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AULA 3 - Responsabilidade Social e Empresarial

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RESPONSABILIDADE SOCIAL 
EMPRESARIAL 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Cora Catalina 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta terceira aula veremos o que é o modelo fordista de produção e o 
que levou a que Henry Ford fosse considerado o precursor da ideia de 
responsabilidade social. Conheceremos visões de autores sobre relações entre 
trabalho e consumo estabelecidas pelo modelo capitalista. Veremos também 
em que se baseia a teoria do livre mercado, do economista Milton Friedman, e 
sobre a função das empresas. Serão apresentadas análises feitas por outros 
autores a respeito das teorias de Friedman. Por último, conheceremos a 
mudança de paradigma na administração das empresas, da gestão tradicional 
para a gestão ecocêntrica, esta última considerada um dos valores da RSE. 
Disponibilizamos também o Roteiro Básico para Diagnóstico de 
Responsabilidade Social Empresarial (RSE). 
Convidamos para uma reflexão, ao final desta aula, para que avalie se, 
com o decorrer dos anos, as mudanças têm sido significativas e, 
principalmente, sob quais aspectos 
CONTEXTUALIZANDO 
Os temas ligados à sociedade de mercado estão intrinsecamente 
conectados à produção de bens materiais, oferta de serviços e produtos, em 
que tudo é fabricado graças à força de trabalho, às máquinas produzidas pelos 
próprios indivíduos e ao desenvolvimento de pesquisa e novas formas de 
gestão, entre outros. 
Tudo gira em torno do consumo e da economia de mercado, pois sem 
eles não há capital para circular e produzir. Gira como o faz uma roda gigante, 
sempre em torno do mesmo eixo, suspensa em torres verticais, segurando em 
bancos oscilantes para que as pessoas girem ao seu redor. 
Assim tem funcionado o sistema industrial durante séculos, preocupado 
com o equilíbrio entre oferta e demanda através da livre circulação de capitais, 
produtos e pessoas. Tudo girando sob o eixo do capitalismo. 
 
 
 
 
 
3 
TEMA 1 – O MODELO FORDISTA DE PRODUÇÃO 
Figura 1 – O modelo fordista 
 
Fonte: Questão... (2009). 
O fordismo é caracterizado como sendo um modelo que transformou a 
maneira de administrar a indústria. A gestão da produção passou a ser em 
massa, ou seja, em grande escala. A fabricação, a montagem padronizada e 
estocada em grandes quantidades para comercialização foi característica 
desse modelo. São exemplos a produção de carros automobilísticos, a 
construção naval, equipamentos de transporte, o aço, produtos petroquímicos, 
a borracha, os eletrodomésticos. Outro foco do fordismo eram os trabalhos 
altamente especializados para determinadas tarefas. 
O modelo teve origem no pioneirismo do industrial americano Henry 
Ford, vigorando entre 1914 até início dos anos 1970. Segundo o Portal História 
da Administração: 
Henry Ford, fundador da Ford Motor Company foi o idealizador das 
modernas linhas de montagem utilizadas na produção em massa e se 
tornou uma das pessoas mais ricas de sua época. Com o 
desenvolvimento e produção do Modelo T revolucionou o transporte 
por automóvel e indústria americana. Também foi um inventor 
prolífico e registrou mais de 161 patentes. (Henry..., 2009) 
Dois destaques resultantes desse modelo de administração estavam no 
fato de que se fabricava um grande número de automóveis que podiam ser 
adquiridos por preços acessíveis pelos consumidores e que os trabalhadores 
da fábrica recebiam bons salários. Foi a partir daí que as relações entre 
trabalho e consumo tomaram proporções transformadoras na indústria de 
grande escala, uma vez que a capacidade de produzir mercadorias passou a 
crescer num índice muito mais rápido do que a capacidade de consumir porque 
 
