel de fora, mas por meio desse povo e com ele. A partir de profetismo, que por diversas correntes foi lido no tempo de Jesus como promessa escatológica, isto é, como projeto de um drama consistente do fi m dos tempos, até mesmo a Torá (bloco I) adquire um dinamismo profético-escatológico na perspectiva da expectativa imediata do fi m. Por outro lado, o agir de Javé em e por meio de Jesus (singularmente no evento da Páscoa), testemunhado no Novo Testamento, pode ser entendido como ato decisivo no contexto desse drama escatológico anunciado pelos profetas. Dessa maneira, na Bíblia cristã, o profetismo abre-se em direção do Novo Testamento que o segue” (ZENGER, 2003, p. 40s). Neste sentido podemos também ler o NT: FUNDAMENTAÇÃO TORÁ EVANGELHOS Passado Livros históricos Atos dos Apóstolos Presente Livros sapienciais Epístolas Apostólicas Futuro Livros proféticos Apocalipse de João 25Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | Exercício de aplicação Observe as três fi guras abaixo e as respectivas descrições de cada uma. Duas pessoas estão conversando sobre assuntos variados. Quando cada uma delas chega em sua casa, repassam o conteúdo da conversa para os demais membros da família. Algumas chegam, inclusive, a gravar o áudio para os membros da família que, ocasionalmente, estão distantes. Um vendedor viajante sai às ruas anunciando os produtos de sua própria produção agrícola. São verduras e legumes frescos, colhidos diariamente de sua horta. Geralmente, ele estaciona o seu carro com os produtos e faz o anúncio, que consegue ecoar até aos moradores distantes de sua barraca. Um designer gráfi co é responsável por produzir um cartaz, cujos enunciados foram esteticamente elaborados para a produção do sentido e signifi cado. Mas nem todos os leitores entendem a mensagem, pois estão acostumados com letras redondas e formatos convencionais. ISTO PORQUE: Os homens de Deus: • contaram e transmitiram as palavras de Deus oralmente; • escreveram textos em tabuletas de argila e em folhas de papiro; • copiaram as tabuletas e as folhas e juntaram-nas em rolos e em códices (compilações de folhas de papiro ou pergaminho). | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA26 PORTANTO, é correto afi rmar: a. ( ) A forma de transmissão do Antigo Testamento foi a epifânica, ou seja, “a voz de Deus sendo falada audivelmente”. b. ( ) A inspiração das escrituras pelo Espírito Santo é o único critério de fi delidade porque os escritores resumiram a Palavra de Deus em linguagem escrita. c. ( ) A palavra ditada é o livro de Deuteronômio, pois signifi ca repetição da Lei. d. ( ) O uso do conteúdo dos textos veterotestamentários, através da recitação e da leitura, se tornaram meios de registro, preservação e transmissão para os copistas e escribas. e. ( ) Os povos semitas, em especial o povo de Deus, gostam de repetir e decorar textos, sejam eles sagrados ou não. Acesse o AVA para fazer o exercício! Saiba mais: O Pentateuco – Resumo!!! Para ler e visualizar rapidamente o conteúdo de cada um dos livros do Pentateuco, clique no endereço abaixo. GÊNESIS h� ps://www.gotques� ons.org/Portugues/Livro-de-Genesis.html ÊXODO https:��www.gotquestions.org�Portugues�Livro-de-Exodo.html LEVÍTICOS h� ps://www.gotques� ons.org/Portugues/Livro-de-Levi� co.html NÚMEROS h� ps://www.gotques� ons.org/Portugues/Livro-de-Numeros.htmlDEUTERONÔMIO h� ps://www.gotques� ons.org/Portugues/Livro-de-Deuteronomio.html 27Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | 3. A Torá: a história das origens A interação entre o AT com seu contexto ocorre quando comparamos o conteúdo de Gênesis 1-11 com as histórias contadas por outros povos daquela época e região. Em 1872, George Smith descobriu no Museu Britânico o primeiro texto paralelo bem próximo ao Gênesis 1-11. Traduzindo uma tábua cuneiforme da biblioteca assíria de Assurbanipal (séc. VII a.C.) em Nínive, ele percebeu que tinha encontrado um relato de um dilúvio global que em muitos aspectos se assemelhava à história contada em Gênesis. Mais tarde foi descoberto que o texto de Smith fazia parte da Epopeia de Gilgamesh. Essa obra conta a respeito de um grande rei que saiu do seu papel real para viajar pelo mundo em busca da imortalidade. A Epopeia de Gilgamesh foi composta provavelmente por volta de 1700 a.C. e, bem depois, revisada em 1200 a.C. para reproduzir a mais conhecida versão dessa epopeia. Os