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Análise narrativa da Bíblia - J Vitório pdf

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Prévia do material em texto

Análise narrativa 
da Bíblia
Handley José 
Cantas aedificat
Coleção Bíblia em Comunidade
PRIM EIRA SÉRIE - VISÃO GLO BAL DA BÍBLIA
1. Bíblia, comunicação entre Deus e o povo - 
Informações gerais
2. Terras bíblicas: encontro de Deus com a 
humanidade - Terra do povo da Bíblia
3. O povo da Bíblia narra suas origens - 
Formação do povo
4. As famílias se organizam em busca da 
sobrevivência - Período tribal
5. O alto preço da prosperidade - Monarquia 
unida em Israel
6. Em busca de vida, o povo muda a história - 
Reino de Israel
7. Entre a fé e a fraqueza - Reino de Judá
8. Deus também estava lá - Exílio na Babilônia
SEGUNDA SÉRIE - TEO LO GIAS BÍBLICAS
1. Deus ouve o clamor do povo 
(Teologia do êxodo)
2. Vós sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus 
(Teologia da aliança)
3. Iniciativa de Deus e corresponsabilidade 
humana (Teologia da graça)
4. O Senhor está neste lugar e eu não sabia 
(Teologia da presença)
5. Profetas e profetisas na Bíblia 
(Teologia profética)
6. O Sentido oblativo da vida 
(Teologia sacerdotal)
7. Faça de sua casa um lugar de encontro de sábios 
(Teologia sapiencial)
8. Grava-me como selo sobre teu coração 
(Teologia bíblica feminista)
9. Teologia rabínica (em preparação)
TERCEIRA SÉRIE - B ÍBLIA COMO LITERATURA
1. Bíblia e Linguagem: contribuições dos estudos 
literários (em preparação)
2. Introdução às formas literárias no Primeiro 
Testamento (em preparação)
3. Introdução às formas literárias no Segundo 
Testamento (em preparação)
4. Introdução ao estudo das Leis na Bíblia
QUARTA SÉRIE - RECURSOS PEDAGÓGICOS
1. O estudo da Bíblia em dinâmicas - 
Aprofundamento da Visão Global da Bíblia
2. Aprofundamento das teologias bíblicas 
(em preparação)
3. Aprofundamento da Bíblia como Literatura 
(em preparação)
4. Pedagogia bíblica
4.1. Primeira infância: E Deus viu que tudo 
era bom
9. A comunidade renasce ao redor da Palavra - 
Período persa
10. Fé bíblica: uma chama brilha no vendaval - 
Período greco-helenista
11. Sabedoria na resistência - Período romano
12. O eterno entra na história - A terra de Israel 
no tempo de Jesus
13. A fé nasce e é vivida em comunidade - 
Comunidades cristãs na terra de Israel
14. Em Jesus, Deus comunica-se com o povo - 
Comunidades cristãs na diáspora
15. Caminhamos na história de Deus - 
Comunidades cristãs e sua organização
10. Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de 
Deus (Teologia paulina)
11. Compaixão, cruz e esperança (Teologia de Marcos
12. Lucas e Atos: uma teologia da história (Teologia 
lucana)
13. Ide e fazei discípulos meus todos os povos 
(Teologia de Mateus)
14. Teologia joanina (em preparação)
15. Eis que faço novas todas as coisas 
(Teologia apocalíptica)
16. As origens apócrifas do cristianismo 
(Teologia apócrifa)
17. Teologia da Comunicação 
(em preparação)
18. Minha alma tem sede de Deus 
(Teologia da espiritualidade bíblica)
5. Introdução à análise poética de textos bíblicos
6. Introdução à Exegese patrística na Bíblia (em 
preparação)
7. Método histórico-crítico (em preparação)
8. Análise narrativa da Bíblia
9. Método retórico e outras abordagens (em 
preparação)
4.2. Segundo Infância (em preparação)
4.3. Pré-adolescência (em preparação)
4.4. Adolescência (em preparação)
4.5. Juventude (em preparação)
5. Modelo de ajuda (em preparação)
6. Mapas e temas bíblicos (em preparação)
7. Metodologia de estudo e pesquisa 
(em preparação)
Jaldemir Vitorio SJ
Análise narrativa da Bíblia
Primeiros passos de um método
Bíblia como Literatura 8
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Vitorio, Jaldemir
Análise narrativa da Bíblia : primeiros passos de um método / 
Jaldemir Vitorio. - São Paulo : Paulinas, 2016. - (Coleção Bíblia em 
comunidade. Série Bíblia como literatura)
Bibliografia.
ISBN 978-85-356-4092-2
1. Bíblia. A.T. - Linguagem, estilo 2. Bíblia - Crítica e interpretação 
3. Bíblia - Estudo e ensino 4. Narração na Bíblia I. Título. II. Série.
16-00371 CDD-220.014
índice para catálogo sistemático:
1. Narrativa bíblica : Linguagem e comunicação 220.014
Direção-geral: 
Editora responsável: 
Coordenação de revisão: 
Revisão: 
Gerente de produção: 
Capa e diagramação:
Bernadete Boff
Maria Goretti de Oliveira
Marina Mendonça
Ana Cecilia Mari
Felício Calegaro Neto
Manuel Rebelato Miramontes
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida 
por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, 
incluindo fotocópia e gra\>açâo) ou arquivada em qualquer sistema ou 
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Direitos reservados.
SAB - Serviço de Animação Bíblica 
Av. Afonso Pena, 2.142 - Bairro Funcionários 
30130-007 - Belo Horizonte - MG 
Tel.: (31) 3269-3737-Fax: (31) 3269-3729 
e-mail: sab@paulinas.com.br
Paulinas
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04110-020 - São Paulo - SP (Brasil)
Tel.: (11)2125-3500 
Telemarketing e SAC: 0800-7010081 
http://www.paulinas.org.br - editora@paulinas.com.br
©Pia Sociedade Filhas de São Paulo - São Paulo, 2016
mailto:sab@paulinas.com.br
http://www.paulinas.org.br
mailto:editora@paulinas.com.br
c ::
Introdução....................... ............................................................ 11
Capítulo Primeiro - Narrar, uma arte................................... 15
Os personagens e o leitor...................................................... 19
O leitor implícito.....................................................................25
Pseudoepigrafia.......................................................................27
A Bíblia e a história.................................................... 31
Historiografia bíblica.............................................................. 31
Para aprofundar a reflexão................................................... 32
Capítulo Segundo - A análise narrativa.............. 33
A repetição................. 35
Análise narrativa.....................................................................36
O método histórico-crítico..................................................... 37
Para aprofundar a reflexão...................................................40
Capítulo Terceiro - As narrações bíblicas.................................41
Teologia narrativa .................................................... 41
A leitura das narrativas bíblicas.............................................44
Para aprofundar a reflexão...................................................50
Capítulo Quarto - O enredo: como se articula
o conjunto da narração?........... ..........................................53
Narrativa e conflito................................................................ 55
As características divinas do narrador.................................. 57
Os limites de uma narração...................................................60
Para aprofundar a reflexão...................................................74
Capítulo Quinto - Os personagens: quem são
e como são identificados?................................................77
Os vários tipos de personagens................... ...............................80
Deus como personagem................................................................ 81
Para aprofundar a reflexão................ ....................................... 103
Capítulo Sexto - A localização: como fatos
e personagens entram na mira do narrador?................105
As localizações...... ..........................................................................109
Para aprofundar a reflexão ................................................... 109
Capítulo Sétimo - A temporalidade: que indicações
são oferecidas para situar a narração no tempo? ....... 111
Para aprofundar a reflexão.................. ................ ....................120
Capítulo Oitavo - O contexto: sobre qual pano
de fundo a narração é projetada?............... ............. . 121
Ponto de vista................... .............. ................................................123
Para aprofundar a reflexão ........................................................ 131
Capítulo Nono - O ponto de vista: quais são os
sistemas de valores subjacentes?...........................................133
Ponto de vista....... ......... ................................................................ 134
Para aprofundar a reflexão............. .......... ...............................138
Conclusão............. ........ ................. ............. ........................................ 139
Bibliografia....................................................................... ................. . 141
O curso “Bíblia em Comunidade” aborda, no terceiro 
nível, a Bíblia como literatura. Muitos cursistas do Serviço 
de Animação Bíblica (SAB), de início, estranham que a Bí­
blia seja tratada como literatura. Reminiscências do passado, 
quando o texto bíblico se revestia de uma sacralidade quase 
intocável, dificultam a leitura da Bíblia como obra literária. 
Isso seria uma espécie de profanação!
Entretanto, ler a Bíblia como literatura de forma alguma 
tira-lhe a sacralidade ou diminui-lhe a condição de texto reli­
gioso. Antes, possibilita compreendê-la com mais profundida­
de e chegar à mensagem que tem para nós hoje. Ao ter contato 
com esse modo de abordagem do texto bíblico, grande parte 
dos cursistas percebe seu valor, pois ela lhes possibilita transi­
tar pelos meandros da Bíblia e descobrir uma riqueza enorme 
de mensagens, descortinando horizontes novos de compreen­
são da Palavra de Deus.
Análise narrativa da Bíblia: primeiros passos de um 
método faz parte do estudo da Bíblia como literatura e, como 
o próprio título evidencia, serve de introdução ao método de 
análise narrativa, ainda pouco explorado por estudiosos da Bí­
blia. As narrações são um jeito agradável que os autores bíbli­
cos encontraram para transmitir as tradições da vida e da fé do 
povo aos filhos e às gerações, servindo-se de histórias carrega­
das de teologia e de espiritualidade. Por outro lado, eram for­
mas privilegiadas de memorizar os ensinamentos enraizados 
na sabedoria do povo.
7
Esta obra explicita os elementos da narração bíblica, 
centrando-se na tríade narrador-texto-leitor. Como afirma o 
autor, “as perguntas de fundo são: como o narrador trabalhou 
para produzir o texto a ser oferecido aos leitores? Que recur­
sos literários utilizou para transmitir a mensagem aos leitores 
destinatários? Como arquitetou o texto que o leitor tem em 
mãos?”. São questões que chamam a atenção para os cami­
nhos percorridos pelo narrador para comunicar a mensagem 
da fé. Quanto maior sua capacidade de narrar, tanto maior será 
o efeito produzido pela narração. As explicitações possibilita­
das pela análise narrativa dão margem a uma leitura mais rica 
dos textos bíblicos, para colher da forma mais acertada sua 
mensagem.
