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Princípios de Sistemática e Biogeografia MATERIAL DE APOIO – SEMANA 4 Vinícius Xavier da Silva Bom, já havíamos comentado que a ideia de representar a evolução como uma escada, ou uma escala, na qual cada membro vai se transformando no seguinte, não é muito boa!!! Todo mundo já viu isso em algum lugar... Essa não é uma boa representação justamente por causa da ideia de um se transformando em outro. A analogia com uma árvore genealógica (de parentescos) faz muito mais sentido, afinal se pensarmos nos seus ancestrais recentes apenas masculinos (para simplificar) sua genealogia não foi assim... Porque seu bisavô não se transformou no seu avô, que não virou seu pai e assim por diante; alguns deles, inclusive, coexistem vivos hoje em dia. Sua genealogia na verdade foi algo mais ou menos assim... Bisavô Avô Pai Você Notem que nessa árvore genealógica de 4 gerações cada nó representa todos os ancestrais como casais mesmo (seus 2 pais, 4 avós, 8 bisavós). Agora se nos dirigirmos mais para trás no tempo, pegaremos mais gerações da sua família. Se continuarmos mais para antigamente ainda pegaremos outras famílias, até todas as famílias de humanos e se continuarmos milhões de anos para trás, pegaremos as linhagens de outros primatas, mamíferos, tetrápodos, vertebrados... Mas espera aí, Profe!!! Cadê os répteis neste cladograma? Você não tinha comentado no Material anterior que grupo monofilético precisa incluir TODOS os descendentes conhecidos de um determinado ancestral? A resposta é sim para ambas as perguntas: répteis não estão representados neste cladograma e a definição teórica geral de grupo monofilético exige todos os descendentes de determinado grupo monofilético. Mas na prática cada cladograma representa uma hipótese evolutiva e deve ser interpretado individualmente. Isso quer dizer que devemos procurar pelos grupos monofiléticos REPRESENTADOS EM CADA cladograma, não os que existem do ponto de vista teórico. Essa licença, digamos assim, possibilita que os cladogramas trabalhem só com grupos de organismos fósseis, só com grupos recentes, misturas de vivos e fósseis, organismos de uma determinada região ou determinados grupos (excluindo outros, como os répteis no exemplo acima). Isso não invalida a hipótese representada em um dado cladograma, ok? 1 Isso acontece porque um cladograma é uma representação da história evolutiva dos grupos, não a própria história. Já sabemos, por exemplo, que um cladograma não consegue recuperar a história de TODOS os grupos simplesmente porque alguns grupos não deixaram sinais de sua existência. O processo de fossilização é extremamente raro e falho...alguns grupos não possuem nenhum representante fóssil conhecido. Isso não quer dizer que eles não existem, apenas que são tão poucos que ainda não foram encontrados por nenhum paleontólogo. No exemplo abaixo, à esquerda temos a evolução real de um determinado grupo e à direita um cladograma que a representa. Neste cladograma, o táxon A parece uma linhagem única, mas foi extremamente diversificada no passado, só que infelizmente essas outras linhagens próximas a A não se fossilizaram, ou se fossilizaram mas ainda não foram encontradas. 1 A B C D E F G Se continuarmos nossa viagem mais para trás no tempo, chegaríamos a incluir outros animais, fungos, plantas, vários tipos diferentes de microrganismos até chegar a um ancestral único, que originou toda essa diversidade. Lembram-se que cladogramas representam faixas de tempo evolutivo? Quando nos referimos desde o período recente até à origem da vida na Terra, estamos falando da árvore da vida e existem várias representações dela... Acho que já deu para perceber que uma árvore genealógica não é assim tão diferente de um cladograma e que no lugar da primeira figura deste Material de Apoio é preferível esta, que, aliás é um bom exemplo de cladograma que mistura grupos recentes ainda vivos (nós humanos) com fósseis (todos os demais).... Profeeeeeê!!! Para tudo!!! Como assim? Na escadinha evolutiva do começo deste Material de Apoio nós (Homo sapiens) éramos o ápice, agora caímos para o segundo lugar, atrás do Homem de Neanderthal (Homo neanderthalensis). Calma, na verdade não existe posicionamento preferencial entre essas duas espécies do gênero Homo, pois são grupos irmãos (dividem um ancestral comum exclusivo), tanto faz quem vem primeiro ou segundo. Para entender isso melhor, vamos fazer outra comparação: cladogramas são como móbiles, aqueles brinquedos que ficam girando sobre os berços dos bebês!!! Só que são cladogramas invertidos: a raiz