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1 Felipe Antônio Dal'Agnol RESPOSTA ENDÓCRINA, METABÓLICA E IMUNOLÓGICA AO TRAUMA (REMIT) I - INTRODUÇÃO Objetivo do REMIT: manutenção do fluxo sanguíneo e da oferta de oxigênio para tecidos e órgãos, além da mobilização de substratos para utilização como fonte energética e para auxílio ao processo de cicatrização de feridas. Embora a resposta biológica ao trauma tenha como princípio básico preservar o organismo, agressões intensas e graves desencadeiam uma resposta "maléfica", que pode levar o indivíduo à morte. Os principais mediadores da resposta são: citocinas (como IL e TNF), EROs, opioides endógenos, ácido araquidô- nico e os produtos de seu metabolismo (PGL e tromboxane) e complemento ativado. Composição corporal e sua resposta ao estresse cirúrgico O corpo é constituído de uma fase não aquosa (tecido adiposo, ossos, tendões, fáscias e colágeno) e uma fase aquosa (volume sanguíneo circulante - volume intravascular; volume de líquido que banha os tecidos - extracelular; e pela porção líquida no interior das células - líquido intracelular). Maior parte dos líquidos corporais estão no intracelular. Massa corporal celular: corresponde às proteínas e à água intracelular. Massa corporal magra: em suma, é a porção do corpo isenta de gordura. Representa a parte funcional do organismo. Os AGL, provenientes da lipólise, correspondem à principal fonte de energia utilizada pelo organismo durante o trauma. Glicerol, substrato da lipólise, é utilizado para gliconeogênese. Em trauma extensos, caso nenhuma intervenção nutricional seja feita, o paciente pode vir a falecer por perda de proteínas viscerais e estruturais. Em situações assim, a perda de proteínas nos primeiros cinco dias pode exceder 2 kg. II - RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA Primeiramente o organismo faz uso das reservas de glicose, visto que SNC, hemácias, medula adrenal e leucócitos utilizam glicose como fonte energética primordial. Glicogenólise consome o estoque hepático em 12-24 horas. Após esse consumo, entra em ação a gliconeogênese, que utiliza: aminoácidos musculares (alanina e glutamina), glicerol (da lipólise) e lactato. 1 - Resposta Endócrina e Metabólica à Cirurgia Eletiva Cortisol e ACTH: estímulos sensoriais da ferida operatória alcançam o hipotálamo, que libera o Hormônio Liberador da Corticotrofina (CRF), que estimula síntese e secreção da Corticotrofina (ACTH). Citocinas pró- inflamatórias, colecistoquinina, ADH, VIP, catecolaminas, dor e ansiedade parecem contribuir ao aumento de ACTH. Este, atua no córtex da suprarrenal liberando cortisol. Cortisol estimula proteólise e lipólise. Cortisol 2 Felipe Antônio Dal'Agnol permanece elevado de duas a cinco vezes o normal por, no mínimo, 24 horas em cirurgias de grande porte, porém não complicadas. Catecolaminas: devido aos estímulos, a suprarrenal libera a epinefrina que, além de fazer vasoconstrição, apresenta funções metabólicas, como estímulo à glicogenólise, à gliconeogênese e à lipólise. Promove piloereção, broncodilatação, aumento da FC, relaxamento esfincteriano e, junto com os opioides endógenos, atonia intestinal. Para sua ação adequada é necessária a presença de glicocorticóides. Na presença de trauma, a insuficiência suprarrenal inicialmente subclínica pode se manifestar, sendo responsável por hipotensão ou choque. Catecolaminas urinárias permanecem elevadas por 48-72 horas em eletivas não complicadas. Hormônio Antidiurético (ADH): aumentado no trauma como consequência de alterações na osmolaridade, na volemia (perda de 10% ou mais), ato anestésico, ação da ATII e estímulos provenientes da FO. Promove reabsorção de água, sendo comum uma queda no débito urinário no pós-operatório e edema da FO. Diurese volta ao normal após dois a quatro dias. Na periferia causa vasoconstrição esplâncnica (este efeito acontece mais em lesão acidental e eventos isquêmicos). ADH, por fim, estimula glicogenólise e gliconeogênese. Permanece elevado por cerca de uma semana após cirurgia. Aldosterona: liberada por ATII e por elevação do potássio do soro (lesões teciduais). Atua na manutenção do volume intravascular, conservando sódio e eliminando potássio ou hidrogênio - tendência pós-operatória à alcalose metabólica. Glucagon: principal mediador responsável pela