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Parasitologia e Saneamento Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Anderson Sena Barnabe Revisão Textual: Prof. Me. Claudio Brites Helmintoses e Saneamento • Introdução às Helmintoses; • Nematodas. • Dar base sobre o conhecimento técnico a respeito das características fi siopatológicas e epidemiológicas das principais helmintoses de transmissão alimentar. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Helmintoses e Saneamento Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Helmintoses e Saneamento Introdução às Helmintoses Os helmintos constituem um grupo muito numeroso de animais, incluindo situ- ações em que espécies apresentam vida livre e vida parasitária, onde muitos im- plicam em sérios problemas à saúde humana e de outros animais (NEVES, 2016). Podemos classificar os principais parasitas helmintos nos filos Platyhelminthes, Nematoda e Acanthocephala, sendo que nem todos constituem-se como para- sitas dos seres humanos. Seguindo as caracterizações taxonômicas, foi feito uma adaptação baseada na literatura de Neves (2016), conforme podemos observar na Figura 1. Nesta Unidades, focaremos em nossos estudos sobre o filo nematoda, o qual inclui uma série de parasitas de relevância em saúde pública, os quais são denominados popularmente como “verminoses”. Filo Classe Família Gênero Espécies Platyhelminthes Nematoda Fasciola Taenia Echinococcus Hymenolepis Ascaris Toxocara A. lumbricoides T. canis Enterobius Strongyloides E. vermicularis S. stercoralis A. duodenale A. braziliense N. americanus T. trichiura W. bancrofti O. volvulus Ancylostoma Trichuris Wuchereria Onchocerca Necator Schistosoma S. mansoni S. japonicum S. haemotobium S. hepatica T. solium T. saginata E. granulosus H. nana H. diminuta Schistosomatidae Taennidae Fasciolidae Hymenolepididae Ascarididae Oxyuridae Strongyloididae Ancylostomidae Trichuridae Onchocercidae Trematoda Cestoda Secementea Figura 1 – Parasitas helmintos de importância sanitária Fonte: Adaptado de Neves (2016) No Brasil, o parasitismo intestinal por nematodas constitui um dos problemas mais sérios de saúde pública, principalmente em regiões com focos de pobreza e condições sanitárias inadequadas (GAZZINELL et al., 2016; BROOKER, BE- THONY, HOTEZ, 2004). Estudos sugerem que o principal dano das parasitoses intestinais em escolares é o acometimento do crescimento físico e do desenvolvi- mento cognitivo (GAZZINELL et al., 2016; MELO et al., 2010). Investigações feitas sobre as consequências de déficit nutricional no desenvolvimento cognitivo com- provam que efeitos cumulativos sobre o sistema nervoso e o seu desenvolvimento são desencadeados pela inadequação de ferro em crianças na primeira infância (1-3 anos). Também, a prevalente de deficiência de zinco – presente até o início da 8 9 adolescência – afeta desde funções motoras primárias a atividades de maior refina- mento, como o raciocínio lógico e abstrato e as habilidades criativas, repercutindo de forma negativa na aprendizagem das crianças (CHRISTIAN et al., 2010). As infecções por helmintos, de acordo com as prevalências e incidências, refle- tem com boa margem de segurança as condições de vida de diferentes comunida- des, além das fortes influências ambientais. Influem, no sentido de que elas ocor- ram com intensidades variáveis, expressivos fatores exemplificados sobretudo por saneamento básico, educação inclusive especificamente para a saúde, habitação e higiene alimentar, que, quando existem de formas satisfatórias, coíbem a expansão dessas parasitoses (CHIEFFI; AMATO NETO, 2003). A necessidade de vigilância sobre água para consumo humano e alimentos, além de saneamento básico e prevenção ao contato desprotegido com o solo são méto- dos evidentes de prevenção às contaminações, precisando então merecer atenções prioritárias junto aos programas de saúde. Disso tudo, resulta que a maior ou me- lhor proeminência de tais infecções fique na dependência de condições relaciona- das com desenvolvimentos