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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS CURSO BACHAREL EM MEDICINA VETERINÁRIA BRUNNA MARTINS DE MELLO DEFORMIDADE FLEXURAL CONGÊNITA DA ARTICULAÇÃO METACARPOFALANGEANA EM UMA BEZERRA BOA VISTA, RR 2018 BRUNNA MARTINS DE MELLO DEFORMIDADE FLEXURAL CONGÊNITA DA ARTICULAÇÃO METACARPOFALANGEANA EM UMA BEZERRA Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito para obtenção de grau de Bacharel em Medicina Veterinária pelo Departamento em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Roraima. Orientador: Profª. Drª. Érika Fernanda Villamayor Garcia. BOA VISTA, RR 2018 Dedico todo meu esforço para concluir esse curso inteiramente à Minha Família (Mãe, meu irmão/pai Rodrigo, irmã Lidiane e todos que me apoiaram). AGRADECIMENTOS Agradeço a minha mãe, Claudete Martins de Mello, pelo apoio, força e incentivo que sempre me deu, por sempre estar ao meu lado, acreditando no meu potencial e investindo no meu futuro. Sou intensamente grata pelo amor que sente por mim e por tudo que fez e faz sem medir esforços. Ao meu irmão e irmã que amo demais, Rodrigo e Lidiane Martins de Mello, que sem eles, esse sonho não estaria se realizando. E também a minha eterna cunhada, Marcia Phelipe, por todo o amor e carinho que tem comigo. Sou muito grata a todo apoio e ensinamentos que recebi acompanhando o veterinário Marcus Vinícius Moraes e também a Drª Adriana Casselli que foram fundamentais para toda a minha base prática. Agradeço a minha Orientadora Profª Drª. Érika Fernanda Villamayor Garcia, pela orientação e desenvolvimento desse trabalho, pela amizade, por ser uma excelente orientadora e “mãe”, ótima profissional e uma inspiração para mim, principalmente como professora e cirurgiã. Agradeço também todos os outros professores do curso de Medicina Veterinária, aos quais contribuíram para meu ensino. Agradeço pelos conhecimentos que obtive estagiando na Clínica Veterinária VetLab, a qual foi um período onde mais tive mais noção da realidade do que é ser veterinário fora da universidade. Agradeço a todos aos meus amigos que conquistei ao longo do curso (em especial Fernanda Almeida, Nathalia Macedo, Maíra Escobar, Dalila Bortolini), pela ajuda, companheirismo, estudos, risos (que foram muitos), conselhos, bebidas, e outras emoções que se podem ter durante a graduação. Por fim, agradeço a Deus por todas as oportunidades que tivesse na vida e pelas pessoas o qual ELE colocou o meu caminho. Sou muito grata por tudo e por todos. RESUMO Deformidades flexurais congênitas e adquiridas são observadas esporadicamente em bezerros, geralmente ocorrem nos membros torácicos e bilateralmente. A contratura congênita dos tendões flexores manifesta-se pela excessiva flexão da articulação metacarpofalangeana. Objetiva-se com esse trabalho relatar o caso de uma bezerra com deformidade flexural congênita. Foi atendido um bovino, fêmea, mestiço de Girolando, 7 dias de vida, apresentando grave flexão da articulação metacarpofalangeana de ambos os membros. Segundo o responsável pelos animais, o animal apresentava dificuldade em levantar-se desde o nascimento. Ao exame clínico foi diagnosticado deformidade dos tendões flexores nos membros torácicos. O animal foi encaminhado para correção cirúrgica pela técnica de tenotomia do tendão flexor superficial e do profundo dos dedos. Após sedação e posicionamento do animal em decúbito lateral, foi feito tricotomia, antissepsia e anestesia local. Realizou-se incisão longitudinal de 5cm na face lateral do terço médio na região metacarpeana. Pele e fáscia foram seccionadas e, com auxílio de tesoura de Mayo, elevou-se e identificou-se o tendão flexor superficial e o profundo dos dedos, seccionando-os. Procedeu-se sutura de pele com pontos padrão Wolff, utilizando náilon 2-0. Foi administrado penicilina 10.000 UI/kg IM, flunixim meglumine 1,1mg/kg uma vez/dia por 3 dias IM e oxitetraciclina 2g diluída em 250ml de solução fisiológica IV lenta uma vez/dia por 3 dias. Realizou-se curativo diariamente e após 10 dias retirou-se os pontos. No dia seguinte ao procedimento, foi visualizado apoio dos cascos em região de pinça. Após 9 dias foi observado apoio total da sola do casco. A tenotomia dos tendões flexores no presente caso resultou em melhora clínica da deformidade flexural congênita e o paciente recebeu alta ao final do tratamento. Palavras-chave: Alteração congênita. Articulação. Bezerro. Cirurgia. ABSTRACT