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85 - APOSTILA - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS

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Prévia do material em texto

Introdução aos 
Estudos Históricos
Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira
AUTORA
Professor Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira
●	 Mestra	em	História	pela	Universidade	Estadual	de	Maringá	(UEM).	
●	 Licenciada	em	História	pela	Universidade	Estadual	de	Maringá.
Desenvolveu	 pesquisa	 em	História	 das	 Ideias	 e	 Crenças.	 Já	 atuou	 na	 área	 da	
educação	como	professora	orientadora	em	cursos	lato-sensu	da	Unicesumar.	Possui	expe-
riência	em	faculdades	públicas	e	privadas	no	âmbito	da	educação	a	distância.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL
Você	deve	saber	que	a	História	não	é	um	mero	exercício	de	narração	dos	fatos	em	
ordem	cronológica,	ela	é	muito	mais	que	isso.	Nesse	sentido,	a	disciplina	que	apresenta-
mos	a	você	terá	o	intuito	de	introduzir	alguns	métodos,	problemáticas	e	objetos	da	escrita	
da	História.	A	disciplina	enquanto	prática,	exige	que	o	historiador	esteja	a	par	das	diversas	
abordagens	históricas,	entendendo	como	estas	também	são	produtos	de	um	desenvolver,	
para	que	consiga	olhar	melhor	para	o	passado.	
Tendo	isso	em	vista,	a	primeira	unidade	visa	apresentar	os	conceitos	fundamentais	
para	a	escrita	da	história,	que	foram	selecionados	para	pensar	o	objeto	principal	do	historia-
dor,	passado,	por	intermédio	do	seu	recurso	mais	importante,	a	fonte.	Discutiremos	também	
a	postura	do	historiador	em	relação	ao	seu	objeto	de	estudo,	entendendo	as	implicações	
de	seu	lugar	social,	ou	seja,	quais	são	condicionantes	sociais	de	sua	escrita.	Ainda	nessa	
unidade,	com	o	intuito	de	trazer	uma	reflexão,	vamos	fazer	um	diálogo	acerca	da	divisão	
quadripartida	da	História.	
Na	segunda	unidade,	 logo	no	primeiro	 tópico,	haverá	uma	discussão	sobre	mito	
e	história,	essa	discussão	será	importante	para	que	você	entenda	as	diferentes	relações	
que	o	seres	humanos	estabeleciam	com	o	passado	e	como	eles	o	representavam.	Nesse	
sentido,	passaremos	pelos	primeiros	indícios	de	escrita	da	História	ainda	na	Antiguidade,	
ressaltando	o	papel	de	alguns	pensadores	para	o	desenvolver	do	campo	histórico.	Fala-
remos	também,	sobre	as	possibilidades	de	escrita	da	história	durante	o	período	medieval.	
Em	seguida,	na	unidade	III,	abordaremos	a	escrita	da	história	no	século	XIX,	mo-
mento	no	qual	a	História	procurou	se	colocar	como	ciência.	Como	você	vai	ver,	uma	das	
primeiras	 investidas	 da	 disciplina	 foi	 por	 intermédio	 do	 historicismo	 alemão,	movimento	
que	“descobriu”	a	História,	fundamentando	importantes	perspectivas.	Apresentaremos	em	
seguida,	a	Escola	Metódica,	que	em	um	amplo	diálogo	com	as	ciências	naturais	e	mate-
máticas,	firmou	seu	discurso	em	um	caráter	objetivo	da	História	e	do	historiador.	Nessa	
unidade	também	você	vai	conhecer	o	materialismo	histórico,	importante	instrumento	para	
pensar	o	macro	das	mudanças	históricas,	pautadas	pela	materialidade.	
Por	 fim,	 na	 última	 unidade,	 apresentaremos	 a	 Escola	 dos	Annales,	 movimento	
bastante	influente	no	Brasil	e	em	outras	partes	do	mundo	até	os	dias	atuais.	A	escola	dos	
Annales	 possuem,	 de	 forma	 geral,	 três	 gerações	 e	 uma	 discutível	 quarta	 geração.	 Co-
meçaremos	falando	dos	fundamentos	que	possibilitaram	que	Bloch	e	Febvre	fundassem	
a	escola,	para	que	em	seguida	possamos	discutir	as	particularidades	de	cada	geração.	
Também	perpassando	pela	abordagem	cultural	de	Chartier,	a	qual	continua	a	influenciar	as	
pesquisas	de	historiadores.	
Em	suma,	acreditamos	que	esse	material	 possa	servir	 de	embasamento	para	a	
compreensão	de	demais	conteúdos	que	estão	por	vir	em	seu	curso.	E	que	você	não	se	
esqueça	que	todo	fato	histórico	não	é	construído	de	forma	descompromissada,	mas	sim,	
estão	ancoradas	em	métodos,	abordagens	e	lugares	sociais.
SUMÁRIO
UNIDADE	I	......................................................................................................6
Introdução à Prática Historiográfica
UNIDADE	II	...................................................................................................31
Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
UNIDADE	III	..................................................................................................54
A Escrita da História no Século XIX
UNIDADE	IV	..................................................................................................82
A Escola dos Annales
6
Plano de Estudo:
•	Conceitos	fundamentais	para	a	prática	historiográfica
•	O	ofício	do	historiador	e	seus	desafios
•	O	quadripartismo	histórico	e	suas	problemáticas
Objetivos de Aprendizagem:
•	Apresentar	os	principais	parâmetros	da	escrita	da	história
•	Compreender	o	trabalho	do	historiador	e	suas	questões
•	Problematizar	paradigmas	do	âmbito	da	história
UNIDADE I
Introdução à Prática Historiográfica
Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira
7UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
INTRODUÇÃO
Você	já	parou	para	pensar	como	os	fatos	históricos	são	construídos	e	como	é	o	
trabalho	do	historiador?	Certamente,	você	deve	imaginar	que	a	história	não	é	simplesmente	
uma	narração	cronológica	que	nasce	do	nada.	Muito	pelo	contrário,	para	fazer	história	são	
instaurados,	em	primeiro	lugar,	pressupostos	básicos	que	garantem	à	disciplina	de	História	
legitimidade	ao	falar	do	passado.
Logo	no	primeiro	tópico,	você	compreenderá	alguns	destes	pressupostos	básicos	
para	historiografia	–	para	escrita	da	história.	Em	primeiro	 lugar,	você	vai	entender	o	que	
é	história	e	qual	o	objetivo	 central	 da	disciplina.	Vai	 conhecer	um	conceito	 fundamental	
para	a	prática	historiográfica:	o	anacronismo,	que	sempre	deve	ser	evitado	pelo	historiador.	
Levando	em	consideração	que	a	história	é	uma	ciência	humana	e,	por	isso,	dialoga	tanto	
com	a	 subjetividade	do	 sujeito	 historiador	 como	com	objetividade	do	método,	 é	 preciso	
estabelecer	um	diálogo	entre	estas	duas	instâncias,	subjetividade	e	objetividade,	a	fim	de	
explorar	suas	implicações	do	trato	metodológico.
Temas	 bastante	 discutidos	 na	 história,	 tais	 como	 anacronismo,	 objetividade	 e	
subjetividade,	trato	com	o	passado	e	documentos,	que	são	os	vestígios	do	passado.	É	a	
partir	destes	preceitos	que	o	fazer	histórico	se	torna	possível.	Tão	importante	quanto	estes	
conceitos,	são	também	o	trato	com	o	passado	como	categoria	indelével,	o	qual	o	historiador	
pode	apenas	se	aproximar.	 Isso	se	dá	a	partir	do	cuidado	com	os	documentos,	com	as	
fontes	de	pesquisa,	pedra	fundamental	para	a	escrita	da	história.
Como	 já	dissemos,	a	história	é	uma	ciência	humana	e	 isso	evoca	uma	série	de	
problemáticas	com	relação	ao	sujeito	pesquisador	(historiador)	com	relação	ao	seu	objeto	
(o	passado).	Assim,	o	ofício	do	historiador	e	seus	desafios	é	o	 tema	do	nosso	segundo	
tópico.	Exploraremos	a	questão	do	“lugar	social”	do	historiador,	como	aquele	que	condicio-
na	e	molda	sua	visão	sobre	o	passado,	bem	como	nos	voltaremos	a	discutir	a	função	do	
historiador	na	atualidade.
8UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
No	último	tópico,	a	fim	de	fazer	com	que	você	pense	criticamente	com	relação	a	
como	a	história	tem	sido	formatada,	 introduziremos	a	noção	de	quadripartismo	histórico.	
Essa	discussão	é	importante	para	que	você	entenda	que	a	divisão	hoje	vigente	na	história	
não	é	um	dado	natural,	ela	foi	construída	através	de	pressupostos	eurocêntricos.	Por	isso,	
nós	como	historiadores	latino-americanos,	ou	historiadores	em	formação,	precisamos	re-
pensar	o	modo	como	olhamos	para	história	e	como	podemos	contribuir	para	nosso	próprio	
lugar	social.	Esperamos	que	você	aproveite	a	discussão	apresentada	nas	próximas	páginas	
e	que	você	possa	entender	que	a	história	é	muito	mais	do	que	decorar	nomes	ou	datas.	
Bons estudos!
9UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A PRÁTICA HISTORIOGRÁFICA
1.1 Preceitos básicos do fazer historiográfico 
A	História	é	uma	ciência	que	se	desenvolve	a	partir	de	uma	base	sólida	de	 ins-
trumentos,	a	partir	dos	quais	torna-se	possível	o	fazer	historiográfico,	ou	seja	a	escrita	da	
história.	Fazerhistória,	neste	sentido,	não	é	apenas	reunir	um	conjunto	de	fatos	históricos	
e	fazer	uma	narrativa	cronológica.	Portanto,	mais	do	que	narrar	fatos,	a	História	está	sub-
sidiada	à	teoria	e	ao	método,	em	outras	palavras,	a	partir	do	que	é	possível	fazer	História	
e	como	fazer	isso.	
Antes	de	tudo,	é	preciso	pensar	o	que	é	efetivamente	História?	O	célebre	historiador	
Marc	Bloch	(2001,	p.	52)	ponderou	que	dizer	“a	História	é	uma	ciência	do	passado”	é	uma	
concepção	equivocada.
Há,	neste	sentido,	uma	história	do	sistema	solar,	na	medida	em	que	os	astros	
que	 o	 compõem	 nem	 sempre	 foram	 como	 os	 vemos.	 Ela	 é	 da	 alçada	 da	
astronomia.	Há	uma	história	das	erupções	vulcânica	que	é,	estou	convencido	
disso,	do	mais	vivo	interesse	para	a	física	do	globo.	Ela	não	pertence	à	histó-
ria.	(BLOCH,	2001,	p.	53)	
Veja,	seguindo	o	raciocínio	de	Bloch	(2001)	do	que	não	é	alçada	da	História,	temos	
pistas	do	elemento	fundamental	que	constitui	a	disciplina.	Nos	exemplos	citados	falta	o	que	
é	primordial	para	a	História:	o	ser	humano,	sua	 interferência	e	ação.	A	partir	disso,	para	
uma	definição	mais	adequada,	pode-se	dizer	que	a	História é a ciência dos homens no 
tempo.
Fonte: https://br.freepik.com/fotos-gratis/reserve-na-biblioteca-com-livro-aber-
to_3737797.htm#page=1&query=hist%C3%B3ria&position=5
10UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Mas,	ela	é	realmente	uma	ciência?	Essa	é	uma	discussão	bem	longa,	desde	o	sé-
culo	XIX	discute-se	o	lugar	da	História	no	rol	das	ciências.	Como	veremos	mais	adiante,	foi	
no	século	XIX	que	houve	um	esforço	para	organizar	um	conjunto	de	métodos	de	análise	dos	
fatos,	bem	delineou-se	a	postura	do	historiador,	a	fim	de	chegar	uma	controversa	verdade	
histórica.	(ZANIRATO,	2011).	É	claro	que	as	problemáticas	e	as	críticas	com	relação	aos	
caminhos	que	a	historiografia	tomou	no	passado	são	presentes	até	os	dias	atuais.	Ainda	
assim,	o	que	Bloch	(2001),	como	defensor	 ferrenho	de	novos	métodos	e	caminhos	para	
História	em	seu	tempo1,	nos	mostra	é	que	a	História	não	adota	uma	linguagem	equivalente	
à	da	matemática	e	possui	um	linguagem	própria	ao	lidar	com	fatos	humanos,	que	exigem	
outros	instrumentos	de	análise.	
A	intenção	do	historiador	ao	analisar	o	passado	é	chegar	o	mais	próximo	possível	
do	que	realmente	aconteceu.	Mas	 isso	está	 inevitavelmente	 ligado	ao	 fato	de	que	é	um	
sujeito	do	presente	olhando	para	outra	época,	assim	o	fazer	historiográfico	é	sempre	um	
olhar	do	presente	para	o	passado	(ZANIRATO,	2011).