 
4 
as pessoas precisavam ter dinheiro para consumir o que era fabricado em 
massa. 
No meio empresarial, a fase em que predominava o modelo fordista foi 
denominada de gigantismo industrial, marcada pelo grande poder das 
industrias geradoras de riquezas (Chiavenato, citado por Stadler, 2012, p. 18) 
A crise desse modelo se dá a partir da década de 1970, com o avanço 
das novas tecnologias de informação e comunicação, da microeletrônica e da 
automatização. No pós-fordismo, o conflito de classes passou a se intensificar. 
As novas formas de industrialização segregavam os trabalhadores, em vez de 
uni-los. Cardoso (2011) faz uma análise e conclusão sociológica no estudo 
publicado na revista Tempo Social: “Poderíamos afirmar que o mundo do 
trabalho pacificou conflitos no pós-fordismo? Não é neste mundo 
contemporâneo do capital que essa tendência deixa de se afirmar”. 
Para o pesquisador, basta observar a distribuição dos novos centros 
produtivos na zona oriental do planeta. Está evidente a depredação da força de 
trabalho, a ampliação das jornadas, o uso intensivo do trabalho feminino e 
infantil e, inclusive, os baixos salários. No contexto brasileiro, Cardoso (2011) 
lembra que, “no pós-fordismo, tem-se constatado um aumento considerável do 
número de trabalhadores que recorrem ao Judiciário como forma de buscar 
uma solução para minimizar conflitos surgidos na relação contemporânea entre 
capital e trabalho”. 
1.1 O pioneiro na ideia de responsabilidade social 
Em 1914, Henry Ford, presidente e acionista majoritário da fábrica 
automobilística Ford Motor Company, sediada em Michigan (EUA), tomou três 
medidas que provocaram a ira dos acionistas: reverteu uma parte dos lucros 
com os trabalhadores da fábrica; aumentou salários e criou um fundo para 
fazer face à previsível redução das receitas devido à baixa dos preços do 
Modelo T. Os acionistas, revoltados porque Ford não estava distribuindo parte 
dos lucros exclusivamente com eles, abriram uma ação judicial contra a 
empresa no Tribunal do Michigan. Para se defender no tribunal, Ford 
argumentava: 
o propósito da empresa é fazer o máximo para todas as pessoas 
envolvidas, ganhem dinheiro e usem, criem emprego e desenvolvam 
 
 
5 
carros que as pessoas possam usar… e, por acaso, ganhem dinheiro. 
(Lopes, 2016) 
Essa ideia de que os negócios seriam um serviço prestado à 
comunidade foi ridicularizada pelo tribunal, dando ganho de causa aos 
acionistas. A Suprema Corte deferiu que uma empresa é organizada e 
orientada, primeiramente, para os lucros dos acionistas. Segundo a professora 
da Universidade Lusófona de Lisboa, Dra. Marta Lopes, esse acontecimento 
marcaria os anos seguintes da participação social das empresas: 
Henry Ford ficará na história dos transportes e na história da 
Responsabilidade Social Empresarial. No primeiro caso, por ter 
revolucionado o mercado automóvel, no segundo, por não ter 
conseguido implementar as medidas sociais que tinha como 
propósito. (Lopes, 2016) 
Saiba mais 
Assista ao filme Ford: o homem e a máquina – parte 1, uma biografia de 
Henry Ford: <https://www.youtube.com/watch?v=WQIz665YEHY&feature=yout
u.be>. 
TEMA 2 – TRABALHO E CONSUMO 
Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo e filósofo contemporâneo, se 
referia às grandes fábricas fordistas como a personificação completa da 
tendência à rotina dos estímulos e da reação aos estímulos. Consistia no 
direito de estabelecer leis infringíveis, vigiar para garantir que fossem 
cumpridas. Para Bauman, esse modelo de dominação exigia um compromisso 
recíproco e constante dos administradores e dos administrados (Porcheddu, 
2009). 
Figura 2 – Capacidade de trabalhar e produzir versus capacidade de consumir 
 