Flexural congenital and acquired deformities are observed sporadically in calves, usually occur in the thoracic limbs and bilaterally. Congenital Contracture of the flexor tendons is manifested by excessive flexion of the joint metacarpofalangeana. The objective of this work is report the case of a female cattle with congenital flexural deformity, breed of Girolando cattle, 7 days of life, showing severe flexion of the joint metacarpofalangeana of both members. According to the person responsible for the animals, the animal had difficulty in getting up since birth. The clinical examination was diagnosed deformity of the flexor tendons thoracic limbs. The animal was submitted to surgical correction by the technique of tenotomy of superficial digital flexor tendon and the deep. After sedation and placing the animal in right lateral decubitus, was done trichotomy, antisepsis and local anesthesia. Held 5cm longitudinal incision on the lateral surface of the medial third in the metacarpal region. Skin and fascia were sectioned, with the aid of Mayo scissors, rose, and identified the superficial digital flexor tendon and the deep, sectioning them. Held-to skin suture with standard points Wolff, using nylon 2-0. Penicillin was administered 10,000 IU/kg IM, flunixim meglumine 1,1mg/kg once/day for 3 days IM and oxytetracycline 2g diluted in 250ml physiological saline IV slowly once/day for 3 days. Healing was performed daily and after 10 days withdrew the points. On the day following the procedure, was displayed support of hooves in region of caliper. After 9 days was observed total support from the sole of the hoof. Keywords: Congenital alteration. Articulation. Cattle. Surgery. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Anatomia dos tendões e ligamentos da parte distal do membro torácico. ..................................................................................................................... 12 FIGURA 2 - Animal apresentando a deformidade da articulação metacarpofalangeana (setas azul). ........................................................................... 17 FIGURA 3 - Animal posicionado em decúbito lateral evidenciando a deformidade flexural do membro torácico. ..................................................................................... 18 FIGURA 4 - Bloqueio anestésico local utilizado em ambos os membros. ................. 18 FIGURA 5 - Localização e secção do tendão flexor profundo dos dedos (seta preta). ........................................................................................................................ 19 FIGURA 6 – Bandagens colocadas nos membros torácicos do animal para auxiliar na correção dos membros. ........................................................................................ 19 FIGURA 7 – Exposição do tendão flexor superficial dos dedos (seta preta). ............ 20 FIGURA 8 – A: Primeiro dia após a cirurgia apresentando dificuldade para apoiar o membro torácico direito (seta azul). B: Cinco dias após o segundo procedimento já havia um bom apoio sobre as pinças dos cascos (seta azul).................................... 21 FIGURA 9 – Animal com nove dias de pós-operatório, pronta para alta médica. ..... 21 FIGURA 10 – A: Um mês após a alta médica, apresentando boa recuperação (seta branca). B: Nove meses após a alta médica, o animal não apresenta nenhum sinal da deformidade flexural metacarpofalangeana. ........................................................ 22 LISTA DE ABREVITURAS AINEs Antiinflamatório Não Esterioidal (is) BID Duas vezes ao dia SID Uma vez ao dia IV Via intravenosa IM Via intramuscular VO Via oral SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10 2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................ 11 2.1. ANATOMIA E FISIOLOGIA DOS TENDÕES E LIGAMENOS .................... 11 2.1.1. Estrutura ............................................................................................................... 11 2.1.2. Suprimento Sanguíneo .............................................................................. 13 2.2. DEFORMIDADE FLEXURAL DA ARTICULAÇÃO ..................................... 13 2.2.1. Tratamento .................................................................................................... 15 2.3. TENOTOMIA .............................................................................................. 