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RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL AULA 3 Profª Cora Catalina 2 CONVERSA INICIAL Nesta terceira aula veremos o que é o modelo fordista de produção e o que levou a que Henry Ford fosse considerado o precursor da ideia de responsabilidade social. Conheceremos visões de autores sobre relações entre trabalho e consumo estabelecidas pelo modelo capitalista. Veremos também em que se baseia a teoria do livre mercado, do economista Milton Friedman, e sobre a função das empresas. Serão apresentadas análises feitas por outros autores a respeito das teorias de Friedman. Por último, conheceremos a mudança de paradigma na administração das empresas, da gestão tradicional para a gestão ecocêntrica, esta última considerada um dos valores da RSE. Disponibilizamos também o Roteiro Básico para Diagnóstico de Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Convidamos para uma reflexão, ao final desta aula, para que avalie se, com o decorrer dos anos, as mudanças têm sido significativas e, principalmente, sob quais aspectos CONTEXTUALIZANDO Os temas ligados à sociedade de mercado estão intrinsecamente conectados à produção de bens materiais, oferta de serviços e produtos, em que tudo é fabricado graças à força de trabalho, às máquinas produzidas pelos próprios indivíduos e ao desenvolvimento de pesquisa e novas formas de gestão, entre outros. Tudo gira em torno do consumo e da economia de mercado, pois sem eles não há capital para circular e produzir. Gira como o faz uma roda gigante, sempre em torno do mesmo eixo, suspensa em torres verticais, segurando em bancos oscilantes para que as pessoas girem ao seu redor. Assim tem funcionado o sistema industrial durante séculos, preocupado com o equilíbrio entre oferta e demanda através da livre circulação de capitais, produtos e pessoas. Tudo girando sob o eixo do capitalismo. 3 TEMA 1 – O MODELO FORDISTA DE PRODUÇÃO Figura 1 – O modelo fordista Fonte: Questão... (2009). O fordismo é caracterizado como sendo um modelo que transformou a maneira de administrar a indústria. A gestão da produção passou a ser em massa, ou seja, em grande escala. A fabricação, a montagem padronizada e estocada em grandes quantidades para comercialização foi característica desse modelo. São exemplos a produção de carros automobilísticos, a construção naval, equipamentos de transporte, o aço, produtos petroquímicos, a borracha, os eletrodomésticos. Outro foco do fordismo eram os trabalhos altamente especializados para determinadas tarefas. O modelo teve origem no pioneirismo do industrial americano Henry Ford, vigorando entre 1914 até início dos anos 1970. Segundo o Portal História da Administração: Henry Ford, fundador da Ford Motor Company foi o idealizador das modernas linhas de montagem utilizadas na produção em massa e se tornou uma das pessoas mais ricas de sua época. Com o desenvolvimento e produção do Modelo T revolucionou o transporte por automóvel e indústria americana. Também foi um inventor prolífico e registrou mais de 161 patentes. (Henry..., 2009) Dois destaques resultantes desse modelo de administração estavam no fato de que se fabricava um grande número de automóveis que podiam ser adquiridos por preços acessíveis pelos consumidores e que os trabalhadores da fábrica recebiam bons salários. Foi a partir daí que as relações entre trabalho e consumo tomaram proporções transformadoras na indústria de grande escala, uma vez que a capacidade de produzir mercadorias passou a crescer num índice muito mais rápido do que a capacidade de consumir porque 4 as pessoas precisavam ter dinheiro para consumir o que era fabricado em massa. No meio empresarial, a fase em que predominava o modelo fordista foi denominada de gigantismo industrial, marcada pelo grande poder das industrias geradoras de riquezas (Chiavenato, citado por Stadler, 2012, p. 18) A crise desse modelo se dá a partir da década de 1970, com o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, da microeletrônica e da automatização. No pós-fordismo, o conflito de classes passou a se