estudiosos acharam que a história do dilúvio provavelmente foi emprestada pelo autor da epopeia de Gilgamesh de uma outra fonte, a qual utilizou para realçar seu próprio texto. Uma possível fonte para a história do dilúvio é um épico Atrahasis, um poema épico da antiga Babilônia (1600 a.C.), que abrange a história do mundo desde a criação do homem até a nova ordem depois do dilúvio. Tudo começa quando os deuses menores viviam na terra escavando os rios e canais, e cultivavam os alimentos para os grandes deuses. Mas, depois de 3600 anos os deuses menores se cansaram do seu trabalho e entraram em greve. Eles cercaram o grande deus Enlil em seu palácio, que fi nalmente cedeu. Um outro deus maior, Ea, e a deusa-mãe Nintu, então, criaram sete casais, sete homens e sete mulheres, para fazer o trabalho no lugar dos deuses menores. Mas a criação da humanidade gerou problemas para os grandes deuses. Depois de 600 anos a população tinha crescido tanto que o barulho | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA28 humano perturbou o descanso dos grandes deuses! Enlil, por conseguinte, determinou que uma praga devesse apagá-los. Mas um sacrifício oportuno ao deus da praga por Atrahasis (signifi ca “extrasábio”) parou a praga. Então, a população cresceu de novo, e Enlil tentou controlar o crescimento da humanidade mais duas vezes – pela seca e pela fome. E novamente sacrifícios aos deuses certos resolveram a situação. Eventualmente, Enlil persuadiu todos os seus colegas divinos a apoiar o seu plano para destruir a humanidade, enviando um dilúvio universal. No entanto, o deus Ea não concordou com esta proposta e, secretamente, abriu o jogo e recomendou que Atrahasis construísse um navio para a sua família, amigos e animais para escapar. A inundação foi realmente catastrófi ca, acabando com todas as criaturas e assustando até os deuses por sua ferocidade. Mas Atrahasis e sua equipe sobreviveram. O barco fi nalmente desembarcou em uma montanha e os de dentro desembarcaram. Piedoso, Atrahasis ofereceu um sacrifício tão logo que desembarcou. Imediatamente os deuses rodearam o sacrifício ansiosos por experimentarem a oferenda. Eles estavam com muita fome! Destruir a humanidade em uma enchente signifi cou que os sacrifícios pararam, logo os deuses também não tinham nada para comer. Chegando ao sacrifício um pouco tarde, Enlil, o deus mais poderoso, fi cou chocado e com raiva ao encontrar alguns seres humanos. Ele se acalmou quando os outros deuses explicavam que a culpa foi de Ea. Enlil concedeu vida eterna a Atrahasis, o único homem a alcançar este objetivo. No entanto, para impedir que a explosão demográfi ca fi casse novamente fora de controle, Enlil e Nintu redesenharam a humanidade um pouco. A partir de agora, algumas mulheres sofreriam de infertilidade, os bebês muitas vezes seriam natimortos ou morreriam muito jovens, e ainda outras mulheres entrariam em ordens religiosas e nunca mais teriam fi lhos. Finalmente, parece que a partir de então, a morte passou a vir a todos em idade avançada: Até agora as pessoas morriam apenas de doenças ou se fossem mortas por alguém. 29Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | Existe mais um texto do mesmo período da epopeia de Atrahasis, é a história suméria da inundação. Este texto também relata sobre a criação do homem e culmina com a história do grande dilúvio. Infelizmente, muitas partes da história suméria estão perdidas, mas a versão reconstruída mostra paralelos com Gênesis 1-9 bastantes surpreendentes. Paralelos entre a história da inundação suméria e a de Gênesis 1-9: HISTÓRIA DA INUNDAÇÃO SUMÉRIA CONTEÚDO GÊNESIS Linhas 1-36 Criação do homem e dos animais; triste condição do homem, não há canais de irrigação, sem roupas, sem medo de animais, incluindo cobras. Gn 1 Gn 2-3 Linhas 37-50 Deusa Nintur planeja acabar com o nomadismo humano. Gn. 4,1-16 Linhas 51-85 Falta de plano de Nintur. Linhas 86-100 Estabelecimento da realeza (reis, corte, palácios...); A construção das primeiras cidades, incluindo Eridu; Estabelecimento de culto Gn 4,17-18 Gn 4,26 Lista de reis antediluvianos Gn 5 Linhas 101-134 Ruído humano Gn 6,1-8 Linhas 135-260 O dilúvio Gn 6,9-9,29 Há semelhanças sufi cientes para conjecturar que ambos, Gênesis e a história da inundação suméria, são dependentes de um entendimento comum do que ocorreu no início da história humana. É interessante observar