15 3. RELATO DE CASO .......................................................................................... 17 4. DISCUSSÃO..................................................................................................... 23 5. CONCLUSÃO ................................................................................................... 25 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 26 10 1. INTRODUÇÃO A função do aparelho locomotor é o trabalho mecânico, onde ossos e músculos são os principais elementos desse sistema orgânico complexo. Sem eles não seria possível o sistema de movimento, estabilidade e suporte (KÖNIG e LIEBICH, 2011). Existem numerosas doenças no sistema locomotor em animais de fazenda, que vão desde afecções raras de origem genética, a doenças adquiridas tais como artrite séptica e fraturas. Bezerros podem apresentar deformidade flexural congênita ou adquirida. Essa deformidade congênita é vista entre a primeira e segunda semana de vida do animal (DUCHARME, 2004). Deformidades flexurais são definidas como hiperflexão ou hiperextensão de um membro. Elas são nomeadas pela articulação envolvida, normalmente sendo: articulação interfalangeana distal, metacarpofalangeana ou articulação metatarsofalangeana, do carpo e raramente do tarso. Embora comumente descrita como "tendões contraídos", os próprios tendões não estão realmente contraídos, mas sim mais curtos em relação ao osso adjacente. Essas deformidades são muito comuns em cavalos e bovinos. Pequenos ruminantes e os camelídeos são menos afetados. (DABAREINER e CHESEN, 2009). O tratamento pode ser clínico, com o uso de talas e AINEs, ou tratamento cirúrgico com a secção dos tendões flexores superficial e profundo dos dedos. Em bezerros e potros, o método cirúrgico é utilizado em casos graves ou quando os animais não respondem bem ao tratamento clínico (KIDD, 2012; DUCHARME,2004). O uso de tetraciclinas como coadjuvante se tornou popular e comum no tratamento de deformidades flexurais, pois elas auxiliam no relaxamento muscular (KIDD, 2012). O objetivo deste trabalho é relatar um caso de deformidade flexural congênita na articulação metacarpofalangeana em uma bezerra, de aproximadamente 1 semana de idade, mestiço da raça Gir Leiteiro. 11 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. ANATOMIA E FISIOLOGIA DOS TENDÕES E LIGAMENOS 2.1.1. Estrutura O tendão nada mais é do que uma ligação branca entre músculo e osso, semelhante a uma corda. Ele é formado pela união de diversas bainhas de tecido conectivo no músculo que se alongam para além da extremidade do músculo. Possui a função de unir músculo e osso e transferir a força gerada por contração do ventre muscular para o osso que está ligado. Em seu local de fixação, as fibras tendíneas seguem até o periósteo, chamadas de fibras de Sharpey. Eles possuem uma força tensora muito maior que as dos músculos, devido ao seu alto conteúdo de colágeno e baixo conteúdo elástico (KÖNIG e LIEBICH,2011). Mamíferos tem os tendões formados por unidades dispostas longitudinalmente chamadas de fascículos, os quais são constituídos por fibrilas de colágeno tipo 1, à base de proteoglicanos, fibras elásticas, glicoproteínas, íons e água. Essas fibrilas são estruturas cilíndricas de fundamental importância para a resistência à tração em um tendão (MCLLWRAITH, 2006). O epitendão é uma camada de tecido conjuntivo frouxo que reveste intimamente a superfície do tendão. Já o endotendão está localizado entre os feixes tendíneos e conduz vasos sanguíneos, linfáticos e nervos. O tendão é envolvido por uma bainha de tecido conjuntivo frouxo do paratendão, para que não haja atrito durante sua movimentação. Essa bainha pode ser comparada a uma cápsula articular, com uma membrana sinovial interna e uma bainha externa fibrosa (MCLLWRAITH, 2006). O boleto do bovino é formado por duas articulações metacarpofalangeanas em dobradiça, consistindo da tróclea, que é formada pelas extremidades distais dos ossos metacarpais III e IV, da face articular da primeira falange e pelos dois sesamoides proximais. Cada articulação possui suas próprias cápsulas articulares e suas bolsas, onde estas cápsulas possuem revestimento com fibrocartilagem. A bolsa dorsal projeta-se proximalmente entre os ossos metacarpais e os tendões dos músculos extensores comum e lateral dos dedos. Já a bolsa palmar projeta-se proximalmente entre os ossos metacarpais, o músculo interósseo e