O autor toma o livro de Rute, uma narrativa curta e de 
grande riqueza, como base para a aplicação do método. Os 
leitores, dessa forma, terão um primeiro exemplo de como 
aplicá-lo. Por sua vez, os exercícios práticos, no final de cada 
capítulo, são incentivos para o trabalho de descoberta pessoal 
dos ricos filões de sentido das narrações bíblicas. Quanto mais 
o leitor se exercitar, tanto mais progredirá na arte de entrar nos 
meandros do Primeiro e do Segundo Testamento.
A linguagem clara e acessível permitirá a um público 
muito amplo aproveitar o trabalho do Pe. Vitorio. Com a lei­
tura atenta desta obra, mesmo pessoas não iniciadas na análise 
dás narrativas bíblicas poderão adentrar o mundo da Bíblia, 
muito lida, porém mal interpretada pela falta de métodos ade­
quados. Daí as tentações fundamentalistas e historicistas, per­
niciosas para quem tem nas mãos os textos bíblicos.
Este livro se insere no terceiro nível do Projeto Bíblia 
em Comunidade. O primeiro nível abordou a Visão Global da
8
Bíblia, sob o fio condutor do contexto histórico e geográfico, 
bem como dos escritos bíblicos surgidos em cada época. O 
segundo nível tratou das Teologias Bíblicas, surgidas ao longo 
da história do Povo de Deus. O terceiro nível se dedica a estu­
dar a Bíblia como Literatura. Trata-se, portanto, de um instru­
mental precioso para os estudos da Bíblia feitos por estudantes 
de teologia, catequistas, professores de religião, pregadores, e 
para o público mais amplo, formado por quem se interessa em 
ler a Bíblia de maneira proveitosa, mesmo sem preocupações 
religiosas.
O Projeto Bíblia em Comunidade tem ajudado muitas 
pessoas a conhecer e aprofundar as Escrituras, inserindo-as 
numa vivência mais consistente da fé e numa atuação mais 
efetiva em muitos âmbitos pastorais.
Faço votos de que o presente volume cumpra seu obje­
tivo de ser ferramenta para quem é desafiado a transformar o 
texto bíblico em Palavra da Salvação.
Ir. Romi Auth, fsp
9
A Bíblia - Palavra de Deus - chega às comunidades e 
às pessoas de fé em forma de literatura. Como literatura, tem 
a mesma fisionomia do que se poderia chamar literatura pro­
fana. Nada na Bíblia se identifica como “linguagem celeste”, 
linguajar não humano. É o mistério da encarnação da Palavra. 
Deus “fala” a linguagem humana para ser entendido. Seus lei­
tores se veem às voltas com a tarefa de identificar a Palavra de 
Deus revestida com palavras humanas.
O grande desafio das comunidades de fé consiste em 
captar a mensagem da salvação nas entrelinhas de um texto 
ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil, pois, por meio de boas 
traduções disponíveis, pode-se ter acesso a textos bíblicos 
confiáveis. Difícil, por se tratar de um texto escrito num hori­
zonte cultural e linguístico muito distinto do horizonte atual. 
Para entendê-lo se requer um instrumental específico, apto a 
possibilitar o acesso à mensagem veiculada. Em outras pala­
vras: só é possível chegar ao sentido do texto num processo 
de interpretação. Os textos bíblicos foram escritos para ser 
lidos e, por conseguinte, interpretados. Ler é interpretar! E, 
vice-versa, interpretar é ler! Quem lê sem interpretar jamais 
entenderá o que lê. Na direção contrária, quem interpreta pro­
duz um tipo de leitura que poderá assumir variadas roupagens, 
dependendo do intérprete e seus contextos.
Cada leitura faz brotar um manancial inesgotável de 
sentido. Sem leitores e leitoras intérpretes - pessoas e comu­
nidades - , os textos bíblicos permaneceríam letra morta. Os
11
leitores dão-lhes vida e fazem com que se tomem “Palavra do 
Senhor” ou “Palavra da Salvação”. Lidos e interpretados, têm 
a força de se tomarem “Palavra de Deus”. Lidos sem o esforço 
de interpretação, limitam-se à materialidade da letra. É a fra­
gilidade das leituras fundamentalistas e historicistas.1 Daí sua 
pobreza -o u a inutilidade! - , por serem incapazes de entrar no 
“mundo do texto”; antes, dão-se por satisfeitas por transitarem 
em sua superfície. Os fundamentalistas e os historicistas se 
enganam, redondamente, ao se considerarem “conhecedores 
da Bíblia” quando, de fato, movem-se em um universo bíblico 
fruto de dogmatismos e fanatismos, sem qualquer relação com 
o que a literatura bíblica pretende ser, desde as mais remotas 
origens de sua redação.2
Os leitores e as leitoras têm à disposição variados mé­
todos de interpretação dos textos bíblicos. Os chamados mé­
todos diacrônicos ou históríco-críticos tentam retraçar a histó­
ria subjacente ao texto, correspondente ao contexto histórico 
de origem. Outros se perguntam pelas tradições com as quais 
os autores bíblicos trabalharam. Outros, ainda, se interessam 
pelo processo de redação, nas várias etapas, até chegar ao texto 
como é conhecido hoje. Há quem se pergunte pela pragmática 
dos textos bíblicos, ou seja, as atitudes concretas propostas pe­
los autores aos primeiros leitores destinatários. Existem méto­
dos interessados nos efeitos produzidos pelo texto ao longo do 
témpo. É a chamada Wirkungsgeschichte (história do efeito).
1 A Fundamentalista é a “leitura ao pé da letra”: a verdade corresponde ao conteúdo
das palavras. Historicistaé a leitura que considera “histórico” tudo quanto a Bíblia 
relata, como se se tratasse de um livro de crônicas. Até o relato da criação (Gn 1-2) 
se tem na conta de descrição científica do que aconteceu no começo de tudo. Daí 
os inúteis conflitos entre fé-ciência promovidos por certos defensores da Bíblia.
2 Cf. ARENS, E. A Bíblia sem mitos. Uma introdução crítica. São Paulo: Paulus, 
2007.
12
Já os métodos sincrônicos centram-se no texto assim como se 
oferece aos leitores. A preocupação está ligada à questão do 
sentido, decorrente da maneira como o texto está organizado. 
O autor real do texto e seu contexto estão fora de cogitação.3
Abordaremos, em grandes linhas, a chamada análise 
narrativa. Caracteriza-se como método sincrônico de inter­
pretação do texto bíblico. O polo de interesse está voltado 
para os recursos literários usados pelo narrador no processo 
de construção do texto, tendo em vista o efeito a ser produ­
zido nos leitores. A análise narrativa oferece o instrumental 
para se entrar no mundo do texto e suas articulações literárias, 
imperceptíveis à primeira vista. O primeiro capítulo explicita 
o sentido de dois termos: narrar e narração. Sem se acertar 
os ponteiros, logo de saída poderíam ser entendidos de modo 
muito distinto de como são tomados aqui. O segundo capítulo 
se detém em caracterizar, de maneira sumária, o método da 
análise narrativa e as respectivas pretensões. A delimitação 
previne o risco de esperar dele coisas alheias ao seu âmbito. O 
terceiro capítulo elenca algumas precauções a serem tomadas 
em se tratando de interpretar textos narrativos bíblicos. Em­
bora sejam literatura como qualquer outra, em fazendo parte 
da Bíblia têm características peculiares, inexistentes em outras 
categorias de narração. Os capítulos seguintes abordam cada 
passo da análise narrativa. O quarto capítulo gira em tomo 
do enredo, ou seja, da articulação do conjunto da narração, 
com seu esquema preciso, em cinco momentos bem interli­
gados. O quinto capítulo mostra como o narrador constrói os
3 Cf. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. 
São Paulo: Loyola, 1994. p. 14-42 (capítulo I - Métodos e abordagens para a inter­
pretação). VITORIO, Jaldemir. Os estudos bíblicos em novas perspectivas. Pers­
pectiva Teológica 31 (1999) 323-361.
13
eccle
Realce
personagens, cujas ações descrevem o percurso do enredo nos 
seus vários momentos. O sexto capítulo descreve os vários 
tipos de focalização, mostrando como as cenas e os persona­
gens entram na mira do narrador, desde a visão mais ampla 
até a percepção do íntimo dos personagens. O sétimo capítulo 
está centrado no tema da temporalidade, elemento fundamen­
tal da narração, na qual tudo se passa no tempo e no espaço, 
de modo a distingui-la da ficção e do mito. O oitavo capítulo 
é dedicado ao contexto da narração, que pode ser entendido 
como o pano de fundo sobre o qual a narração é projetada. O 
nono capítulo, por fim, trabalha os pressupostos ideológicos 
do narrador e sua escala de valores, a permearem a narração, 
pois o ato de narrar pode ser entendido como mediação para se 
transmitir convicções de todos os tipos, até mesmo religiosas, 
como é o caso dos narradores bíblicos.
Após explicar o objetivo do respectivo passo, do quarto 
ao nono capítulo faz-se um exercício prático de aplicação do 
método, tendo como referencial o livro de Rute,4 o qual se 
presta muito bem para a finalidade por se tratar de uma nar­
rativa breve e, ao mesmo tempo, como se verá, portadora de 
inesgotável riqueza literária. O leitor e a leitora deverão estar 
atentos para a mensagem transmitida pelo narrador de Rute 
ao “contar” a história de uma estrangeira que, por caminhos 
enviesados, foi parar em Israel e se tomou uma antepassada do 
grande rei Davi. Uma catequese fascinante!
4 As afirmações, ao longo do texto, serão ilustradas com textos do Primeiro Testa­
mento e das narrativas evangélicas. Os exercícios, no final de cada capítulo, terão 
sempre um bloco dedicado à narrativas do Primeiro Testamento e outro, à narrati­
vas evangélicas.
14
Capítulo primeiro
Narrar vai além da despretensiosa descrição de fatos 
e episódios em estilo de crônica. O narrador é um artista.1 
Domina a arte de apresentar um conjunto de fatos ou cenas, 
organizados em tomo de um enredo (trama, plot) bem urdi­
do, mantendo viva a atenção dos ouvintes-leitores. Quando o 
narrador é privado de talento, a narração se toma enfadonha. 
Sendo talentoso, exerce sobre os ouvintes-leitores uma tal fas­
cinação, a ponto de seguirem com atenção a história até o fim, 
saboreando cada palavra e interessando-se por cada detalhe. 
Saber narrar é um dom!
O ato de narrar exige do narrador que se transforme. 