 
capacidade de 
trabalhar e 
produzir
capacidade 
de consumir
 
 
6 
Na história da escola de administração de empresas, estudiosos 
preocupados com os impactos provocados pelo sistema de produção em 
massa, nos relacionamentos e comportamento humanonas organizações, 
desenvolveram pesquisas para analisar, principalmente, a satisfação e 
necessidades dos trabalhadores e dos consumidores. Nesse sentido, duas 
teorias passam a ter destaque: a Teoria dos dois fatores e a Teoria da 
motivação humana. 
A Teoria dos dois fatores, publicada em 1968 no livro A Motivação para 
trabalhar pelo americano Frederick Herzberg, teve como objetivo analisar e 
identificar o que causava a satisfação e a insatisfação dos funcionários no seu 
ambiente de trabalho. Herzberg os classificou em dois fatores: fatores 
motivacionais, relacionados ao cargo ou à função desempenhada pelo 
trabalhador. Incluem liberdade no processo de decisão e execução das tarefas, 
gestão e autoavaliação de desempenho; fatores higiênicos, relacionados à 
infraestrutura e recursos disponíveis no local de trabalho, ao salário e 
benefícios sociais. (Camacho, citado por Periard, 2011). 
Herzberg concluiu que os fatores de insatisfação profissional nada 
tinham a ver com aqueles que influenciavam a satisfação dos 
trabalhadores. E que, os fatores que causavam a satisfação estavam 
relacionados à tarefa desempenhada, sua natureza, 
responsabilidade, promoção, etc. (Periard, 2011) 
Relacionando a Teoria dos dois fatores às diretrizes de responsabilidade 
social empresarial – ambos instrumentos das relações humanas nas 
organizações –, observa-se que os avanços sobre gestão de pessoas no 
ambiente interno trabalho são relativamente recentes, desde a perspectiva 
histórica. E ainda, que as temáticas atuais têm maior abrangência. 
O documento internacional de Diretrizes para Relato de Sustentabilidade 
da Global Reporting Iniciative (GRI-G4), na dimensão social aponta as 
seguintes categorias relacionadas aos trabalhadores/funcionários: práticas 
trabalhistas, trabalho decente, emprego e mecanismos de queixas e 
reclamações relacionadas a direitos humanos. Nesses temas, os aspectos a 
serem avaliados nas empresas são: 
benefícios concedidos a empregados de tempo integral que não são 
oferecidos a empregados temporários ou em regime de meio período; 
taxas de retorno ao trabalho e retenção após licença 
maternidade/paternidade; relações trabalhistas, saúde e segurança 
no trabalho, educação e desenvolvimento de carreira; diversidade e 
igualdade de oportunidades de acordo com gênero, faixa etária, 
 