regionais, atividades de vigilância sanitária e ações de educação em saúde, fazendo com que, em um período vindouro, as helmintoses deixem de constituir preocupações sanitárias (CHIEFFI; AMATO NETO, 2003). Finalizando esse elemento introdutório, afirmamos que uma boa parte dos gru- pos de helmintos são relevantes do ponto de vista veterinário, os quais não aborda- remos nesses contextos, e também há uma grande relevância à helmintologia quan- to à infecção pelo Schistossoma mansoni, causador da esquistossomose – esse parasita, apesar de extremamente ligado à falta de saneamento básico, não tem relação direta como DTA. Agregamos que, apesar de não ser elemento de estudos neste conteúdo, a esquistossomose também se implica como um grave problema de saúde pública no Brasil. Nematodas Ascaris lumbricoides O Ascaris, também conhecido como lombrigas, é o maior parasita nematoda (cilíndrico) do ser humano. Extremamente prevalente, é o mais diagnosticado em estudos epidemiológicos (NEVES, 2011; NEVES, 2016). A maioria das infecções por A. lumbricoides envolve pequeno número de pa- rasitos adultos e é assintomática, diagnosticada em exames coproparasitológicos ou através da eliminação de parasitos nas fezes. A manifestação dos sintomas da ascaridíase depende do número de parasitos adultos albergados pelo indivíduo. In- fecções maciças podem resultar em bloqueio mecânico do intestino delgado, prin- cipalmente em crianças (SILVA et al., 2011). 9 UNIDADE Helmintoses e Saneamento O meio ambiente exerce um importante e intrínseco papel na transmissão e na disseminação dessa doença, já que os ovos embrionados do A. lumbricoides, quando eliminados no solo pelas fezes do hospedeiro definitivo, não possuem ca- pacidade de infecção, ou seja, de dar continuidade ao ciclo. Essa capacidade só é adquirida após um processo evolutivo que dura cerca de três ou quatro semanas no solo, necessitando para isso de lugares úmidos, quentes e sombreados, pelo qual água e alimentos podem ser contaminados (STORER; USINGER, 1989; CAMPOS et al., 2002). O ciclo dessa doença pode ser observado na Figura 2, resumida da página na internet do Center of Disease Control, Atlanta, EUA. Podemosobservar que exis- tem três formas especificas, ovos, larvas e formas adultas masculina e feminina. Ovos embrionados são ingeridos (4), passam dentro do hospedeiro humano, por alguns estágios de amadurecimento (5), migram do intestino para os pulmões (6), são novamente deglutidos (7), e finalmente se instalam no intestino onde adquirem a forma adulta (1). Machos e fêmeas acasalam e novos ovos são liberados nas fezes, recontaminando o meio ambiente (2). Nessa fase, os ovos passam por um perío- do de maturação. Devido à falta de saneamento, contaminam facilmente a água, vegetais comestíveis e outros alimentos, implicando assim essa doença como uma clássica parasitose adquirida por transmissão alimentar. Figura 2 – Ciclo do Ascaris lumbricoides Fonte: Adaptado cdc.gov 10 11 A doença tem uma série de sintomas, os quais podemos observar, de acordo com sua localização: migração pulmonar, microhemorragias, pneumonia eosinofíli- ca, pneumonia bacteriana secundária; obstrução intestinal, volvos e intussuscepção intestinal; obstrução dos canais pancreático e biliar; localização errática inflamação em olhos e ouvido médio (NEVES, 2011; NEVES, 2016, REY, 2002). Apesar de impactante, essa doença se mantém como negligenciada, acomete populações mais vulneráveis e infelizmente é um reflexo da falta de condições sani- tárias que boa parte da população brasileira ainda tem. O diagnóstico dessa enfermidade é feito por exames protoparasitológicos fecais, e o tratamento é a base de anti-helmínticos específicos. Apesar de simples de tratar, há o risco de reincidência, inferindo uma necessidade de medidas não só quanto à população de risco, mas também de intervenções sanitárias quanto ao meio am- biente, a distribuição de água potável, o tratamento de resíduos (lixo doméstico) e de segurança alimentar. Ancilostomídeos