que as interpretações desses acontecimentos são muito diferentes, embora o gênero dos vários textos seja muito semelhante. Esses textos do Antigo Oriente Próximo abrem uma porta para entender | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA30 o mundo em que o AT se formou. É importante conhecer este mundo para fazer uma contextualização desses textos antigos para aqueles que estudam o AT. A modernidade também tem os seus mitos da origem do homem – a evolução biológica, a evolução sociológica, econômica, etc. Estes “textos” falam bastante sobre valores e visões da humanidade em geral e bem específi co quando pensa-se sobre assuntos da ética ou da moralidade. É necessário haver um alinhamento entre a interpretação da sociedade e a do texto bíblico. Como Gênesis 1-11 foi um texto muito contra cultural em seu contexto, precisa-se ter uma visão da humanidade contrária a que está propagada hoje em nossa cultura pós-cristã. Deve-se entender esta porção de textos (1-11) como um registro sobre a história das origens, descrita pela cultura israelita, ou cultura do povo de Deus. 4. A Torá: Formas literárias Neste tópico, os estudos de Zenger et. al. (2003) são mais uma vez utilizados. Observe a tabela a seguir: ZENGER, ERICH et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2003. Os nomes dos cinco livros nas diversas línguas (hebraico, grego e latim) são propositais, isto é, foram planejados a facilitar o reconhecimento do conteúdo de cada um deles. Como primeira parte do AT, esses livros (também chamados de “pentateuco” – que signifi ca “cinco livros”) são fundamentais para entender o restante do AT e até mesmo a Bíblia inteira. Todos os outros 31Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | livros bíblicos têm o Pentateuco como base e desdobram os temas lá mencionados. Como tal, grande parte da Bíblia pressupõe a Torá e toma como certo que a conhecemos. Sem saber bem a literatura da Torá, perdemos muitas das alusões sutis para os seus temas, o que nos ajudará a entender muitas passagens do AT, bem como do NT. Uma vista geral da Torá Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio Criação e promessa da terra Do Egito pelo deserto ao Sinai NO SINAI Do Sinai pelo deserto a Moab (à divisa da terra prometida) Instruções para a vida na terra da promessa ----------------------------------------Israel a caminho----------------------------------------------- ZENGER, ERICH et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2003. Em um nível narrativo, pode-seinterpretar a Torá como biografi a dramática do povo Israel. É um caminho que começa com o chamado de Abraão dentre as nações e termina com um fi nal aberto na fronteira da terra prometida. É um caminho cheio de sofrimento e confl ito. Os cinco livros estão agrupados, em forma de quiasmo espelhado (paralelos), em torno do livro do Levítico como centro teológico. O Gênesis e o Deuteronômio formam a moldura externa: ZENGER, ERICH et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2003. | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA32 Êxodo e Números perfazem a moldura interna. Eles se estruturam paralelamente por meio de numerosas histórias iguais. O Sinai constitui quase que um tipo de divisor de águas (antes do Sinai era “legítimo” clamar por pão e água, depois do Sinai isso ao pecado): ZENGER, ERICH et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2003. No centro da composição situa-se a constituição de Israel como povo santo, em cujo meio o santo Javé quer tornar-se presente e agir. É por isso que se encontra no meio do livro do Levítico – por sua vez também construído concentricamente – a mensagem de Javé como o Deus disposto à reconciliação. ZENGER, ERICH et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2003 A Torá fornece a narrativa fundamental que forma a cosmovisão bíblica. Ou seja, todas as culturas e sociedades têm suas narrativas fundamentais que explicam o que o mundo é, como funciona, o que deu errado com o mundo, onde a humanidade pode achar a esperança para colocá-la de 33Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | novo no caminho certo. Para dar um exemplo de uma cultura estrangeira para todos nós: o “sonho americano” (American Dream). Este “sonho” afi rma que “você só precisa tomar seu destino em suas próprias mãos e você terá sucesso. Ajude a si mesmo e Deus vai te ajudar.” Esta é uma