 
7 
minorias; igualdade de remuneração entre mulheres e homens; 
avaliação de fornecedores em práticas trabalhistas; mecanismos de 
queixas e reclamações relacionadas a práticas trabalhistas; liberdade 
de associação e negociação coletiva; trabalho infantil; trabalho 
forçado ou análogo ao escravo; direitos dos povos indígenas e 
tradicionais. (As novas..., S.d.) 
Um exemplo da interação entre o poder público, empresas e sociedade 
civil, é o Prêmio de Responsabilidade Social, realizado pela Federação do 
Comércio do Rio Grande do Sul (FECOMÉRCIO-RS), instituído pela Lei n. 
11.440, de 2000 da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e que 
completou sua 18ª edição. Em 2017, o tema norteador foi “Equidade de 
gênero”: 
O Prêmio abrange cinco tipos de reconhecimento: o certificado, a 
medalha, o troféu de Responsabilidade Social, o Destaque RS, o 
Troféu Destaque e o Diploma Mérito Social [...] O objetivo é incentivar 
o envolvimento de instituições em práticas voltadas para o bem-estar 
da sociedade e a preservação do meio ambiente. (Prêmio..., 2017). 
A segunda teoria, relacionada às relações humanas e, por isso, também 
relevante para estudos em responsabilidade social empresarial, se refere à 
Teoria da motivação humana, também conhecida como hierarquia das 
necessidades de Maslow ou pirâmide de Maslow (Andrade, citado por Stadler, 
2012, p. 24). Essa teoria foi proposta pelo psicólogo norte-americano Abraham 
Maslow em 1954. 
Diferentemente da Teoria dos dois fatores, voltada para o público interno 
da empresa, a teoria de Maslow determina o que as pessoas necessitam para 
sua satisfação pessoal e profissional. 
Para Maslow, os seres humanos vivem para satisfazer as suas 
necessidades. Assim, classificou-as em dois tipos: necessidades 
primárias, onde se inserem as necessidades fisiológicas e de 
segurança e; necessidades secundárias, onde se inserem as 
necessidades sociais, autoestima e autorrealização. Assim, 
estabeleceu uma hierarquia onde, na base da pirâmide, estão as 
necessidades primárias para a sobrevivência humana. (Stadler, 2012, 
p. 24) 
O desenvolvimento de estudos comportamentais advindos da escola 
comportamental de administração vem contribuindo, cada vez mais, com 
elementos importantes de humanização para aprimorar as diretrizes da RSE, 
uma vez que um dos objetivos da responsabilidade social empresarial é a 
promoção e garantia da qualidade de vida no trabalho e da vida em sociedade. 
 
 
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TEMA 3 – VISÃO DE MILTON FRIEDMAN SOBRE A FUNÇÃO DAS 
EMPRESAS 
Na primeira semana de agosto de 2015, na qual o economista e 
ideólogo do livre mercado, Milton Friedman, completaria um século, o jornal O 
Globo inicia matéria com a seguinte frase: 
Milton Friedman, pai orgulhoso da miséria global”, acusavam 
camisetas de manifestantes do movimento Ocupem Wall Street.[...]. 
Na semana em que o mito de Chicago completaria um século, 
economistas americanos o absolvem, e alguns até mesmo apostam 
que suas ideias renascerão revigoradas da crise. Ideias estas que ele 
defendia em seus livros, artigos, em programas de televisão: a 
eficácia do livre mercado e o Estado não intervencionista. Ele 
também argumentava que, a longo prazo, a única coisa que a injeção 
desenfreada de moeda sustenta é a inflação. Assim nasceu o 
monetarismo, corrente de pensamento que lhe renderia o Nobel em 
1976. (Acusado..., 2012) 
Considerado um dos autores mais céticos em relação à empresa 
socialmente responsável, Milton Friedman (1977, citado por Pardini; Becattini; 
Dias, 2006) afirma: 
a função da empresa está associada à utilização dos recursos para 
maximizar o lucro dos acionistas. Mantendo-se fiel ao que caracteriza 
como as “regras do jogo”, Friedman argumenta que as regras visam 
limitar as ações daqueles que objetivam fraudar os acionistas e os 
credores das organizações, uma vez que, elas asseguram o respeito 
à dinâmica competitiva que rege a concorrência no mercado. 
Na obra Liberdade para escolher, Milton Friedman (1979) relata que, 
após a Grande Depressão dos anos 1930, a ênfase na responsabilidade do 
indivíduo pelo seu próprio destino foi substituída pelas ações filantrópicas das 
corporações. Isso num cenário de pobreza generalizada e sensibilidade de 
alguns empresários para diminuir os impactos provocados pela revolução 
industrial. Sobre esse assunto, a pesquisadora Guimarães aponta que, ao fazer 
um exame dos primórdios da industrialização, é possível ver o papel social das 
empresas e a dificuldade de recrutamento dessa primeira geração de mão de 
obra fabril: 
Os industriais recorriam frequentemente à assistência pública, onde 
as autoridades paroquiais vendiam as crianças para que essas se 
tornassem aprendizes nas fábricas, livrando assim a administração 
municipal do encargo de sustentar esses menores abandonados. 
Enquanto restava aos trabalhadores alguma outra forma de trabalho, 
eles resistiam a se empregarem nas fábricas. Mas, com o 
desenvolvimento do capitalismo e a crescente especialização do 
processo produtivo, cada vez mais se restringiu o espaço para ofícios 
 