os tendões flexores dos dedos (KÖNIG,2011). Essa articulação é composta pelos ligamentos interdigital proximal; ligamentos colaterais axial e abaxial; ligamentos sesamóides 12 proximal, médio e distal; ligamentos palmares medial e lateral; ligamento intersesamoide interdigital; ligamentos sesamoides colaterais; ligamentos sesamoides cruzados; ligamentos falangossesamoides interdigitais; ligamentos sesamoides oblíquos (KÖNIG e LIEBICH,2011). O músculo interósseo médio, é quem sustenta a articulação metacarpofalangeana proximalmente. Ele se divide em parte média (subdivide-se em dois ramos para alcançar os sesamoides proximais axiais e um ramo interdigital para cada dedo) ramo lateral e medial (lança um ramo superficial para os tendões extensores através dos ossos sesamoides proximais abaxiais) e ramo forte, o qual divide-se em ramo medial e lateral, que irão se encontrar distalmente com o tendão flexor superficial dos dedos, dando origem a bainha que envolve o tendão flexor profundo dos dedos (KÖNIG e LIEBICH,2011). Os tendões flexores superficial e profundo dos dedos, também chamados de flexores digitais, são superficiais ao músculo interósseo médio (figura 1). Próximo à metade do metacarpo ele gera uma faixa que se junta ao tendão flexor superficial dos dedos e compete, próximo ao boleto, na constituição do anel para o tendão flexor profundo dos dedos. Logo depois divide-se em três ramos e mais à frente em cinco ramos (GETTY, 1986). FIGURA 1 - Anatomia dos tendões e ligamentos da parte distal do membro torácico. FIGURA 1- Anatomi a dos tendões e ligamentos da parte distal do membro tor ácico. Fonte: Anatomia dos animais domésticos: Texto e atlas colorido. 13 2.1.2. Suprimento Sanguíneo O suprimento sanguíneo dos tendões pode ser feito por quatro fontes: pelo paratendão (se não houver bainha), músculo ou osso onde se liga, pelo mesotendão ou por uma faixa de uma bainha sinovial (MCLLWRAITH, 2006). O tendão flexor superficial dos dedos e o tendão flexor profundo são supridos por dois grandes ramos, sendo o primeiro da artéria e veia medianas e nervo mediano. Logo depois, dá-se origem proximalmente às falanges, a artéria e veia digitais palmares comuns e nervo III. O segundo ramo origina-se pela artéria colateral ulnar e, proximalmente às falanges, a artéria e veia digitais palmares comuns e nervo IV (KÖNIG e LIEBICH,2011). O suprimento nervoso se dá pelos nervos ulnar e as vezes pelos nervos medianos (GETTY, 1986). 2.2. DEFORMIDADE FLEXURAL DA ARTICULAÇÃO As deformidades flexurais em bezerros e potros podem ter origem congênita ou adquiridas. As de origem congênita aparecem entre a primeira e segunda semana de vida, frequentemente são observadas em raças leiteiras, ocorrendo principalmente nos membros torácicos de forma bilateral (DUCHARME, 2004; WEAVER et al, 2005; ANDERSON, 2008, KIDD, 2012). Deformidades flexurais são comuns em potros em crescimento e podem ser classificadas como hiperflexão ou hiperextensão (KIDD, 2012). Outras anormalidades congênitas podem vir a acontecer simultaneamente com a deformidade flexural, como fenda palatina, nanismo e artrogripose. Bovinos adultos que apresentam anomalias congênitas relacionadas a articulações podem ter uma condição hereditária e deve-se evitar a reprodução desses animais (DUCHARME, 2004). As deformidades flexurais congênitas são causadas por inúmeros fatores. Segundo Dabareiner e Chesen (2009), o posicionamento intrauterino não é uma causa comum de deformidade flexural nos membros. A exposição da égua e da vaca durante a gravidez à doenças e agentes teratogênicos é a causa mais provável de deformidades congênitas. A deformação flexural raramente é adquirida, sendo observada em bezerros mais velhos e é comumente unilateral, ocorrendo secundariamente a uma doença ou lesão ortopédica grave, em que o animal não consegue aguentar nenhum tipo de peso no membro afetado. A deformidade varo e 14 do carpo do membro contralateral é evidência de excesso de peso. A deformidade crônica está associada a ulcerações na pele sobre o dorso do membro afetado, com a ferida se estendendo até a articulação, resultando em uma artrite séptica (WEAVER et al, 2005; DABAREINER e CHESEN, 2009) Em bezerros, essa alteração pode ter uma apresentação de grau leve, com discretas deformações nos metacarpos, onde há mínima flexão dos boletos e pequena dificuldade de locomoção. Em grau moderado, há uma maior flexão da articulação e o casco