espécie moderna (no sentido fi losófi co da palavra) da visão da vida – cheia de positivismo (e calvinismo!). Ainda muitos norte-americanos são levados por ela a uma atitude imperialista referente outros povos e culturas que contam outras histórias sobre o mundo. Cada seção da Bíblia desenvolve mais profundamente o tema do Pentateuco. Ao interpretar Gênesis 12:1-3 (“chamado de Abraão”) como sendo a exposição original do chamado do povo de Deus, certamente ele será reafi rmado com variações em outras partes de Gênesis e desenvolvido nos demais livros do Pentateuco. O AT inteiro gira em torno da relação entre os descendentes de Abraão e a terra, o seu crescimento como uma nação, e sua relação singular com Deus. Os progressos realizados no cumprimento das promessas feitas a Abraão não andam em uma só direção. Recuos são frequentes, tanto no Pentateuco como posteriormente. O livro de Números narra o adiamento de 40 anos da chegada à terra santa como um resultado da falta da fé dos espiões. O livro dos Reis narra a queda de Jerusalém e o exílio do povo para a Babilônia por causa de sua infi delidade a Deus. No entanto, ambos os episódios foram seguidos por perdão e um novo começo que acabou levando a um maior cumprimento das promessas. Mas nem dentro do período bíblico nem nos dois milênios seguintes, o cumprimento integral tem sido alcançado. Se os judeus modernos interpretam o seu regresso à terra de Israel como cumprimento da promessa a Abraão e como resposta às suas orações, eles não desfrutam da paz e da segurança prevista pelo Pentateuco. Os cristãos afi rmam que a vinda de Jesus trouxe mais próximo o dia em que em Abraão “todas as famílias serão abençoadas”. Mas eles também oram para que o Reino de Deus seja vindo e sua vontade seja feita na terra como no céu. Desta forma, o Pentateuco ainda fala tanto para o presente como falou ao passado. | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA34 Quando se lê a Bíblia, é recomendável estar conscientes de que ela é “literatura”. A Bíblia não é um livro mágico, descolado e isolado, mas – como já visto – é parte de um contexto histórico, cultural e literário. Este é um dos desafi os para os leitores da Bíblia e, especialmente, para os que estão ensinando os outros a ler a Bíblia – uma vez que o tempo, a cultura e a literatura são muito diferentes da maneira antiga de fazer textos, de escrever. Logo, fi ca-se propenso a erros de interpretação, se não atentar para o fato de utilizar os conceitos formados pela literatura contemporânea ao ler a Bíblia. É uma tarefa difícil deixar as próprias convenções literárias para trás e ler a Bíblia sobre o pano-de-fundo de suas próprias convenções literárias. Muitos especialistas estão tentando isto e, nos últimos 30 anos, fi caram muito mais perto de fazer justiça à própria Bíblia como literatura antiga: ela é a Palavra de Deus, e só por isso vale a pena todo esse esforço! Aqui, a tentativa não é resolver questões da área de pesquisa bíblica, mas oferecer um bom começo para ler a Bíblia enquanto literatura. O truque é estar alerta para o gênero de um determinado texto bíblico. Um gênero é uma forma literária e refere-se ao tipo de texto utilizado para transmitir um determinado conteúdo. Qualquer pessoa crescendo no segundo milênio a.C. e lesse Gênesis 1-11, imediatamente compararia esse texto em sua mente com textos semelhantes sobre a origem do mundo e da criação da humanidade. Qualquer leitor de Êxodo 20-24 irá instantaneamente reconhecer a semelhança na forma (e conteúdo) desta passagem com outras coleções de lei do Antigo Oriente Próximo. Sabendo disso, é preciso pensar sobre o lugar vivencial do texto que estamos lendo. No Antigo Oriente Próximo, histórias sobre a origem do mundo e da humanidade não foram em nenhuma forma concebidas para serem lidas como tratados científi cos sobre aspectos físicos, geológicos ou biológicos deste evento. Temos outros tratados como esses escritos na mesma época – sobre a matemática, a engenharia civil, a magia e a economia –, mas 35Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | estes também não têm uma forma semelhante as das revistas científi cas de hoje. Portanto, histórias sobre a origem da humanidade são literárias, textos poéticos que tentam moldar a visão dos leitores, para estabelecer uma ordem e para interpretar as difi culdades da vida. Outro exemplo são as coleções de lei