Pensemos num contador de história! Muda o timbre de voz: 
sendo homem, fala com voz de mulher, e vice-versa. O brasi­
leiro faía com sotaque estrangeiro. O medroso assume ares de 
corajoso. O intelectual parece ser ignorante e inculto. O lín- 
gua-solta se faz de gago. E assim por diante! O narrador toma 
distância da pessoa física que está falando. É como se fosse 
outra pessoa, com nova identidade. Quanto mais a pessoa que
“O narrador [na Bíblia] aparece com as mesmas características essenciais de uma 
voz sem rosto ou nome, jamais se colocando na frente à maneira de um ‘eu’ ou de 
outro modo (evita toda referência ao ato de narrar e dirige tudo a seus ouvintes) 
e exercendo em cada um de seus livros os privilégios da onisciência" (SONNET, 
J.-P. L'Analyse narrative des récits bibliques. In: BAUKS, M.; NIHAN, Ch. [eds.]. 
Manuel d'exégèse de VAncien Testament. Génève: Labor et Fides, 2008. p. 53).
15
fala encarna o narrador, melhor será a narração ao se tomar 
mais convincente.
Narrar é a arte de fazer escolhas. O narrador faz contí­
nuas opções e a narração resulta numa espécie de costura das 
muitas escolhas feitas. Ele está sempre se decidindo pelo que 
mais interessa à narração. As decisões dependerão do objetivo 
visado, ou seja, do efeito a ser produzido no ouvinte-leitor: 
diverti-lo, levá-lo à reflexão ou sugerir-lhe determinada atitu­
de. O desafio das escolhas toca, também, a quem deve narrar 
um enredo já conhecido.
Um mesmo fato pode ser contado - “narrado” - de di­
versas maneiras; um mesmo conteúdo informativo (a história 
contada) pode ser apresentado em diferentes narrações. Tudo 
dependerá do narrador, pois cada narrador tem sua maneira 
de narrar. Daí que toda narração é feita de maneira original. 
Cada um tem seu jeito de “contar”, por exemplo, centrando-se 
mais em determinados elementos, frisando o que lhe parece 
importante, referindo-se de passagem a tópicos que, na fala de 
outro narrador, teriam destaque. Pensemos na maneira como 
as pessoas narram as histórias de Jesus. Não existem duas nar­
rações idênticas! Cada narrador sublinha os pontos da tradição 
evangélica que mais interessam ao seu escopo, seja catequé- 
tico, homilético, exegético, espiritual ou formativo e tantos 
outros. Em outras palavras, um mesmo conteúdo (história 
{ contada) pode ser narrado de muitíssimas maneiras (compo- 
V sição narrativa).2 Pode acontecer de alguém “contar” histórias
2 “Várias pessoas chamadas a dar testemunho depois de um acidente de trânsito 
darão tantas versões quantas forem as testemunhas. A infinidade das variantes 
possíveis representa o tanto de composições narrativas, emanadas dos diferentes 
narradores chamados a contar o acidente ao qual assistiram.” Entretanto, nenhuma 
delas correspondería ao “fato bruto”, como pretende ser o boletim de ocorrência
16
de Jesus com fins burlescos para ridicularizar os cristãos ou 
para questioná-los. Suas histórias sobre Jesus, com certeza, 
serão bem diferentes da que uma catequista conta para seus 
catequizandos.
O narrador capta elementos da realidade, muitas vezes 
díspares e contrastantes, e os apresenta de forma artística, ser- 
vindo-se de recursos literários, de modo a formar uma unida­
de de sentido a ser compreendida com facilidade, até mesmo 
porpessoas sem grande formação cultural. O dom de narrador 
se toma patente nos recursos empregados na narração. Um 
detalhe, à primeira vista sem importância, é retomado de ma­
neira criativa. Os personagens são descritos com vivacidade. 
Os traços peculiares são destacados, de modo a possibilitar ao 
ouvinte-leitor elaborar o retrato de cada um deles.
Cabe ao narrador se decidir pelo modo como os fatos 
serão apresentados, montar o conjunto do enredo e pensar a 
correlação interna dos fatos. Isso se dá de duas maneiras:
1) Inserindo os personagens nas distintas cenas e deter­
minando seus atos e suas palavras (diálogos, discursos, monó­
logos e pensamentos). Nesse caso, o leitor tem a impressão de 
que os fatos acontecem diante de si (modo cênico - showing). 
A preferência pelo discurso direto mostra como a fala dos per­
sonagens é importante para os narradores bíblicos. Através 
dela a identidade dos personagens se constrói. Daí a atenção a 
lhe ser dada na análise dos textos bíblicos. Até mesmo os pen­
samentos são narrados em forma de fala, isto é, de monólogo 
interior.
policial (MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. Para ler as narrativas bíblicas. Ini- 
ciação à análise narrativa. São Paulo: Loyola, 2009. p. 32).
17
eccle
Realce
2) Descrevendo os fatos e personagens com suas pró­
prias palavras. Os fatos brotam da pena do redator e não das 
palavras/ações dos personagens (modo narrativo - telling). Os 
narradores bíblicos, porém, tendem a evitar o discurso indire­
to, em terceira pessoa. Antes, privilegiam o discurso direto. A 
palavra é dada aos personagens para que exponham, em pri­
meira pessoa, seus pontos de vista.
No primeiro caso, a impressão é de o personagem estar 
falando ao vivo; no segundo, parece tomar distância e filtrar 
os fatos. “Com o showing o narrador descreve sem dizer, com 
o telling o narrador diz sem descrever.”3 O modo narrativo 
permite frisar o essencial, fazer julgamentos, explicitar os 
sentimentos. O modo cênico permite ao leitor deduzir os sen­
timentos dos personagens a partir do que se narra e qualificá- 
-los. As narrações evangélicas recorrem ao modo cênico. As 
intervenções do narrador são raras! O narrador bíblico, “ofe­
recendo ao leitor algumas chaves relativas aos personagens 
, (modo narrativo), transforma esse leitor em observador e juiz 
dos mesmos personagens em ação (modo cênico)”.4
3 ZAPPELLA, L. Mamiale di analisi narrativa bíblica. Torino: Claudiana, 2014. p. 
41. O termo showing, usado em textos sobre análise narrativa, deriva-se do verbo 
inglês to show, mostrar; telling, por sua vez, deriva-se do verbo to tell, contar, di­
zer, narrar. “A representação dos diálogos é a técnica mais significativa e a melhor 
exemplificada da opção ‘cênica’ da narração bíblica. A interação dos personagens 
é sempre, também, aquela de suas palavras” (SKA, J.-L. et alii. Uanalyse narrati- 
ve des récits de VAncien Testament. Paris: Cerf, 1999. p. 30 - grifo do autor).
4 SKA, J.-L. et alii. Uanalyse narrative des récits de l 'Ancien Testament. Paris' Cerf 
1999. p. 29.
18
Os personagens e o leitor
"Os personagens podem, também, transmitir o significado e os valores 
da narrativa ao leitor, pois esses constituem o ponto focal de interesse. 
Suas personalidades e histórias atraem a atenção do leitor numa medida 
maiòr que os outros componentes da narrativa (explicações, cenários 
etc.). Em gerai, provocam um considerável envolvimento emocional. 
Sentimos o que sentem, alegramo-nos com suas alegrias, ficamos tristes 
com suas tristezas e participamos de sua sorte e experiências. Algumas 
vezes os personagens provocam nossa simpatia, outras vezes repulsa. 
Entretanto, jamais nos sentimos indiferentes em relação a eles. Quere­
mos conhecê-los, ver corno atuam em seu ambiente, e entender suas 
razões e desejos. Acompanhamos suas lutas para alcançar süas metas 
e prestamos particular atenção ao que dizem, pois quando falam entre 
si também se dirigem a nós" (BAR-EFRAT, S. Nacrative Art in the Bible, 
Sheffield: Sheffield Academíc Press, 2000. p. 47). -
Narração é um gênero literário (modo de falar e escre­
ver) popularmente conhecido, com regras peculiares de for­
mulação e de interpretação. O narrador cria o enredo, não o 
gênero literário. E se subordina às suas exigências. Isso acon­
tece de maneira espontânea, como no caso dos contadores 
populares de histórias. O dom dispensa a formação acadêmi­
ca! A assimilação desse gênero literário acontece no âmbito 
sociofamiliar, com os pais e as mães contando histórias dos 
mais variados tipos, inclusive as narrações bíblicas, aos filhos 
pequenos. As novelas de televisão podem ser enquadradas no 
gênero literário narração, com seus esquemas e técnicas. Da 
mesma forma, as histórias em quadrinhos e os desenhos ani­
mados. Se o narrador atropela a dinâmica da narração, imedia­
tamente o ouvinte-leitor perceberá. Com grande probabilidade, 
perder-se-á no emaranhado das palavras e desinteressar-se-á 
pelo que está sendo lido-contado. É como se a cabeça da pes­
soa estivesse formatada para acompanhar a narração, com seu
19
esquema peculiar. Uma criança jamais se conformará em ou­
vir a história de Branca de Neve e os sete anões se o narra­
dor introduzir qualquer modificação no núcleo articulador da 
história, sobejamente conhecida. Quanto mais o ouvinte-leitor 
desconhecer os elementos do enredo, tanto mais o narrador 
poderá ser criativo. Porém, se a narração se basear em fatos 
ocorridos e o narrador se afastar demasiado do que se conhe­
ce, passará por mentiroso. Sua criatividade terá limites!
Toda narração segue uma estrutura formal - enredo - 
em cinco passos: 1) situação inicial ou exposição; 2) nó; 3) 
ação transformadora; 4) desenlace; 5) situação final.5 Esse es­
quema parece já estar na mente de qualquer pessoa que escuta 
ou lê uma narração.
O narrador introduz o fato a ser narrado, com o pro­
blema de fundo, em tomo do qual tudo girará. É a situação 
inicial, na qual os personagens e seus contextos são apresen­
tados, bem como o problema-tema a ser tratado na narração. 
O ouvinte-leitor já começa a levantar, mentalmente, uma série 
de questões e nutre o desejo de vê-las respondidas.
O passo seguinte consiste em colocar a narração em 
movimento - nó - ao tomá-la sempre mais complexa, com a 
interação dos personagens - amizade-inimizade, amor-ódio, 
proximidade-afastamento, ofensa-perdão - , e levá-la a cen- 
trar-se num determinado ponto.6
5 Adota-se, aqui, a terminologia de D. Marguerat e Y. Bourquin (cf. Para ler as nar­
rativas bíblicas. Iniciação à análise narrativa. São Paulo: Loyola, 2009. p. 55-67).