intensificar. As novas formas de industrialização segregavam os trabalhadores, em vez de uni-los. Cardoso (2011) faz uma análise e conclusão sociológica no estudo publicado na revista Tempo Social: “Poderíamos afirmar que o mundo do trabalho pacificou conflitos no pós-fordismo? Não é neste mundo contemporâneo do capital que essa tendência deixa de se afirmar”. Para o pesquisador, basta observar a distribuição dos novos centros produtivos na zona oriental do planeta. Está evidente a depredação da força de trabalho, a ampliação das jornadas, o uso intensivo do trabalho feminino e infantil e, inclusive, os baixos salários. No contexto brasileiro, Cardoso (2011) lembra que, “no pós-fordismo, tem-se constatado um aumento considerável do número de trabalhadores que recorrem ao Judiciário como forma de buscar uma solução para minimizar conflitos surgidos na relação contemporânea entre capital e trabalho”. 1.1 O pioneiro na ideia de responsabilidade social Em 1914, Henry Ford, presidente e acionista majoritário da fábrica automobilística Ford Motor Company, sediada em Michigan (EUA), tomou três medidas que provocaram a ira dos acionistas: reverteu uma parte dos lucros com os trabalhadores da fábrica; aumentou salários e criou um fundo para fazer face à previsível redução das receitas devido à baixa dos preços do Modelo T. Os acionistas, revoltados porque Ford não estava distribuindo parte dos lucros exclusivamente com eles, abriram uma ação judicial contra a empresa no Tribunal do Michigan. Para se defender no tribunal, Ford argumentava: o propósito da empresa é fazer o máximo para todas as pessoas envolvidas, ganhem dinheiro e usem, criem emprego e desenvolvam 5 carros que as pessoas possam usar… e, por acaso, ganhem dinheiro. (Lopes, 2016) Essa ideia de que os negócios seriam um serviço prestado à comunidade foi ridicularizada pelo tribunal, dando ganho de causa aos acionistas. A Suprema Corte deferiu que uma empresa é organizada e orientada, primeiramente, para os lucros dos acionistas. Segundo a professora da Universidade Lusófona de Lisboa, Dra. Marta Lopes, esse acontecimento marcaria os anos seguintes da participação social das empresas: Henry Ford ficará na história dos transportes e na história da Responsabilidade Social Empresarial. No primeiro caso, por ter revolucionado o mercado automóvel, no segundo, por não ter conseguido implementar as medidas sociais que tinha como propósito. (Lopes, 2016) Saiba mais Assista ao filme Ford: o homem e a máquina – parte 1, uma biografia de Henry Ford: <https://www.youtube.com/watch?v=WQIz665YEHY&feature=yout u.be>. TEMA 2 – TRABALHO E CONSUMO Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo e filósofo contemporâneo, se referia às grandes fábricas fordistas como a personificação completa da tendência à rotina dos estímulos e da reação aos estímulos. Consistia no direito de estabelecer leis infringíveis, vigiar para garantir que fossem cumpridas. Para Bauman, esse modelo de dominação exigia um compromisso recíproco e constante dos administradores e dos administrados (Porcheddu, 2009). Figura 2 – Capacidade de trabalhar e produzir versus capacidade de consumir capacidade de trabalhar e produzir capacidade de consumir 6 Na história da escola de administração de empresas, estudiosos preocupados com os impactos provocados pelo sistema de produção em massa, nos relacionamentos e comportamento humanonas organizações, desenvolveram pesquisas para analisar, principalmente, a satisfação e necessidades dos trabalhadores e dos consumidores. Nesse sentido, duas teorias passam a ter destaque: a Teoria dos dois fatores e a Teoria da motivação humana. A Teoria dos dois fatores, publicada em 1968 no livro A Motivação para trabalhar pelo americano Frederick Herzberg, teve como objetivo analisar e identificar o que causava a satisfação e a insatisfação dos funcionários no seu ambiente de trabalho. Herzberg os classificou em dois fatores: fatores motivacionais, relacionados ao cargo ou à função desempenhada pelo trabalhador. Incluem liberdade no processo de decisão e execução das tarefas, gestão e autoavaliação