É	comum	uma	pessoa	do	século	XXI	ao	ter	conhecimento,	por	exemplo,	dos	hábitos	
escassos	de	higiene	do	período	colonial	por	parte	da	Corte	e	da	população	em	geral,	fique	
espantado	e	os	atribua	uma	série	de	adjetivos	pejorativos.	Esse	menosprezo	e	julgamento	
com	relação	a	esses,	com	base	no	olhar	de	um	século	que	preza	por	princípios	de	higiene	e	
sanitarismo,	é	o	que	chamamos	de	anacronismo,	e	é	um	dos	maiores	erros	do	historiador.
Nesse	sentido,	outro	renomado	historiador,	Lucien	Febvre	(2009,	p.33)	foi	taxativo	
ao	afirmar	que	o	historiador	deve	evitar	o	que	seria	“o	pecado	entre	todos	imperdoável:	o	
anacronismo”.	Analisar,	 julgar,	e	verter	sobre	o	passado	uma	visão	advinda	do	presente	
é,	para	este,	subverter	as	concepções	da	época	que	está	sendo	estudada,	 favorecendo	
nossos	 próprios	 valores,	 sentimentos,	 visão	 de	mundo,	modos	 de	 sentir.	 Isso	 seria	 um	
obstáculo	ao	historiador	que	deseja	se	aproximar	de	uma	interpretação	histórica.	
A	interpretação	histórica,	como	o	historiador	narra	o	fato,	está	sujeita	a	dois	parâ-
metros	básicos,	longamente	discutidos	pela	historiografia:	a	objetividade	e	subjetividade.	
É,	segundo	Ricoeur	(1968),	um	problema	do	trato	metodológico,	ou	seja,	em	como	eu	como	
historiador	(a)	escolho	meus	documentos,	analiso	as	informações,	interpreto	os	dados	e	os	
narro.	
Em	primeiro	lugar,	o	que	é	essa	objetividade?
1	 Marc	Bloch	foi	um	dos	fundadores	da	Escola	dos	Annales	com	Lucien	Febvre	em	1929	e	tecia	críticas	
a	historiografia	do	século	XIX,	mesmo	discordando	desta,	não	negava	o	caráter	científico	da	História	como	
ciência	humana,	ainda	que	não	se	aproxima-se	uma	linguagem	matemática	ou	advinda	das	ciências	naturais.	
É	preciso	entender	seu	posicionamento	de	acordo	com	seu	contexto,	pois,	por	mais	que	sua	obra	seja	um	
clássico,	há	posições	divergentes	ao	longo	da	história	da	historiografia	sobre	a	cientificidade	da	História.
11UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
[...]	é	objetivo	aquilo	que	o	pensamento	metódico	elaborou,	pôs	em	ordem,	
compreendeu,	e	que	por	essa	maneira	pode	fazer	compreender.	Isto	é	exato	
quanto	às	 ciências	 físicas	quando	às	 ciências	biológicas;	 também	é	exato	
quanto	à	história.	(RICOEUR,	1968,	p.	23).
Entende-se,	portanto,	que	a	objetividade	cumpre	dentro	um	de	campo	científico,	
critérios	validados	e	legitimados	como	verdadeiros	e	eficazes	para	a	produção	do	conhe-
cimento.	Sua	 funcionalidade	 reside	na	produção	de	conhecimento	digno	de	confiança	e	
amparado	pela	tradição.	
No	âmbito	da	história,	se	um(a)	historiador(a)	toma	a	observação	de	um	vestígio	
documental	para	entender	um	evento,	ele	leva	em	consideração	um	princípio	fundamentado	
e	reconhecido	na	história,	o	que	de	que	a	disciplina	se	faz	a	partir	dos	vestígios.	Este	é	um	
princípio	pautado	em	uma	premissa	objetiva.	(RICOEUR,	1968).
A	objetividade	é	própria	 ciência	 histórica,	 no	entanto,	 está	 intimamente	 ligada	à	
subjetividade	pertencente	ao	historiador.	É	ele	que	seleciona	os	documentos,	 levanta	os	
questionamentos	e	traz	a	narrativa	de	um	modo	particular.	De	um	certa	maneira,	pode-se	
dizer	que	objetividade	e	subjetividade	são	 inerentes	ao	 fazer	historiográfico.	 (RICOEUR,	
1968).
Por	isso,	objetividade	e	subjetividade	encontram-se	relacionadas,	em	um	primeiro	
momento,	pelo	que	Ricoeur	(1968)	chama	de	“julgamento	de	importância”.	É	o	historiador	
que	seleciona	o	documento,	analisa	o	fato	e	cria	a	série	de	acontecimentos.	Mas,	essa	se-
leção	está	sempre	vinculada	a	critérios	advindos	da	base	teórica	sobre	a	qual	o	historiador	
se	assenta.	
Outro	 aspecto	 que	 revela	 a	 intersecção	 entre	 objetividade	 e	 subjetividade	 é	 a	
“distância	histórica”.	É	tarefa	da	história,	como	ciência	objetiva,	falar	sobre	o	“outro”,	outro	
tempo,	outros	costumes,	outras	instituições.	Contudo,	como	falar	do	outro	ou	daquilo	que	já	
não	mais	existe	na	nossa	linguagem	contemporânea	sem	perder	o	referencial?	Cabe	aqui	
a	representação	do	passado,	ainda	que	auxiliado	por	categorias	explicativas,2	por	meio	de	
uma	linguagem	do	presente	(RICOEUR,	1968).
Por	 fim,	 a	 história	 é	 uma	 ciência	 que	 tem	 como	 fim	 último	 o	 estudo	 dos	 seres	
humanos.	Em	suma,	a	escrita	da	história	envolve	o	estudo	de	pessoas	por	outras	pessoas,	
com	características	em	comuns	e	isso	pode	criar	uma	aproximação	por	parte	do	historiador	
do	seu	objeto	de	estudo	(RICOEUR,	1968).
2	 De	 acordo	 com	Zanirato	 (2011)	 as	 categorias	 explicativas	 são	 termos	 que	 cumprem	uma	 função	
explicativa	 e	 não	 podem	 ser	 utilizados	 ingenuamente.	 Exemplo	 destas	 categorias	 são	 Renascimento,	
Feudalismo,	entre	outros.	Estes	se	remetem	à	conjunto	específicos	de	fatos	históricos.	
12UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Até	aqui,	esperamos	que	a	concepção	básica	do	que	é	História	tenha	ficado	clara.	
Assim,	 partindo	 da	 ideia	 de	 que	 a	História	 é	 uma	 ciência	 que	 tenta	 compreender	 cada	
realidade	em	seu	contexto	específico,	nos	desprendendo	de	nossas	visões	de	mundo	e	nos	
apegando	as	concepções	do	“outro”	estudado,	permeada	pela	objetividade	e	pela	subjeti-
vidade,	esperamos	que	você	compreenda,	a	seguir,	um	pouco	sobre	o	estudo	do	passado.	
1.2. Sobre o objeto: o passado 
A	história	 possui	 vários	 domínios:	História	Antiga,	História	Medieval,	História	 da	
América,	História	Política,	História	das	Religiões,	História	da	Alimentação,	Teorias	da	His-
tória,	apenas	para	citar	alguns.	Seja	por	recorte	temporal	ou	de	eixo	temático,o	que	todos	
eles	 têm	em	comum	é	o	estudo	do	passado	–	ou	mesmo	o	estudo	em	como	analisar	o	
passado.	
Mas	o	que	significa	estudar	o	passado?	Chesneaux	(1995)	
Se	o	passado	conta,	é	pelo	que	significa	para	nós.	Ele	é	produto	de	nossa	
memória	coletiva,	é	o	seu	tecido	fundamental.	[...]	Mas	esse	passado,	próximo	
ou	longínquo,	tem	sempre	um	sentido	para	nós.	Ele	nos	ajuda	a	compreender	
melhor	a	sociedade	na	qual	vivemos	hoje,	a	saber	o	que	defender	e	preser-
var,	saber	também	o	que	mudar	e	destruir.	A	história	tem	uma	relação	ativa	
com	o	passado.	O	passado	está	presente	em	todas	as	esferas	da	vida	social.	
(CHESNEAUX,	1995,	p.	22).
Como	já	dissemos,	a	História	é	a	ciência	dos	homens	no	tempo,	por	isso,	o	tempo	
é	tão	primordial	para	essa	disciplina,	mas	para	o	historiador	não	basta	dizer,	por	exemplo,	
que	entre	a	ocupação	dos	portugueses	no	Brasil,	em	1500	e	a	 independência	do	Brasil,	
em	1822	passaram-se	322	anos.	O	que	realmente	importa	é	conhecer	os	mecanismos	que	
fizeram	o	Brasil	abandonar	a	condição	de	colônia	e	proclamar	sua	independência.	
Qualquer	que	seja	o	tema	da	pesquisa,	por	vezes,	o	(a)	historiador	(a)	na	busca	
de	explicações	do	porquê	ou	como	aquele	determinado	evento	ocorreu	recorre	às	origens.	
Porém	será	que	as	origens	de	fenômeno	explica	o	motivo	pelo	qual		houve	o	ocorrido?	Em	
nosso	exemplo	 inicial,	 as	origens	do	Brasil	Colonial,	 com	a	ocupação	dos	portugueses,	
simplesmente	explica	o	porquê	de	o	Brasil	ter	se	tornado	independente	séculos	mais	tarde?	
Bloch	(2001)	adverte	sobre	os	perigos	de	tomar	as	origens	como	causas	explicativas:	“Para	
o	 vocabulário	 corrente,	 as	 origens	 são	 um	 começo	 que	 explica.	 Pior	 ainda:	 basta	 para	
explicar.	Aí	mora	a	ambiguidade;	aí	mora	o	perigo.”	(BLOCH,	2001,	p.57).	
A	busca	pelas	origens,	para	Bloch	(2001),	começa	a	ser	orientada	também	por	uma	
busca	de	sentido	no	próprio	presente,	legítima	e	atesta	um	passado	um	único,	que	corre	
de	forma	linear	ao	presente.	Contudo,	a	História	não	funciona	assim,	o	início	de	um	evento	
13UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
não	é	a	explicação	deste.	A	explicação	de	um	fenômeno	reside	em	seu	próprio	contexto	de	
aparecimento:
Em	suma,	nunca	se	explica	plenamente	um	fenômeno	fora	do	estudo	de	seu	
momento.	Isso	é	verdade	para	todas	as	etapas	da	evolução.	Tanto	daquela	
em	vivemos	como	das	outras.	O	provérbio	árabe	disse	antes	de	nós:	 “Os	
homens	se	parecem	mais	com	sua	época	do	que	com	seus	pais.”	Por	não	
ter	meditado	essa	sabedoria	oriental,	o	estudo	do	passado	às	vezes	caiu	em	
descrédito”	(BLOCH,	2001,	p.	60).
Com	 isso,	 Bloch	 (2001)	 quis	 dizer	 que	 somos	 produtos	 da	 nossa	 época,	 assim	
como	nossos	antepassados	são	frutos	de	seus	respectivos	contextos	e	a	busca	por	origens	
não	explica,	por	si	só,	o	que	somos	ou	que	fazemos.	Assim,	é	importante	reconhecer,	ao	
tomar	um	objeto	de	estudo,	as	particularidades	e	as	vicissitudes	daquele	período.	
Até	 agora,	 vimos	 que	 para	 um	efetivo	 estudo	 do	 nosso	 objeto,	 o	 passado,	 não	
devemos	buscar	origens	como	se	elas	explicassem	tudo,	mas	sim	precisamos	olhar	para	o	
próprio	contexto,	no	qual	aquele	evento	ocorreu.	Agora,	precisamos	entender	que	o passa-
do e a História são diferentes.
A	História	é	a	ciência	que	estuda	o	passado,	mas	segundo	Bloch	(2001)	ela	não	o	
narra	tal	como	aconteceu,	apenas	tenta	se	aproximar.	Até	porque	fazer	isso	implicaria	na	
busca	por	uma	“verdade”	histórica	única	e	imutável,	e	também	em	uma	neutralidade	e	total	
perda	da	subjetividade	do	(a)	historiador	 (a)	ao	analisar	o	 fato,	o	que	não	pode	ocorrer.	
Ricoeur	(1968)	bem	lembrou	que	a	ideia	de	“verdade”	assenta-se	em	um	ideal	intelectual,	
algo	que	não	pode	ser	efetivado	em	sua	plenitude.	
O	passado	é	o	legado	que	serve	de	base	para	“a	manutenção	e	a	sobrevivência	
das	gerações	vindouras”	(COELHO;	MELO,	2017,	p.	213).	São	valores,	passíveis	de	mu-
danças,	sobre	os	quais	os	seres	humanos	se	comprometem,	criando	um	elo	entre	presente	
e	passado.	Com	isso,	o	passado	“[...]	não	passa	de	material	bruto,	um	fragmento	de	fatos	
mortos,	que	só	nasce	com	História	mediante	o	trabalho	interpretativo	dos	que	debruçam,	
reflexivamente,	sobre	ele.”	(RÜSEN,	2001,	p.	68	apud	ZANIRATO,	2011,	p.15).	Assim,	o	
passado	só	ganha	vida	a	partir	de	momento	em	que	há	o	interesse	por	parte	do	historiador	
de	analisá-lo	no	tempo	presente.	