6 No tocante à articulação entre os enredos episódicos (pequenas unidades) e o 
enredo integrador (o conjunto do enredo), “as principais relações entre as várias 
unidades são as de causa e efeito, paralelismo e contraste” (BAR-EFRAT, S. Nar- 
rative Art in the Bible. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000. p. 93).
20
A ação transformadora, como diz a expressão, corres­
ponde a um fato que interfere de tal modo na narração a pon­
to de lhe dar uma guinada e exigir do narrador oferecer ao 
ouvinte-leitor o conhecimento que tanto desejava para matar a 
curiosidade ou a sede de informação. O bom narrador conduz 
o ouvinte-leitor e sabe como prepará-lo para esse momento, 
instigando-o a levantar muitas questões em tomo dos “segre­
dos” e dos dados mantidos ocultos.
O desenlace corresponde ao esclarecimento das muitas 
questões que o ouvinte-leitor levantou ao longo da escuta-lei- 
tura. A situação inicial atingiu o clímax e o ouvinte-leitor se 
dá por satisfeito. Se está insatisfeito é porque existe algo de 
falho na narração. O narrador terá sido inábil ao narrar certas 
cenas ou deixá-las incompletas. O narrador hábil sabe como 
fechar, com maestria, a narração. O mau narrador frustra o 
ouvinte-leitor ao apresentar um desenlace decepcionante e 
sem criatividade.
Com o desenlace e a obtenção dos esclarecimentos es­
perados a narração chega à situação final. Trata-se do polo 
opostoà situação inicial. Se a narração começa como alegria, 
conclui-se com tristeza. Se começa com vitória, termina em 
derrota. Se começa com paz, terá a guerra como desfecho. Se 
começa com vida, findará em morte. A narração se caracteriza, 
pois, por começar num ponto e se concluir no seu oposto. O 
chamado final feliz, happy end, em geral, agrada os ouvintes- 
-leitores pouco exigentes. Um desfecho bem elaborado é obra 
de narrador tarimbado. Caso contrário, o ouvinte-leitor ficará 
decepcionado.
O tempo e o espaço da narração permitem aos per­
sonagens e aos fatos se encontrarem, entrecruzarem-se,
21
rejeitarem-se ou completarem-se. No final do enredo, cada 
personagem e cada fato chegarão a um ponto onde o ouvinte- 
-leitor se dará por satisfeito, por ter alcançado um resultado 
plausível.
A narração articula os fatos por ordem cronológica.7 
Eles se sucedem no tempo. Pode, também, articulá-los por 
ordem de configuração. Eles se relacionarão por laços de cau­
salidade: uma coisa dá origem a outra. Coerência e inteligibi­
lidade são duas exigências para permitir ao leitor seguir o fio 
da história, correlacionando cada episódio com o precedente 
e o sucessivo. No final, o ouvinte-leitor deverá ter percebido 
a lógica pela qual a narração chegou ao desenlace, em meio 
a ambiguidades e suspenses. E mais, deverá estar convencido 
da plausibilidade de os eventos terem acontecido como foram 
narrados. É a credibilidade da narração.
A arte de narrar consiste na capacidade de, entrelaçando 
■ os fatos, criar um emaranhado de causalidades e encaminhar 
tudo para um momento concentrado de tensão, a exigir uma 
solução. Portanto, narrações incoerentes e de difícil enten­
dimento tendem a produzir tédio no ouvinte-leitor. Narrar é 
produzir um mundo repleto de personagens e ações, com um 
claro ponto de partida e de chegada, cujo percurso - enredo 
- se faz pelos múltiplos entrelaçamentos dos personagens e 
idas ações, num jogo de causa e efeito, num preciso quadro 
'•■temporal.
7 Uma mesma tradição pode ser usada por distintos narradores em contextos narra­
tivos distintos. Um bom exemplo de diferente ordem cronológica de uma tradição 
narrativa é o episódio da purificação do Templo de Jerusalém. Nos Sinóticos, está 
no final da vida de Jesus (cf. Mc 11,15-17; Mt 21,12-13; Lc 19,45-46), enquanto no 
Evangelho de João está no começo do seu ministério (cf. Jo 2,14-16). Isso depende 
do projeto narrativo de cada evangelista.
22
A narração distingue-se da ficção, que se configura fora 
do tempo e do espaço - “era uma vez...” - e não exige de quem 
escuta ou lê o esforço de recriar espaçotemporalmente o que 
se descreve.
A tensão narrativa prende a atenção do ouvinte-leitor 
e o envolve na narração, fazendo dele um conarrador, leitor 
engajado no processo de construção da narração, tendo à dis­
posição os elementos oferecidos pelo narrador. Caber-lhe-á, 
no diálogo com o texto, completar os pontos deixados em 
suspenso; dar resposta a questões não respondidas; imaginar 
soluções para impasses, onde o narrador foi parcimonioso nas 
informações oferecidas. O narrador conta com a colabora­
ção do ouvinte-leitor, pois não pode dizer tudo. A narração 
seria infinita! Porém, a complementação deverá ser plausível 
e encaixar-se devidamente na dinâmica da narração. Cada 
ouvinte-leitor é desafiado a desempenhar essa tarefa para o 
bom proveito da escuta-leitura. Daí a possibilidade de serem 
múltiplas as formas de complementação dos ouvintes-leitores, 
com a exigência de não serem excludentes. Haverá, sempre, 
um ponto em comum a integrá-las.
O ato de narrar, como se pode observar, distingue-se do 
ato de descrever. A descrição corresponde a uma sequência de 
afirmações desprovidas de relação de causalidade. Esse fenô­
meno literário se chama parataxe. Os elementos são coloca­
dos um ao lado do outro, sucedendo-se sem uma necessária 
inter-relação. A linguagem popular dá-lhe o nome de “colcha 
de retalhos”. A narração comporta uma sintaxe, isto é, uma 
perfeita conexão de seus vários componentes. Os elementos 
são devidamente articulados, de forma a se perceber a unidade 
do conjunto, que forma uma peça harmônica, embora multi- 
colorida. Uma imagem pode ajudar a compreender a diferença
23
1
entre os dois termos. Pensemos numa pilha de tijolos (parata- 
xe) e em uma parede (sintaxe). Os tijolos de uma parede estão 
perfeitamente conectados e formam uma unidade. Os tijolos 
empilhados estão desconectados, postos um sobre o outro.
Doravante nossa atenção se fixará nas narrações escri­
tas, onde acontece a relação narrador-leitor. No ato de narrar, 
o narrador jamais poderá prescindir do leitor. Caso contrário, 
trabalhará em vão. Antes, escreve para ser lido! Ao se decidir 
a escrever, imagina diante de si “alguém” para quem escreve­
rá. Essa figura imaginária o acompanhará ao longo da ação de 
narrar. E o leitor implícito, ou seja, a pessoa capaz de entender 
o texto a ser produzido. E mais, disposta a abraçar o universo 
de valores, inclusive éticos, transmitido pelo narrador e trans­
formar em vida a mensagem veiculada. Pode-se dizer que o 
leitor implícito é um projeto de leitor real, ou seja, a pessoa 
que, realmente, se dá ao trabalho de enfrentar a leitura da nar­
ração, em qualquer tempo e lugar, sem qualquer controle do 
autor real ou do autor implícito. Quando o narrador escreve, 
espera que seu texto caia nas mãos de pessoas que correspon­
dam ao modelo de leitor que tem em mente. Só este poderá 
fazer uma leitura frutuosa da narração e tirar proveito dela.8
8 Marguerat e Wénin estabelecem uma distinção entre “leitor codificado” e “leitor 
j edificado (ou construído)”. O primeiro corresponde ao narratário (leitor implíci­
to), que emerge da narração e tem competência para se apropriar dela. O segundo 
corresponde ao “leitor que o narrador quer construir por meio do seu texto: não se 
" trata, então, da soma das competências, mas dos efeitos que o texto busca exercer 
sobre ele. É um leitor desejado mais que postulado, ideal mais que ratificado” 
(MARGUERAT, D.; WÉNIN, A. Sapori dei racconto bíblico. Una nuova guida 
a testi millenari. Bologna: EDB, 2013. p. 27). Um bom exemplo se encontra no 
Evangelho de Mateus, onde o leitor construído corresponde ao discípulo vivendo 
em comunidade. “O leitor de Mateus é um leitor edificado na comunidade, um 
leitor construído na Igreja e como Igreja” (ibidem, p. 44).
24
O leitor implícito
"0 leitor implícito faz parte intrínseca da estrutura da narração. No 'drama 
da leitura', o leitor real, que aceita a convenção proposta pelo autor implí­
cito, 'torna-se' o leitor implícito. Em outras palavras, o leitor implícito' é 
menos uma pessoa que um papel que todo leitor concreto é convidado a 
desempenhar no ato de ler. Cada narração comporta um convite a partilhar 
determinada experiência, a imaginar ou recriar um universo, a entrar em 
: contato com certos valores, sentimentos, decisões ou visões de mundo. 
Tal participação é outro modo de descrever a 'parte' do leitor implícito. 
Isso não significa que todo 'leitor real' aceitará os valores da narração que 
: lê. Nem todo leitor dos Evangelhos converte-se a Jesus Cristo. Entretanto, 
todo leitor sensível dos Evangelhos, seguramente, é levado a compreender 
seu objetivo e a descobrir as grandes linhas de uma experiência de fé." 
(SKA, J.-L. OurFathersHave Told Us. Introduction tothe Analysis of Hebrew 
Narratíves. Rome: Pontifício Istituto Bíblico, 1999. p. 42-43).
O leitor implícito, destinatário imaginário da narração, 
deverá ser capaz de entender a linguagem usada pelo narrador, 
com a qual a narração será tecida. O narrador pode oferecer 
alguma pista ao leitor, na pressuposição de não possuir de­
terminada informação para entender algum elemento da nar­
ração, consciente da função do leitor de dar vida ao texto no 
processo de leitura. Caso contrário, a leitura ficaria truncada e 
a narração correría o risco de ser um texto incompreensível. O 
narrador funciona como guia do leitorno percurso a ser feito 
nos meandros do texto. Quanto mais eficiente, tanto melhor 
será na arte de narrar.