está virada para cima e os terminais, para baixo. Os nós são os centros de gravidade (bolinhas vermelhas da próxima figura) em torno dos quais giram as hastes com bichinhos nas extremidades. Cada haste pode girar à vontade que o bichinho de cada lado pode ir da direita para a esquerda e vice-versa, mas o par de cada haste nunca muda, afinal é como se eles fossem grupos irmãos. Repare, por exemplo, na dupla tigre laranja e gatinho amarelo. A haste deles pode girar de qualquer modo, que os dois sempre continuam nas extremidades!!! † † † † Vamos entender essa questão do giro dos nós em cladogramas de verdade agora e como isso não muda as relações de parentesco. Comecemos com cladogramas de 3 táxons (A, B, C). A partir de uma hipótese inicial de politomia (quando não sabemos quem é mais aparentado de quem) existem 3 possibilidades de solução (1-3): A mais próximo de B, B mais próximo de C e A mais próximo de C. Apenas como exemplo, a partir da solução 1 fizemos 3 rotações de nós: nó “x”, nó “z” e nó “y”. Percebam que nos 3 cladogramas em vermelho, apesar das sequências diferentes de letras nos terminais, todos indicam as mesmas relações do cladograma 1: C mais basal e A e B como grupos irmãos. Portanto, esses 4 cladogramas são ABSOLUTAMENTE iguais. x y z Ela nem percebeu a diferença!!! Os 6 cladogramas abaixo são exatamente o mesmo cladograma, mostram as mesmas relações. Brinquem de identificar quais os nós foram girados para originar topologias só aparentemente diferentes. O próximo passo é compreender o que Hennig chamava de polarização, que nada mais é que uma técnica para determinar qual estado é plesiomórfico e qual é apomórfico em uma série de transformação ou característica. Por convenção chamamos o estado plesiomórfico de 0 (por vir primeiro) e o apomórfico de 1 (que vem depois do zero). Usaremos o método chamado de Grupo Externo (outgroup, em inglês), que consiste em comparar os estados das características do grupo que estamos estudando (que se chama grupo de estudo, grupo interno, ou ingroup, em inglês), com um ou vários grupos próximos (que são os grupos externos). Os estados compartilhados com o(s) grupo(s) externo(s) são presumivelmente os plesiomórficos (0) e aqueles exclusivos do grupo interno são os apomórficos ou novidades evolutivas (1). Lembrem-se que para construir o cladograma Hennig defendia que deveríamos usar apenas as novidades evolutivas (estados 1 das características). Mas é importante destacar que este método se refere apenas aos estados de características compartilhados entre os grupos interno e externo(s). Um estado exclusivo do grupo externo não pode ser polarizado pois pode ser justamente a apomorfia deste grupo. Mas vocês devem estar se perguntando agora: como escolhemos um grupo externo? Para a execução dos exercícios da disciplina os grupos externos já serão sempre indicados pelo enunciado. Agora para a vida prática de vocês, grupos externos são bem intuitivos. As classificações já existentes para cada grupo são um bom começo. Vamos supor que vocês são sistematas e querem saber as relações de parentesco entre as subespécies de tigre (Panthera tigris)... Que grupo externo escolheriam? Outras espécies do gênero Panthera, como leão e/ou leopardo, por exemplo. Mas e depois de polarizar os estados dos caracteres, como continuar a análise filogenética e começar a construir o cladograma pra valer? Então vamos iniciar com um exemplo hipotético com figurinhas geométricas,que poderiam representar diferentes ossos do esqueleto, escamas de diferentes partes do corpo de um grupo de peixes, morfologia de diferentes tipos de células sanguíneas, enfim quaisquer características com variação dentro do grupo interno composto pelos táxons A, B e C e vamos polarizar os estados dessas características com o método do grupo externo (G. E.). Iniciaremos levantando as características e seus estados de variação tanto no grupo interno quanto no G. E. e então montamos a chamada matriz de dados brutos. Essa matriz apresenta as características e seus estados para cada táxon do grupo interno e também para o G. E. Percebam que temos 6 caracteres binários (com 2 estados). O caráter 1, por exemplo, é cor do triângulo e seus 2 estados são branco e preto. Percebam também que em todos os caracteres sempre um dos estados presentes em pelo menos um táxon do grupo interno também se encontra no G. E. Isso é importante pois possibilita o próximo passo que é criar a matriz de dados polarizados, que é justamente aplicar o método de polarização pelo grupo externo. Em outras palavras, o estado presente em pelo menos um dos