Ancylostomidae é uma das mais importantes famílias de Nematoda, cujos está- gios parasitários ocorrem em vários animais e em humanos, causando ancilosto- mose ou ancilostomíase. A ação dos parasitos, tanto por etiologia primária como secundária, geralmente desencadeia um processo patológico de curso crônico, mas que pode resultar em consequências fatais (NEVES, 2005). Dentre as mais de 100 espécies de Ancylostomidae descritas, apenas três são agentes etiológicos das ancilostomíases humanas: Ancylostoma duodenale (DUBINI, 1843); Necator americanus (STILES, 1902); e Ancylostoma ceylani- cum (LOSS, 1911). As duas primeiras espécies são os principais ancilostomatí- deos de humanos, enquanto A. ceylanicum, embora possa ocorrer em hospe- deiros humanos, tem os canídeos e felídeos como hospedeiros definitivos (REY, 2002; NEVES, 2016). A infecção por A. duodenale se estabelece, em proporções semelhantes, quando as L3 penetram, tanto por via oral como transcutânea – apesar de alguns autores admitirem que a via oral é a mais efetiva. Já o N. americanus assegura maior in- fectividade quando as larvas penetram por via transcutânea. Há a possibilidade de L3 (larvas em seu 3º estágio evolutivo) ingeridas penetrarem na mucosa da boca, ou no epitélio da faringe, e caírem na corrente sanguínea completando o ciclo, via pulmonar, devidamente comprovada em N. americanus. Os conhecimentos sobre as vias de penetração e de migração larvária desses pa- rasitos são mais precisos. Enquanto para o N. americanus a penetração cutânea é a única possível, para infectar uma pessoa, o A. duodenale pode penetrar também por via oral (com o consumo de legumes frescos, p. ex.) e, nesse caso, deixar de fa- zer o ciclo pulmonar, completando todo seu desenvolvimento larvário nos intestinos 11 UNIDADE Helmintoses e Saneamento do paciente, com maior proporção de larvas chegando à fase adulta (REY, 2001; NEVES, 2005). O ciclo de transmissão pode ser visto na Figura 3: Figura 3 – Ciclo da Ancilostomiase Fonte: Adaptado cdc.gov As formas larvais (formas filarioides -4) penetram ativamente pela pele e tem um trajeto orgânico similar às outras infecções por nematodas (5). Ao liberar ovos nas fezes (1), e devido à intrínseca falta de saneamento básico, há a evolução dos para- sitas em formas livres no meio ambiente (2, 3), o que desencadeia um novo ciclo. De fato, é o parasitismo intestinal que bem caracteriza a ancilostomose. Si- nais e sintomas abdominais podem ser evidentes após a chegada dos parasitos ao intestino. Há registro de dor epigástrica, diminuição de apetite, indigestão, cólica, indisposição, náuseas, vômitos, flatulências, às vezes, podendo ocorrer diarreia sanguinolenta ou não e, menos frequente, constipação. Esses sinais e sintomas são mais graves quando tem início a deposição de ovos. A patogenia da enfermidade é diretamente proporcional ao número de parasitos presentes no intestino delgado. A anemia causada pelo intenso hematofagismo exercido pelos vermes adultos, é o principal sinal de ancilostomose. O A. duodenale se destaca por exercer maior hematofagismo, podendo cada parasito adulto sugar 0,05 a 0,3mVsangue/dia, enquanto o N. americanus suga 0,01 a 0,04ml/sangue/dia (REY, 2001; NEVES, 2007). A ancilostomose crônica desencadeia uma intensa anemia ferropriva, (anemia por deficiência de ferro), é mais permanente em indivíduos submetidos à reinfecção. O restabelecimento nutricional dessa condição deve ser extensamente aplicado ao profissional nutricionista. Com a instalação e a persistência da anemia (microcítica 12 13 e hipocrômica), da leucocitose, da eosinofilia e da baixa taxa de hemoglobina, vá- rias mudanças fisiológicas e bioquímicas agravam o estado orgânico do hospedeiro. O controle dessa doença se dá com ações intensas de educação sanitária, vigi- lância em saúde quanto à qualidade dos alimentos, potabilização da água de consu- mo humano e animal, seguido de estudos epidemiológicos para detecção de porta- dores crônicos (exames de fezes em adultos e crianças), uma vez que