Cada leitor real - quem, de fato, tem nas mãos o texto 
e se põe a lê-lo - se coloca diante da narração de maneira pe­
culiar, com sua carga de pressupostos, informações e opções.9
9 “A propósito da Bíblia, importa lembrar que teve, tem e terá os mais diversos lei­
tores reais: judeus ou cristãos, agnósticos ou ateus, fundamentalistas ou críticos”
25
Mas é preciso deixar-se conduzir pelo narrador, assumindo a 
identidade do leitor implícito. Em outras palavras, o leitor real 
deve ter competência para a leitura, para não distorcê-la ou 
perder o foco da narração. Competência significa que o leitor 
real conhece a língua e a linguagem com as quais a narração 
é construída, os elementos culturais aos quais alude, o pano 
de fundo ideológico sobre o qual se articula, e, mais, é capaz 
de atinar para a mensagem transmitida. Pode-se dizer que a 
competência é a roupagem com a qual o leitor se reveste no 
processo de leitura. Sem ela, será um “analfabeto” diante da 
narração, embora esteja apto para a leitura material do texto.10 
A competência permite que os leitores deem vida ao texto de 
diferentes formas.
O diálogo leitor real-texto permite que cada leitor pe­
netre no mundo da narração e descubra-lhe riquezas imper­
ceptíveis num primeiro momento, dependendo de quem faz 
o exercício da leitura. Só a leitura atenta permite-lhe captar a 
mensagem do texto no decorrer da leitura. Cabe-lhe a tarefa 
de garimpar a mensagem (semântica) pela percepção dos ex­
pedientes narrativos utilizados pelo narrador no processo de 
construir a narração. Tudo quanto tem a dizer será feito pelo 
viés da narração. Mesmo na eventualidade de determinado au­
tor real ser ainda vivo, poderá ser dispensado pelo leitor, em 
busca da mensagem do texto. O fruto da arte narrativa tem 
vida independente do seu criador!
(SKA, J.-L. et alii. Uanalyse narrative des récits de 1'Ancien Testament. Paris: 
Cerf, 1999. p. 21).
10 Esse fato pode ser ilustrado pela opção de Jesus para falar por meio de parábolas. 
Só os discípulos tinham competência para entendê-las, bem como as explicações 
que o Mestre lhes dava em particular. Quem estava fora do círculo dos discípulos 
ouvia tudo, mas sem entender (cf. Mt 13,10-17; Mc 4,10-12).
26
Portanto, um mesmo texto é passível de múltiplas lei­
turas, dependendo de quem o lê. A pluralidade de leituras não 
é ruim quando são complementares e apontam numa mesma 
direção. O problema surge quando são contraditórias, ou seja, 
uma desdizendo a outra. Na raiz do conflito estão os leitores 
e não o texto. Se os leitores se põem de acordo no processo 
de leitura, atendo-se aos mesmos princípios de interpretação 
- hermenêutica - , o fato de fazerem leituras distintas apontará 
para a riqueza de sentido contida no texto - reserva de sentido 
a possibilitar sempre novas leituras, sem que se esgote a 
possibilidade de se chegar a novos sentidos.
O autor real, o produtor material da narração, tem 
diante de si leitores implícitos. Porém, pode ter em vista 
leitores reais, aqueles para quem, de fato, está escrevendo 
e espera ter como leitores. E poderá conhecer-lhes o ho­
rizonte de compreensão. Entretanto, uma vez produzida a 
narração, é como se o autor real morresse para dar lugar ao 
autor implícito, a ser reconhecido nas entrelinhas do texto, 
onde se esconde sua identidade. Os leitores reais indepen­
dem do autor real ao se defrontarem com a narração. Pode 
acontecer de os leitores reais aos quais o narrador visava 
jamais chegarem a ler o texto produzido para eles. E o texto 
caia em mãos muito distintas. Desses leitores será exigido 
que incorporem a identidade literária dos leitores implíci­
tos para se apropriarem da narração.
Pseudoepigrafia .
Pseudoepigrafia (falsa autoria de um texto) - "'[...] a atribuição a uma 
'autoridade' que não foi o autor era um fenômeno muito comum na 
Antiguidade, onde a atribuição do livro servia mais para honrar a autori­
dade por trás da obra e garantir sua aceitação. Mais especificamente, na
27
tradição judaica e cristã, a atribuição de um escrito a uma 'autoridade' 
servia de chancela para o uso na sinagoga ou na igreja. O valor religioso 
do livro não depende, portanto, da 'autoridade literária', i.é, do fato de 
ser escrito pela pessoa que leva seu nome" (KONINGS, J. A Bíblia, sua 
origem e sua leitura. 7. ed. atual. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 153).
A leitura acontece num contexto de liberdade literária. 
O autor real está impossibilitado de controlar o sentido dado 
ao texto pelos leitores reais. Os leitores reais se inter-relacio- 
nam com o autor implícito, descoberto no decorrer da leitura. 
Pode acontecer de o autor real ser muito diferente do autor 
implícito. O autor real é alguém de caráter difícil e o autor 
implícito, depreendido do texto, uma pessoa afável. Ou, vice- 
-versa, o autor real tem um caráter gentil e o autor implícito 
é uma pessoa cruel e vingativa. E mais, o mesmo autor real 
poderá revestir identidades distintas em suas múltiplas obras. 
Numa poderá falar como um pai e em outra como um men­
digo; numa será um náufrago e em outra um rico banqueiro. 
Numa se identifica como homem e em outra como mulher 
Portanto, um único autor real pode estar na origem de muitos 
autores implícitos!
Ao criar os personagens da narração, o narrador cons- 
trói-lhes a identidade narrativa, a ser descoberta pelo leitor. O 
autor implícito é reduzido à total mudez (e o autor real morreu 
ao colocar o ponto final da narração!): o leitor real está diante 
dele e levanta muitas questões, sem a menor possibilidade de 
obter resposta. A mudez do autor implícito, de certo modo, 
compromete o leitor com a narração, desafiando-o a criar saí­
das para as situações ambíguas, onde são muitas as possibili­
dades de solução. Esse fenômeno tira o leitor da passividade 
diante do texto. Se quiser fazer uma leitura proveitosa, deverá
28
ser uma leitura engajada, comprometida, tomando-se capaz de 
completar o que o autor real falou com meias-palavras, deixou 
subjacente ou na penumbra, foi sucinto na informação, serviu- 
-se de ironia, esqueceu-se de dizer ou preferiu omitir.
O autor real ficaria bloqueado e seria obrigado a pro­
duzir um texto infindável se, ao narrar, quisesse prescindir 
da colaboração do leitor implícito e real. O texto já nascería 
morto por excesso de peso, padecendo de obesidade literária. 
Seria um texto inútil, pois, em última análise, o autor escre­
vería para si mesmo. A arte de narrar supõe do narrador a pre­
disposição para aceitar a colaboração do leitor, como forma de 
coautoria. Donde a preocupação de facilitar a compreensão do 
texto e sua mensagem por parte do leitor. Facilitar é distinto 
de antecipar-se. Mesmo se o narrador se dispõe a facilitar a 
leitura, o leitor tem inteira liberdade diante do texto. Contudo, 
deve respeitar suas coordenadas, a serem captadas nas entre­
linhas; caso contrário, a leitura tomar-se-ia aleatória. O texto 
corresponde a um código, cuja infração impossibilita a leitura 
frutuosa.
A colaboração do leitor possibilita ao narrador fazer eco­
nomia narrativa: fixar-se nos elementos importantes e deixar 
de lado os secundários; valorizar o que faz a ação progredir e 
dar dinamicidade à narração, sem perder tempo com detalhes 
irrelevantes. O centro de interesse da narração é a ação.11 Nela 
o leitor concentrará a atenção.
“Em toda narração, a ação é fundamental. Na Bíblia, ela o é de modo especial. A 
ação permite à história avançar, e aos leitores e leitoras compreender - e isso é 
primordial — como os personagens agem e reagem. As narrações transmitem as 
ações essenciais para o desenrolar do enredo, coisa que os diálogos não conse­
guem fazer” (NAVARRO PUERTO, M. Quand la Bible raconte. Clés pour une 
lecture narrative. Bruxelles: Lumen Vitae, 2005. p. 53).
29
Um elemento importante na arte de narrar é a relação 
do narrador com a história, como a entende a modernahisto­
riografia. O narrador não se preocupa com a historicidade dos 
fatos e personagens, mesmo ao fazer alusão a acontecimentos 
históricos. O elemento histórico só tem importância enquanto 
componente da narração. O desafio será sempre o de oferecer 
um texto plausível, verossímil e confiável, mesmo utilizando 
com liberdade elementos da história conhecidos do leitor. Na 
eventualidade de o narrador fazer pesquisas históricas antes de 
compor a narração, o resultado do seu trabalho jamais será um 
texto de história, historiográfico. Poderá, por exemplo, organi­
zar os fatos e relacioná-los de maneira distinta da encontrada 
na pesquisa prévia. A organização do tempo, onde os fatos se 
inserem, é criação do narrador. O narrador não trabalha com 
o conceito de verdadeiro e falso, como entende a historiogra­
fia. Não se pergunta: isso aconteceu exatamente assim? Tal 
afirmação corresponde à verdade histórica? Posso inserir na 
narração esse elemento, sabendo não corresponder ao que ve- 
rifiquei na pesquisa historiográfica? O leitor deverá ter sempre 
em mente que a verdade da narração é de outro gênero. Um 
exemplo tirado da Bíblia é o caso de Moisés, figura de enor­
me relevo na tradição histórica de Israel. Fora do texto bíbli­
co, é inútil buscar traços de sua existência enquanto líder dos 
israelitas, em processo de fuga da escravidão egípcia e de uma 
caminhada épica, de longa duração, pelo deserto do Sinai.12 
Um caso atual e bem conhecido se refere à obra de Dan Brown 
O Código da Vinci (2003). O narrador foi tão hábil na arte de 
narrar a ponto de criar celeuma entre as pessoas de fé, como 
se estivesse fazendo afirmações históricas que contradiziam o
12 Cf. SKA, J.-L. A Palavra de Deus nas narrativas dos homens. São Paulo: Loyola, 
2005. p. 51-71.
30
dogma cristão. Um romance policial foi tido na conta de his­
tória do cristianismo, enganando os incautos. A confusão dos 
âmbitos provocou quiproquós estéreis.
A Bíblia e a história
A primeira intenção da Bíblia "não é exatamente a de 'informar' quanto 
à história - sobre 'o que realmente aconteceu' mas, melhor que isso, 
a de formar a consciência religiosa de um povo. Essa segunda finalidade 
não exclui, absolutamente, a presença de elementos históricos nas nar­
rações. A maneira de narrar, porém, é diferente, porque o que interessa 
ao narrador não é apenas ou primariamente a objetividade dos dados, e 
sim o significado dos acontecimentos para seus destinatários, e os meios 
utilizados na composição das narrações são selecionados em função desse 
objetivo" (SKA, J.-L. A palavra de Deus nas narrativas dos homens. São 
Paulo: Loyola, 2005. p. 47-48).