 
9 
independentes. Para a grande maioria dos trabalhadores, a escolha 
passou a ser entre morrer de fome ou ir para a fábrica. Esse ponto 
revela toda a fragilidade do mito da liberdade individual, tão 
propagado na nossa sociedade. (Guimarães, 1984) 
Em seu estudo, a autora debate sobre a relação entre osobjetivos dos 
negócios e a responsabilidade social. E posiciona Milton Friedman como um 
expoente da corrente que assume a postura tradicional, em que a única função 
da empresa é gerar lucros e dividendos para os acionistas. Sua missão é 
meramente econômica e “a responsabilidade social seria a maior 
irresponsabilidade em termos empresariais” (Guimarães, 1984). A 
argumentação de Friedman baseia-se nos seguintes termos: 
 o objetivo das empresas numa economia de mercado, onde a 
competição é muito acirrada, é a maximização dos lucros; 
 as ações dos executivos das empresas devem ser sempre 
voltadas para o objetivo do lucro, de forma a melhor remunerar os 
acionistas; 
 investimento por parte da empresa na área social, para qualquer 
tipo de público (interno ou externo, empregados ou a sociedade) é 
uma forma de lesar os acionistas, de diminuir seus ganhos; 
 procedendo com responsabilidade social a empresa estará se 
autotributando e, ao invés de ser elogiada, deveria ser 
processada. (Guimarães, 1984) 
Milton Friedman é reconhecido como o economista mais representativo 
do livre mercado, recebendo o título de representante do liberalismo clássico, 
ou seja, que enfatiza os valores individuais da liberdade de escolha. Segundo 
Alcides Leite, comentando sobre o que é liberalismo, afirma que para os 
liberais clássicos, liberdade, propriedade privada e livre mercado estão 
intimamente ligados. E refere que: 
o sistema econômico, baseado na propriedade privada, seria o único 
compatível com a liberdade individual. Se as pessoas não são livres 
para realizar contratos e vender seu trabalho, elas não são realmente 
livres. Por outro lado, a propriedade privada seria o único meio efetivo 
de proteção da liberdade. A distribuição do poder que resulta da 
economia de livre mercado, baseada na propriedade privada, protege 
a liberdade do indivíduo frente ao poder do estado (Leite, 2013). 
Saiba mais 
Para saber mais, assista ao vídeo no qual Milton Friedman é 
entrevistado por Richard D. Heffner, historiador americano, radialista e 
professor universitário de comunicações e políticas públicas, no programa The 
Open Mind na Rutgers, Universidade Estadual de Nova Jersey (1975): 
<https://youtu.be/YDz8AHmr8So>. 
 