nem sempre os sintomas são evidenciados, e sim dependentes da carga parasitária (REY, 2001). Estrongiloidíase A estrongiloidíase é uma parasitose também pertencente aos nematodas, geral- mente crônica e assintomática. Contudo, sua forma mais grave é invasiva e pode desencadear quadros graves e fatais (LUNA et al., 2007). A estrongiloidíase disse- minada é uma condição que possui critérios diagnósticos pouco específicos e tra- tamentos com eficácia limitada (LUNA et al., 2007). A estrongiloidíase tem amplo espectro de manifestações que variam desde doenças assintomática até hiperin- fecção e estrongiloidíase disseminada. As manifestações agudas podem ocorrer precocemente desde o contato inicial. Os sintomas observados são: eritema serpi- ginoso, onde houve contato da larva com a pele, tosse mimetizando asma devido à migração da larva pelos pulmões, dor abdominal ou diarreia (VADLAMUDI; CHI; KRISHNASWAMY, 2006; LUNA et al 2007). A estrongiloidíase humana é um tipo de helmintose causada por duas espécies de nematoides intestinais pertencentes ao gênero Strongyloides, que são geohel- mintos (dependem de maturação no solo para dar continuidade ao seu ciclo de desenvolvimento), da família Rhabdiasidae. A espécie Strongyloides stercoralis é a de maior importância clínica para o homem, por ser a mais prevalente e ter uma distribuição mais ampla, com mais de 600 milhões de pessoas infectadas no mun- do. A outra espécie, Strongyloides fuelleborni, é encontrada esporadicamente na África e na Nova Guiné (NEVES, 2005). A forma de contaminação mais comum é a penetração ativa da larva filarioide na pele. Outra forma de contaminação menos comum é a via digestiva, por meio da ingestão de água contaminada com larvas infectantes. As larvas amadurecem e se transformam em fêmeas partenogênicas adultas e liberam ovos no trato gastrintestinal. Os ovos sofrem eclosão ainda no trato gastrin- testinal e originam larvas rabditoides, que são excretadas. Contudo, algumas dessas larvas se transformam em larvas infecciosas (filarioides) e penetram na mucosa periretal ou na pele, reentrandono sistema circulatório e reiniciando o ciclo (REY, 2002, NEVES, 2016, BRANDELERO, 2018). Podemos observar esse complexo ciclo junto à Figura 4, onde observamos tam- bém um complexo alinhamento de elementos atuantes junto ao sistema imunoló- gico, como as interleucinas 4; 5 e 13, assim como eosinófilos e a imunoglobulina 13 UNIDADE Helmintoses e Saneamento E. Por causa desse ciclo de autoinfecção, uma pessoa poderá manterse infectada por S. stercoralis por décadas. A infecção costuma ser assintomática, mas pode apresentar uma combinação de sintomas clínicos incertos, tais como: dor epigás- trica grave, diarreia crônica, constipação, indigestão, anorexia, prurido anal, dis- tensão abdominal, perda de peso, náuseas, vômito, eosinofilia periférica, astenia, adinamia, febre, hemorragia, anemia e, raramente, obstrução do intestino delgado (CSERMELY et al., 2006; KUO et al., 2017; BRANDELERO et al., 2018). Figura 4 – Ciclo da Estrongiloidíase Fonte: Ferreira, 2012 Muitos parasitas, ao longo da evolução, desenvolveram mecanismos de escape do sistema imunológico, particularmente da resposta imune adaptativa, garantindo sua permanência no hospedeiro. Além da capacidade de evasão, o parasita tam- bém tem a capacidade de suprimir a resposta imune e se alojar em órgãos e células que são inacessíveis ao sistema de defesa do nosso organismo, dificultando, com isso, a ação do mesmo para que se tenha a eliminação desses parasitas (COELHO- -CASTELO, et al., 2009; SANTANA; LOUREIRO, 2017). O controle dessa doença se dá com a intensificação das campanhas sanitárias, melhorias globais de higiene, saneamento e distribuição ampliada de água potável para as comunidades mais carentes. Um agravamento dessa doença está associado 14 15 ao fato dela se implicar também com as condições de imunidade do hospedeiro hu- mano, sendo um problema mais grave quando acomete pessoas imunossuprimidas. Tricuríase É outra doença infecciosa