na Bíblia. Seria fatal lê-los como um advogado lê, por exemplo, um decreto legislativo. Arqueólogos encontraram muitas coleções de lei do Antigo Oriente Próximo e as semelhanças na forma e no conteúdo com as leis bíblicas são impressionantes, da mesma forma que tais arqueólogos foram capazes de situar quando essas leis foram publicadas pelos seus respectivos reis. Normalmente, isso acontecia no fi nal do seu reinado, quando o velho rei tentava estabelecer um monumento (literário) da sua sabedoria e capacidade jurídica. Sugerindo essa função para essas coleções faz sentido, já que quase não foram encontrados qualquer processo judicial (… e foram encontrados muitos destes documentos) que citem essas grandes coleções de lei de alguma maneira. A lei realmente praticada nos tribunais das cidades era bem diferente das encontradas nas coleções de lei. Sobre as coleções de leis na Bíblia, a sugestão é para que as leituras fossem feitas como tentativas de defi nir Deus como rei no contexto do antigo oriente. As pessoas daquela época pensaram sobre o rei como o pastor do povo, um líder com a responsabilidade de cuidar de seu povo, para estabelecer a paz interna e externa e as condições adequadas para o povo prosperar. Neste pano de fundo, as leis bíblicas nos dizem muito sobre o caráter de Deus, seus valores e suas atitudes sobre a sociedade e a humanidade em geral. E tudo de uma forma muito prática e contextualizada, relevante para a vida cotidiana de Israel. Assim, pode-se esboçar a estrutura macro da Torá (também chamada de gênero maior) como resultado da tensão entre a história (Deus agindo para o seu povo) e a lei (mostrando a forma como Israel pode realmenteviver como é chamado, como povo de Deus). Veja a tabela: | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA36 A “Torá”, nesse sentido, é mais bem entendida como instrução por qual o autor pretende ensinar seus leitores a viver realmente o que eles já são – parte do povo escolhido de Deus. Lendo os evangelhos do Novo Testamento, chega-se ao propósito muito semelhante, isto é, comunicativamente os evangelhos são projetados para serem “cursos de discipulado” – para ensinar os seguidores de Jesus como ser parte desta nova família de Jesus, a igreja. Assista ao vídeo: A composição do Pentateuco - Profº. Enio Caldeira Exercício de fi xação A Torá, em sua defi nição mais simples, compreende o conjunto dos cinco primeiros livros (rolos) do Antigo Testamento, denominado Pentateuco. Tais rolos foram temática e estruturalmente harmônicos entre si porque constituíram-se em um guia literário para o povo de Deus. Sendo assim, observe a seguinte estrutura: I II III IV V VI Gênesis 1-11 Gênesis 12-50 Êxodo Levítico Números Deuteronômio 37Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | E, em relação aos conteúdos e ênfases de ensino histórico e teológico, leia os extratos na tabela a seguinte: A Expansão da Lei a aliança com o propósito de santidade entre o povo de Javé, já que ele viveria em seu meio B Renovação da aliança e segunda entrega da Lei como preparativo da a entrada na terra da promessa pela segunda geração do povo de Javé. C Criação, queda e julgamento. D Provação e purifi cação do povo da aliança de Javé na peregrinação pelo deserto do Sinai. E Aliança, eleição de Abraão e conservação providencial de sua família F Livramento milagroso do povo de Javé da escravidão do Egito, relacionamento da aliança da Lei como constituição teocrática para Israel. Uma vez defi nida a relação da primeira tabela com a segunda, assinale a alternativa que corresponde corretamente a esta relação. a. ( ) I-C, II-B, III-D, IV-A, V-E, VI-F b. ( ) I-A, II-D, III-F, IV-B, V-C, VI-E c. ( ) I-C, II-E, III-F, IV-A, V-D, VI-B d. ( ) I-D, II-A, III-E, IV-F, V-B, VI-C e. ( ) I-F, II-C, III-A, IV-B, V-D, VI-E Acesse o AVA para fazer o exercício! | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA38 5: A Torá: interpretando textos normativos Na linguagem da igreja ou mesmo da academia teológica, costuma-se falar das leis do Pentateuco, ou dos seus textos legais, ou até mesmo se usa o título Código para descrever certos trechos do Pentateuco: Código da Aliança (Êx19-24), Código da Santidade (Lv 17-26), Código Deuteronômico (Dt 12-26). Esse costume, porém, difi culta a nossa compreensão desses textos. Por quê? Quando estes textos são chamados de leis ou de códigos, pensa-se neles como