De	fato,	os	historiadores	têm	um	compromisso	com	a	investigação	do	passado.	Os	
usos	do	passado	por	intermédio	da	memória,	especialmente	a	memória	oficial,	tem	impli-
cações	no	presente.	Hobsbawm	(2013,	p.11)	lembra	que	“o	passado	legitima.	O	passado	
fornece	um	pano	de	fundo	mais	glorioso	a	um	presente	que	não	tem	muito	o	que	come-
morar.”	Isso	quer	dizer	que	a	interpretação	do	passado	não	é	monopólio	dos	historiadores	
e	as	interpretações	que	se	fazem	dele	para	justificar	ações	e	ideologias	do	presente	são	
14UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
comuns	na	sociedade	em	geral,	mas	especialmente	problemáticos	em	governos	e	regimes	
que	flertam	com	totalitarismos	em	um	movimento	de	lembrar	e	esquecer	eventos	históricos.
A	memória	 tem	usos	no	presente,	mas	 também	tem	seus	abusos.	Para	Ricoeur	
(2007)	o	abuso	da	memória	“resultam	de	uma	manipulação	concertada	da	memória	e	do	
esquecimento	por	detentores	de	poder”.	(RICOEUR,	2007,	p.93).	Mas	como	os	detentores	
de	 poder	 instrumentalizam	 a	memória	 e	 o	 esquecimento	 de	 povo?	 Basta	 recordar	 que	
tanto	lembrar	como	esquecer	são	dois	processos	fundamentais	para	o	ser	humano,	sem	
a	memória	não	seríamos	capazes	de	nos	reconhecer	como	indivíduo	e	sociedade	e	sem	
o	esquecimento	não	 seria	 possível	 adquirir	 novos	 conhecimentos	e	 lidar	 com	situações	
conflitantes.	Para	responder	a	pergunta	inicial,	Paul	Ricoeur	chama	atenção	para	um	pré-
-requisito	fundamental:	a	fragilidade	da	identidade.	
Uma	sociedade	precisa	responder	à	questão:	“Quem	somos	nós?”.	Essa	pergunta	
incide,	em	primeiro	lugar,	na	delicada	relação	com	a	temporalidade:	evoca-se	uma	memória	
coletiva,	com	uma	análise	vinda	do	presente	e	com	uma	projeção	do	futuro.	Em	segundo	
lugar,	está	o	tratamento	para	com	o	outro	que	começa	a	se	constituir	como	ameaça	para	o	
“nós”	e	para	o	“eu”,	uma	ameaça	a	identidade,	tenha	como	exemplo	o	fato	que	muitos	não	
conseguem	tolerar	modos	de	viver	diferentes	e	vêem	seu	próprio	modo	de	vida	em	risco	
simplesmente	pela	existência	do	outro.	O	 terceiro	 fator	para	a	 fragilidade	da	 identidade,	
é	que	todas	as	sociedades	são	constituídas	na	base	da	violência.	Atos	celebrados	como	
marcos	históricos	são	instituídos	por	meio	de	guerras	e/ou	violências	por	parte	do	Estado.	
(RICOEUR,	2007).
Com	base	nesses	aspectos,	Ricoeur	(2007)	avalia	que	as	manipulações	de	memó-
ria	acontecem	entre	a	reivindicação	da	identidade	e	as	manifestações	públicas	de	memória.	
Isso	faz	parte	de	um	processo	ideológico	que:
é	opaco	por	dois	motivos.	Primeiro,	permanece	dissimulado	[...]	é	inconfessá-
vel,	mascara-se	ao	transformar	em	denúncia	contra	os	adversários	no	campo	
da	competição	entre	ideologias:	é	sempre	o	outro	que	na	atola	na	ideologia.”	
(RICOEUR,	2007,	p.	95).
De	grosso	modo,	é	partir	da	criação	de	narrativas,	ou	seja,	da	construção	de	cená-
rios	nos	quais	os	personagens	têm	papéis	e	funções	bem	delimitadas,	que	uma	ideologia	
pode	se	utilizar	da	memória	de	um	povo	e	também	pode	engendrar	o	esquecimento,	ao	
deixar	fora	da	narrativa	oficial	fatos	históricos.	(RICOEUR,	2007).	O	historiador	deve	per-
manecer	atento	aos	usos	que	os	detentores	do	poder	fazem	das	memórias	de	um	povo,	
como	estes	constroem	suas	narrativas	e	quais	são	seus	interesses.	Assim,	o	compromisso	
15UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
com	o	tratamento	do	objeto	e	a	percepção	da	memória	de	um	povo,	perpassa	também	em	
desconstruir	narrativas	pré-fabricadas	e	tomar	um	posicionamento	crítico.
Vemos	assim,	que	a	memória	apresenta-se	como	aspecto	representativo	do	pas-
sado,	deste	modo,	ela	não	é	o	passado	em	si,mas	sim	um	produto	das	interpretações	da	
sociedade,	sujeita	a	pressões	das	diferentes	esferas	que	a	compõe.	A	partir	disso,	fica	claro	
que	se	tratando	da	história,	não	lidamos	com	a	memória	de	um	ou	dois	indivíduos	isolados,	
mas	sim	de	memórias	coletivas,	sendo	possível	que	a	sociedade	como	um	todo	tenham	
memórias	 compartilhadas.	 Segundo	Ricoeur	 (2007),	 categorias	 patológicas,	 como	 o	 de	
trauma,	por	exemplo,	que	na	psicanálise	ficariam	no	nível	individual	podem	ser	transpostas	
para	o	coletivo:	“a	noção	de	objeto	perdido	encontra	uma	aplicação	direta	nas	‘perdas’	que	
afetam	 igualmente	 o	 poder,	 o	 território,	 as	 populações	 que	 constituem	 a	 substância	 do	
Estado.”	(RICOEUR,	2007,	p.92).
As	memórias	coletivas	não	são	as	mesmas	para	todos,	o	que	significou	vitória	para	
uma	sociedade,	pode	 ter	significado	humilhação	para	a	outra	 (RICOEUR,	2007).	Dessa	
maneira,	o	processo	de	lembrar	cria	um	vínculo	com	o	presente,	assim	como	o	processo	
de	esquecer,	de	criar	novas	interpretações	da	realidade	que	se	evoca	ou	deixa	de	evocar	e	
releva	muito	daquilo	como	aquela	sociedade	lida	com	seu	passado.	
A	apreensão	do	passado	é	algo	complexo,	cujo	historiadores,	através	da	análise	
das	fontes	e	métodos	bem	definidos	podem,	em	suas	conclusões,	chegar	perto	de	entender	
determinado	evento	histórico,	ainda	que	suas	hipóteses	sempre	possam	ser	contestadas.	
Por	 isso,	Bloch	 (2001)	 sustenta	que	o	historiador	não	narra	o	 fato	 tal	 como	se	passou.	
História	se	faz	com	base	em	testemunhos	daquilo	que	o	próprio	historiador	não	presenciou,	
são	resquícios	e	indícios	de	uma	parte	do	passado	e	não	o	passado	em	si.	Nesse	sentido,	
as	fontes	de	pesquisa	e	sua	análise	são	fundamentais	e	é	isso	que	veremos	a	seguir.
1.3. Sobre a fonte: o documento
Vamos	falar	de	um	aspecto	fundamental	para	o	fazer	historiográfico:	a	fonte,	que	
é	o	documento.	Toda	história	produzida	dentro	das	premissas	da	disciplina,	seja	narrada	
nos	 livros	didáticos	ou	em	 livros	 comuns,	 têm	em	comum	o	 fato	 de	que	um	historiador	
teve	acesso	a	certos	documentos	e	a	partir	de	um	procedimento	metodológico,	construiu	
hipóteses	em	torno	desse	documento.
O	 trabalho	do	historiador	é	 investigativo,	nasce	da	curiosidade	em	entender	um	
fenômeno	que	 permanece	na	memória	 coletiva	 –	 ou	 lançar	 luz	 sobre	 algo	 que	 está	 no	
16UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
esquecimento.	A	busca	por	fontes	e	por	diferentes	documentos	que	registrem	de	alguma	
forma	aquele	fenômeno	é	um	dos	primeiro	passos.	Na	tentativa	de	tentar	entender	aquilo	
que	aconteceu,	o	(a)	historiador	(a)	deve,	em	sua	análise,	buscar	formas	de	compreender	
melhor	os	resquícios	do	passado	sobre	o	qual	está	debruçado:
A	análise	da	documentação	demanda	que	o	historiador	adote	procedimentos	
metodológicos	para	não	incorrer	no	risco	de	fazer	interpretações	do	passado	
que	 não	 encontrem	 correspondência	 entre	 o	 ocorrido	 e	 o	modo	 como	 se	
registra	 essa	 ocorrência	 é	 necessário	 que	 os	 historiadores	 empreguem	
métodos	 de	 investigação	 pertinentes	 à	 explicação	 histórica,	 que	 limitem	 a	
liberdade	interpretativa	do	historiador	e	que	orientem	a	investigação.	A	inves-
tigação	histórica	assim	conduzida	contribui	para	uma	menor	subjetividade	na	
interpretação	histórica.	(ZANIRATO,	2011,	p.	21).	
A	partir	da	citação	acima	podemos	afirmar	que	a	História se faz a partir de docu-
mentos,	que	são	as	fontes	que	trazem	vestígios	do	passado.	É	importantíssimo	que	você	
tenha	em	mente	a	centralidade	do	documento	para	a	investigação	histórica.	Não	estamos	
a	falar	aqui	sobre	documento	em	seu	sentido	restrito,	escrito	e	oficial,	mas	sim	em	uma	
concepção	mais	abrangente.	Era	comum	até	meados	do	século	XX	restringir	o	documento	
ao	texto,	 foi	apenas	na	década	de	1960,	quando	houve	uma	revolução	documental,	que	
permitiu	o	estudo	não	apenas	decretos	oficiais,	mas	tudo		aquilo	relacionado	ao	estudo	das	
“massas”,	como	relatos	orais,	cultura	material,	músicas,	imagens,	dentre	outros.	(LE	GOFF,	
1990)
Marrou	(1968)	explica	que	documento	é	todo	vestígio	sobre	o	qual	se	pode	retirar	
informações	valiosas	para	o	historiador:	
Em	síntese,	tudo	aquilo	que,	na	herança	subsistente	do	passado,	pode	ser	
interpretado	como	um	indício	que	revela	alguma	coisa	da	presença,	da	ati-
vidade,	dos	sentimentos,	da	mentalidade	do	homem	de	outrora,	entrará	em	
nossa	documentação.	(MARROU,	1968,	p.	63).
Cada	tipo	de	fonte,	sejam	elas	registros	oficiais,	relatos	orais,	imagens,	interrogató-
rios,	etc.,	suscitam	problemáticas	diferentes.	Nesse	sentido,	Burke	(1992)	chama	atenção	
para	o	 fato	de	historiadores	que	se	debruçam	sobre	a	história	do	 cotidiano,	 na	 vida	da	
pessoa	comum,	têm	acesso	a	um	tipo	de	documento,	como	um	interrogatório,	por	exemplo,	
que	é	um	registro	extraordinário	do	indivíduo	e	o	relato	por	si	só	não	revela	seus	hábitos	
cotidianos.	Nisso,	para	Burke	(1992)	reside	em	ler	as	fontes	nas	entrelinhas.
17UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
SAIBA MAIS
A	análise	documental	é,	sobretudo,	investigativa	e	as	fontes	podem	revelar	uma	série	
de	fatos	históricos	inauditos.	Um	exemplo	disso,	foi	o	método	investigativo	utilizado	pelo	
historiador	Carlo	Ginzburg,	chamado	de	paradigma indiciário.	O	método	consiste	em	
perceber	os	sinais,	os	detalhes,	assim	como	um	perito	criminal	analisa	a	cena	de	um	cri-
me,	o	historiador	procura	construir,	através	das	fontes	como	vestígios,	o	quebra-cabeça,	
assim	podemos	tangenciar	o	passado.	