de desempenho; fatores higiênicos, relacionados à infraestrutura e recursos disponíveis no local de trabalho, ao salário e benefícios sociais. (Camacho, citado por Periard, 2011). Herzberg concluiu que os fatores de insatisfação profissional nada tinham a ver com aqueles que influenciavam a satisfação dos trabalhadores. E que, os fatores que causavam a satisfação estavam relacionados à tarefa desempenhada, sua natureza, responsabilidade, promoção, etc. (Periard, 2011) Relacionando a Teoria dos dois fatores às diretrizes de responsabilidade social empresarial – ambos instrumentos das relações humanas nas organizações –, observa-se que os avanços sobre gestão de pessoas no ambiente interno trabalho são relativamente recentes, desde a perspectiva histórica. E ainda, que as temáticas atuais têm maior abrangência. O documento internacional de Diretrizes para Relato de Sustentabilidade da Global Reporting Iniciative (GRI-G4), na dimensão social aponta as seguintes categorias relacionadas aos trabalhadores/funcionários: práticas trabalhistas, trabalho decente, emprego e mecanismos de queixas e reclamações relacionadas a direitos humanos. Nesses temas, os aspectos a serem avaliados nas empresas são: benefícios concedidos a empregados de tempo integral que não são oferecidos a empregados temporários ou em regime de meio período; taxas de retorno ao trabalho e retenção após licença maternidade/paternidade; relações trabalhistas, saúde e segurança no trabalho, educação e desenvolvimento de carreira; diversidade e igualdade de oportunidades de acordo com gênero, faixa etária, 7 minorias; igualdade de remuneração entre mulheres e homens; avaliação de fornecedores em práticas trabalhistas; mecanismos de queixas e reclamações relacionadas a práticas trabalhistas; liberdade de associação e negociação coletiva; trabalho infantil; trabalho forçado ou análogo ao escravo; direitos dos povos indígenas e tradicionais. (As novas..., S.d.) Um exemplo da interação entre o poder público, empresas e sociedade civil, é o Prêmio de Responsabilidade Social, realizado pela Federação do Comércio do Rio Grande do Sul (FECOMÉRCIO-RS), instituído pela Lei n. 11.440, de 2000 da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e que completou sua 18ª edição. Em 2017, o tema norteador foi “Equidade de gênero”: O Prêmio abrange cinco tipos de reconhecimento: o certificado, a medalha, o troféu de Responsabilidade Social, o Destaque RS, o Troféu Destaque e o Diploma Mérito Social [...] O objetivo é incentivar o envolvimento de instituições em práticas voltadas para o bem-estar da sociedade e a preservação do meio ambiente. (Prêmio..., 2017). A segunda teoria, relacionada às relações humanas e, por isso, também relevante para estudos em responsabilidade social empresarial, se refere à Teoria da motivação humana, também conhecida como hierarquia das necessidades de Maslow ou pirâmide de Maslow (Andrade, citado por Stadler, 2012, p. 24). Essa teoria foi proposta pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow em 1954. Diferentemente da Teoria dos dois fatores, voltada para o público interno da empresa, a teoria de Maslow determina o que as pessoas necessitam para sua satisfação pessoal e profissional. Para Maslow, os seres humanos vivem para satisfazer as suas necessidades. Assim, classificou-as em dois tipos: necessidades primárias, onde se inserem as necessidades fisiológicas e de segurança e; necessidades secundárias, onde se inserem as necessidades sociais, autoestima e autorrealização. Assim, estabeleceu uma hierarquia onde, na base da pirâmide, estão as necessidades primárias para a sobrevivência humana. (Stadler, 2012, p. 24) O desenvolvimento de estudos comportamentais advindos da escola comportamental de administração vem contribuindo, cada vez mais, com elementos importantes de humanização para aprimorar as diretrizes da RSE, uma vez que um dos objetivos da responsabilidade social empresarial é a promoção e garantia da qualidade de vida no trabalho e da vida em sociedade. 