Historiografia bíblica
"O projeto historiográfíco da Bíblia é, simultaneamente, uma atividade 
teológica: o desenrolar da história está em permanente relação com o 
que o narrador relata ou deixa pressentir a respeito do desígnio de Deus. 
Importa sublinhar que, entre esses dois parâmetros, teológico e historio- 
gráfico, a arte narrativa constitui, na Bíblia, a mediação obrigatória, [...]
É na narração dos destinos humanos que o leitor assiste ao choque do 
encontro entre o desígnio divino e a contingência da história" (SQNNET, 
J.-P. Lanalyse narrative des récits bibliques. In: BAUKS, M.; NIHAN, Ch. 
(eds.). Manueldexégèse de 1'Ancien Testament. Génève: Labor et Fides, 
2008. p. 91).
31
eccle
Realce
Para aprofundar a reflexão13
1. Leia e compare as cenas bíblicas referentes ao mes­
mo fato procurando perceber a originalidade de cada narrador, 
com atenção aos detalhes:
Bloco A
-2S m 24,1-17 e lCr 21,1-17 (o recenseamento do povo)
- lRs 10,1-13 e 2Cr 9,1-12 (Salomão e a rainha de Sabá)
Bloco B
-M t 21,12-17 e Jo 2,13-23 (a purificação do templo)
- Mc 6,30-44 e Lc 9,10-17 (a primeira multiplicação 
dos pães)
2. Compare um mesmo acontecimento narrado em dois 
jornais diferentes e para públicos distintos (por exemplo, um 
sério e outro popular). Verifique o tipo de linguagem, o ponto 
mais frisado e com que espírito se escreve (sensacionalista, 
informativo, crítico ou outro).
13 Para fazer a análise dos textos bíblicos, sugiro o uso das seguintes traduções: Bí­
blia de Jerusalém, Tradução Ecumênica da Bíblia, Bíblia do Peregrino ou outra 
tradução preparada para estudo, com notas de rodapé. Por outro lado, aconselho a 
leitura das notas de rodapé ou comentários que possam ajudar na compreensão dos 
textos.
32
Capítulo segundo
se narrativa
A análise narrativa é um método de interpretação de tex­
tos bíblicos. Porém, não se trata de uma criação dos exegetas, 
e sim de aplicação ao domínio dos estudos bíblicos de intui- 
ções de estudiosos da literatura e de linguistas que se puseram 
a estudar a arte da narração e produziram textos teóricos a 
respeito de textos narrativos (Gérard Genette, Wolfgang Iser, 
Paul Ricoeur, Wayne Booth e outros). Estudiosos da Bíblia, 
nos Estados Unidos e em Israel, aplicaram os resultados dos 
estudos de narratologia ao texto bíblico. Shimon Bar-Efrat 
e Meir Stemberg (Israel) e Robert Alter e Jan Fokkelman 
(EEUU) foram os que abriram o caminho para a análise nar­
rativa de textos bíblicos, no final dos anos 70, início dos anos 
80, do século XX.1
A análise narrativa consiste em verificar a maneira 
como o narrador construiu a narração, tanto em sua estrutura 
interna quanto em seus ingredientes e modos de organizá-los.2
1 Cf. MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. Para ler as narrativas bíblicas. Inicia­
ção à análise narrativa. São Paulo: Loyola, 2009. p. 18-21. JASPER, D. Lecturas 
literárias de la Biblia. In: BARTON, J. La interpreiación bíblica, hoy. Santander: 
Sal Terrae, 2001. p. 38-52. SONNET, J.-P. L'Analyse narrative des récits bibliques. 
In: BAUKS, M.; NIHAN, Ch. (eds.). Manuel cLexégèse de VAncien Testament. 
Génève: Labor et Fides, 2008. p. 48-50.
! “A análise narrativa procura determinar os expedientes pelos quais o narrador 
constrói uma narração, cujo universo narrativo será liberado pela leitura. Ela 
oferece os meios para se identificar a arquitetura narrativa do texto que, no ato de 
leitura, desvelará esse mundo, no qual o leitor e a leitora são convidados a entrar”
33
Ou seja, perceber como a história é contada e os meios empre­
gados - estratégias literárias - em vista de influenciar o leitor 
implícito ou real, ao guiá-lo na compreensão do fato narrado 
e produzir nele certos efeitos, como sentimentos e reações. 
O impacto dependerá da qualidade da narração. Não basta a 
narração como meio de comunicação, mesmo feita da forma 
correta.
A análise narrativa se concentra na tríade: narrador- 
-texto-leitor. As perguntas de fundo são: como o narrador 
trabalhou para produzir o texto a ser oferecido aos leitores? 
Que recursos literários utilizou para transmitir a mensagem 
aos leitores destinatários? Como arquitetou o texto que o leitor 
tem em mãos?
Além disso, a análise narrativa detecta o ritmo adota­
do pelo narrador no processo de narrar, o percurso da ação, 
desde a situação inicial até a situação final, os recursos lite­
rários usados no processo de narrar (suspense, ironia, mal-en- 
: tendido, repetição3) e tudo quanto possa ser útil no processo 
'- de captar a mensagem transmitida. O mergulho no mundo do 
texto permite transitar por seus meandros e descobrir elemen­
tos que, à primeira vista ou numa leitura desatenta, passariam 
despercebidos.
(MARGUERAT, D. Entrer dans le monde du récit. In: MARGUERAT, D. [org.]. 
Quand la Bible se raconte. Paris: Cerf, 2006. p. 11 - grifo do autor).
3 A repetição pode acontecer por meio de palavras-chave, motivos, temas, sequên­
cia de ações, cenas-tipo; dificilmente acontecerá de forma literal, palavra por pa­
lavra (cf. SICA, J.-L. et alii. Uanalyse narrative des récits de VAncien Testament. 
Paris: Cerf, 1999. p. 35-36).
34
' A repetição
"Os prosadores hebraicos, como alhures os poetas, fazem uso, de bom 
grado, da técnica da repetição e o fazem deliberada e sistematicamen­
te. Entretanto, os próprios prosadores sabem, pertinentemente, que 
a repetição gera,rapidamente, a monotonia. Por isso, desenvolveram 
uma técnica de repetição com variantes cuja primeira finalidade consiste 
, em aumentar a riqueza do significado da narração e reservar, para nós,
: múltiplas surpresas. Esse conceito de repetição exige certo esforço do 
leitor contemporâneo [a quem foi ensinado] que é preciso, a todo custo, 
evitar as repetições" (FOKKELMAN, J. P. Comment lire /e récit biblique. 
Une introduction pratique. Bruxelles: Ed. Lessíus, 2002. p. 122).
A preocupação da análise narrativa gira em tomo do 
efeito produzido pelo texto sobre o leitor, considerando os ex­
pedientes utilizados pelo narrador. O ato de leitura ocupa lugar 
de destaque, por se processar a partir dos indícios oferecidos 
pelo narrador, com os quais o leitor entrará no mundo do tex­
to, focalizando nele a atenção.
Prescinde-se da questão em tomo da veracidade históri­
ca do conteúdo do texto. A relação entre o fato narrado e sua 
historicidade está fora de consideração.4 A análise narrativa 
se detém na observação dos expedientes usados para narrar 
a história, de forma a permitir ao leitor entrar no mundo da 
narração. Importa-lhe apenas o texto, no qual o autor deixou 
marcas de capacidade e inventividade literárias.
4 Isso não significa que a análise narrativa prescinda dos métodos histórico-críticos 
de leitura da Bíblia. Antes, valoriza-os, por lhe oferecerem informações valio­
sas para a compreensão dos textos bíblicos. Por exemplo, a estrutura literária, 
as tradições históricas e teológicas subjacentes, elementos culturais e religiosos, 
esclarecimentos históricos e geográficos, e muitas outras. Sem os resultados dos 
métodos histórico-críticos, a análise narrativa ficaria privada de conhecimentos 
indispensáveis para sua aplicação. Ou, então, ver-se-ia na obrigação de fazer pes­
quisas prévias, fora de seu âmbito específico de interesse.
35
Análise narrativa
"A análise da história (récit) pergunta-se sobre o como da narração 
(narration). Para ela, uma história é o veículo de uma comunicação en­
tre um emissor (o narrador) e um receptor (o leitor), e um dos objetivos 
principais da leitura consiste em estudar a 'estratégia narrativa', ou seja, 
as modalidades concretas que o narrador usa na história para se comu­
nicar com o destinatário e apresentar-lhe seu mundo de valores e suas 
convicções" (SKA, J.-L. et alii. L analyse narrative des récits de ÍAnden 
Testament. Paris: Cerf, 1999. p. 7).
O autor real está fora da esfera de interesse da análi­
se narrativa. O autor histórico desconhecido é desprovido de 
importância. Importa-lhe, sim, o autor implícito, identificável 
nas entrelinhas do texto pelas escolhas feitas no processo de 
criação literária. Também não lhe interessa o leitor real, em 
cujas mãos o texto se encontra, mas o leitor implícito, a ser 
identificado a partir do texto. Todo leitor real é, de certa for­
ma, desafiado a se revestir com as roupagens do leitor implí­
cito, para quem a narração foi criada. Caso contrário, entrará 
numa relação conflituosa com o texto e a leitura ficará sem 
proveito. Só quem se identifica com o leitor implícito está em 
condições de fazer uma leitura frutuosa.
A análise narrativa faz parte dos chamados métodos sin- 
crônicos de estudo dos textos bíblicos. Métodos sincrônicos 
se interessam pelo texto como o temos hoje. Por conseguinte, 
deixam de lado a pergunta por sua origem, a história de sua 
formação, as tradições utilizadas, o caminho percorrido para 
chegar à configuração atual e a veracidade histórica dos fatos 
narrados. O texto é considerado na forma como se oferece ao 
leitor de hoje, sem se preocupar com questões que o ultrapas­
sem. As questões diacrônicas, centradas na “história” do texto 
ou no texto enquanto reflexo de uma história e de uma cultura,
36
são levantadas por outros métodos, cujas abordagens comple­
tam os resultados obtidos pela análise narrativa. Os resultados 
dos variados métodos são complementares e se prestam a en­
riquecer o ato de leitura.