gliconeogênese hepática. Cortisol parece exercer um efeito permissivo à ação do glucagon. Insulina: reduzida, até mesmo indetectável em pós-operatório. GH e IGF-1: o GH se eleva em procedimentos cirúrgicos, em anestesia e no trauma. Como se sabe, o anabolismo do GH é pela ação do IGF-1, só que no trauma o IGF-1 encontra-se inibido pelos altos níveis de IL-1, TNF- α e IL-6. O louco disso é que o GH acaba apresentando alguma função catabólica nas fases iniciais da resposta ao trauma: juntamente com as catecolaminas, promove a lipólise. TSH e Hormônios Tireoidianos: TSH normal ou levemente diminuído; T4 diminuído, embora fração livre normal (paciente eutiroideo); conversão periférica de T4 em T3 reduzida (logo, T3 está reduzido). Níveis de T3 reverso aumentados: a enzima que faz a conversão periférica, e que se encontra inibida, é a mesma que degrada o rT3. Balanço nitrogenado negativo Os aminoácidos musculares (alanina e glutamina) derivados da proteólise são utilizados na gliconeogênese hepática. Entretanto, na sua desaminação, o grupamento amino (nitrogênio) não é utilizado, sendo excretado, posteriormente, como ureia na urina. Dessa forma, o balanço nitrogenado negativo acontece quando mais proteínas estão sendo consumidas do que sintetizadas. Para que servem as proteínas de fase aguda? A IL-6 é um potente indutor dessas proteínas. Essas proteínas funcionam como marcadores bioquímicos de lesão tecidual, sendo produzidas no fígado. As antiproteases (α-1-antitripsina e α-2-antitripsina) previnem a ampliação do dano, a ceruloplasmina tem ação antioxidante, o fibrinogênio e a PTN-C reativa auxiliam no reparo de lesões teciduais. 3 Felipe Antônio Dal'Agnol Fases de Recuperação Cirúrgica I. Fase Adrenérgica-Corticoide É o período inicial após a cirurgia. Aqui, as alterações promovidas pelas catecolaminas e pelo cortisol são mais intensas. A detecção de mediadores pró-inflamatórios é máxima. A taxa de glicogenólise, a síntese de proteínas de fase aguda, a atividade imune das células de defesa e o balanço nitrogenado negativo atingem níveis insuperáveis. A lipólise também encontra-se exacerbada, com liberação de ácidos graxos, e sua posterior oxidação pelos tecidos, e glicerol, para ser utilizado como substrato no processo de gliconeogênese. Dura de seis a oito dias. Se alguma complicação, pode se alastrar por semanas. II. Fase Anabólica Precoce Também chamada de fase de "retirada do glicocorticoide", a fase anabólica precoce tem como caracte- rística um declínio na excreção de nitrogênio, com balanço nitrogenado tendendo ao equilíbrio. Observamos restauração do balanço de potássio, uma vez que este era inicialmente positivo (destruição tecidual), e depois tendia a negatividade no decorre de horas a dias (efeitos da aldosterona). A ação anabólica do IGF-1 começa a se fazer presente. A diminuição dos teores de ADH promove diurese da água retida. O paciente manifesta desejo de se alimentar, fenômeno que reflete redução dos níveis de TNF-α. Após um período variável, os pacientes entram em um balanço nitrogenado positivo, representado por síntese proteica e ganho de massa corporal magra (até 100 g/dia) e peso. III. Fase Anabólica Tardia Nesse período, o paciente apresenta um ganho ponderal mais lento, principalmente à custa de tecido adiposo; este fenômeno é conhecido como balanço positivo de carbono. A duração desta fase pode durar de meses a anos. 4 Felipe Antônio Dal'Agnol 2 - Resposta Endócrina e Metabólica ao Trauma (lesão) acidental Politrauma, queimadura, sepse, hemorragias, pancreatite necrosante etc. Quanto maior a lesão, maiora resposta. Quais os efeitos deletérios da resposta exacerbada? Desgaste de proteínas mais acelerado: o estado catabólico é mais intenso e "não tem hora para acabar". Pode acometer diafragma, prejudicando a respiração. Prejudica, também, o processo de cicatrização de feridas. A persistência da lipólise pode geral microêmbolos gordurosos, agravados pela imobilidade e decúbito dorsal. A vasoconstrição microcirculatória mantida pode gerar hipóxia plégica com abertura de shunts e má perfusão celular. O empilhamento de hemácias, fenômenos trombóticos e distúrbios da coagulação podem se instalar. A IR e a SDRA são complicações desses eventos. Como via final, disfunção de múltiplos órgãos. Fase de Baixo Fluxo seguida de Refluxo (Ebb