sendo equivalentes às leis e códigos de leis de nosso tempo. Para nós, as leis estabelecem os deveres e direitos dos cidadãos e regem a vida social. Se alguém quebra a lei deve ser punido por isso, e o Poder Judiciário é o responsável por aplicar a punição. Enquanto leis, pensa- se nesses textos como se fossem produto ou de uma determinação direta de Deus que deve ser aplicada em todo e qualquer lugar em todo e qualquer tempo – ou, ao contrário, pode-se pensar neles como sendo fruto da vontade humana, de modo que poderíamos selecionar as leis válidas e as leis revogadas. O maior problema, contudo, reside na confusão teológica que surge da confl itividade entre Lei e Graça na teologia cristã. “Lei” passa a ser entendida como as leis do Antigo Testamento, superadas pela Graça de Deus, de modo que já não têm mais nenhuma validade para os cristãos. Esses hábitos de compreensão dos textos normativos do Pentateuco são prejudiciais à sua interpretação dos mesmos. É preciso, então, desenvolver novos conceitos e hábitos hermenêuticos, a fi m de compreender esses textos. 5.1. Interpretando textos normativos da Torá Os antigos judeus chamavam os seus textos normativos de torá. Esta palavra hebraica signifi ca, em primeiro lugar, instrução, ensinamento. Quando a torá vem de Deus, ela é um ensinamento com autoridade, cumpre uma função normativa. Uma norma não é a mesma coisa 39Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | que uma lei, embora ambas sejam muito parecidas. Todas as leis são normas, mas nem todas as normas são leis. Lei é um tipo de norma que, estabelecida pelo Estado, deve ser obedecida por todos os cidadãos desse Estado, sob pena de punição. Lei é, em sentido mais amplo, o conjunto de leis que defi nem a identidade político-jurídica de um país, e que encontra na Constituição a sua expressão máxima. As normas são guias para a conduta e os relacionamentos humanos, e a maioria delas não está escrita, nem faz parte de um conjunto de leis de uma nação ou Estado. Normas, nesse sentido mais genérico, são um componente da cultura de um povo, enquanto leis são um componente da estrutura política de um país. A torá (no plural hebraico: torôth) no Pentateuco é da natureza das normas e não das leis! Ou seja, as torôth que encontramos no Pentateuco não foram estabelecidas pelo Estado para servir de base para o julgamento das pessoas e instituições sociais. Quando ocorriam crimes, por exemplo, não havia um sistema de tribunais, semelhante ao nosso, nos quais os criminosos eram julgados. Os crimes eram julgados por “leigos”, por pessoas importantes de uma vila ou cidade, que se reuniam apenas quando necessário e tomavam suas decisões com base nos hábitos culturais – ou, nas normas daquela vila ou cidade. Casos que não conseguiam ser resolvidos no ambiente local eram enviados para o Templo ou para o Palácio, a fi m de que os sacerdotes ou o rei tomassem a decisão de acordo com a instrução (torá) de Deus. O relato de I Rs 3:16- 28 (quando Salomão ameaça dividir uma criança ao meio) é um exemplo da sabedoria superior do rei para lidar com situações difíceis – note que o rei não usa nenhum “código legal” para basear a sua decisão. As coleções de normas no Pentateuco, embora muito parecidas com códigos legais cumpriam, de fato, outras funções: (a) serviam como coleções de ensinamento para os líderes políticos e religiosos do povo de Israel; (b) serviam como textos didáticos para escribas e outros funcionários do Templo e do Palácio; | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA40 (c) serviam para demonstrar a grandeza do Deus de Israel que não era como os outros deuses dos povos antigos; (d) sua função mais importante, porém, era a de – juntamente com os textos narrativos do Pentateuco – defi nir a identidade do povo de Israel a partir da sua compreensão da ação e da vontade de Deus expressas na aliança entre Ele e Seu povo. Precisa-se, então, compreender os textos normativos como instrução, ensino ou teologia, e não mais como leis. São normas culturais e teológicas que visam instruir o povo de Deus à prática da fi delidade à aliança entre YHWH e Seu povo. Como os textos normativos fazem parte da narrativa do Pentateuco sobre a identidade de Israel, eles não são lei no sentido do debate teológico-eclesiástico, mas expressão da graça de Deus. Em outras palavras, Israel não se tornaria povo de Deus se cumprisse