causada pelo Trichuris trichiura, um nematoda pa- rasita, comum em áreas quentes e úmidas, onde há abundância de chuvas e calor ao longo do ano (fato intrínseco as áreas tropicais do mundo). A transmissão dessa patologia ocorre a partir da ingestão de ovos embrionados pelas vias convencionais e associadas à contaminação dos alimentos e da água (MOTTA; SILVA, 2002). As larvas amadurecem no intestino delgado e migram para o cólon proximal. Nas infecções graves, os vermes podem ser encontrados do íleo terminal ao reto, tornando a mucosa edematosa, friável e com facilidade de sangramentos. As al- terações da mucosa são encontradas apenas no local de aderência do parasita e consistem de petéquias ou hemorragia subepitelial, destruição celular e infiltração superficial com eosinófilos, linfócitos e células plasmáticas. Em condições ambientais favoráveis, os ovos de T. trichiura contendo as larvas infectantes podem permanecer viáveis por longo período de tempo. Os ovos in- fectantes podem contaminar alimentos sólidos e líquidos, podendo, assim, serem ingeridos pelo homem (REY, 2001; FERREIRA, 2012; NEVES,2016), conforme podemos observar na Figura 5. Figura 5 – Ciclo da Tricuríase Fonte: Adaptado cdc.gov 15 UNIDADE Helmintoses e Saneamento Apesar do grande número de pessoas infectadas por esse parasita, a tricuríase não tem sido tratada com a devida atenção pelas autoridades de saúde pública das regiões de alta prevalência da infecção (NEVES, 2016). Provavelmente, o descaso seja devido à grande proporção de casos assintomáticos da doença e da falta de informações quanto a real consequência da infecção crônica, especialmente em crianças. A gravidade da tricuríase depende da carga parasitária, e também das condições do hospedeiro. Em infecções intensas e crônicas, o parasito se distribui por todo o intestino grosso, atingindo também a porção distal do íleo e reto. Dessa maneira, os sinto- mas relatados estão associados a distúrbios locais, como dor abdominal, disenteria, sangramento e prolapso retal, bem como alterações sistêmicas, como perda do apetite, vômito, eosinofilia, anemia, desnutrição, retardamento no desenvolvimento físico e comprometimento cognitivo. A relação entre tricuríase e desnutrição tam- bém é difícil de ser estabelecida, pois as infecções intensas em geral ocorrem em populações pobres sujeitas a deficiências nutricionais que independem da helmintí- ase. Apesar dessa dificuldade, alguns trabalhos demonstram que crianças com tri- curíase grave (síndrome disentérica crônica) apresentam uma melhora significativa nos índices nutricionais, estimados pela relação peso e altura por idade, após o uso de tratamento anti-helmíntico (NEVES, 2016). Dessa maneira, a diminuição do consumo de nutrientes, devido à falta de apetite induzida pelo aumento de TNF-a (elemento envolvido nos processos imunes dessa helmintose), e o aumento das perdas alimentares, consequência da disenteria e vô- mitos, bem como do prejuízo na absorção de alguns alimentos, como sais minerais, especialmente zinco e ferro, podem ser fatores essenciais ao aparecimento das alterações sistêmicas, como anemia, desnutrição e comprometimento no desenvol- vimento físico e cognitivo (REY, 2002; URBANO, 2012; NEVES, 2016). Pouco se conhece da resposta imunológica humana à infecção por T. trichiura. A gravidade da tricuríase varia grandemente em humanos, e a maior parte da popu- lação infectada não desenvolve sintomatologia. Essa variação pode refletir diferenças na resposta imune apresentada pelo hospedeiro, além das diferenças de idade e estado nutricional já discutidas. Estudos que avaliam a taxa de reinfecção de adultos após o tratamento sugerem que o desenvolvimento de uma imunidade protetora es- teja envolvido na diminuição da intensidade da infecção observada em adultos (REY, 2001; URBANO, 2012; NEVES, 2016). É de extrema importância que o profissional nutricionista tenha uma visão sis- têmica dos processos de produção de alimentos que possam estar envolvidos na sequência de transmissão e