and Flow Phases) Nessa fase inicial, o DC diminui, a RVP aumenta e o volume circulatório se encontra depletado. Isso, em decorrência da diminuição do volume intravascular. Embora os níveis de hormônios de estresse se encontrem elevado, ocorre queda na temperatura central e hipometabolismo. Com a restauração do volume com cristalóide (RL) e/ou hemoderivados, instaura-se o refluxo (imagino que seja como a transformação do choque séptico hipodinâmico em hiperdinâmico após reposição volêmica). Há, então, um hipermetabolismo. É nessa fase que acontece a febre pós-traumática (ocasionada pela intensa produção de citocinas - especialmente a IL-1). Proteólise se acelera. A glutamina, além de servir para a gliconeogênese, é utilizada pelos enterócitos e é captada pelos rins, onde contribui com o grupamento amônia, favorecendo a excreção ácida (o que é muito importante no controle da acidose metabólica, visto que o hipermetabolismo produz muito lactato). A alanina proveniente do músculo é derivada do piruvato, que por sua vez, é oriundo da glicose muscular. Durante a resposta ao trauma ou a cirurgias eletivas, a proteólise faz com que a alanina seja liberada do músculo, ganhe a circulação e seja "transformada" no fígado em glicose - o ciclo de Felig. Em alguns locais, a glicose é consumida através de um metabolismo anaeróbio, dando origem ao lactato. Este retorna ao fígado sendo utilizado como substrato para gliconeogênese - o ciclo de Cori. * Resposta endócrina e metabólica ao jejum está no resumo de Suporte Nutricional. III - RESPOSTA IMUNE Assim como na resposta endócrina, a exacerbação da resposta imune pode ter efeitos negativos. Pode-se dividir a resposta imunológica em duas fases: Resposta inata: pouco específica, porém muito rápida, sendo a primeira linha de defesa. Participam desta fase os receptores Toll-like, NOD e HMGB1 - responsáveis pela detecção do estímulo nocivo e pela deflagração da resposta imunológica e inflamatória -, e os agentes efetores, que são células específicas (neutrófilos, macrófagos, células NK e células dendríticas), sistema complemento, citocinas, quimiocinas e proteínas de fase aguda. Principais objetivos: limitar o dano tecidual, combater microorganismo e células tumorais e iniciar resposta adaptativa. 5 Felipe Antônio Dal'Agnol Resposta adaptativa: mais demorada e mais específica. Resulta em resposta humoral (anticorpos) e celular (células T citotóxicas) específicas. Fase orquestrada pelo linfócito T helper. Dependendo das citocinas produzidas na fase inata, o T helper pode se diferencial em quatro subtipos: 1- Resposta Mediada pelas Citocinas Na lesão, os monócitos viram macrófagos. Nesse contexto, sobressaem as IL's produzidas pelos macrófagos, linfócitos e leucócitos aderidos ao endotélio, e TNF, sintetizado preferencialmente por macrófagos ativados. Além de ação autócrina e parácrina, as citocinas tem, também, ação endócrina. Esses agentes pró-inflamatórios, representados nas fases iniciais pelas IL-1, IL-2 e pelo TNF-α levam às seguintes alterações: maior aderência leucocitária ao endotélio vascular, ativação de macrófagos e linfócitos, aumento da capacidade do neutrófilo em gerar RL's derivados do oxigênio, elevação dos níveis de prostaglandinas (PGE2 e PGI2), aumento da síntese de proteínas de fase aguda, aumento da degradação proteica muscular e da lipólise sistêmica, estímulo à proliferação de células hematopoiéticas e incremento na produção de fibroblastos e colágeno. Esses efeitos se retroalimentam, podendo evoluir a complicações graves, como a formação de fibrose pulmonar na SDRA. 6 Felipe Antônio Dal'Agnol Interações entre hormônios e citocinas Os glicocorticoides geralmente aumentam a síntese e a liberação de IL-10 (que regula e diminui a intensidade da resposta inflamatória). Esses hormônios também podem induzir a apoptose de linfócitos T. As IL 1 e 6 e o TNF-α ativam o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, aumentando a liberação de ACTH e cortisol. As catecolaminas diminuem a produção de TNF-α pelos macrófagos, um efeito pouco observado em condições de agressão importante ao hospedeiro. 7 Felipe Antônio Dal'Agnol Interferência na Apoptose Mediadores como Interleucinas (1, 3 e 6), Interferon-Gama, Fator Estimulante de Colônias de Granulócitos e Macrófagos (GM-CSF) e TNF, agem diminuindo a expressão de receptores associados à apoptose nas membranas dos imunócitos (monócitos, macrófagos e neutrófilos). Isso "aumenta" a vida dessas células. 