Fonte:	Guinzburg	(1989)
As	fotografias,	como	fontes,	também	evocam	problemas	específicos.	Até	pouco	tem-
po	entendia-se	que	as	fotos	eram	registro	objetivo	da	realidade,	porém	é	preciso	considerar	
que	o	fotógrafo	escolhe	determinados	ângulos,	persegue	a	imagem	ideal	por	disposições	
conscientes	e	inconscientes.	As	fotografias,	portanto,	se	colocam	como	representações	da	
realidade	e	não	como	a	realidade	em	si.	(BURKE,	1992)
As	fontes	documentais	são	aquelas	encontradas	em	arquivos	e	que	exigem	muita	
dedicação	por	parte	do	historiador	em	procurar	e	selecionar	os	documentos	relevantes	para	
sua	pesquisa.	Os	arquivos	guardam	documentos	muito	antigos	e	deles	podem	sair	grandes	
obras.	Os	arquivos	pode	ser	de	diferentes	tipos	e	conter	diferentes	tipos	de	documentos	
como	mostra	o	quadro	abaixo:
Quadro	1:	Tipos	de	arquivos	e	documentos
Arquivos Documentos
Arquivos	do	Poder	Executivo	
Correspondência:	ofícios	e	requerimentos	
Lista	nominativas
Matrículas	de	classificações	de	escravos
Listas	de	qualificação	de	votantes	
Documentos	de	polícia	
Documentos	sobre	obras	públicas	
Documentos	sobre	terras	
Arquivos	do	Poder	Legislativo	 AtasRegistros	
Arquivos	do	Poder	Judiciário	
Inventários	e	testamentos	
Processos	cíveis	
Processos	crimes	
Arquivos	cartoriais	 Notas	Registro	Civil	
18UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Arquivos	eclesiásticos	(da	Igreja)
Registros	paroquiais	
Processos
Correspondência	
Arquivos	privados	 Documentos	 particulares	 de	 indivíduos,	 famí-lias,	grupos	de	interesse	ou	empresas
Fonte:	Bacellar	(2011)	
Outro	suporte	documental	são	as	revistas	e	os	jornais,	também	conhecidos	como	
periódicos.	Luca	(2011)	explica	que	apenas	recentemente	que	os	periódicos	começaram	a	
ser	entendidos	como	fontes,	isso	porque	a	história	vem	de	uma	tradição	que	preza	pela	ob-
jetividade,	imparcialidade	e	distância	dos	fatos	ocorridos	e	os	periódicos	se	revelavam	um	
“influxo	de	interesses,	compromissos	e	paixões.	Em	vez	[de]	permitirem	captar	o	ocorrido,	
dele	forneciam	imagens	parciais,	distorcidas	e	subjetivas.”	(LUCA,	2011,	p.112).
A	análise	dos	periódicos	deve	levar	em	conta	a	forma	e	conteúdo	presente,	bem	
como	o	público	consumidor	e	os	idealizadores.	Por	isso,	é	importante	levar	em	considera-
ção	que	a	imprensa	seleciona,	estrutura	e	narra	aquilo	que	julga	importante	chegar	ao	leitor,	
de	acordo	com	seus	interesses	econômicos	e	políticos.	É	através	da	análise	do	discurso,	
de	ler	além	do	texto	escrito,	que	o	historiador	deve	pautarsua	leitura	deste	tipo	de	fonte.	
O	pesquisador	dos	jornais	e	revistas	trabalha	com	o	que	se	tornou	notícia,	o	
que	por	si	só	já	abarca	um	espectro	de	questões,	pois	será	preciso	dar conta 
das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coi-
sa. Entretanto,	ter	sido	publicado	implica	atentar para o destaque conferido	
ao	acontecimento,	assim	como	para	o	local	em	que	se	deu	a	publicação:	é	
muito	diverso	o	peso	do	que	figura	na	capa	de	uma	revista	semanal	ou	na	
principal	manchete	de	um	grande	matutino	e	o	que	fica	relegado	às	páginas	
internas.	(LUCA,	2011,	p.	140,	grifo	do	autor).	
Qualquer	que	seja	o	tipo	de	documento,	que	será	nossa	fonte,	este	só	atinge	tal	
status	a	partir	da	escolha	do	historiador.	Le	Goff	(1990)	sugere	o	 trabalho	com	a	noção	
documento/monumento	para	explicar	a	prática	investigativa	do	historiador.	Primeiro,	vamos	
a	definição	de	monumento:
O	monumentum	é	um	sinal	do	passado.	Atendendo	às	suas	origens	filoló-
gicas,	 o	monumento	é	 tudo	aquilo	 que	pode	evocar	 o	 passado,	 perpetuar	
a	 recordação,	por	exemplo,	os	atos	escritos.	 [...]	Mas	desde	a	Antiguidade	
romana	o	monumentum	 tende	a	especializar-se	em	dois	 sentidos:	 1)	 uma	
obra	comemorativa	de	arquitetura	ou	de	escultura:	arco	de	 triunfo,	coluna,	
troféu,	 pórtico,	 etc.;	 2)	 um	 monumento	 funerário	 destinado	 a	 perpetuar	 a	
recordação	de	uma	pessoa	no	domínio	em	que	a	memória	é	particularmente	
valorizada:	 a	morte.	O	monumento	 tem	 como	 características	 o	 ligar-se	 ao	
poder	de	perpetuação,	voluntária	ou	involuntária,	das	sociedades	históricas	
(é	um	legado	à	memória	coletiva).	(LE	GOFF,	1990,	p.	536-537).
O	monumento	é	a	manifestação	da	memória	coletiva.	Por	exemplo,	provavelmente	
existe	algum	monumento	em	sua	cidade,	ou	alguma	outra	que	você	conheça,	que	diga	
19UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
respeito	a	um	determinado	 fato	histórico	que	se	queira	 lembrar	de	uma	dada	 forma.	Os	
monumentos	não	são	apenas	de	ordem	física,	material,	mas	também	podem	se	manifestar	
para	além	disso:	dizeres	comuns,	lendas,	preces,	poemas.	Isso	quer	dizer	que	o	monumen-
to	é	fruto	daquilo	que	a	sociedade	produziu	como	memória.	
A	proposta	em	entender	documento	como	monumento	está	em	compreender	que	
aquilo	que	o	historiador	escolhe	como	fonte	de	seu	trabalho	é	fruto	daquilo	que	uma	dada	
sociedade	quis	registrar,	lembrar	e	perpetuar:
O	 documento	 não	 é	 qualquer	 coisa	 que	 fica	 por	 conta	 do	 passado,	 é	 um	
produto	da	sociedade	que	o	fabricou	segundo	as	relações	de	forças	que	aí	
detinham	o	poder.	Só	a	análise	do	documento	enquanto	monumento	permite	
à	memória	coletiva	recuperá-lo	e	ao	historiador	usá-lo	cientificamente,	isto	é,	
com	pleno	conhecimento	de	causa.	(LE	GOFF,	1990,	p.	547).
Frisamos,	portanto,	que	a	noção	documento/monumento	recai	no	cuidado	que	o	
historiador	deve	ter	ao	analisar	a	sua	fonte,	compreendendo-a	como	fruto	de	seu	tempo,	de	
um	traço	do	passado	com	a	intenção	de	ser	preservado.	
Portanto,	 vimos	 que	 a	 investigação	 histórica	 depende	 de	 alguns	 fatores	 condi-
cionantes	 tais	como	objetividade	e	subjetividade,	do	cuidado	do	historiador	com	relação	
ao	anacronismo	e	a	centralidade	do	documento.	Esses	procedimentos	investigativos	são	
essenciais	para	o	exercício	idôneo	da	escrita	da	história.	Ainda	assim,	os	procedimentos	
em	questão	estão	submetidos	à	figura	do	historiador,	assunto	que	trataremos	a	seguir.
20UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
2 O OFÍCIO DO HISTORIADOR E SEUS DESAFIOS 
Na	História,	bem	como	nas	demais	ciências	humanas	e	sociais	existe	um	paradig-
ma	que	necessita	de	atenção,	pois	nessas	“a	consciência	e	a	razão	existem	tanto	no	sujeito	
quanto	no	objeto,	posto	que	nelas	os	seres	humanos	são	tanto	sujeito	quanto	objeto	do	
conhecimento.”	(CARDOSO;	VAINFAS,	2012,	p.	1).	Como	já	dissemos,	são	seres	humanos	
estudando	outros	seres	humanos,	sociedades,	etc.,	por	essa	razão,	instaura-se	a	proble-
mática	do	sujeito	historiador,	tomando	como	objeto	de	estudo	outros	seres	humanos,	ainda	
que	esses	tenham	vivido	em	outro	espaço	e	outro	tempo.	
Marrou	 (1968),	 em	 seu	 tempo	 já	 deixava	 claro	 que	 “a	 história	 é,	 por	 infortúnio,	
inseparável	do	historiador.”	(MARROU,	1968,	p.	41,	tradução	nossa).	Por	isso,	a	discussão		
incide	 em	quais	 são	 as	 condições	 e	 os	 limites	 da	 produção	 do	 conhecimento	 histórico.	
No	trato	com	o	documento,	a	matéria-prima	do	historiador,	realiza-se	primeiro	uma	crítica	
externa,	separando	as	 informações	relevantes	de	acordo	com	seu	 tema	de	pesquisa	de	
outros	assuntos.	Depois	de	ter	em	mãos	os	testemunhos	que	irá	utilizar,	cabe-lhe	a	crítica	
interna	e	com	 isso	alguns	questionamentos	são	 levantados:	 “estes	 testemunhos	podem	
estar	enganados?”	ou	“eles	tinham	desejam	de	enganar-nos”?	Entre	o	passado	e	a	história,	
existe	a	figura	do	sujeito	cognoscente,	o	historiador,	sem	esta	figura	não	haveria	história.	
(MARROU,	1968).
Na	relação	entre	sujeito	e	objeto	deve	ser	levado	em	consideração	como	se	instau-
ra	a	própria	prática	do	sujeito	historiador,	ou	seja,	como	ele	é	influenciado	pelo	seu	“lugar	
social”:
21UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Toda	pesquisa	historiográfica	se	articula	com	um	lugar	de	produção	sócio-e-
conômico,	política	e	cultural.	Implica	um	meio	de	elaboração	que	circunscrito	
por	determinações	próprias:	uma	profissão	liberal,	um	posto	de	observação	
ou	de	ensino,	 uma	 categoria	 de	 letrados,	 etc.	Ela	 está,	 pois,	 submetida	 a	
imposições,	ligada	a	privilégios,	enraizada	em	uma	particularidade.	É	em	fun-
ção	deste	lugar	que	se	instauram	os	métodos,	que	se	delineia	uma	topografia	
de	interesses,	que	os	documentos	e	as	questões,	que	lhes	serão	propostas,	
se	organizam.	(CERTEAU,	1982,	p.	66-67).	
Em	suma,	o	 local	de	origem,	nacionalidade,	a	etnia/raça,	os	 interesses	políticos,	
a	posição	econômica,	a	religião	do	historiador,	dentre	outros	aspectos,	incide	na	escolha	
das	fontes	de	pesquisa	e	na	interpretação	dos	fatos	históricos.	Assim,	o	lugar	social	desse	
acaba	se	interpondo	na	investigação	do	seu	objeto.	
A	história	da	historiografia	mostrou	que	a	busca	pela	objetividade	total	e	pela	ver-
dade	absoluta	não	podem	se	concretizar	de	fato,	discute-se	então	sobre	a	subjetividade	do	
historiador	subscrita	ao	seu	lugar	de	pertencimento.	O	lugar	social	do	historiador	constrói	o	
seu	centro	de	referência	e	delimita	o	seu	tipo	de	análise.	(CERTEAU,	1982).
Apenas	a	caráter	de	exemplo	podemos	citar	um	conhecimento	que	se	propagou	por	
muito	tempo	na	academia	e	nos	currículos	escolares,	o	de	que	o	Brasil	teria	sido	“descober-
to”	pelos	portugueses.	Mais	recentemente	aqui	no	Brasil,	com	auxílio	da	arqueologia	e	de	
outros	suportes	documentais,	tem	se	ressaltado	a	importância	de	reconhecer	a	existência	
dos	povos	originários,	chamados	indígenas,	como	anteriores	à	chegada	do	europeu.	Esse	
cenário	pode	ilustrar	dois	posicionamentos	distintos:	o	primeiro	reconhece	o	descobrimento	
do	ponto	de	vista	europeu,	 reforçado	durante	anos	nas	universidades	e	escolas	é	 fruto	
de	um	grupo	de	historiadores	comprometidos	com	essa	visão	de	mundo;	o	segundo,	ao	
contrário,	mostra	que	um	grupo	de	historiadores,	em	outro	contexto	social,	que	questiona	
este	ponto	de	 vista	europeu.	São	perspectivas	 cuja	 diferença	nasce	essencialmente	do	
lugar	social	dos	historiadores	que	interpretaram	os	documentos	e	fatos.
Assim,	 o	 conhecimento	 histórico	 é	 feito	 de	 escolhas,	 ainda	 que	 na	maioria	 das	
vezes	sejam	 inconscientes.	Mas	qualquer	ponto	de	vista	é	 válido?	Um	historiador	pode	
se	munir	de	tal	subjetividade	para	justificar	qualquer	que	seja	sua	interpretação?	Certeau	
(1982)	atesta	a	importância	do	reconhecimento	dos	lugares	a	partir	do	qual	o	historiador	
fala	e	seus	métodos	de	análise:
Encarar	a	história	como	uma	operação	será	tentar,	de	maneira	necessaria-
mente	 limitada,	 compreendê-la	 como	 a	 relação	 entre	 um	 lugar	 (um	 recru-
tamento,	 um	 meio,	 uma	 profissão,	 etc.),	 procedimentosde	 análise	 (uma	
disciplina)	e	a	construção	de	um	texto	(uma	literatura).	É	admitir	que	ela	faz	
parte	da	“realidade”	da	qual	trata,	e	que	essa	realidade	pode	ser	apropriada	
“enquanto	atividade	humana”,	“enquanto	prática”	(CERTEAU,	1982,	p.	66).	
22UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Compreender	a	história	como	disciplina	(com	seus	métodos	específicos),	como	es-
crita	(com	suas	formas	literárias	que	narram	o	passado)	e	como	prática	(como	aquela	que	
está	intimamente	ligada	ao	historiador	e	seu	contexto),	é	fundamental	para	o	profissional	
historiador.	Assim,	não	se	pode	negar	a	 influência	do	presente	e	de	aspectos	subjetivos	
do	historiador,	por	isso	para	esse	é	preciso	reconhecer-se	como	agente	ativo	na	operação	
historiográfica.
	Portanto,	é	necessário	que	o	historiador	reconheça	as	influências	e	pressões	a	qual	
está	submetido.	Bem	como	é	fundamental	ter	ciência	que	ao	olhar	para	o	passado	tem-se	
mente	questões	e	conflitos	que	são	próprios	do	seu	tempo:	“[a]	História	têm	como	base	sua	
própria	época,	de	forma	que,	ao	dialogar	com	o	passado,	ele	contemple	os	embates	e	as	
contradições	que	são	próprias	do	seu	presente.”	(COELHO;	MELO,	2017,	p.	211).	
Se	a	história	parte	de	questões	advindas	do	presente	e	o	historiador	está	envolvido	
em	seu	lugar	social,	esse	profissional	teria	alguma	função	na	sociedade?	Cruz	(2011)	es-
clarece	que	as	funções	do	historiador	foram	várias	ao	longo	dos	tempos,	desde	conselheiro	
de	príncipes,	educador,	defensor	da	pátria,	dentre	outros.	O	autor	defende	que	a	principal	
missão	do	historiador	é		fazer	despertar	a	consciência	histórica.	
Para	explicar	a	função	do	historiador	por	meio	do	despertar	da	consciência	históri-
ca,	Cruz	(2011)	parte	das	ideias	de	Jörn	Rüsen,	para	quem	a	História	se	apresenta	como	
um	 retrato	do	passado	 (ainda	que,	 lembre-se,	por	 intermédio	do	historiador),	por	 isso	a	
consciência	histórica	diz	respeito	ao	passado	como	experiência	para	o	presente	e	a	aponta	
para	a	projeção	para	o	futuro.	Assim,	o	passado	através	da	História	não	é	inerte	e	articula	
as	noções	de	passado,	presente	e	futuro	para	o	indivíduo.	
Por	isso,	“A	consciência	histórica	[...]	permite	aos	homens	atribuírem	sentido	a	rea-
lidade	em	que	vivem,	que	permite	a	compreensão	das	transformações	da	existência,	que	
permite	perceber	o	tempo	como	uma	dinâmica	entre	a	experiência	e	a	expectativa.”	(CRUZ,	
2018,	p.13).	Nisso,	reside	a	pesada	função	do	historiador	perante	aos	indivíduos	e	a	socie-
dade.	A	ponte	que	se	faz	entre	a	investigação	histórica	e	a	compreensão	pública,	também	
está	nas	mãos	do	historiador,	bem	como	está	nas	mãos	dos	professores	de	história.	
O	historiador,	como	membro	partícipe	da	sua	sociedade,	tem	como	compromisso	
reconhecer	o	seu	lugar	na	escrita,	seus	condicionamentos,	inclinações	e	limites.	Precisa,	
inclusive,	 reconhecer-se	 como	 agente	 não	 apenas	 produto	 do	 seu	 meio,	 mas	 também	
produtor	da	sua	realidade,	que	a	transforma	e	que	age	em	favor	do	bem-estar	do	“nós”	e	
do	“outro”.
23UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
3 O QUADRIPARTISMO HISTÓRICO E SUAS PROBLEMÁTICAS 
3.1. O que é quadripartismo histórico?
No	Brasil,	 a	 historiografia	 está	 vinculada	 a	 tradições	 específicas	 que	 definem	 o	
modo	como	compreendemos	a	história	e	como	ela	é	ensinada.	Muito	dessa	tradição	está	
calcada	em	uma	historiografia	eurocentrada,	especialmente	a	francesa.	Normalmente,	boa	
parte	dos	currículos	mais	conservadores	adotam	a	divisão	estrutural:	História	Antiga,	His-
tória	Medieval,	História	Moderna	e	História	Contemporânea,	é	uma	história	quadripartida.	
Muitas	 vezes,	 nos	 acostumamos	 com	essa	 divisão	 e	 a	 entendemos	 como	natural,	 sem	
sequer	percebermos	que	ela	é	fruto	de	um	tipo	de	história	que	privilegia	certos	elementos	
em	detrimentos	dos	demais.
O	que	se	aborda	em	cada	uma	destas	divisões?
Quadro	2:	A	divisão	quadripartida	da	história
História Antiga
Compreende	a	antiguidade	do	povo	greco-romano,	por	vezes	faz-
-se	uma	abertura	para	o	estudo	do	Egito	Faraônico	e	dos	impérios	
assírios-babilônicos.	Vai	até	a	queda	do	Império	Romano	no	século	
V.
História Medieval
Começa	a	partir	da	queda	do	Império	Romano	e	organização	dos	
povos	bárbaros,	 abarca	a	Europa	ocidental,	 com	 leve	abertura	 a	
entender	o	Império	Bizantino	(mais	ao	leste	do	continente)	e	países	
árabes.	Compreende	até	por	volta	do	século	XV,	com	a	chamada	
expansão	marítima.
24UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
História Moderna
Está	centrada	exclusivamente	na	Europa,	contemplando	a	expansão	
marítima,	se	encerrando	com	Revolução	Francesa	de	1789.
História Contemporânea
É	única	que	ultrapassa	de	fato	os	limites	do	continente	europeu	e	
concede	um	lugar	para	o	estudo	de	Ásia,	África	e	América,	muitas	
vezes	essa	narrativa	acompanha	o	processo	colonial	a	que	estas	
regiões	foram	submetidas.
Fonte:	Adaptado	de	Chesneaux	(1995)
Você	pode	perceber,	a	partir	do	quadro	apresentado,	que	essa	história	quadripartite	
é	sobretudo	um	história	do	continente	europeu,	com	pouco	espaço	para	demais	regiões	do	
planeta.	Chesneaux	(1995)	afirma	que	essa	divisão	é	fruto	de	uma	concepção	francesa,	já	
que	em	outros	países:
	 o	 passado	 está	 organizado	 de	modo	 diferente,	 em	 função	 de	 pontos	 de	
referências	diferentes.	[...]	Na	Grécia,	a	Antiguidade	chega	até	o	século	XV,	
e	a	ocupação	turca	corresponde	a	uma	espécie	de	Idade	Média.	Na	China,	a	
história	“moderna”	(jindai)	vai	das	guerras	do	ópio	ao	movimento	patriótico	de	
maio	de	1919.	Começa	com	este	último	a	história	“contemporânea”	(jiandai).	
(CHESNEAUX,	1995,	p.	93)
A	estrutura	em	questão	define	não	apenas	os	currículos	da	educação	básica,	mas	
reverbera	nos	campos	de	pesquisa.	Assim,	é	também	uma	forma	de	divisão	do	trabalho	
intelectual,	no	qual	cada	historiador,	dentro	dessas	quatro	grandes	áreas,	se	dedica	a	es-
tudar	uma	região,	um	país	ou	um	tema	específico.	Mas	também	a	nível	ideológico,	procura	
valorizar	o	Ocidente	em	detrimento	dos	povos	não-europeus.	(CHESNEAUX,	1995)	
Muitos	dos	acontecimentos	escolhidos	como	eventos	históricos	marcantes,	nada	
influenciam	em	outras	partes	do	mundo,	mesmo	assim	são	tomados	por	esta	historiogra-
fia	como	cruciais	do	ponto	de	vista	universal.	Cada	período	guarda	em	si	características	
exaltadas	pela	classe	burguesa	dirigente,	que	precisa	compor	seus	valores.	A	Antiguidade	
greco-romana	é	uma	das	bases	dos	valores	da	cultura	burguesa	que	se	instaura	na	mo-
dernidade,	um	exemplo	disso	é	que	até	pouco	tempo	“saber	latim	e	grego	era	um	indício	
seguro	de	que	se	pertencia	à	classe	dirigente”	 (CHESNEAUX,	1995,	p.	95).	Já	a	 Idade	
Média	é	retratada	como	essencialmente	cristã,	que	molda	os	valores	de	família	e	de	uma	
civilização	cristã,	 é	 tomada	como	período	 intermediário	entre	os	 valores	da	Antiguidade	
greco-romana	e	o	alvorecer	da	Europa	moderna.	O	período	seguinte	consagra	o	auge	dos	
“tempos	modernos”	e	escancarou	a	pretensão	por	parte	da	classe	dirigente	em	escrever	a	
história	da	humanidade	inteira.	A	Idade	Contemporânea	traz	em	si	a	história	do	Ocidente	
apto	a	dominar,	em	uma	perspectiva	colonial,	que	é	o	eixo	norteador	das	histórias	de	África,	
Ásia	e	América.	
25UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Trata-se,	no	caso	do	quadripartismo,	de	uma	sequência	ideológica	imposta	como	
universal.	Essa	estrutura	de	desenvolvimento	da	história,	conta	uma	história	pré-moldada	
da	civilização	europeia	como	o	centro	do	mundo,	pautada	em	um	sentido	de	progresso,	
como	podemos	averiguar	abaixo:
Imagem	1:	Sequência	ideológica	da	Grécia	à	Europa	Moderna
Fonte:	Dussel	(2005)	
Dussel	(2005)	adverte	que	este	esquema	tão	arraigado	em	nossa	mentalidade	é,	
na	verdade,	uma	“invenção	ideológica”:
Esta	 seqüência	 é	 hoje	 a	 tradicional.	Ninguém	pensa	 que	 se	 trata	 de	 uma	
“invenção”	ideológica	(que	“rapta”	a	cultura	grega	como	exclusivamente	“eu-
ropéia”	e	“ocidental”)	e	que	pretende	que	desde	as	épocas	grega	e	romana	
tais	culturas	 foram	o	“centro”	da	históriamundial.	Esta	visão	é	duplamente	
falsa:	em	primeiro	 lugar,	porque,	como	veremos,	 faticamente	ainda	não	há	
uma	história	mundial	(mas	histórias	justapostas	e	isoladas:	a	romana,	persa,	
dos	reinos	hindus,	de	Sião,	da	China,	do	mundo	meso-americano	ou	inca	na	
América,	etc.).	Em	segundo	 lugar,	porque	o	 lugar	geopolítico	 impede-o	de	
ser	o	“centro”	(o	Mar	Vermelho	ou	Antioquia,	lugar	de	término	do	comércio	do	
Oriente,	não	são	o	“centro”,	mas	o	limite	ocidental	do	mercado	euro-afro-asiá-
tico).	(DUSSEL,	2005,	p.	27).	
Pensando	dessa	maneira,	o	quadripartismo	histórico	vem	atender	demandas	es-
pecíficas	e	desconsidera	novos	modos	de	organização	da	história,	interferindo	em	nossos	
métodos	e	objetos.	Romper	com	este	paradigma	é	tarefa	difícil,	já	a	colonização	aqui	na	
América	não	trouxe	apenas	uma	nova	organização	sócio-político-econômica,	mas	também	
empreendeu	uma	 colonização	dos	 saberes	 e	 um	sufocamento	 das	 identidades	 locais	 e	
regionais.	Se	o	historiador	em	sua	prática	precisa	cumprir	a	função	social	de	fazer	desper-
26UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
tar	a	consciência	histórica	nos	indivíduos,	é	necessário	se	empenhar	em	construir	novas	
narrativas	que	nos	sejam	próprias	e	tenham	significação	para	o	lugar	social	no	qual	nos	
encontramos.
REFLITA 
Até	que	os	leões	tenham	seus	próprios	historiadores,	as	histórias	de	caça	continuarão	
glorificando	o	caçador.	(Provérbio	africano)
Fonte:	Ballestrin	(2013)
27UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante	essa	unidade,	você	viu	alguns	temas	inerentes	à	prática	da	historiografia.	
Nossa	intenção	foi	oferecer	um	suporte	teórico	sobre	a	escrita	da	história,	para	que	você	
entenda	o	seguinte:	os	fatos	históricos	dependem	de	um	árduo	trabalho	do	historiador	e	
isso	está	ligado	a	uma	tradição,	às	metodologias	específicas	e	também	às	visões	de	mundo	
que	criam	a	narrativa	histórica.	
Assim,	logo	de	início	oferecemos	um	panorama	geral	sobre	o	teor	da	disciplina,	es-
pecificando	alguns	dos	seus	objetivos	centrais.	Discutimos	também,	um	conceito	importan-
te,	o	anacronismo,	descrevendo-o	como	uma	das	principais	práticas	que	o	historiador	deve	
evitar.	Em	seguida,	falamos	de	duas	instâncias	que	estão	sempre	em	qualquer	pesquisa	
histórica:	a	questão	da	subjetividade	e	da	objetividade,	enquanto	elementos	partícipes	da	
produção	do	conhecimento	em	nosso	campo.	Para	finalizar	o	primeiro	tópico,	apresentamos	
questões	inerentes	ao	objeto,	o	passado,		a	fonte	e	os	documentos,	como	traços	essenciais	
da	escrita	da	história.