no ciclo dessa e das outras helmintoses. Variáveis epi- demiológicas como armazenamento, insumos hortículas que possam vir a se conta- minar, controle de pragas dentro das Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs), principalmente quanto a vetores mecânicos, são importantes vias de profilaxia da transmissão alimentar dessas doenças parasitárias. Fora essa relação, a educação sanitária, o estudo sobre os aspectos nutricionais das pessoas infectadas e a amplia- 16 17 ção do saneamento básico, a água potável, coleta e tratamento de esgotos e resídu- os sólidos são via de regra para as relações de prevenção primária a essas doenças. Outros Nematodas de Importância Sanitária A família Oxyuridae possui várias espécies de interesse veterinário e de inte- resse médico. Enterobius vermiculares é o parasita pertencente a essa família que mais tem relevância em humanos. É um parasita do tipo monoxênico, onde, após a cópula, os machos são eliminados com as fezes e morrem. As fêmeas grávidas, repletas de ovos, se desprendem do ceco e dirigem-se para o ânus (principalmente à noite), impondo a isso condições de temperatura. Esses ovos também podem ser eliminados por rompimento do organismo da fêmea, devido a algum traumatismo ou dessecamento (NEVES, 2016). Como ela se assemelha a um “saco de ovos”, com a cutícula extremamente distendida, parece que o rompimento da mesma se toma fácil. Os ovos eliminados, já embrionados, se tomam infectantes em poucas horas e são ingeridos pelo hospedeiro, devido às manifestações de prurido que essas formas causam – crianças levam as mãos contaminadas à boca e se dá o reinicio do ciclo. No intestino delgado, as larvas rabditóides eclodem e sofrem duas mudas no trajeto intestinal até o ceco. Aí chegando, transformam-se em vermes adultos. Um a dois meses depois as fêmeas são encontradas na região perianal (REY, 2001; URBANO, 2012; NEVES, 2016). Os mecanismos de transmissão que podem ocorrer são: heteroinfecção – quan- do ovos presentes napoeira ou alimentos atingem novo hospedeiro (é também conhecida como primoinfecção); indireta – quando ovos presentes na poeira ou alimentos atingem o mesmo hospedeiro que os eliminou; autoinfecção externa ou direta – a criança (frequentemente) ou o adulto (raramente) levam os ovos da região perianal à boca. Campanhas educativas, higiene básica e saneamento do meio ambiente são medidas profiláticas relevantes a essa doença. Como não se trata de uma doença de notificação compulsória, não dispomos de dados epidemiológicos suficientes para relacionar a ela a prevalência dessa doença nas comunidades. Métodos Diagnósticos, Preventivos e Tratamentos às Helmintoses Usualmente as helmintoses humanas são pouco sintomáticas, por isso mesmo, difícil de ser diagnosticada em exame clínico, sendo a gravidade da doença deter- minada pelo número de vermes que infectam cada pessoa, além do estado imu- nológico do hospedeiro. Como boa parte dos parasitas não se multiplicam dentro do hospedeiro, a exposição contínua a ovos infectados ou larvas é a única fonte responsável pelo acúmulo de vermes adultos no intestino do hospedeiro, e quase todas as descrições feitas nesse capítulo envolvem a disseminação dessas doenças a partir do consumo de frutas, verduras, alimentos consumidos crus e água conta- minada (REY, 2001; URBANO, 2012; NEVES, 2016). Em geral, cinco medidas são bem conhecidas para o controle das infecções por helmintos: a) repetidos tratamentos em massa dos habitantes de áreas endêmicas 17 UNIDADE Helmintoses e Saneamento com drogas ovicidas; b) tratamento das fezes humanas que eventualmente podem carrear as formas infectantes desses parasitas; c) saneamento básico; d) educação para a saúde; e) vigilância sanitária e controle de qualidade dos alimentos e da água de consumo humano, visto que diversos alimentos podem acabar sendo veículos de transmissão de ovos ou larvas desses parasitas. Primar pela sanidade desses alimentos é uma das ações primordiais do nutricionista que atua com saúde pública. Quanto