não possui alinhamento com o chão. Já em grau severo, os bezerros têm encurtamento do metacarpo, afetando com o tempo as falanges, porém, raramente afeta o carpo. Em consequência da gravidade, os bezerros mal conseguem ficar em estação e caem. Eles possuem uma imunidade mais baixa devido à dificuldade de obtenção de colostro (DUCHARME, 2004; WEAVER et al, 2005; ANDERSON, 2008). Os proprietários relatam que os bezerros nascem com esta condição ou desenvolvem-na dentro de alguns dias ou até uma semana após o nascimento. Há um desgaste anormal do casco devido a incapacidade de extensão da articulação metacarpofalangeana, onde mesmo com o esforço no processo de caminhar, o animal fica em decúbito esternal ou lateral. Dependendo da situação do local e da cronicidade da doença, os bezerros afetados que acabam não tendo uma alimentação muito boa e podem ter uma condição corporal ruim (DUCHARME, 2004; ANDERSON, 2008). O diagnóstico pode ser facilmente feito pela posição anormal e flexionada do membro afetado (FAZILI, 2014). É realizado durante a inspeção por meio da observação de anormalidades nas articulações quando flexionadas durante o exame físico do animal. Utiliza-se a palpação na tentativa de identificar uma causa para a deformidade, que pode variar de um inchaço da articulação, ruptura do tendão extensor a outras lesões ortopédicas. Deve-se flexionar e estender o membro afetado para identificar uma tensão excessiva e firmeza em ambos os tendões flexores (DUCHARME, 2004; WEAVER et al, 2005). O uso de radiográfias pode ajudar a identificar alterações e má formações ortopédicas raras que podem ser a causa primária da deformidade flexural (DUCHARME, 2004). Dabareiner e Chesen (2009) dividem o diagnóstico nas duas vertentes da doença, a forma congênita ou inata, e a forma adquirida, porém o diagnóstico de ambas é o mesmo, observando se há uma doença ortopédica primária e se o animal nasceu ou não com o problema de flexão das articulações. 15 2.2.1. Tratamento O tratamento para a deformidade flexural em bezerros depende muito da forma apresentada. O tratamento para bezerros que possuem quadros moderados depende se os membros afetados podem ser aprumados manualmente para que o mesmo possa andar, utilizando uma tala para imobilização. O tratamento médico é indicado quando não há anomalia ortopédica predisponente e o membro pode ser estendido manualmente para que a sola do casco possa tocar o solo (DUCHARME, 2004). Trauner e colaboradores (2011) relataram um caso onde optou-se pelo tratamento médico mediante a uilização de talas de PVC em um bovino macho com 11 dias de idade, da raça Red Angus, apresentando deformidade flexural metacarpofalangeana em ambos os membros. As talas eram remoldadas a cada três dias para o aumento gradativo do grau de extensão. Ao final do tratamento, o animal apresentou visível melhora no apoio dos membros torácicos e os autores concluíram que a técnica utilizada foi eficiente. A correção cirúrgica é indicada quando os bezerros não respondem a imobilização ou não conseguem ainda suportar seu próprio peso. A deformidade flexural metacarpofalângica é tratada seccionando sequencialmente o tendão flexor superficial, o flexor digital profundo e o ligamento suspensor até que a deformidade desapareça. O número de tendões seccionados é decidido durante a cirurgia (DUCHARME, 2004). A bandagem e a imobilização do membro devem ser feitas até que o animal esteja andando normalmente no pós-operatório (RASHMI, 2018). 2.3. TENOTOMIA Esta cirurgia é indicada para casos de deformidade da articulação metacarpofalangeana que não obtiveram êxito, com intuído de salvar o animal para fins reprodutivos ou animal de estimação. Essa afecção acomete o tendão flexor digital superficial e profundo, podendo chegar até o ligamento suspensor. O intuito da tenotomia bem-sucedida é o alinhamento normal do boleto. Esta técnica pode ser realizada com analgesia local ou com anestesia geral (HENDRICKSON, 2010). Primeiramente o paciente é tranquilizado com a administração de xilazina na dose de 0,1mg/kg pela via IM associado a uma anestesia infiltrativa no sítio cirúrgico. O 16 bezerro é colocado sob decúbito lateral com membro afetado para cima (DUCHARME, 2004). A área mesometacarpiana é preparada para o procedimento. Os instrumentais cirúrgicos utilizados são: um cabo de bisturi com lâmina com ponta romba e pinças auxiliares. Há duas técnicas, uma sendo feita às cegas com