8 TEMA 3 – VISÃO DE MILTON FRIEDMAN SOBRE A FUNÇÃO DAS EMPRESAS Na primeira semana de agosto de 2015, na qual o economista e ideólogo do livre mercado, Milton Friedman, completaria um século, o jornal O Globo inicia matéria com a seguinte frase: Milton Friedman, pai orgulhoso da miséria global”, acusavam camisetas de manifestantes do movimento Ocupem Wall Street.[...]. Na semana em que o mito de Chicago completaria um século, economistas americanos o absolvem, e alguns até mesmo apostam que suas ideias renascerão revigoradas da crise. Ideias estas que ele defendia em seus livros, artigos, em programas de televisão: a eficácia do livre mercado e o Estado não intervencionista. Ele também argumentava que, a longo prazo, a única coisa que a injeção desenfreada de moeda sustenta é a inflação. Assim nasceu o monetarismo, corrente de pensamento que lhe renderia o Nobel em 1976. (Acusado..., 2012) Considerado um dos autores mais céticos em relação à empresa socialmente responsável, Milton Friedman (1977, citado por Pardini; Becattini; Dias, 2006) afirma: a função da empresa está associada à utilização dos recursos para maximizar o lucro dos acionistas. Mantendo-se fiel ao que caracteriza como as “regras do jogo”, Friedman argumenta que as regras visam limitar as ações daqueles que objetivam fraudar os acionistas e os credores das organizações, uma vez que, elas asseguram o respeito à dinâmica competitiva que rege a concorrência no mercado. Na obra Liberdade para escolher, Milton Friedman (1979) relata que, após a Grande Depressão dos anos 1930, a ênfase na responsabilidade do indivíduo pelo seu próprio destino foi substituída pelas ações filantrópicas das corporações. Isso num cenário de pobreza generalizada e sensibilidade de alguns empresários para diminuir os impactos provocados pela revolução industrial. Sobre esse assunto, a pesquisadora Guimarães aponta que, ao fazer um exame dos primórdios da industrialização, é possível ver o papel social das empresas e a dificuldade de recrutamento dessa primeira geração de mão de obra fabril: Os industriais recorriam frequentemente à assistência pública, onde as autoridades paroquiais vendiam as crianças para que essas se tornassem aprendizes nas fábricas, livrando assim a administração municipal do encargo de sustentar esses menores abandonados. Enquanto restava aos trabalhadores alguma outra forma de trabalho, eles resistiam a se empregarem nas fábricas. Mas, com o desenvolvimento do capitalismo e a crescente especialização do processo produtivo, cada vez mais se restringiu o espaço para ofícios 9 independentes. Para a grande maioria dos trabalhadores, a escolha passou a ser entre morrer de fome ou ir para a fábrica. Esse ponto revela toda a fragilidade do mito da liberdade individual, tão propagado na nossa sociedade. (Guimarães, 1984) Em seu estudo, a autora debate sobre a relação entre osobjetivos dos negócios e a responsabilidade social. E posiciona Milton Friedman como um expoente da corrente que assume a postura tradicional, em que a única função da empresa é gerar lucros e dividendos para os acionistas. Sua missão é meramente econômica e “a responsabilidade social seria a maior irresponsabilidade em termos empresariais” (Guimarães, 1984). A argumentação de Friedman baseia-se nos seguintes termos: o objetivo das empresas numa economia de mercado, onde a competição é muito acirrada, é a maximização dos lucros; as ações dos executivos das empresas devem ser sempre voltadas para o objetivo do lucro, de forma a melhor remunerar os acionistas; investimento por parte da empresa na área social, para qualquer tipo de público (interno ou externo, empregados ou a sociedade) é uma forma de lesar os acionistas, de diminuir seus ganhos; procedendo com responsabilidade social a empresa estará se autotributando e, ao invés de ser elogiada, deveria ser processada. (Guimarães, 1984) Milton Friedman é reconhecido como o economista mais representativo do livre mercado, recebendo o título de representante do liberalismo clássico, ou seja, que enfatiza os valores individuais da liberdade de escolha. Segundo Alcides Leite, comentando sobre o que é liberalismo, afirma que para os liberais