ao diagnóstico das helmintoses, os exames são feitos pela pesquisa de ovos nas fezes. Como as fêmeas eliminam diariamente milhares de ovos por dia, não há necessidade, nos exames de rotina, de metodologia específica ou métodos de enriquecimento, bastando a técnica de sedimentação espontânea. Contudo, o método de Kato modificado por Katz é bastante eficiente e recomendado pela Or- ganização Mundial de Saúde para inquéritos epidemiológicos. O potencial do tratamento das helmintoses intestinais aumentou em muito com a descoberta dos benzimidazóis. Essas drogas são altamente efetivas contra o A. lumbricoides e outras helmintoses intestinais. A Organização Mundial da Saúde re- comenda quatro drogas – albendazol, mebendazol, levamisol e pamoato de pirantel – para o tratamento e controle de helmintos. Essas infecções intestinais fazem parte do grupo de endemias parasitárias pre- sentes no Brasil. Dependem do subdesenvolvimento econômico-social, sanitário e, felizmente, em geral, não são graves, podendo ser tratadas com razoável facilidade. Isso comumente acontece, porém os problemas sociais, a pobreza e a insegurança alimentar permanecem influenciados pelo mau saneamento básico e pelas baixas condições de vida que ainda persistem no Brasil, que continuam mantendo os níveis dessas parasitoses de forma endêmica em várias áreas (CHIEFFI; AMATO NETO, 2003). Agrava o fato as respostas imunes à infecção por helmintos serem frequentemente insuficientes em dois aspectos fundamentais: o sistema imunológi- co é incapaz de eliminar a infecção crônica e a memória imunológica não protege contra a reinfecção mesmo após a cura mediada por tratamento farmacológico (MCSORLEY; MAIZELS, 2012; FONTE GALINDO, et al, 2016). Ou seja, a imu- nidade protetora observada após a infecção por patógenos virais e bacterianos é raramente observada após a infecção por helmintos. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Parasitologia humana NEVES, D. P. Parasitologia humana. 13. ed. São Paulo: Atheneu, 2016. Parasitologia REY, L. Parasitologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. Leitura Um século de experiência no controle da ancilostomíase REY, L. Um século de experiência no controle da ancilostomíase.Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba, v. 34, n. 1, p. 61-67, Feb. 2001. https://bit.ly/2GxyYfS Vermes, verminoses e a saúde pública CHIEFFI, P. P.; AMATO NETO, V. Vermes, verminoses e a saúde pública. Cienc. Cult., São Paulo, v. 55, n. 1, p. 41-43, Jan. 2003. https://bit.ly/2IkZEC4 19 UNIDADE Helmintoses e Saneamento Referências BRANDELERO, E. et al. Hemorragia digestiva ocasional em criança por estrongiloi- díase: importância do exame parasitológico. Rev. paul. pediatr., São Paulo, 2018 BROOKER, S.; BETHONY, J.; HOTEZ, P. J. Human hookworm infection in the 21st century. Advances in Parasitology, n. 58, p. 197-288. 2004. CAMPOS, M.R. et al. Distribuição espacial da infecção por Ascaris lumbricoi- des. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 69-74, Feb. 2002. CENTER OF DISEASES CONTROL. DPDx – Laboratory Identification of Parasites of Public Health Concern. 2018. Disponível em: https://www.cdc. gov/>. Acesso em: 14 nov. 2018. CHIEFFI, P.P.; AMATO NETO, V. Vermes, verminoses e a saúde pública.Cienc. Cult., São Paulo, v. 55, n. 1, p. 41-43, Jan. 2003. CHRISTIAN, P. et al. Prenatal micronutrient supplementation and intellectual and motor function in early school-aged children in Nepal. JAMA, v. 24, p. 2716- 2723. 2010. COELHO-CASTELO, A. A. M. et al. Resposta imune a doenças infecciosas. Me- dicina, Ribeirão Preto, v. 42, n. 2, p. 127-142. 2009. CSERMELY, L. et al. Strongyloides hyperinfection causing lifethreatening gastrointestinal bleeding. World J Gastroenterol, v. 12, p. 64016404. 2006. FERREIRA, M. U. Parasitologia Contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan-Gen, 2012. FONTE GALINDO, L. et al. Regulación por helmintos de las respuestas inmu- nitarias del hospedero. 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