 
10 
TEMA 4 – O LUCRO E A RSE 
Considerando que a finalidade essencial do sistema capitalista é a 
obtenção do lucro por meio da produção e consumo de mercadorias, a 
exploração do trabalho é a ferramenta. Do ponto de vista da exploração do 
trabalho na época da escravidão, o trabalhador, ou seja, o escravo não obtinha 
nenhum benefício pela sua mão de obra. No período feudal, o feudo também 
não recebia nenhum benefício. Ou seja, todos trabalhavam para seus senhores 
sem receber nada em troca. Segundo Huberman (1982), na sociedade 
capitalista quem não é dono dos meios de produção só pode ganhar a vida 
empregando-se e, em troca, recebendo salários: 
A diferença é que, assalariados são homens livres, vendem sua 
capacidade de trabalhar, sua força de trabalho. E se pergunta: por 
qual preço deve esse trabalhador livre vender sua mercadoria, ou 
seja, qual é o valor de sua força de trabalho? 
Huberman (1982, p. 231) apresenta a questão da seguinte forma: 
o operário receberá em troca de sua capacidade de trabalho, salários 
que serão apenas o suficiente para sua própria manutenção e da sua 
família, comprar um carro, uma tv, uma entrada ao cinema, 
ocasionalmente. Pois o valor de sua força de trabalho, como a das 
mercadorias, é o total necessário para garantir a manutenção da vida. 
A relação entre trabalho e consumo sempre se relacionou aos senhores 
industriais, detentores do mercado que usam suas fábricas para produzir o 
máximo de mercadorias e uma das grandes consequências foi a falta de 
capacidade de consumo interno. Foi então quando os industriais passaram a 
vender os excedentes de produção para outros países, no início dos anos 
1930: 
Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica e Itália 
abriram mercados em países africanos. A África era um ótimo 
mercado para os artigos excedentes e, ao mesmo tempo, rica fonte 
de matérias-primas como a borracha, petróleo, nitratos, açúcar, 
minerais, ouro, algodão, alimentos tropicais. Os donos das industrias 
viram aí possibilidades de controlar e possuir as fontes desses 
recursos. (Huberman, 1982. p. 261) 
Em 1916, Lênin, discípulo de Karl Marx, já havia escrito o livro 
Imperialismo, no qual fazia severas críticas: 
enquanto o capitalismo continuar capitalismo, o capital excedente não 
será usado com o objetivo de elevar o padrão de vida das massas, 
pois isso significaria uma queda nos lucros dos capitalistas: ao invés 
disso será usado para aumentar os lucros pelas exportações do 
 
 
11 
capital para o exterior, para os países atrasados (Huberman, 1982. p. 
262) 
E foi assim que aconteceu, relata Huberman (1982): 
países africanos, ricos em recursos naturais, porém carentes de 
estradas de ferro, eletricidade, rodovias, gás, derivados de 
combustíveis, fizeram concessões. Foi nesses países que os 
industriais investiam o capital excedente porque eram oportunidades 
para investimentos lucrativos. 
A economia de mercado fez surgir o que modelo capitalista mais deseja: 
o capital excedente, ou seja, o excesso de capital. Esse modelo se torna 
extremamente fortalecido pelos anos de 1980, época em que passa a receber 
o nome de globalização. Segundo artigo publicado por Enabe (2012), o 
fenômeno da globalização, fortemente impulsionado pelas forças do livre 
mercado, inovações tecnológicas, trocas econômicas entre países e regiões, 
pôs em xeque o regime fordista de desenvolvimento nos países 
centrais e asseverou os desafios do próprio crescimento econômico, 
mas, sobretudo, da democracia e dos déficits de inserção social nos 
países em desenvolvimento. 
[...] 
Dentro deste contexto, surgem as ações empresariais para contrapor 
este modelo, através de ações de responsabilidade social como uma 
forma de enfrentamento as questões sociais que permeiam a 
sociedade brasileira, pois neste caso a sociedade de uma forma 
ampla entende que não é mais possível conviver com o paradoxo de 
importantes inovações tecnológicas, de um lado, e a degradação da 
vida humana, de outro. (Enabe, 2012) 
A visão de uma empresa sobre suas responsabilidades está relacionada 
com sua política de governança e diretrizes de gestão organizacional. Sendo 
assim, avaliar o desempenho da empresa quanto a suas responsabilidades 
corporativas requer a análise equilibrada das responsabilidades econômicas, 
ambientais e sociais, resultando no tripé da sustentabilidade, como vimos na 
primeira aula desta disciplina. Seguindo essa análise, os objetivos empresariais 
transcenderiam os aspectos mensuráveis de fatores de produção que, na visão 
de Shivastava (citado por Ashley, 2002, p. 29), “transitariam do paradigma 
antropocêntrico – onde a empresa é o centro de tudo, para o ecocêntrico – no 
qual o meio ambiente é o mais importante e, a empresa e as pessoas, se 
inserem nele”, conforme mostra a Figura 3: 
 