clássicos, liberdade, propriedade privada e livre mercado estão intimamente ligados. E refere que: o sistema econômico, baseado na propriedade privada, seria o único compatível com a liberdade individual. Se as pessoas não são livres para realizar contratos e vender seu trabalho, elas não são realmente livres. Por outro lado, a propriedade privada seria o único meio efetivo de proteção da liberdade. A distribuição do poder que resulta da economia de livre mercado, baseada na propriedade privada, protege a liberdade do indivíduo frente ao poder do estado (Leite, 2013). Saiba mais Para saber mais, assista ao vídeo no qual Milton Friedman é entrevistado por Richard D. Heffner, historiador americano, radialista e professor universitário de comunicações e políticas públicas, no programa The Open Mind na Rutgers, Universidade Estadual de Nova Jersey (1975): <https://youtu.be/YDz8AHmr8So>. 10 TEMA 4 – O LUCRO E A RSE Considerando que a finalidade essencial do sistema capitalista é a obtenção do lucro por meio da produção e consumo de mercadorias, a exploração do trabalho é a ferramenta. Do ponto de vista da exploração do trabalho na época da escravidão, o trabalhador, ou seja, o escravo não obtinha nenhum benefício pela sua mão de obra. No período feudal, o feudo também não recebia nenhum benefício. Ou seja, todos trabalhavam para seus senhores sem receber nada em troca. Segundo Huberman (1982), na sociedade capitalista quem não é dono dos meios de produção só pode ganhar a vida empregando-se e, em troca, recebendo salários: A diferença é que, assalariados são homens livres, vendem sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho. E se pergunta: por qual preço deve esse trabalhador livre vender sua mercadoria, ou seja, qual é o valor de sua força de trabalho? Huberman (1982, p. 231) apresenta a questão da seguinte forma: o operário receberá em troca de sua capacidade de trabalho, salários que serão apenas o suficiente para sua própria manutenção e da sua família, comprar um carro, uma tv, uma entrada ao cinema, ocasionalmente. Pois o valor de sua força de trabalho, como a das mercadorias, é o total necessário para garantir a manutenção da vida. A relação entre trabalho e consumo sempre se relacionou aos senhores industriais, detentores do mercado que usam suas fábricas para produzir o máximo de mercadorias e uma das grandes consequências foi a falta de capacidade de consumo interno. Foi então quando os industriais passaram a vender os excedentes de produção para outros países, no início dos anos 1930: Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica e Itália abriram mercados em países africanos. A África era um ótimo mercado para os artigos excedentes e, ao mesmo tempo, rica fonte de matérias-primas como a borracha, petróleo, nitratos, açúcar, minerais, ouro, algodão, alimentos tropicais. Os donos das industrias viram aí possibilidades de controlar e possuir as fontes desses recursos. (Huberman, 1982. p. 261) Em 1916, Lênin, discípulo de Karl Marx, já havia escrito o livro Imperialismo, no qual fazia severas críticas: enquanto o capitalismo continuar capitalismo, o capital excedente não será usado com o objetivo de elevar o padrão de vida das massas, pois isso significaria uma queda nos lucros dos capitalistas: ao invés disso será usado para aumentar os lucros pelas exportações do 11 capital para o exterior, para os países atrasados (Huberman, 1982. p. 262) E foi assim que aconteceu, relata Huberman (1982): países africanos, ricos em recursos naturais, porém carentes de estradas de ferro, eletricidade, rodovias, gás, derivados de combustíveis, fizeram concessões. Foi nesses países que os industriais investiam o capital excedente porque eram oportunidades para investimentos lucrativos. A economia de mercado fez surgir o que modelo capitalista mais deseja: o capital excedente, ou seja, o excesso de capital. Esse modelo se torna extremamente fortalecido pelos anos de 1980, época em que passa a receber o nome de globalização. Segundo artigo publicado por Enabe (2012), o fenômeno da globalização, fortemente impulsionado pelas forças