táxons do grupo interno que também está presente no G.E. será classificado como plesiomórfico (e será codificado como 0) e o estado diferente do G.E. será considerado apomórfico (1). Substituimos as figuras pelos respectivos números dos estados já polarizados (0 ou 1) e não precisamos mais do G.E. (sua coluna pode ser descartada). Ele só é utilizado para a polarização, não precisa aparecer no cladograma resolvido final. No lugar da coluna do G.E. podemos criar uma coluna “Grupos”, na qual vai aparecer para cada caráter o grupo (letras entre parênteses) definido pelas apomorfias ou novidades evolutivas (estados 1 da matriz). Em seguida, iniciamos a construção do cladograma propriamente dito. A partir de uma hipótese inicial de politomia (todos os táxons se originando simultaneamente do mesmo nó ancestral), na qual não sabemos quem é mais próximo de quem. Ao contrário da definição de grupos monofiléticos que é mais fácil começar dos menores para os maiores grupos, na construção do cladograma é mais fácil começar com os maiores grupos da matriz polarizada. Na nossa matriz, o maior grupo é AB definido pelas apomorfias dos caracteres 2 e 5. Reunimos então esses dois táxons a partir de um ancestral comum exclusivo e marcamos nessa linhagem ancestral as novidades 2 e 5. Se temos três táxons e dois já foram agrupados não resta outra possibilidade para o táxon C a não ser permanecer como a linhagem mais basal do cladograma. Esse processo de desenhar os ramos de cada táxon e plotar os caracteres definidos pelas apomorfias é denominado otimização. Após o grupo AB, sobraram apenas grupos unitários (formados por um único táxon) na matriz polarizada: A definido pelas novidades 1 e 3, C definido pela novidade 4 e B, pela novidade 6. Plotamos então cada uma dessas novidades nos respectivos ramos exclusivos do cladograma. Ao final devemos contar o número dessas marcas ou novidades no cladograma resolvido. Isso é chamado de número de passos evolutivos e neste caso são 6. Opa, mas foram 6 passos e tem 6 caracteres!!! Se é tão óbvio assim, por que contar? Porque nem sempre o número de passos é igual ao número de caracteres. Vamos imaginar a mesma matriz de dados polarizados acrescentando dois novos caracteres (7 e 8). Agora temos grupos conflitantes (AB x BC) e quando isso ocorre é melhor construir as outras possibilidades de resolução sem esquecer que ao plotar uma novidade em um cladograma também é necessário plotá-la na outra solução e que toda novidade que aparecer mais de uma vez em um cladograma deve ser destacada com um asterisco (*). Ao contar o número de passos de cada solução percebemos que uma teve 9 passos e a outra, 11. Escolhemos então a solução com menor número de passos. Esse critério de escolha foi outra regra estabelecida por Hennig. Chama-se parcimônia e significa economia. Quando nos deparamos com mais de uma solução possível, selecionamos aquela com menor número de passos (mais parcimoniosa ou econômica) simplesmente por ser a mais provável. Isso não significa de modo algum que a evolução é necessariamente parcimoniosa, essa é apenas uma exigência metodológica. Os últimos conceitos que veremos neste Material de Apoio são os tipos de apomorfia e os estados de caráter que surgem mais de uma vez no cladograma (aqueles marcados com asterisco). No cladograma mais parcimonioso do exemplo anterior vocês notaram que existem apomorfias (2, 5 e 8) que são compartilhadas por mais de um táxon e outras (1, 3, 4 e 6) que são exclusivas de táxons únicos? Apomorfias compartilhadas são chamadas sinapomorfias e aquelas exclusivas de linhagens únicas são chamadas autapomorfias. Entretanto, lembram-se que podemos colocar qualquer nível taxonômico nos terminais? Imaginem que A, B e C são gêneros com duas espécies cada. Assim as autapomorfias 1 e 3 do gênero A automaticamente já são as sinapomorfias das duas espécies deste gênero. E o estado 7, destacado com asterisco? Esse destaque é para deixar explícito que ele não surgiu uma vez só no cladograma e sim independentemente duas vezes, nas linhagens B e C, que não são grupos irmãos. Por conta da topologia das outras novidades, não podemos pegar essa condição 7 e agrupar B e C. Esse tipo de condição é chamada de homoplasia. Um exemplo mais palpável de homoplasia é o formato de corpo fusiforme de vertebrados aquáticos como peixes e golfinhos. Essa convergência ecológica é uma resposta adaptativa coincidente (mais hidrodinâmica) ao ambiente aquático; não serve para agrupar peixes e cetáceos, que são parentes, mas não grupos irmãos.
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