No	segundo	tópico,	nos	debruçamos	a	entender	o	ofício	do	historiador,	suas	espe-
cificidades,	dado	seu	campo	de	conhecimento,	e	seus	desafios.	Fizemos	isso,	inserindo	a	
noção	de	“lugar	social”	enquanto	conceito	 fundamental	para	compreender	as	 influências	
que	o	 sujeito	 sofre	 em	seu	meio.	Aproveitamos	 também	para	 falar	 brevemente	 sobre	a	
função	do	historiador	em	criar	uma	consciência	histórica	nos	 indivíduos	e	na	sociedade	
como	um	todo.	
No	terceiro	tópico,	que	teve	como	intenção	fazer	uma	análise	crítica	com	relação	
às	estruturas	no	âmbito	da	história	formatadas	de	acordo	com	interesses	específicos,	trou-
xemos	a	noção	de	quadripartismo	histórico.	A	partir	dessa	análise,	você	pôde	compreender	
que,	por	vezes,	é	necessário	desnaturalizar	algumas	práticas	e	entender	as	origens	e	as	
implicações	deste	posicionamento	na	história.
28UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
LEITURA COMPLEMENTAR
CORRESPONDÊNCIA E DEPOIMENTOS ORAIS:REFLEXÕES A PARTIR DA COMPA-
RAÇÃO ENTRE DUAS FONTES DE DADOS PARA O ESTUDO DO PASSADO
Alice	Beatriz	da	Silva	Gordo	Lang
Para	 estudar	 o	 passado,	 recorre	 o	 pesquisador	 a	 documentos	 de	 tipo	 variado,	
utilizando	certamente	técnicas	apropriadas	a	cada	um	e	consistindo	sua	avaliação	numa	
questão	de	extrema	importância.	As	reflexões	ora	apresentadas	têm	por	base	resultados	
de	uma	pesquisa	que,	para	a	obtenção	dos	dados,	fez	uso	de	uma	fonte	escrita,	constituí-
da	por	uma	correspondência	familiar	e	de	uma	fonte	oral,	representada	por	depoimentos	
orais.	A	comparação	entre	ambas	fornece	elementos	valiosos	para	uma	discussão	sobre	
as	possibilidades,	limites,	vantagens	e	desvantagens	do	emprego	de	cada	uma	das	fontes	
utilizadas.	Refiro-me	 à	 pesquisa	 Família	 e	Política	 em	São	Paulo	 (1910-1950)	 que	 tem	
por	objetivo	conhecer	como	o	campo	da	política	era	vivenciado	por	grupos	familiares.	No	
foco	da	análise	coloca-se	a	questão	da	 intersecção	e	da	 interação	entre	os	campos	da	
política	e	da	 família,	 considerando	campos	segundo	a	perspectiva	do	sociólogo	 francês	
Pierre	Bourdieu,	como	sistemas	de	relações	sociais	objetivas,	regidos	cada	qual	por	sua	
lógica	específica.	[...]
Fonte	de	dados:
Foram	utilizadas	duas	fontes	de	dados:
-	Para	o	estudo	das	décadas	iniciais,	10	e	20,	dispunha-se	da	correspondência	de	
uma	família,	constituída	por	centenas	de	cartas,	dando-se	especial	destaque	às	cartas	da	
mulher.
-	Para	o	período	subsequente,	décadas	de	30	e	40,	foram	coletados	relatos	orais	
de	mulheres	de	uma	classe	social	semelhante	à	do	grupo	familiar	estudado	através	da	cor-
respondência	e	que	definimos	como	uma	classe	letrada,	podendo	também	ser	considerada	
média-alta,	considerando	nível	de	instrução	e	padrão	de	vida.	As	entrevistadas,	no	entanto,	
reportam-se	sempre	a	períodos	anteriores	e,	por	outro	lado,	chegam	aos	dias	atuais.
A	comparação	dos	resultados	obtidos	pelas	duas	fontes,	uma	escrita	e	uma	oral,	
versando	 sobre	 a	 vida	 cotidiana	 e	 sobre	 a	 vivência	 de	 acontecimentos	 políticos,	 como	
exemplifica	a	Revolta	de	1924	em	São	Paulo	por	sua	referência	nos	dois	tipos	de	docu-
mentação,	possibilitou	a	discussão	das	próprias	fontes	utilizadas,	colocando-se	questões	
29UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
importantes	ao	pesquisador	que	trabalha	com	relatos	orais,	seja	para	a	reconstrução	de	
fatos,	seja	para	estudos	sociológicos	que	visam	atingir	grupos	e	as	relações	sociais	que	
entre	estes	se	estabelecem.
Referem-se	estas	reflexões	de	modo	especial	à	questão	do	tempo	–	o	passado	e	o	
presente;	à	fixação	na	memória	dos	fatos	que	rompem	o	cotidiano;	ao	processo	seletivo	do	
memorizar	e	do	rememorar.
a)	Correspondência:	O	estudo	das	relações	família	e	política	nas	décadas	de	10	
e	20	tem	por	base,	a	análise	da	correspondência	de	uma	família	e,	de	modo	especial,	as	
Cartas	de	Eugênia.	Eugênia,	paulista,	filha	de	um	advogado	e	Professor	da	Faculdade	de	
Direito,	nasceu	em	1878.	Em	1904	casou-se	com	Otávio,	político	paulista	de	destacada	
atuação	como	deputado	e	depois	como	senador	federal;	Eugênia	era	uma	dona	de	casa,	
mãe	de	cinco	filhos.	A	residência	do	casal	era	em	São	Paulo,	mas	Otávio	passava	grande	
parte	do	ano	no	Rio	de	Janeiro	onde	funcionava	o	Congresso	Nacional.	Às	vezes	Eugênia	
acompanhava	Otávio	no	Rio	de	Janeiro,	onde	ele	morava	em	um	hotel,	como	ocorria	com	
quase	todos	os	políticos	de	outros	Estados.	Estando	Otávio	no	Rio	e	Eugênia	em	São	Pau-
lo,	o	casal	se	correspondia	quase	que	diariamente,	tendo-se	conservado	um	total	de	1335	
cartas	escritas	entre	1910	a	1929,	quando	Otávio	faleceu	vítima	de	um	desastre.	Trata-se	
então	de,	com	base	na	correspondência	familiar	e	através	dela,	apreender	o	cotidiano	fami-
liar	e	o	reflexo,	o	significado	e	a	vivência	dos	acontecimentos	políticos	pelo	grupo	familiar.	
As	referências	aqui	apresentadas	reportam-se	de	modo	especial	às	cartas	de	Eugênia,	que	
têm	nas	de	Otávio	seu	contraponto.
b)	Depoimentos	orais:	Para	o	estudo	das	décadas	subsequentes,	não	se	dispondo	
de	fonte	equivalente	à	utilizada	para	o	estudo	do	primeiro	período,	recorreu-se	a	relatos	
orais.	Foram	coletados	dezesseis	relatos	de	mulheres	que	viveram	em	São	Paulo	no	perío-
do,	mulheres	de	extração	social	semelhante	à	da	família	considerada	no	período	anterior.	
Procura-se,	através	dos	relatos,	captar	a	vivência	cotidiano	e	a	vivência	de	fatos	políticos.	
Considera-se	depoimento	o	relato	que	versasobre	um	tópico	específico.	[...]
Nos	depoimentos	está	presente	um	crivo	seletivo	que	já	teria	atuado	na	memoriza-
ção	e	que	se	faz	sentir	na	própria	rememoração.	Há	uma	reelaboração	do	passado	mediada	
pelos	valores	atuais	do	depoente,	que	é	muito	nítida.	Estas	duas	fontes	-	correspondências	
e	depoimentos	de	grande	riqueza	para	o	conhecimento	do	passado	revelam,	na	vivência	do	
cotidiano	e	de	acontecimentos,	a	dimensão	do	privado,	da	vivência	a	nível	pessoal,	a	nível	
dos	grupos	primários.
Leia	o	artigo	completo	em:	http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732
http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732
30UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
MATERIAL COMPLEMENTAR
LIVRO
• Título:	O	Queijo	e	os	Vermes:	O	Cotidiano	e	as	 Ideias	de	um	
Moleiro	Perseguido	pela	Inquisição
• Autor:	Carlo	Ginzburg
• Editora:	Companhia	das	Letras
• Sinopse:	Ao	pesquisar	 julgamentos	 inquisitoriais,	o	historiador	
Carlo	Ginzburg	deparou-se	com	um	excepcionalmente	detalhado.	
Tratava-se	do	depoimento	de	um	moleiro	do	norte	da	 Itália,	que	
no	século	XVI	ousará	afirmar	que	o	mundo	tinha	origem	na	putre-
fação.	Graças	ao	 fascínio	dos	 inquisidores	pelas	 crenças	desse	
moleiro,	Ginzburg	pôde	reconstituir	a	trajetória	de	Menocchio	num	
texto	claro	e	atraente,	e	desembocar	em	uma	hipótese	geral	sobre	
a	cultura	popular	da	Europa	pré-industrial.
Texto	 disponível	 em:	 https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-
-bolso-205071/p	acesso	em:	15/03/2020
FILME/VÍDEO 
• Título:	Cidades	Fantasmas	
• Ano: 2017
• Sinopse:	 O	 documentário	 passeia	 por	 quatro	 localidades	 di-
ferentes	 no	 deserto	 chileno,	 na	Amazônia	 brasileira,	 nos	Andes	
colombianos	e	no	Pampa	argentino.	O	que	estes	lugares	têm	em	
comum	 é	 que	 eles	 abrigam	 cidades	 fantasmas,	 que	 outrora	 já	
tiveram	vida	ativa.	Estas	histórias	só	podem	ser	contados	através	
dos	meandros	da	memória	de	seus	antigos	moradores.
https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p
https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p
31
Plano de Estudo:
•	Mito	e	História
•	Concepções	sobre	História	na	Antiguidade
•	Concepções	sobre	História	no	Medievo
Objetivos de Aprendizagem:
•	Articular	e	diferenciar	as	apreensões	de	mito	e	História
•	Reconhecer	a	escrita	historiográfica	na	antiguidade	
•	Compreender	a	escrita	da	história	no	período	medieval
UNIDADE II
Concepções Sobre História na 
Antiguidade e no Medievo
Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira
32UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
INTRODUÇÃO
Como	qualquer	outro	 fato,	evento	ou	disciplina,	a	escrita	da	história	possui	uma	
historicidade.	Há	muito	tempo	que	os	seres	humanos	olham	para	o	passado	e	trazem	signi-
ficados	importantes	para	seu	viver	no	presente.	Isso	não	quer	dizer	que	a	história,	tal	como	
a	conhecemos	hoje,	com	seus	métodos,	objetos	e	fontes,	sempre	tenha	existido,	mas	sim	
que	os	povos	que	nos	sucederam	lidaram	com	formas	específicas	com	o	seu	passado.	
Ainda	nas	primeiras	 formas	de	organização	de	sociedade,	é	possível	ver	alguns	
recursos	que	eram	utilizados	pelos	arcaicos.	Os	mitos,	neste	sentido,	se	mostravam	como	
narrativa	possível	de	um	passado	 fabuloso	e	primordial.	Mas,	esse	passado	não	estava	
inerte	e	perdido	em	algum	ponto	de	outrora.	Ele	se	 fazia	presente	e	de	 forma	cotidiana	
para	os	membros	das	civilizações	tradicionais	e	isso	era	possível	por	meio	da	reatualização	
do	mito.	É	sobre	essa	dinâmica	das	sociedades	ditas	primitivas	que	você	contemplará	no	
primeiro	tópico	de	nossa	unidade.	
Em	continuação,	você	perceberá	que	é	na	Antiguidade	que	vão	surgir	os	primeiros	
pensadores	preocupados	em	olhar	para	o	passado	e	 sistematizá-lo.	O	grego	Heródoto,	
nesse	sentido,	foi	considerado	o	“pai	da	história”,	pois	mesmo	em	uma	sociedade	onde	a	
explicação	mítica	predominava,	trouxe	os	seres	humanos	como	agentes	próprios	de	sua	
história,	além	de	ter	fundamentado	a	ideia	de	diferença	entre	os	povos.	Outros	pensadores	
helenos	e	romanos	contribuíram	significativamente	para	a	escrita	da	história	durante	toda	a	
antiguidade	clássica	e	vão	fornecer	as	bases	para	a	historiografia	ocidental.	
No	terceiro	e	último	tópico,	vamos	nos	debruçar	pela	escrita	da	história	no	período	
medieval.	Certamente,	o	medievo	esteve	marcado	pelo	 jugo	moral,	 econômico,	político,	
religioso	da	Igreja	Católica	e	isso	não	poderia	deixar	de	se	reverberar	na	escrita	da	história.	