do livre mercado, inovações tecnológicas, trocas econômicas entre países e regiões, pôs em xeque o regime fordista de desenvolvimento nos países centrais e asseverou os desafios do próprio crescimento econômico, mas, sobretudo, da democracia e dos déficits de inserção social nos países em desenvolvimento. [...] Dentro deste contexto, surgem as ações empresariais para contrapor este modelo, através de ações de responsabilidade social como uma forma de enfrentamento as questões sociais que permeiam a sociedade brasileira, pois neste caso a sociedade de uma forma ampla entende que não é mais possível conviver com o paradoxo de importantes inovações tecnológicas, de um lado, e a degradação da vida humana, de outro. (Enabe, 2012) A visão de uma empresa sobre suas responsabilidades está relacionada com sua política de governança e diretrizes de gestão organizacional. Sendo assim, avaliar o desempenho da empresa quanto a suas responsabilidades corporativas requer a análise equilibrada das responsabilidades econômicas, ambientais e sociais, resultando no tripé da sustentabilidade, como vimos na primeira aula desta disciplina. Seguindo essa análise, os objetivos empresariais transcenderiam os aspectos mensuráveis de fatores de produção que, na visão de Shivastava (citado por Ashley, 2002, p. 29), “transitariam do paradigma antropocêntrico – onde a empresa é o centro de tudo, para o ecocêntrico – no qual o meio ambiente é o mais importante e, a empresa e as pessoas, se inserem nele”, conforme mostra a Figura 3: 12 Figura 3 – Mudança na administração das empresas TEMA 5 – PERSPECTIVAS SOCIOAMBIENTAIS E SUA CRÍTICA À SOCIEDADE CAPITALISTA A abordagem tradicional de gestão empresarial tem como principais premissas a mercantilização das relações sociais, a competição como conduta primária para as relações de produção e consumo e a relação de apropriação da natureza pelo ser humano e antropocentrismo (Ashley, 2002, p.29). Na abordagem voltada para a responsabilidade social, Ashley propõe a gestão ecocêntrica, na qual descentraliza a empresa como foco, quanto às relações de produção e consumo nas coletividades humanas e apresenta comouma de suas principais premissas, a interdependência e o desempenho ecológico das comunidades organizacionais, entendidas como ecossistemas industriais (Ashley, 2002, p. 30). O quadro comparativo apresentado a seguir mostra importantes características dessas duas abordagens: Quadro 1 – Gestão tradicional versus gestão ecocêntrica (RSE) (continua) 13 (continuação do Quadro 1) Fonte: Shrivastava, citado por Ashley, 2005. p. 31. Na gestão da responsabilidade social, considerar os aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais e legais presentes nas relações de transparência, interação e comprometimento com os stakeholders da empresa é um passo necessário para posicionar a orientação estratégica. O sistema de avaliação de desempenho deve estar relacionado ao modelo ou diretrizes que a empresa escolhe. Por isso, é necessário conhecer a empresa. Para isso, disponibilizamos o Roteiro básico para diagnóstico de responsabilidade social empresarial (RSE) no Quadro 2, a seguir. Quadro 2 – Roteiro básico para diagnóstico de responsabilidade social empresarial (RSE) 14 NA PRÁTICA Esta aula apresentou uma visão ampla e conceitual a respeito da responsabilidade social, principalmente se analisarmos a função das empresas. A atividade proposta é utilizar Roteiro básico para diagnóstico de RSE para analisar uma empresa. Passos para resolver: 1. Decidir qual empresa quer analisar; 2. Aplicar as perguntas do roteiro básico; 3. Fazer a análise das respostas. A síntese de uma resolução: 1. Pesquisar na internet ou escolher uma empresa familiar, ou ainda, na qual trabalha; 2. Escolher um gestor estratégico na empresa para responder às perguntas; 3. Após análise das respostas, observar o perfil da empresa, correlacionando com os conteúdos da aula. FINALIZANDO Durante a aula, vimos o que é o modelo fordista de produção e as relações entre trabalho e consumo estabelecidas pelo modelo capitalista. Vimos também a visão de um economista conhecido como um dos mais acirrados defensores da liberdade de mercado, Milton Friedman e sua visão sobre a função das empresas. Vimos também análises de outros autores a respeito das teorias de Friedman. Por último, estudamos a mudança de paradigma na administração das empresas, da gestão tradicional para a gestão ecocêntrica, sendo esta última considerada um dos valores da RSE. Além disso, disponibilizamos o Roteiro básico para diagnóstico de responsabilidade social empresarial (RSE). 