No caso da análise de narrativas bíblicas, recorrer aos 
métodos histórico-críticos é expediente necessário.5 Afinal, fo­
ram produzidos numa língua que não é a nossa, numa cultura 
particular e no ambiente das tradições de Israel (Primeiro Tes­
tamento) e das primeiras comunidades cristãs (Segundo Testa­
mento). Sem o conhecimento preciso desse mundo que serve 
de pano de fundo para as narrações bíblicas, seria dificultada a 
explicitação da mensagem, presente nas entrelinhas das narra­
ções. Os métodos histórico-críticos, portanto, são necessários 
para uma correta interpretação das narrações bíblicas.
O método histórico-crítico
"Os princípios fundamentais do método histórico-crítico em sua forma 
clássica são os seguintes:
É um método histórico, não só porque se aplica a textos antigos - no 
caso, os da Bíblia - e estuda seu alcance histórico, mas também, e so­
bretudo, porque procura elucidar os processos históricos de produção 
dos textos bíblicos, processos diacrônicos algumas vezes complicados e 
de longa duração. Em suas diferentes etapas de produção, os textos da 
Bíblia são dirigidos a diversas categorias de ouvintes ou de leitores, que 
se encontravam em situações de tempo e de espaço diferentes.
5 Para um conhecimento dos vários métodos de leitura da Bíblia, cf.: KONINGS, J. 
A Bíblia, sua origem e sua leitura. 1. ed. atual. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 179-194 
(Os métodos científicos da crítica literária e histórica).
37
É um método crítico, porque opera com a ajuda de critérios científicos tão 
objetivos quanto possíveis em cada uma de suas etapas (da crítica textual 
ao estudo crítico da redação), de maneira a tornar acessível ao leitor 
moderno o sentido dos textos bíblicos, muitas vezes difícil de perceber. 
Método analítico, estuda o texto bíblico da mesma maneira que qualquer 
outro texto da Antiguidade e o comenta enquanto linguagem humana. 
Entretanto, permite ao exegeta, sobretudo no estudo crítico da redação 
dos textos, perceber melhor o conteúdo da revelação divina" (PONTIFÍ­
CIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. São Paulo: 
Loyola, 1994. p. 16).
A análise narrativa chama o autor im plícito de narrador 
(descoberto pela análise narrativa). O autor real (indivíduos,
escolas, editores descobertos pela análise histórica) não lhe 
interessa, pois o sentido está no texto e, no caso da Bíblia, é 
impossível saber quem foi o autor real. Uma vez publicada, 
a obra segue seu caminho, independentemente do autor real, 
que não tem como lhe controlar o sentido e explicar, para cada 
leitor real, como tal ou tal coisa deve ser interpretada.
O leitor real tem diante de si o narrador, não o autor 
real. Aquele, sim, fala! Trata-se de uma identidade literária'. 
só existe nos limites da narração. A análise narrativa se in­
teressa, exclusivamente, pelo narrador e pelo narratário, ou 
leitor implícito. A este a história é contada pelo narrador, ver­
balmente (ouvinte) ou por escrito (leitor). No caso da Bíblia, 
como as narrações foram produzidas para uso nas reuniões 
comunitárias, estão em diálogo, seja com quem deverá lê-las 
em público (leitor), seja com quem as escutará (ouvinte).
A Bíblia, no seu longo processo de formação, comporta 
uma enorme gama de narradores. Pode ser considerada como 
o resultado do trabalho de narrar a fé de Israel (Primeiro Tes­
tamento) e a fé dos discípulos de Jesus (Segundo Testamento);
38
trabalho feito em mutirão. Mas em distintos momentos e con­
textos históricos. Houve quem se desse ao trabalho de colecio­
nar as muitas narrativas, com certo esquema, mas respeitan­
do a individualidade dos narradores, sem cair na tentação de 
transformar a pluralidade de narrações numa narração única.
A riqueza da teologia narrativa da Bíblia só será desco­
berta pelo leitor capaz de mergulhar nos meandros das múlti­
plas narrativas e encontrar um fio condutor a lhe perpassar o 
conjunto. Assim, compreenderá que a Bíblia está sempre fa­
lando do mesmo Deus libertador e cheio de misericórdia.Em 
outras palavras, o Deus do Primeiro Testamento é o mesmo 
Deus de Jesus Cristo!
Os leitores do texto bíblico devem lê-lo com extrema 
atenção para identificar, a cada momento, com que narrador 
está em diálogo: quem lhe está falando, o que lhe fala, quais 
seus objetivos e a que recursos literários recorre. Incorre em 
tremendo equívoco quem lê a Bíblia como se fosse um livro 
escrito nos moldes dos livros atuais, ou seja, uma obra pro­
duzida por um único autor, com clara unidade literária e re- 
dacional e um gênero literário bem definido. Como o termo 
Bíblia (= livrinhos) indica, trata-se de uma coleção de livros 
que na sua pluralidade de formas e linguagens fala da comple­
xa história da fé de um povo. Sem essa compreensão prévia, a 
leitura da Bíblia poderá reduzir-se a um fato banal, estando o 
leitor impossibilitado de atingir o âmago do que se pretendeu 
quando foi acolhida como livro de referência para as comuni­
dades de fé, de todos os tempos e lugares.
39
Para aprofundar a reflexão
Que efeito o narrador bíblico quis provocar no leitor: 
Bloco A
1. Com a descrição do dilúvio (Gn 6,5-8,22)? Que 
mensagem é transmitida com essa história de destruição?
2. Com a narração do pecado de Davi (2Sm 11,1-12,25)? 
Por que o pecado do rei tem uma gravidade especial?
3. Com o episódio da vinha de Nabot (lRs 21,1-29)? Que 
lições podem ser aprendidas com o confronto entre o 
profeta e o rei?
BlocoB
1. Com a história do homem rico (Mc 10,17-27)? Quais 
os elementos mais fortes e contundentes da cena?
2. Com a parábola do bom samaritano (Lc 10,25-37)? 
Que artifícios literários foram usados?
3. Com a cena da mulher flagrada em adultério (Jo 8,1-11)? 
Qual a mensagem veiculada pelo texto?
Capítulo terceiro
As narrações bíblicas
A Bíblia está recheada de narrações. Para compreendê- 
-las e interpretá-las é preciso conhecer o gênero literário “nar­
ração”, com sua dinâmica e regras peculiares. As narrações 
bíblicas estão em função da transmissão de uma sabedoria teo­
lógica e correspondem a um modo de fazer teologia, chamada 
de teologia narrativa. Teologia e literatura estão em perfeita 
conexão, pois a narração é a mediação para se falar de Deus. 
Embora seja literatura religiosa e teológica, conserva os traços 
da literatura, enquanto tal, nos moldes do fenômeno literário, 
na sua pluralidade, ao longo dos séculos.
Teologia narrativa
"A análise narrativa permite apreciar como uma teologia pode ser feita 
narrativamente. Desconfiemos do teólogo que, pelo fato de ser um 
homem da palavra, fixa-se em enunciados de discursos e subestima o 
potencial ínterpretatívo da narração! A análise narrativa leva-nos a cair 
na conta de que a construção de um-enredo, a disposição de uma rede 
de personagens, a gestão da temporalidade, a semantízação do espaço, 
são tão representativos da intenção teológica quanto uma formulação 
doutrinai ou uma confissão de fé" (MARGUERAT, D, Entrer dans le 
monde du récít. !n: MARGUERAT, D. (org.). Quand Ia Bible se raconte. 
Paris: Cerf, 2006. p. 36). :
No mundo da Bíblia e das comunidades cristãs primi­
tivas, a narração era o modo privilegiado de falar de Deus.
41
Narrar significava, pois, “dizer” a própria fé e descrever os 
caminhos da relação com Deus. A leitura, através dos tem­
pos, correspondia a fazer memória do passado e tomá-lo atual, 
como se os personagens de outrora fossem os leitores do pre­
sente. Surge, daí, um tipo de leitura militante e engajada, onde 
muitas histórias se inter-relacionam, no esforço de buscar a 
fidelidade a Deus e superar as eventuais infidelidades.
A revelação acontece nesse círculo que se constrói en­
tre narrador-texto-leitor. Descubro o Deus que se revela em 
minba vida e em minha história no processo de leitura das 
narrativas a respeito do Deus que se revelou na história de 
Israel e nas comunidades cristãs primitivas, por meio de Jesus 
Cristo. “Enquanto teonarrativa, a narrativa bíblica combina o 
componente narrativo e a densidade teológica, uma teologia 
da história e uma teologia por meio da história. Isso aconte­
ce graças aos três elementos por meio dos quais a narrativa 
bíblica se toma teonarração: o enredo (a construção da nar­
ração), os agentes (os personagens e suas ações), o leitor (a 
interpretação).”1
A análise das narrações bíblicas levará em considera­
ção os pressupostos peculiares dessa literatura religiosa. Eis 
alguns deles:
1) As narrações bíblicas têm caráter religioso. Nascem 
no âmbito de uma comunidade de fé, com o objetivo de in­
fluenciar e reforçar sua fé. Revestem-se de autoridade pecu­
liar por terem sido selecionadas e acolhidas pela comunidade. 
Muitas outras narrações conhecidas no tempo da formação 
da Bíblia estão fora do conjunto do texto bíblico porque a
ZA PPELLA, L. Manucile di analisi narrativa bíblica. Torino: Claudiana, 20)4. p. 
178.
42
comunidade julgou-as inaptas para o serviço da fé. A chamada 
literatura apócrifa é bem conhecida. São as narrações sem o 
reconhecimento da comunidade de fé.
Urge sublinhar um aspecto: o caráter religioso diz res­
peito à função das narrações, não à linguagem. Quanto à apre­
sentação, as narrações bíblicas em nada diferem das “narra­
ções profanas”. Ambas são literatura e se submetem às regras 
do gênero literário “narração”. As narrações profanas, por sua 
vez, dispensam os pressupostos das narrações bíblicas, en­
quanto narrações de cunho teológico, em função da vida de fé 
das comunidades.
2) Por serem destinadas à comunidades de fé, o ambien­
te comunitário corresponde ao lugar mais adequado para se 
interpretar as narrações bíblicas. Está fora dos objetivos das 
narrações bíblicas produzir prazer estético individualista - o 
prazer da leitura - ao serem lidas num ambiente agradável e 
aconchegante. O lugar apropriado de leitura é a liturgia, quan­
do a comunidade orante se põe à escuta da Palavra de Deus. 
Então o sentido escondido nas entrelinhas da narração brota 
como apelo divino. E se toma “Palavra da Salvação”.