as leis; Israel se tornou povo de Deus pela graça libertadora de Deus no êxodo e na promessa da Terra. As normas divinas vieram depois da libertação divina. Repare bem no seguinte texto bíblico: “Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo: Eu sou YHWH teu Deus que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de mim. (...)” (Êx 20:1-3). Antes da lista de normas (v. 3-17) para a vida do povo de Deus, vem a declaração da graça – “que te fez sair”. Note, ainda, como, no verso 1, o texto defi ne o que nós, erradamente, chamamos de “Dez Mandamentos” – “todas estas palavras” – deveríamos, então, chamar este famoso texto de Decálogo (Dez Palavras) e não de dez mandamentos, posto que, embora tenham força normativa, não são leis, mas a instrução de Deus para nós que cremos nEle. Note bem, agora, outro texto: “Eis que vos ensinei estatutose normas, conforme YHWH meu Deus me ordenara, para que os ponhais em prática na terra em que estais entrando, a fi m de tomardes posse dela. Portanto, cuidai de pô-los em prática, pois isto vos tornará sábios e inteligentes aos olhos dos povos. Ao ouvir todos esses estatutos, eles dirão: ‘Só Em outras palavras, Israel não se tornaria povo de Deus se cumprisse as leis; Israel se tornou povo de Deus pela graça libertadora de Deus no êxodo e na promessa da Terra. 41Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | existe um povo sábio e inteligente: é esta grande nação!’. De fato! Qual a grande nação cujos deuses lhe estejam tão próximos como YHWH nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão justas como toda esta Torá que eu vos proponho hoje?” (Dt 4:5-8). Repare no primeiro verbo do texto: ensinei! Os estatutos e normas da Torá são o ensinamento de Moisés ao povo de Israel. A fi nalidade do ensino é que o povo de Deus, após entrar na terra prometida – (a) mantenha a posse dela, (b) seja reconhecido como um povo sábio e inteligente, (c) cujo Deus é um Deus próximo, amigo do povo, o Deus da aliança. Mais uma vez temos a sequência: graça libertadora de Deus – promessa – ensino – prática do que foi ensinado. Para resumir e encerrar esta seção: os textos normativos do Pentateuco devem ser estudados e compreendidos como ensino de Deus para nós, não podem ser separados de seu contexto narrativo, não devem ser lidos como Lei em contraste com a Graça. As normas vétero-testamentárias são normas da graça, são expressão da fi delidade de Deus em relação ao seu povo e da fi delidade que Deus deseja que seu povo tenha para com Ele. Exercício de aplicação Observe um trecho sobre o Pentateuco: As coleções de normas no Pentateuco, embora muito parecidas com códigos legais cumpriam, de fato, outras funções, a saber: (a) serviam como coleções de ensinamento para os líderes políticos e religiosos do povo de Israel; (b) serviam como textos didáticos para escribas e outros funcionários do Templo e do Palácio; (c) serviam para demonstrar a grandeza do Deus de Israel que não era como os outros deuses dos povos antigos; De fato! Qual a grande nação cujos deuses lhe estejam tão próximos como YHWH nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão justas como toda esta Torá que eu vos proponho hoje?” (Dt 4:5-8). Para resumir e encerrar esta seção: os textos normativos do Pentateuco devem ser estudados e compreendidos como ensino de Deus para nós, não podem ser separados de seu contexto narrativo, não devem ser lidos como Lei em contraste com a Graça. As normas vétero-testamentárias são normas da graça, são expressão da fi delidade de Deus em relação ao seu povo e da fi delidade que Deus deseja que seu povo tenha para com Ele. | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA42 (d) sua função mais importante, porém, era a de – juntamente com os textos narrativos do Pentateuco – defi nir a identidade do povo de Israel a partir da sua compreensão da ação e da vontade de Deus expressas na aliança entre Ele e Seu povo. Considerando os termos grifados é correto afi rmar que: a. ( ) O Pentateuco contém narrativas que ajudam o leitor quanto à interpretação dos processos civis, litúrgicos, confessionais e educacionais do povo de Deus. b. ( ) O Pentateuco é uma elaboração com ênfase literária dos fi lhos de Jacó. c. ( ) O Pentateuco é o desvendamento das quatro linhas teológicas: o Reino do Sul, o Reino do Norte, o Deuteronômio e os Sacerdotes. d. ( ) O Pentateuco é o agrupamento da linha de pensamento da tribo dos levitas. e. ( ) O Pentateuco é o registro da chamada e comissionamento da nação de Israel, desde o Egito até Canaã. 