uma incisão firme com lâmina de bisturi e a outra com visualização direta. Esta segunda técnica, inicia com uma incisão cutânea de 2cm sobre a junção dos tendões flexores digitais superficial e profundo na altura do metacarpo. Incisa-se o paratendão, e com pinças faz-se a separação do tendão flexor digital superficial do profundo, tornando óbvio o plano de clivagem. Posteriormente a separação dos tendões, o tendão em questão é incisado com bisturi. Após a tenotomia, a pele é suturada com fio inabsorvível. Um curativo estéril deve ser colocado sobre a incisão, fechando com atadura da altura do metacarpo proximal até o distal. A fenilbutazona (1-2g) é utilizada para facilitar o retorno a função, com auxílio de exercícios. Após 10-12 dias da cirurgia, as suturas são retiradas junto com as ataduras. O prognóstico é reservado e com processo doloroso (HENDRICKSON, 2010). A profilaxia antibiótica é realizada de forma opcional, mas o animal deve receber AINEs (por exemplo, flunixina meglumina 1 mg / kg SID IV ou ácido acetilsalicílico 100mg / kg BID VO) no pré-operatório e por 2 a 3 dias após a cirurgia. Além disso, oxitetraciclina IV (3g em 250ml de solução fisiológica) pode ser utilizada para relaxar os músculos e uma correção mais rápida do membro afetado. As tetraciclinas são nefrotóxicas em bezerros quando aplicadas em altas doses (DUCHARME, 2004). 17 3. RELATO DE CASO Foi atendido no Campus de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Roraima, uma bezerra mestiça da raça Gir Leiteiro que nasceu com as “mãos deformadas”, segundo o responsável pelos animais. Ao exame físico, observou-se que o animal não conseguia se locomover normalmente, apoiando a região dorsal do boleto para sua movimentação (figura 2). Por esse motivo, o local de apoio apresentava lacerações devido ao contato com o solo. Durante o exame de extensão e flexão, foi observada a rigidez da articulação metacarpofalangeana de ambos os lados, impossibilitando sua extensão. FIGURA 2 - Animal apresentando a deformidade da articulação metacarpofalangeana (setas azul). Fonte: Arquivo pessoal A bezerra foi diagnosticada com deformidade flexural bilateral da articulação metacarpofalangeana com uma semana de vida, onde o tratamento eleito foi cirurgia, a qual foi realizada na semana seguinte. Optou-se por realizar tenotomia do tendão flexor profundo dos dedos. O animal recebeu como medicação pré- anestésica xilazina (0.1 mg/kg IM). Posteriormente, a bezerra foi colocada em cima da mesa, posicionada em decúbito lateral e realizadas as tricotomias das regiões metacarpais de ambos os membros torácicos (figura 3). A antissepsia foi realizada com clorexidine e sem seguida a aplicação bloqueio local da área de incisão com lidocaína 2% (figura 4). 18 FIGURA 3 - Animal posicionado em decúbito lateral evidenciando a deformidade flexural do membro torácico. Fonte: Arquivo pessoal. FIGURA 4 - Bloqueio anestésico local utilizado em ambos os membros. Fonte: Arquivo pessoal. Realizou-se uma incisão, de aproximadamente cinco centímetros de comprimento na face lateral do terço proximal da região metacarpiana. Foram seccionados os planos de pele, fáscia subcutânea e bainha tendínea e em seguida, localizou-se o tendão flexor profundo dos dedos. Após a exposição do tendão, com o 19 auxílio de uma pinça hemostática, foi realizada a tenotomia do mesmo em amos os membros (figura 5). FIGURA 5 - Localização e secção do tendão flexor profundo dos dedos (seta preta). Fonte: Arquivo pessoal. Em seguida, foram realizadas suturas de pele com náilon 2-0 com ponto padrão Wolff. Procedeu-se com a higienização do local e a colocação dos curativos com gaze e ataduras para que as sujidades do ambiente não causassem uma infecção. Para o pós-operatório foi prescrito flunixim meglumine (1,1mg/kg) durante três dias e benzilpenicilinas (10.000 UI/kg) em dose única, ambas por via intramuscular. Também foi administrado oxitetraciclina, 2g diluídas em 250ml de solução fisiológica via intravenosa durante 3 dias. A troca do curativo era realizada todos os dias, limpando o local da incisão com solução fisiológica e alterando a bandagem. As mesmas eram colocadas com algodão para auxiliar na imobilização na região das falanges proximal e média (figura 6). FIGURA 6 – Bandagens colocadas nos membros torácicos do animal para auxiliar na correção dos membros. Fonte: Arquivo pessoal. 