A comunidade se autodescobre ao se deparar com o sen­
tido do texto. Vê-se refletida no texto bíblico, na função de es­
pelho da comunidade.2 Compreende o texto falando da comu­
nidade e seus problemas. E mais, percebe o esforço do texto
2 “A preocupação maior não é saber o que a Bíblia diz em si, mas o que ela diz para 
a vida. Por isso, ela é vista como ‘espelho’” (MESTERS, C. Flor sem defesa. Uma 
explicação da Bíblia a partir do povo. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 112). Referindo- 
-se a Adão e Eva, Mesters afirma que são “um espelho que reflete criticamente a 
realidade presente e ajuda a descobrir o erro existente em cada um dos leitores” 
(MESTERS, C. Paraíso terrestre; saudade ou esperança? 17. ed. Petrópolis: Vo­
zes, 2001. p. 62).
43
em ajudá-la na caminhada. Resulta, pois, uma simbiose do 
texto com a comunidade: a história contada, afinal de contas, 
é a história da comunidade. As soluções apontadas pelo texto 
correspondem às necessidades da comunidade leitora. Para se 
chegar a esse ponto, é claro, cabe fazer um largo percurso her­
menêutico. Não se passa diretamente do texto à vida, sem um 
processo prolongado de convivência e intimidade com ele. Ao 
penetrar os meandros e as entrelinhas do texto, a comunidade 
leitora se dá conta da riqueza existente por trás das palavras, 
por ser uma interlocutora privilegiada. O diálogo com o texto 
indica à comunidade o caminho a seguir.
A ieitura das narrativas bíblicas
"Como sugerem muitas indicações presentes na própria Bíblia, as nar­
rativas foram, geralmente, lidas do rolo em que foram escritas, diante 
de algum tipo de assembléia reunida para escutá-las (muitas das quais,
; presum ivelm ente , não eram constitu ídas de pessoas letradas), sem passar 
de m ão em m ão para serem lidas, no sentido atua l. O rolo desenro lado 
e ra , sob certo aspecto , com o um film e pro jetado , pois o tem po e a 
seq u ên cia dos eventos ap resen tad os não pod iam , com o n o rm a , ser 
parados ou a lte rad os, e o ún ico m odo para fixar,de m aneira ad equada, 
um a ação ou decla ração particu lar, e propô-la a um a análise particu lar, 
era repeti-la . [ . . .] Por isso, encontram os na narrativa bíblica um sistem a 
elabo rado de repetições, a lgum as dependentes da recorrência real de 
fenôm enos, palavras ou frases curtas, outras, pelo contrário , re lacionadas 
com ações , im agens e idéias que fazem parte do m undo da narrativa 
que 'reco nstru ím o s' com o le itores, m as não necessariam ente im plicadas 
na tessitu ra verbal da n a rra tiva " (ALTER, R. The Art ofBiblical Narrative. 
N ew Yo rk : Basic Books, 1981 . p. 9 0 , 94 ). 3
3) As narrações bíblicas estão atreladas às tradições his- 
tórico-teológicas de Israel: patriarcas, êxodo, deserto, Sinai, 
posse da terra, monarquia, Jerusalém, templo, exílio e muitas
44
outras. Os narradores retiram desse rico tesouro, acumulado 
ao longo de séculos, o material com o qual constroem seus 
textos. Isso vale tanto para o Primeiro quanto para o Segundo 
Testamento. De maneira explícita ou implícita, as tradições 
estão sempre presentes.
Embora sem se referir a Deus, sempre apontam para ele. 
Só a leitura atenta poderá detectá-lo. O mesmo vale para a 
tradição do êxodo, do deserto, do messianismo davídico, de 
Sião e tantas outras, detectáveis, apesar de não serem referidas 
textualmente.
Se bem que as narrativas bíblicas não estejam interessa­
das em resgatar a história factual de Israel - como, de fato, o 
povo da Bíblia se formou e qual foi sua caminhada na história - , 
os narradores se servem das “histórias” contadas ao longo dos 
tempos - “Nossos pais nos contaram...” (cf. SI 44,2; 78,3; Jz 
6,13). A partir delas, constroem suas catequeses para iluminar 
os múltiplos momentos da vida de fé dos israelitas (Primeiro 
Testamento) e dos cristãos (Segundo Testamento), mormente 
os tempos de crise.3
A seleção do material transmitido ao longo dos tempos 
e sua organização, a montagem histórica e a respectiva cons­
trução dos personagens, as “dicas” para orientar a leitura, o 
uso dos mais diferentes expedientes literários, entre eles a re­
petição de palavras, temas e modelos, e das estruturas literá­
rias (inclusão, estrutura concêntrica, quiasmo, paralelismos e 
outras) correspondem ao trabalho do autor real no processo de 
construir a narração.
Também para as tradições bíblicas vale o dito popular “Quem conta um conto, 
aumenta um ponto”.
45
Talvez se possa compreender esse fenômeno com a se­
guinte distinção: o autor trabalhou com a história de Israel 
(tradições orais e escritas) e construiu narrativas históricas 
sem a pretensão de escrever “a” História de Israel. O autor, 
tendo à disposição a tradição histórica, não se deu ao trabalho 
de investigar se correspondia, exatamente, aos acontecimen­
tos de outrora. Em outras palavras, dispensou o trabalho da 
pesquisa historiográfica para apurar a “realidade” dos fatos. 
Antes, interessava-se pelas tradições históricas, como eram 
contadas, na medida em que serviam à sua catequese narra­
tiva, ou seja, à construção de uma teologia narrativa, com in­
teresses práticos - pragmática - bem precisos.4 Resultou daí 
uma narrativa bem coerente, onde tradições díspares, dos mais 
diferentes tempos, lugares e origens, são integradas num en­
redo unificador, cuja mensagem pode ser captada no processo 
de audição-leitura.
4) As narrações bíblicas estão em estreita relação com o 
contexto histórico em que foram produzidas. A mensagem do 
texto (semântica) se destina a leitores bem situados. As narra­
ções não foram produzidas de maneira gratuita, por narradores 
preocupados em dar vazão à vocação literária. Antes, atuaram 
como teólogos, catequistas, agentes de pastoral, preocupados 
com a fé da comunidade.
No processo de criação literária, tinham em vista co­
munidades concretas com suas questões de fé. A narração 
correspondeu ao método escolhido para fazer a catequese da
4 A história bíblica pode ser caracterizada com seis adjetivos. “É uma história con­
fessional, querigmática, interpelante, profética, escatológica, salvífica” (GON- 
ZÁLEZ LAMADRID, A. As tradições históricas de Israel Introdução à história 
do Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 11 — cf. p. 11-14). Vai além da 
preocupação com os fatos brutos da história de Israel.
46
comunidade. O narrador visava a tocar em cheio a vida da 
comunidade servindo-se do texto, usado como meio para co­
municar sua mensagem.
A leitura da Bíblia supõe ter sempre em mente que o 
ponto de partida da narração é a fé vivida da comunidade. A 
vivência da fé, em contextos e situações bem precisas, levanta 
sérios problemas para a comunidade. Seguir adiante como se 
tais problemas não existissem se mostrará catastrófico com o 
passar do tempo. Se hoje temos a Bíblia, é porque, no passa­
do, movidas pela fé, muitas pessoas se deram ao trabalho de 
pensar as “questões de fé” e buscar uma luz para entendê-las, 
como serviço à comunidade. Das crises na vivência da fé pro­
vêm as questões a ser respondidas. Os narradores bíblicos as 
respondem servindo-se de narrações com preocupações teoló­
gicas. Daí serem teologias narrativas!
As narrativas bíblicas se inserem nesse imenso esforço 
catequético, pastoral e teológico. Sua leitura frutuosa supõe, 
portanto, ter em mente a problemática enfrentada por seus 
autores e a mensagem (semântica) transmitida à sua comu­
nidade, enquanto leitora implícita, visada no ato de construir 
a narração. Essa atenção do leitor atual lhe permitirá penetrar 
nos meandros da narração, inteirar-se da riqueza da mensagem 
(sentido) do texto bíblico e transformá-lo em projeto de vida.
5) As narrações bíblicas existem em função de uma 
prática, um modo de proceder, uma sabedoria religiosa. A in­
terpretação (hermenêutica) a ser exercitada pela comunidade 
consistirá em desentranhar a mensagem contida na narração. 
Quem vai ao texto com postura fundamentalista ou historicista 
ficará restrito à materialidade da letra, sem chegar à Palavra
47
de Deus, com a qual é chamado a se defrontar.5 Da mesma 
forma os hipercríticos limitam-se à superfície do texto. Os 
questionamentos sobre eventuais contradições históricas, bem 
como a exigência de clareza meridiana em tomo de certos fa­
tos deixados na penumbra pelo narrador são irrelevantes para 
esse tipo de literatura bíblica. As narrativas da Bíblia exigem 
do leitor uma postura adequada para poderem desempenhar o 
papel de literatura religiosa, teologia narrativa.
6) As narrações bíblicas são lidas por muitíssimas ou­
tras comunidades, diferentes da comunidade leitora implícita 
original. Daí a condição de metarrelato, texto supratemporal, 
situado para além do tempo e do espaço. O sentido da narra­
ção vai além do contexto da primeira comunidade à qual se 
destinou. Qualquer comunidade, de qualquer tempo e lugar, 
poderá lê-las, com igual proveito, de forma a encontrar luzes 
para os desafios da fé, nos respectivos contextos. Isso é possi­
bilitado por um processo de descronologização das narrações 
bíblicas, isto é, a desconexão do texto do tempo [chrónos] em 
que foi escrito.
Os leitores e as comunidades leitoras de todos os tem­
pos e lugares são desafiados a considerar os vários tempos do 
texto bíblico e as tradições subjacentes. Entre o tempo dos 
leitores aos quais, originalmente, foi destinado e os múltiplos 
tempos em que é, efetivamente, lido está o longuíssimo tempo
A “Palavra de Deus” é Deus mesmo no ato de se comunicar com os seres humanos. 
A Palavra de Deus, na Bíblia, atinge os ouvintes-leitores para além da letra. O 
texto escrito funciona como “alto-falante” de Deus. Ele faz a “voz” de Deus chegar 
até nós e nos convidar a um diálogo. Apegar-se à letra do texto bíblico e limitar-se 
a explicá-la, em última análise, corresponde à tentação de calar a voz de Deus e se 
contentar com ouvir a própria voz.
48
em que foi transmitido, com a intervenção dos leitores e copis- 
tas, resultando em glosas e pluralidade de versões.6
O texto bíblico, portanto, na língua

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