2 - Mediadores das Células Endoteliais Além de participar da coagulação e regular o tônus, as células endoteliais são capazes de produzir mediadores humorais: PAF, IL-1, PGI2 e PGE2, GM-CSF, NO e pequena quantidade de TxA2. O endotélio, quando ativado, sintetiza colagenase, que é capaz de digerir a sua própria membrana basal. Isso permite um remodelamento dos pequenos vasos e neovascularização, o que facilita o trânsito de imunócitos e a difusão de oxigênio para sítios de lesão tecidual. A célula endotelial, ao receber TNF-α e a IL-1, expressa o receptor E-Selectina, que permite a passagem de PMN ao tecido lesado. Pode dificultar a difusão de nutrientes (angústia respiratória, isquemia). NO e PGI2 causam vasodilatação e diminuição da função plaquetária. Endotelina é um forte vasoconstritor. O PAF estimula a produção de TxA2, que é responsável por um aumento da agregação plaquetária e vasoconstrição. Ainda, é capaz de elevar de forma significativa a permeabilidade capilar e induzir hipertensão pulmonar, broncoconstrição, ativação e marginação de PMN, quimiotaxia e degranulação de eosinófilos e trombocitopenia. 3 - Mediadores Intracelulares Radicais Livres Derivados do Oxigênio/Metabólitos Reativos de Oxigênio/Espécies Reativas de Oxigênio Promovem alterações metabólicas das PTN, dos CHO e dos lipídeos. Ações deletérias são observadas na morfolo- gia celular (citoesqueletólise), na estrutura do ácido nucleico e na bomba de transporte iônico transmembrana. Nos lipídeos ocorre a peroxidação de todas as membranas. Nas estruturas orgânicas proteicas há inativação enzimática. Nos compostos carbonados há despolimerização dos polissacarídeos. No ácido nucleico instala-se a oxidação de bases nitrogenadas, o que fragiliza as cadeia do DNA. Há diversas outras ações. Proteínas de Choque Térmico - Heat-Schock Proteins - HSP Produzidas no interior das células e têm como objetivo proteger estruturas celulares dos danos causados pelo estresse do trauma. Principais estímulos para sua síntese: calor, hemorragia e hipóxia. Produção sensível ao ACTH e parece declinar com a idade. 4 - Derivados do Ácido Araquidônico ou Eicosanoides Fosfolipase A2 degrada o AA por duas vias: ciclo-oxigenase (que induz a síntese de prostaglandinas e tromboxane) e lipo-oxigenase (que promove o surgimento de mediadores). As PGE2 e PGI2 parecem exercer uma função inibitória da quimiotaxia, da adesão dos leucócitos e da geração de radicais livres (ação anti-inflamatória). Além disso, a PGE2 inibe a gliconeogênese e a lipólise. 8 Felipe Antônio Dal'Agnol Em situações normais, há um equilíbrio entre a PGI2 e o TxA2. No entanto, a lesãoendotelial pelo processo inflamatório e/ou traumático reduz a presença de prostaglandina sintetase, o que faz predominar as ações do TxA2. Os leucotrienos são potentes quimiotáxicos para neutrófilos ativados; seus principais efeitos incluem aumento da permeabilidade vascular, contração da musculatura lisa do TGI, diminuição do DC, broncoconstrição e vasoconstrição pulmonar. 5 - Sistema da Calicreína - Cininas A calicreína é uma enzima inativa no interior das células. Sob estímulos variados (como fator XII, tripsina e lesão tecidual), age sobre o cininogênio, produzindo bradicinina. Esta substância aumenta a permeabilidade capilar e o edema tecidual, promove dor, inibe a gliconeogênese e leva à broncoconstrição. 6 - Histamina e Serotonina Altos níveis de histamina promovem aumento da permeabilidade capilar e hipotensão, além de diminuição do retorno venoso e falência miocárdica. A serotonina promove vasoconstrição, broncoconstrição e agregação plaquetária. Seu papel no trauma é pouco conhecido. 7 - Opioides Endógenos São considerados neuropeptídeos (endorfinas e encefalinas), atuando nos mesmos receptores cerebrais e medulares da morfina; são liberados pela hipófise anterior em resposta à estímulos provenientes da região do trauma. Hipovolemia e infecção também levam a liberação desses mediadores. Em níveis elevados, promovem atonia intestinal, depressão miocárdica e vasoconstrição, com aumento da RVP. O naloxone é um bloqueador específico de receptores opioides.
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