20 No dia seguinte à cirurgia o animal ainda utilizava a face dorsal dos boletos para a locomoção. No terceiro dia pós-operatório, a bezerra apresentava tentativas de apoiar a pinça dos cascos, sendo mais evidente no membro esquerdo, porém, observou-se que o animal ainda se apoiava sobre a região dorsal dos boletos e então, optou-se por realizar uma segunda cirurgia, para a secção do tendão flexor superficial dos dedos, uma semana após o primeiro procedimento. Foi realizado o mesmo procedimento pré-anestésico e de antissepsia. Após a incisão de pele e localização do tendão flexor superficial dos dedos, foi realizado a tenotomia do mesmo (figura 7). Em seguida a sutura de pele com náilon 2-0 e curativo final. FIGURA 7 – Exposição do tendão flexor superficial dos dedos (seta preta). Fonte: Arquivo pessoal. O pós-operatório da segunda cirurgia foi realizado da mesma forma, com o anti-inflamatório e antibióticos, com exceção da oxitetraciclina, que foi usada somente após o primeiro procedimento. No dia seguinte à segunda cirurgia, observou-se que animal já conseguia se apoiar nas pinças dos cascos com os dois membros, porém o esquerdo com maior facilidade (figura 8). O segundo dia seguiu da mesma forma. Com cinco dias após a segunda cirurgia, o animal já apresentava apoio com as pinças e um caminhar satisfatório, apenas com alguns tropeços (figura 8). 21 FIGURA 8 – A: Primeiro dia após a cirurgia apresentando dificuldade para apoiar o membro torácico direito (seta azul). B: Cinco dias após o segundo procedimento já havia um bom apoio sobre as pinças dos cascos (seta azul). Fonte: Arquivo pessoal. Com sete dias, a bezerra começou a caminhar bem, porém com leve dificuldade com o membro torácico direito. As incisões cirúrgicas cicatrizaram em uma semana e após nove dias, foram removidos os pontos da sutura de pele. Nesse momento, verificou-se que o animal possuía condições para acompanhar a mãe e concedeu-se a alta médica. FIGURA 9 – Animal com nove dias de pós-operatório, pronta para alta médica. Fonte: Arquivo pessoal. Depois de um mês de pós-operatorio, o animal apresentava movimentação normal (figura 10). Nove meses após o procedimento realizado, não foi notado 22 qualquer resquício do procedimento ou da deformidade. A novilha possuía locomoção natural, assim como os outros animais (figura 10). FIGURA 10 – A: Um mês após a alta médica, apresentando boa recuperação (seta branca). B: Nove meses após a alta médica, o animal não apresenta nenhum sinal da deformidade flexural metacarpofalangeana. Fonte: Arquivo pessoal. 23 4. DISCUSSÃO As deformidades flexurais em bezerros podem ter origem congênita ou adquiridas (DUCHARME, 2004). Essa afecção geralmente apresenta outras anomalias congênitas, assim como descrito por Debareiner e Chensen (2009), porém o animal do presente relato apresentou somente a deformidade flexural da articulação metacarpofalangeana. Segundo Ducharme (2004), fenda palatina, nanismo e artrogripose são comuns em animais com deformidades nos membros. Todos os parâmetros fisiológicos da bezerra estavam dentro da normalidade. Em um estudo realizado por Fazili (2014), dos setenta bezerros recém nascidos que foram apresentados ao relato, apenas quatorze apresentavam somente deformidade flexural bilateral sem nenhuma outra deformidade. Assim como Weaver (2005), Anderson (2008) e Rashmi (2018), optou-se por realizar o tratamento cirurgico devido à gravidade da deformidade. Segundo Ducharme (2004), o procedimento de tenotomia é relativamente simples, o que foi observado no presente relato, realizando a separação dos tendões e a secção dos mesmos. Este mesmo autor relata que somente em casos onde a tenotomia do tendão flexor superficial dos dedos não é suficiente é que o tendão flexor profundo dos dedos é seccionado. Diferentemente, no presente relato inicialmente foi seccionado o ramo profundo e somente após observar que não houve melhora da deformação que foi realizada a secção do ramo superficial. Segundo Kidd (2012), em potros quando há a necessidade de cirurgia, é realizada primeiro a secção do tendão flexor profundo dos dedos e se caso for necessário, a do tendão superficial dos dedos e do ligamento acessório. Diferentemente do que é proposto por Hendrickson (2010), o AINE utilizado no pós-operatório do presente caso foi Flunixim Meglumine, devido à disponibilidade local. Apesar do uso da fenilbutazona ser preferível, este antiiflamantário apresentou resultado aparentemente satisfatório. Em ambos os relatos de Anderson (2008), Trauner (2011), Fazili (2014) e Rashmi (2018) foram utilizadas talas para auxiliar a reabilitação dos animais. Em nosso estudo, optou-se por não utilizar esse método devido às condições de manejo, já que não era possível a supervisão em tempo integral do animal, não havia local para a internação do mesmo e também poderia ocasionar escoriações de pele, em razão do elevado grau da deformidade. 