Vamos	ver	que	o	ser	humano	vai	ocupar	um	lugar	secundário	com	relação	aos	desígnios	
divinos.	Observaremos	também	que	a	noção	de	temporalidade	será	radicalmente	modifi-
cada.	
Bons Estudos!
33UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
1 MITO E HISTÓRIA
Você	viu	na	unidade	anterior	que	a	escrita	da	história	tem	uma	função	explicativa	
para	 o	 tempo	 presente.	A	 história,	 através	 de	 seus	métodos	 e	 práticas,	 busca	 delinear	
narrativas	sobre	o	passado	cientificamente	validadas	e	que,	muitas	vezes,	estão	de	acordo	
com	as	demandas	específicas	de	nossa	época,	com	o	lugar	social	do	historiador	e	com	as	
possibilidades	que	a	memória	coletiva	nos	impõe.	O	ser	humano,	em	geral,	sempre	lidou	
com	o	passado	de	uma	forma	significativa	para	em	seu	presente,	se	hoje	a	história	lida	com	
a	memória	através	de	olhar	crítico	e	com	base	em	documentos,	as	civilizações	tradicionais,	
ditas	primitivas,	ressignifcavam	o	passado	por	meio	dos	mitos	e	eles	foram	e	ainda	são,	de	
alguma	forma,	essenciais	para	a	construção	das	sociedades.	
Normalmente,	quando	ouvimos	a	palavra	“mito”	a	entendemos	como	sinônimo	de	
lenda,	fábula,	ou	mesmo	inverdade	e	essa	nossa	construção	imaginária	em	torno	do	termo	
também	foi	construída	historicamente.	Eliade	(2013)	relata	que	o	estudo	dos	mitos,	desde	
meados	do	século	XX,	tem	sido	sensivelmente	diferente	do	que	era	estudado	no	século	
XIX,	período	no	qual	reforçou-se	a	ideia	de	que	a	narrativa	mitológica	dos	povos	“primitivos”	
estudados	era	essencialmente	falsa.	No	entanto,	caro	(a)	estudante,	gostaríamos	de	chamar	
atenção	para	a	seguinte	situação:	a	tal	ideia	de	falsidade	também	estava	fatalmente	arrai-
gada	aos	valores	eurocêntricos	dos	pesquisadores	do	século	XIX,	que	ao	entender-se	e	
entender	seu	próprio	lugar	social	como	produtor	de	verdades,	olhava	para	o	outro,	para	a	
construção	de	realidade	do	outro	como	falsa.	
34UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
Eliade	(2013)	propõe	que	ao	olharmos	para	as	narrativas	míticas,	em	um	exercício	
de	alteridade	–	reconhecimento	da	singularidade	do	outro	–	olhemos	para	os	mitos	como	
“histórias	verdadeiras”.	Mas	o	que	se	define	como	mito?
Em	outros	termos,	o	mito	narra	como,	graças	às	façanhas	dos	Entes	Sobre-
naturais,	uma	realidade	passou	a	existir,	seja	uma	realidade	total,	o	Cosmo,	
ou	apenas	um	fragmento:	uma	ilha,	uma	espécie	vegetal,	um	comportamento	
humano,	uma	instituição.	É	sempre,	portanto,	a	narrativa	de	uma	“criação”:	
ele	 relata	 de	 que	 modo	 algo	 foi	 produzido	 e	 começou	 a	 ser.	 O	mito	 fala	
apenas	 do	 que	 realmente	 ocorreu,	 do	 que	 se	manifestou	 plenamente.	Os	
personagens	 dos	mitos	 são	 os	Entes	Sobrenaturais.	 Eles	 são	 conhecidos	
sobretudo	pelo	que	fizeram	no	tempo	prestigioso	dos	“primórdios”.	Os	mitos	
revelam,	 portanto,	 sua	 atividade	 criadora	 e	 desvendam	 a	 sacralidade	 (ou	
simplesmente	 a	 “sobrenaturalidade”)	 de	 suas	 obras.	 Em	 suma,	 os	 mitos	
descrevem	as	diversas,	e	algumas	vezes	dramáticas,	irrupções	do	sagrado	
(ou	do	“sobrenatural”)	no	Mundo.	(ELIADE,	2013,	p.	9).	
A	partir	 da	citação	acima	podemos	 resumir	algumas	características	básicas	dos	
mitos:
●	 Narram	 uma	cosmogonia,	 ou	 seja,	 o	 início	 de	 algo	 (por	 exemplo:	 início	 do	
planeta	 terra,	princípio	de	alguma	atividade,	 surgimento	dos	seres	humanos,	
etc.)
●	 Dizem	 respeito	 	um	 tempo	mítico,	que	não	obedece	os	mesmos	padrões	do	
tempo	profano	e	cotidiano.	
●	 São	essencialmente	histórias	sagradas,envolvem	entes	sobrenaturais	e	suas	
ações.	
●	 Assim,	sempre	estão	ligados	a	questão	“criadora”	e	“sobrenatural”	para	explicar	
a	vida	terrena.
Um	mito	pode	contar	diversas	histórias,	Eliade	(2013)	nos	mostra	o	exemplo	de	um	
mito	cosmogônico	da	região	do	Tibet,	que	busca	explicar	a	origem	sagrada	das	dinastias	
reais	tibetanas:	
Da	essência	dos	cinco	elementos	primordiais,	nasceu	um	grande	ovo...	De-
zoito	ovos	saíram	da	gema	desse	ovo.	O	ovo	do	meio,	dentre	os	dezoito	ovos,	
um	ovo	concóide,	separou-se	dos	demais.	Esse	ovo	concóide	desenvolveu	
membros,	 e	 depois	 os	 cinco	 sentidos,	 tudo	 perfeito,	 convertendo-se	 num	
jovem	de	tão	extraordinária	beleza,	que	parecia	a	concretização	de	todos	os	
desejos	(yid	la	smon).	Por	isso,	foi	chamado	de	rei	Ye-smon.	A	rainha	Tchu-
-lchag,	sua	esposa,	deu	à	luz	um	filho,	capaz	de	se	transformar	por	meio	de	
magia,	Dbang-ldan.	(MACDONALD,	1959,	p.428	apud	ELIADE,	2013,	p.	20).
Não	nos	cabe	julgar	a	veracidade	de	uma	narrativa	mitológica,	pois	para	aquelas	
sociedades	o	mito	conta	uma	história	real	e	esta	história	incide	no	modo	de	organização	
daquela	comunidade.	Eliade	(2013)	afirma	que	a	principal	função	do	mito	é	mostrar	modelos	
35UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
exemplares,	sobre	os	quais	todas	as	atividades	humanas	significativas	devem	se	pautar,	
como	 a	 alimentação,	 o	 trabalho,	 o	 casamento,	 a	 iniciação,	 a	 educação,	 dentre	 outros.	
Em	muitas	tribos,	os	mitos	não	são	contados	diante	de	mulheres	ou	crianças,	ou	mesmo	
perante	a	não-iniciados,	mesmo	assim	faz	parte	da	memória	coletiva	daqueles	povos	e	“é	
transmitida	de	uma	geração	para	a	outra,	em	parte	através	do	processo	comum	da	vida	em	
sociedade,	sem	nenhum	esforço	consciente	de	ninguém.”	(FINLEY,	1989,	p.	20).	
Eliade	(2013)	aponta	que	os	mitos	nas	civilizações	“primitivas”	exprimem	e	codi-
ficam	a	crença,	além	disso,	 impõe	os	princípios	morais,	garante	os	a	eficácia	do	ritual	e	
também	fornece	regras	práticas	de	conduta.	Podemos	considerar,	portanto,	o	mito	como	
vital	para	a	civilização	humana	e	não	apenas	uma	fábula	ou	algo	a	ser	desmerecido,	pois,	
codifica	a	religião	primitiva	e	a	vida	cotidiana,	os	trabalhos	e	o	destino	da	humanidade.	
Assim,	o	mito	é	vivido,	ou	seja,	não	há	uma	dissociação	das	narrativas	do	passado	
de	caráter	sagrado	com	o	modo	de	viver	da	sociedade.	É	importante	lembrar,	no	entanto,	
que	a	vivência	do	mito	está	intrinsecamente	ligada	aos	ritos,	ou	seja,	momentos	nos	quais	
o	mito	é	 reatualizado,	 lembrado	de	determinada	 forma	em	 tempos	específicos.	Para	as	
sociedades	tradicionais	é	necessário	sempre	reviver	o	mito	por	intermédio	do	rito,	momento	
no	qual	os	homens	imitam	os	deuses	ou	entes	sobrenaturais.	
[…]	 o	 essencial	 consiste	 em	 evocar	 periodicamente	 o	 acontecimento	 pri-
mordial	que	 fundou	a	condição	humana	atual.	Toda	a	sua	vida	 religiosa	é	
uma	comemoração,	uma	rememoração.	A	recordação	reatualizada	por	ritos	
[…]	desempenha	um	papel	decisivo:	o	homem	deve	evitar	cuidadosamente	
esquecer	 o	 que	 se	 passou.	 [...]	 A	memória	 pessoal	 não	 entra	 em	 jogo:	 o	
que	conta	é	rememorar	o	acontecimento	mítico,	o	único	digno	de	interesse,	
porque	é	o	único	criador.	É	ao	mito	primordial	que	cabe	conservar	a	verda-
deira	história,	a	história	da	condição	humana:	é	nele	que	é	preciso	procurar	e	
reencontrar	os	princípios	e	os	paradigmas	de	toda	conduta.	(ELIADE,	1992,	
p.	53).
A	vida	daquela	sociedade	é	regida	por	rememoração	dos	mitos	por	intermédio	dos	
ritos.	Eliade	 (1992)	exemplifica	a	seguinte	situação	em	uma	dada	sociedade	 tradicional:	
uma	jovem,	em	sua	menarca,	é	impelida	a	ficar	retida	em	uma	cabana	escura	por	três	dias,	
sem	falar	com	ninguém.	Ela	faz	isso	porque	na	narrativa	mítica	que	diz	que	um	ser	divino,	
identificada	como	uma	jovem,	ao	ser	morta	foi	transformada	na	Lua	e	permanece	três	dias	
nas	trevas.	É	importante,	portanto,	que	a	jovem	siga	esta	narrativa	mítica,	caso	contrário	
torna-se	culpada	do	esquecimento	de	um	acontecimento	considerado	primordial.	
Por	mais	que	estas	narrativas	míticas	não	encontrem	mais	sentido	na	sociedade	
moderna	que	vivemos	hoje,	é	importante	notar	que	a	percepção	sobre	o	passado	na	forma	
de	narrativa	míticas	constituía	a	vivência	das	sociedades	consideradas	primitivas.	Finley	
(1989)	comenta	que	a	história	quando	ela	começou	a	se	delinear	estava	imersa	em	um	mar	
36UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
de	mitos,	na	verdade	os	chamados	“pais	da	história”	trabalhavam	a	partir	destes,	sendo	o	
passado	uma	massa	desconexa	de	fatos.	
Por	isso,	é	preciso	afirmar	que	muito	antes	da	história	se	constituir	como	ciência	
o	mito	deu	uma	resposta.	O	mito	organizava	o	passado	e	essa	era	uma	de	suas	funções,	
ele	selecionava	e	revivia	aspectos	dele,	significavam	o	presente	e	todas	estas	narrativas	
eram	tomadas	como	literalmente	verdadeiras.	(FINLEY,	1989).	Ainda	assim,	havia	entre	os	
“primitivos”	a	distinção	entre	“histórias	verdadeiras”	e	“histórias	falsas”.	As	histórias	verda-
deiras,	como	já	dissemos,	são	de	caráter	sagrado,	se	assentando	num	passado	distante	e	
fabuloso,	as	histórias	falsas	por	sua	vez,	caracterizada	por	contos,	envolvem	personagens	
profanos,	sendo	pertencentes	ao	mundo	cotidiano.	(ELIADE,	2013).	
Em	suma,	podemos	dizer	que	os	mitos:
1)	 [constituem]	 a	 História	 dos	 atos	 dos	 Entes	 Sobrenaturais;	 2)	 que	 essa	
História	é	considerada	absolutamente	verdadeira	 (porque	se	refere	a	reali-
dades)	e	sagrada	(porque	é	a	obra	dos	Entes	Sobrenaturais);	3)	que	o	mito	
se	 refere	 sempre	 a	 uma	 “criação”,	 contando	 como	 algo	 veio	 à	 existência,	
ou	 como	um	padrão	 de	 comportamento,	 uma	 instituição,	 uma	maneira	 de	
trabalhar	 foram	estabelecidos;	essa	a	 razão	pela	qual	os	mitos	constituem	
Os	paradigmas	de	todos	os	atos	humanos	significativos;	4)	que,	conhecendo	
o	mito,	conhece-se	a	“origem”	das	coisas,	chegando-se,	conseqüentemente,	
a	dominá-las	e	manipulá-las	à	 vontade;	não	se	 trata	de	um	conhecimento	
“exterior”,	 “abstrato”,	mas	 de	 um	 conhecimento	 que	 é	 “vivido”	 ritualmente,	
seja	 narrando	 cerimonialmente	 o	mito,	 seja	 efetuando	 o	 ritual	 ao	 qual	 ele	
serve	de	justificação;	5)	que	de	uma	maneira	ou	de	outra,	“vive-se”	o	mito,	no	
sentido	de	que	se	é	impregnado	pelo	poder	sagrado	e	exaltante	dos	eventos	
rememorados	ou	reatualizados.	(ELIADE,	2013,	p.	18).	