15 REFERÊNCIAS ACUSADO de ‘pai da crise’, Friedman tem apoio de economistas. O Globo, 4 ago. 2012. Disponível em; <https://oglobo.globo.com/economia/acusado-de-pai- da-crise-friedman-tem-apoio-de-economistas-5693425>. Acesso em: 26 maio 2018. AS NOVAS diretrizes da Global Reporting Iniciative: G4. PCW. Disponível em; <https://www.pwc.pt/pt/sustentabilidade/images/pwc-global-reporting-iniative- g4.pdf>. Acesso em: 26 maio 2018. ASHLEY, P. (Org.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. BOTELHO, A. Do fordismo à produção flexível. São Paulo: AnnaBlume, 2008. CARDOSO, L. A. A categoria trabalho no capitalismo contemporâneo. Revista Tempo Social, v. 23, n. 2. São Paulo, nov. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 20702011000200011>. Acesso em: 22 maio 2018. ENABE, S. M. Responsabilidade social corporativa e a globalização. Administradores.com, 9 jan. 2012. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e- financas/responsabilidade-social-corporativa-e-a-globalizacao/60877/>. Acesso em: 26 maio 2018. FRIEDMAN, M. Liberdade de escolher. Rio de Janeiro; Record, 1979. GUIMARAES, H. W. M. Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática. Revista Administração de Empresas, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 211-219, dez. 1984. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034- 75901984000400031&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 maio 2018. HENRY F. História da administração, 2009. Disponível em: <http://www.historiadaadministracao.com.br/jl/gurus/145-henry-ford>. Acesso em: 26 maio 2018. HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 18. ed. Rio Janeiro: Zahar, 1982. 16 LEITE, A. O liberalismo; o que é, de onde vem e para onde vai. Administradores.com, 17 set. 2013. Disponível em: <https://www.administradores.com.br/noticias/negocios/o-liberalismo-o-que-e-de- onde-vem-e-para-onde-vai/80151>. Acesso em: 26 maio 2018. LOPES, M. O que Henry Ford fez pela responsabilidade social. Jornal Econômico, 13 maio 2016. Disponível em: <http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/marta-lopes-professora-auxiliar-na- universidade-lusofona-55925>. Acesso em: 22 maio 2018. PARDINI, D. J.; BECATTINI. V. I.; DIAS, A. N. F. Origens e evolução da responsabilidade social corporativa: uma perspectiva histórica de quatro siderúrgicas brasileiras. Anpad, 2006. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/admin/pdf/eneo2006-687.pdf>. Acesso em: 26 maio 2018. PERIARD, G. Tudo sobre a Teoria dos dois fatores, de Frederick Herzberg. Sobre Administração, 15 ago. 2011. Disponível em: <http://www.sobreadministracao.com/tudo-sobre-a-teoria-dos-dois-fatores-de- frederick-herzberg/>. Acesso em: 22 maio 2018. PORCHEDDU. A. Zygmunt Bauman: entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos e modernidade líquida. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n.137 São Paulo, maio/ago., 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 15742009000200016&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em; 22 maio 2018. PRÊMIO de Responsabilidade Social chega à 18ª edição. Fecomércio RS, 17 jul. 2017. Disponível em: <http://fecomercio-rs.org.br/2017/07/17/premio-de- responsabilidade-social-chega-18a-edicao/>. Acesso em: 26 maio 2018. QUESTÃO: Alienação do trabalho. História Digital, 21 jun. 2009. Disponível em: <https://historiadigital.org/questoes/questao-enem-2001-divisao-do- trabalho-e-alienacao/>. Acesso em: 22 maio 2018. STADLER, A. Organizações e desenvolvimento sustentável. Curitiba: InterSaberes, 2012.
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