24 Segundo Weaver (2005), o prognóstico para deformidades de graus mais severos, mesmo com o procedimento de tenotomia, é reservado. No presente relato, o animal apresentou excelente recuperação pós-cirúrgica, sendo introduzida nas atividades normais do rebanho. O uso da oxitetraciclina em baixas doses é importante, pois ela auxilia no relaxamento muscular e em uma correção mais rápida da deformidade. Altas doses desse medicamento são nefrotóxicas em bezerros (DUCHARME, 2004; ANDERSON, 2008). Segundo estudos, a oxitetraciclina produz o relaxamento muscular pois tem a capacidade de quelar os íons de cálcio, prevenindo o influxo do mesmo nas fibras musculares (KIDD, 2012). Assim como realizado por Fazili (2014), utilizamos baixa dose de oxitetraciclina, sendo 2g em 250ml de solução fisiológica. Este mesmo autor concluiu com seu estudo que o uso oxitetraciclina em baixas doses por três dias possui um baixa efetividade no tratamento de deformidades flexurais moderadas. Porém no presente relato, acreditamos que esta medicação contribuiu na correção da deformidade flexural da articulação metacarpofalangeana da bezerra, devido a melhora nos primeiros dias pós-operatório. 25 5. CONCLUSÃO A tenotomia dos tendões flexores superficial e profundo dos dedos de ambos os membros torácicos, como tratamento principal e associado à antibioticoterapia para a deformidade flexural da articulação metacarpofalangeana, foi satisfatório no caso relatado, evidenciado pela resposta imediata ao tratamento e sendo confirmado pela apresentação do animal após nove meses do procedimento. O animal demonstrou uma excelente recuperação e pôde realizar suas atividades normalmente. 26 REFERÊNCIAS ANDERSON, D.E., DESROCHERS, A., JEAN, G. St. Management of tendon disorders in cattle. Veterinary Clinics of North America-Food Animal Practice. 24, 551–566. 2008. DABAREINER, ROBIN M.; CHESEN, A. BERKLEY. Diseases of the Bones, Joints, and Connective Tissues: Flexural limb deformities. In: SMITH, B.P. Large animal internal medicine. 4. ed. Missouri: Mosby Elsevier, 2009. cap. 38, p. 1245-1247. v. 1. DUCHARME, N.G. Surgery of the calf musculoskeletal system: Flexural Deformities. In: FUBINI, S.L.; DUCHARME, N.G. Farm animal surgery. 1. ed. Missouri: Elsevier, 2004. cap. 15, p. 486-489. v. 1. FAZILI, M.R et al.Prevalence and effect of oxytetracycline on congenital fetlock knuckling in neonatal dairy calves. Onderstepoort Journal of Veterinary Researc. 81(1), Art. #710,6 pages.2014. GETTY, R. Músculos: anatomia dos animais domésticos / Robert Getty;[tradução alzido de Oliveira... et al.] Rio de Janeiro: Guanaba Koongan, 1986. 2v: il. HENDRICKSON, D. A. Técnicas cirúrgicas de grandes animais. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. p. 128-130. KIDD, J.A. Chapter 87: Flexural Limb Deformities. In: AUER, J.A.; STICK, J.A. (Ed.). Equine surgery. 4 th edition. St Louis: Elsevier Saunders; 2012 KÖNIG, H. E.; LIEBICH, H. G. Anatomia dos animais domésticos: Texto e atlas colorido. 4a ed, Porto Alegre: Artmed, 2011 MCLLWRAITH, C.W. Doenças das Articulações, Tendões, Ligamentos e Estruturas Relacionadas. In: STASHAK, Ted. Claudicação em Equinos segundo Adams. 5. Ed. São Paulo: Roca, 2006. P. 551-569. RASHIMI et al. Surgical management of congenital flexor tendon deformity in calves: a review of three cases. Journal of Entomology and Zoology Studies, v. 6, n. 3, p. 544-546, 2018. TRAUNER, R et al. Deformidade de flexão da articulação metacarpofalangeana em um bovino: relato de caso. XVI Seminário Interinstitucional De Ensino, Pesquisa E Extensão. 3p. 2011. WEAVER, A.D; JEAN, G. St, STEINER, A. Chapter 7: Lameness. In: Weaver A.D, Jean G.S, Steiner A. Bovine Surgery and Lameness. 2ª Ed, Blackwell. Publishing, 198-258p, 2005. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS CURSO BACHAREL EM MEDICINA VETERINÁRIA BRUNNA MARTINS DE MELLO DEFORMIDADE FLEXURAL CONGÊNITA DA ARTICULAÇÃO METACARPOFALANGEANA EM UMA BEZERRA BOA VISTA, RR 2018
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