A	relação	que	as	sociedades	arcaicas	desenvolveram	com	o	passado	é	completa-
mente	diferente	da	nossa,	mas	guarda	similitudes,	já	que	os	mitos	não	explicam	apenas	a	
origem	do	mundo,	dos	homens,	das	plantas	e	dos	animais,	eles	são	um	artifício	que	explica	
como	o	ser	humano	se	constituiu	no	que	é	hoje.	(ELIADE,	2013).	A	História	que	interessa	
para	 o	 homem	destas	 sociedades	 é	 apenas	 a	 história	 sagrada,	 ele	 se	 constitui	 dela,	 o	
homem	moderno,	ao	contrário,	se	vê	como	 fruto	unicamente	da	história	profana.	 (ELIA-
DE,	1992).	Dessa	 forma,	 “assim	como	o	homem	moderno	se	considera	constituído	pela	
História,	o	homem	das	sociedades	arcaicas	se	proclama	o	resultado	de	um	certo	número	
de	eventos	míticos.”	(ELIADE,	2013,	p.	13).	Há	também	uma	diferença	fundamental	entre	
homem	moderno	e	o	das	sociedades	arcaicas,	o	primeiro	não	se	sente	obrigado	a	conhecer	
a	totalidade	da	sua	história,	ao	passo	que	o	homem	arcaico	não	apenas	deve	conhecê-la	
em	sua	totalidade,	mas	também	deve	relembrá-la	por	meio	dos	ritos.	
O	 passado	 por	 intermédio	 dos	 mitos	 acompanha	 também,	 para	 as	 sociedades	
arcaicas,	 um	 conhecimento	mágico-religioso.	Assim,	 conhecer	 a	 origem	de	 uma	planta,	
animal,	etc.,	significa	adquirir	um	poder	mágico	sobre	eles,	ou	seja,	dominá-los	e	utilizá-los	
37UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
para	os	fins	que	se	deseja.	(ELIADE,	2013).	Para	os	gregos	também	o	mito	era	fundamental	
para	as	questões	do	espírito,	“com	ele,	aprendiam	moralidade	e	conduta;	as	virtudes	da	
nobreza	[...]	e	ainda	sobre	raça,	culturae	ainda	sobre	política.”	(FINLEY,	1989,	p.	6).	
Nas	narrativas	das	sociedades	arcaicas	o	tempo	obedece	a	outro	ritmo,	ele	é	cíclico,	
ou	nas	palavras	de	Eliade	(1992)	é	caracterizado	por	um	“eterno	retorno”,	em	consequência	
disso,	os	mitos	vão	contar	a	história	infindável	de	criação,	destruição,	criação	e	assim	por	
diante.	 Isso	 foi	 visto	nas	 culturas	da	 Índia,	Grécia	e	em	outras	 sociedade	paleorientais.	
Porém,	o	sentido	de	tempo	é	transfigurado	em	algumas	civilizações,	calcadas	em	outros	
tipos	de	 religiões,	 como	é	o	caso	do	 judaísmo,	para	o	qual	o	 tempo	não	é	cíclico,	mas	
possui	início	e	terá	um	fim.	Já	com	o	cristianismo	o	tempo	histórico	adquire	outra	forma,	
já	não	se	vangloria	o	tempo	mítico	como	primordial,	mas	toma-se	a	narrativa	histórica	dos	
evangelhos.	
Marca-se	então,	uma	diferença	importante	na	concepção	de	tempo	após	o	advento	
do	cristianismo:
Quando	um	cristão	de	nossos	dias	participa	do	Tempo	litúrgico,	volta	a	unir	se	
ao	illud tempus em	que	Jesus	vivera,	agonizara	e	ressuscitara	–	mas	já	não	
se	trata	de	um	Tempo	mítico,	mas	do	Tempo	em	que	Pôncio	Pilatos	governava	
a	judéia.	Para	o	cristão,	também	o	calendário	sagrado	repete	indefinidamente	
os	mesmos	acontecimentos	da	existência	do	Cristo,	mas	esses	acontecimen-
tos	desenrolaram-se	na	História:	já	não	são	fatos	que	se	passaram	na	origem	
do	Tempo,	“no	começo”.	(ELIADE,	1992,	p.	58)	
Entre	história,	tal	como	ela	se	constitui	hoje,	e	os	mitos	existem	diferenças	marcan-
tes	no	olhar	para	o	passado,	ainda	que	em	aspectos	muito	específicos	guarde	similitudes,	
as	quais	não	iremos	explorar	neste	momento.	Se	as	sociedades	arcaicas	tendiam	a	res-
significar	o	passado,	especialmente	o	primordial,	como	modelo	explicativo,	essencialmente	
sagrado	e	total,	na	contemporaneidade	entendemos	a	história	de	maneira	fragmentária	e	
nos	desligamos	de	seu	sentido	sagrado	em	um	movimento	de	dessacralização.	É	importan-
te	entender,	entretanto,	que	as	narrativas	míticas,	por	mais	que	sejam	traço	marcante	das	
sociedades	arcaicas,	não	foram	abolidas	na	sociedade	moderna,	os	mitos	não	necessaria-
mente	morrem,	mas	adquirem	outras	roupagens,	ainda	que	haja	um	movimento	consciente	
por	parte	de	uma	ciência	“esclarecida”	que	nega	quaisquer	influências	destes	em	nossos	
tempos.	Portanto,	 frisamos	que	a	escrita	da	história,	ou	melhor,	o	olhar	para	o	passado	
não	obedece	uma	linha	evolutiva	de	melhora,	como	já	dissemos,	a	produção	de	uma	dada	
sociedade	deve	ser	vista	de	acordo	com	seus	próprios	parâmetros.
38UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
2 CONCEPÇÕES SOBRE HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE
A	história	da	historiografia	marca	alguns	episódios,	lugares	e	personagens	conside-
rados	essenciais	para	o	desenvolvimento	da	disciplina.	Ainda	assim,	antes	de	começarmos	
é	preciso	advertir	que	a	narrativa	a	seguir	está	ancorada	em	uma	perspectiva	ocidental	da	
escrita	da	história	e	não	coloca	os	personagens,	fatos	e	contextos	em	posição	de	universa-
lidade,	mas	compreende	a	importância	de	determinadas	correntes	para	a	formação	do	que	
hoje	se	compreende	ser	de	suma	importância	estudar	em	nosso	campo	de	conhecimento.	
Por	isso,	é	necessário	reconhecer	a	influência	de	determinados	pensadores	para	a	consti-
tuição	de	determinada	tradição	histórica.	
Considera-se	que	a	História	tenha	surgido	por	meio	de	Heródoto,	que	mais	tarde	
ganhou	o	título	de	“pai	da	História”.	Heródoto	viveu	no	século	V	a.C	em	Halicarnasso,	região	
hoje	chamada	de	Turquia,	porém,	ele	peregrinou	por	várias	regiões	como	o	Egito	(antes	
Kemet),	Fenícia,	a	Trácia,	a	Grécia	continental	e	o	norte	da	África.	É	importante	frisar	que	
Heródoto,	em	sua	vivência	em	Atenas,	inseriu-se	no	contexto	do	nascimento	não	apenas	da	
história,	mas	também	da	geografia,	do	direito,	da	medicina,	dentre	outros.	(EYLER,	2012)	
Atenas,	uma	das	polis	gregas,	vivia	uma	atmosfera	de	novos	pensadores	que	se	
desligavam	do	caráter	mítico-explicativo	que	estava	nas	mãos	dos	adivinhos	ou	“mestres	
da	verdade”,	assim,	buscava-se	outra	forma	de	relação	com	o	meio,	com	o	presente,	com	
as	palavras	e	as	coisas.	A	dessacralização	da	explicação	do	ser	atesta	a	construção	do	
mundo	propriamente	humano,	 “o	que	necessariamente	altera	as	 relações	deste	com	as	
39UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
divindades,	com	a	percepção	de	tempo”	(EYLER,	2012,	p.	13).	O	surgimento	da	história	
se	encontrou,	portanto,	fortemente	ancorado	na	perspectiva	da	construção	do	que	deveria	
ser	lembrado	sob	a	ótica	humana	e	não	mais	dos	deuses	e	entes	sobrenaturais.	(EYLER,	
2012).
Heródoto,	 inserido	neste	contexto,	escreve	História	 (este	é	o	nome	da	obra),	no	
intuito	de	narrar	as	Guerras	Médicas,	que	envolveram	gregos	e	bárbaros.	Diferentemente	
das	epopeias	homéricas,	que	colocavam	deuses	contracenando	com	homens	para	narrar	o	
mesmo	conflito,	Heródoto	ainda	traz	a	figura	dos	deuses,	mas	com	certo	constrangimento,	
já	o	eixo	central	da	sua	obra	é	explicar,	do	ponto	de	vista	humano,	como	os	homens	bri-
gavam	entre	si	e	como	se	podia	empreender	uma	investigação	para	analisar	determinado	
fato.	(EYLER,	2012)	
Com	 Heródoto	 são	 evidenciados	 alguns	 valores	 da	 investigação	 histórica.	 Ele	
esforça-se	para	 rememorar	as	possíveis	causas	das	guerras,	 colhendo	depoimentos	de	
diferentes	povos	e	reconhecendo	as	diferenças	destes	testemunhos	por	conta	da	cultura	
de	cada.	O	pensador	não	se	desfaz	completamente	do	passado	mítico	grego,	mas	“lida	de	
modo	distinto	com	os	mitos	na	medida	em	que	a	veracidade	de	sua	História	dependia	da	
criação	de	um	método	humano	através	do	qual	ele	pudesse	controlar	o	valor	das	fontes	que	
recolhia	e	colocava	diante	dos	seus	olhos.”	(EYLER,	2012,	p.	16).
Em	seus	escritos	encontra-se	a	preocupação	em	deixar	registrado	grandes	feitos	
para	que	estes	não	fossem	varridos	da	memória.	Heródoto	também	trouxe	novas	perspec-
tivas	sobre	o	espaço	e	tempo,	categorias	fundamentais	para	a	história.	Pois,	se	para	os	
antigos	o	tempo	era	algo	objetivo	e	natural,	pertencente	à	natureza,	e	o	lugar	dizia	respeito	
às	 coisas	 que	 ali	 habitavam,	 para	Heródoto	 que	 andou	 por	 diversas	 culturas	 coletando	
relatos	estranhos	ao	mundo	grego,	tempo	e	lugar	adquiriam	contornos	plurais	e	estavam	
condicionados	a	cada	sociedade.	(EYLER,	2012).
Heródoto,	concede	espaço	às	questões	humanas:
Pela	 primeira	 vez,	 aparece	 a	 necessidade	 dos	 homens	 lutarem	 com	 suas	
próprias	armas	contra	o	esquecimento	(léthes).	A	história	inaugura,	de	modo	
crítico	e	metódico,	uma	nova	forma	de	garantir	uma	verdade	(aletheia)	que	
não	mais	depende	da	autoridade	das	Musas	e	dos	poetas	em	sua	transmis-
são.	(EYLER,	2012,	p.	22).	
É	possível	dizer,	portanto,	que	Heródoto	inaugura	um	novo	modo	de	pensar,	além	
de	conceder	espaço	para	o	tempo	humano	em	narrativa,	ele	empreende	um	novo	método	
a	partir	de	pesquisas	cosmológicas,	geográficas	e	etnográficas.	Dessa	maneira,	a	escrita	
da	história	em	Heródoto	significa	“pesquisa”	e	“investigação”	e	isso	se	vê	quando	este	se	
40UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
propõe	a	analisar	a	guerra	entre	os	gregos	e	os	persas.	Sua	investigação	está	pautada	em	
eventos	recentes,	diferindo	das	narrativas	mitológicas	que	atestam	um	tempo	longínquo,	
ainda	que	o	pensador	precise	regressar	um	pouco	no	tempo	para	buscar	as	causas	daquilo	
que	narra.
Assim,	
A	 escrita	 da	 história	 em	 Heródoto	 dispõe	 de	 um	 modo	 de	 conhecimento	
apropriado	que	combina	três	operações	intelectuais:	refletir	sobre	os	casos	
presentes,	 compará-los	 com	os	casos	passados	que	oferecem	circunstân-
cias	análogas,	 tirar	conclusões	que	permitam	prever	como	algo	vai	evoluir.	
(EYLER,	2012,	p.	36-37)
Ainda	assim,	é	importante	salientar,	que	na	sociedade	helênica	(grega),	enxerga-
mos	a	passagem	do	mythos	para	o	 logos,	ou	seja,	da	explicação	mítica	pela	 razão,	no	
contexto	do	nascimento	da	filosofia.	Heródoto,	apesar	de	se	pautar	pela	racionalidade,	não	
evitava	totalmente

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