 
 
 
12 
Figura 3 – Mudança na administração das empresas 
 
TEMA 5 – PERSPECTIVAS SOCIOAMBIENTAIS E SUA CRÍTICA À SOCIEDADE 
CAPITALISTA 
 A abordagem tradicional de gestão empresarial tem como principais 
premissas a mercantilização das relações sociais, a competição como conduta 
primária para as relações de produção e consumo e a relação de apropriação 
da natureza pelo ser humano e antropocentrismo (Ashley, 2002, p.29). 
Na abordagem voltada para a responsabilidade social, Ashley propõe a 
gestão ecocêntrica, na qual descentraliza a empresa como foco, quanto às 
relações de produção e consumo nas coletividades humanas e apresenta comouma de suas principais premissas, a interdependência e o desempenho 
ecológico das comunidades organizacionais, entendidas como ecossistemas 
industriais (Ashley, 2002, p. 30). O quadro comparativo apresentado a seguir 
mostra importantes características dessas duas abordagens: 
Quadro 1 – Gestão tradicional versus gestão ecocêntrica (RSE) 
 
(continua) 
 
 
 
13 
(continuação do Quadro 1) 
 
Fonte: Shrivastava, citado por Ashley, 2005. p. 31. 
 Na gestão da responsabilidade social, considerar os aspectos sociais, 
políticos, econômicos, ambientais e legais presentes nas relações de 
transparência, interação e comprometimento com os stakeholders da empresa 
é um passo necessário para posicionar a orientação estratégica. 
 O sistema de avaliação de desempenho deve estar relacionado ao 
modelo ou diretrizes que a empresa escolhe. Por isso, é necessário conhecer a 
empresa. Para isso, disponibilizamos o Roteiro básico para diagnóstico de 
responsabilidade social empresarial (RSE) no Quadro 2, a seguir. 
Quadro 2 – Roteiro básico para diagnóstico de responsabilidade social 
empresarial (RSE) 
 
 
 
 
14 
NA PRÁTICA 
Esta aula apresentou uma visão ampla e conceitual a respeito da 
responsabilidade social, principalmente se analisarmos a função das empresas. 
A atividade proposta é utilizar Roteiro básico para diagnóstico de RSE 
para analisar uma empresa. 
Passos para resolver: 
1. Decidir qual empresa quer analisar; 
2. Aplicar as perguntas do roteiro básico; 
3. Fazer a análise das respostas. 
A síntese de uma resolução: 
1. Pesquisar na internet ou escolher uma empresa familiar, ou ainda, na 
qual trabalha; 
2. Escolher um gestor estratégico na empresa para responder às 
perguntas; 
3. Após análise das respostas, observar o perfil da empresa, 
correlacionando com os conteúdos da aula. 
FINALIZANDO 
Durante a aula, vimos o que é o modelo fordista de produção e as 
relações entre trabalho e consumo estabelecidas pelo modelo capitalista. 
Vimos também a visão de um economista conhecido como um dos mais 
acirrados defensores da liberdade de mercado, Milton Friedman e sua visão 
sobre a função das empresas. Vimos também análises de outros autores a 
respeito das teorias de Friedman. Por último, estudamos a mudança de 
paradigma na administração das empresas, da gestão tradicional para a gestão 
ecocêntrica, sendo esta última considerada um dos valores da RSE. Além 
disso, disponibilizamos o Roteiro básico para diagnóstico de responsabilidade 
social empresarial (RSE). 
 
 
 
15 
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