5.2. Um exemplo de interpretação (Dt 14,22-29) Na prática, então, como deve-se compreender um texto normativo, a partir dessa nova hermenêutica. Observe uma das normas mais interessantes do Deuteronômio, a que trata do dízimo (Dt 14,22-29). Por uma questão de economia de espaço, a discussão dos versos 24-26a fi carão de fora, o que permitirá prestar mais atenção aos demais versículos. A norma tem duas partes: a primeira se refere ao dízimo anual (22-27), a segunda ao dízimo trienal (28-29). O dízimo requerido pela norma ao israelita é dos frutos da colheita, incluindo o vinho e o azeite, que seria ofertado juntamente com os primogênitos do gado (bovino) e do rebanho (ovino e caprino). O dízimo anual deveria ser levado ao lugar escolhido por Deus para ser adorado e, nesse lugar, deveria ser comido elaboração c. ( ) 43Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA | pelo ofertante, sua família e empregados ou escravos e pelos levitas da cidade do ofertante. Em relação ao levita, ele deveria ser incluído na festa das famílias porque ele não poderia dar o dízimo ao Senhor, pois não possuía terra (herança é o termo teológico do Antigo Testamento para a propriedade de uma família – presente de Deus que não poderia ser dado nem vendido a outras pessoas). Repare que interessante: o dízimo é para ser comido festivamente, no culto de gratidão a Deus pela colheita, e não para ser entregue aos sacerdotes para o sustento deles (conforme pedia a norma em Levítico!). E mais, a norma pede o dízimo anual com uma intenção didática: “a fi m de que aprendas a temer Javé, teu Deus, todos os teus dias”. Que é temer a Deus? É reconhecer que Ele é o Senhor de nossa vida, de nossos bens, de nossa família, de nosso presente e de nosso futuro. É reconhecer que em Deus encontramos a fonte da sabedoria, da inteligência, da capacidade para o trabalho, etc. Assim, entregar o dízimo é uma forma de aprendizado. Ofertamos o dízimo, a fi m de não nos esquecermos de que tudo o que temos vem das mãos do Senhor. E o dízimo trienal? O dízimo trienal era para ser estocado nas cidades, com o propósito de servir de alimento para os “sem-terra”: levitas, órfãos, viúvas, imigrantes (provavelmente fugitivos do reino do norte e que foram morar no reino do Sul após a destruição de Samaria). O dízimo anual é gratidão, o trienal é solidariedade. Quem ama a Deus, ama ao próximo! Note o detalhe fi nal do texto: “a fi m de que te abençoe Javé, teu Deus, em toda obra de tuas mãos, que fi zeres”. Somos gratos a Deus pelas bênçãos que recebemos, de modo que damos o dízimo dessas bênçãos para aprendermos a temer ao Senhor. Como tementes a Deus, somos solidários com os necessitados, e repartimos com ele nossas bênçãos. Quando assim fazemos, Deus renova a bênção sobre nosso trabalho! Quando acumulamos de forma egoísta a bênção divina, não repartindo com o próximo, transformamos a bênção em pecado! A escolha do texto deuteronômico sobre o dízimo foi proposital. É um texto pouco conhecido sobre um tema muito discutido nas igrejas. Certamente O dízimo anual é gratidão, o trienal é solidariedade. Quem ama a Deus, ama ao próximo | Bíblia II - Introdução ao AT | FTSA44 você terá fi cado interessado nas diferenças entre a norma deuteronômica do dízimo e a norma em Levítico e Malaquias. A presença de diferenças desse tipo é comum nas coleções de normas no Pentateuco e revela as diferentes interpretações que o povo de Deus fez de seu ensino de Deus sobre a fi delidade à Aliança. Caso você deseje estudar mais a fundo as coleções de normas do Pentateuco, você encontrará bastante material para sua edifi cação e para seu crescimento em sabedoria e discernimento. 5.3. Torá: identidade do povo de Deus Há, no Pentateuco, duas grandes teologias complementares que servem para descrever a identidade do povo de Deus. Essas formas não abrangem todos os textos do Pentateuco, mas oferecem uma síntese da teologia dos primeiros livros da Bíblia. A primeira delas diz respeito à teologia sacerdotal na Torá. Por teologia sacerdotal entende-se, na tradição acadêmica de estudos bíblicos, o conjunto de temas e textos do Pentateuco que giram ao redor dos conceitos de santidade, sacrifício
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