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Linguagens da Arte e Regionalidades Aula 9: Intercâmbio entre as linguagens da arte – Literatura e cinema Apresentação Nessa aula, você aprenderá um pouco sobre a história do cinema no Brasil e como as nossas produções cinematográ�cas se desenvolveram a partir do século XX. Entenderemos, também, a importância das adaptações de obras literárias para o cinema. Objetivos Adquirir conhecimentos gerais sobre a história do cinema no Brasil; Compreender o contexto histórico e social das obras Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Macunaíma, de Mário de Andrade; Estabelecer relações entre as obras literárias Vidas Secas e Macunaíma e suas adaptações para o cinema realizadas, respectivamente, por Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade. Literatura e Cinema: Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos (vidas Secas), Mário de Andrade e Joaquim Pedro de Andrade (macunaíma). A História do Cinema no Brasil: O Domínio de Hollywood e os Cineastas Pioneiros Crítico alemão Anatol Rosenfeld Segundo Anatol Rosenfeld, o cinema pode ser considerado sob duas perspectivas fundamentais: arte e indústria. E, ao contrário do que se supõe, o cinema como arte seria uma segunda função, já que a indústria cinematográ�ca ocupa-se do entretenimento, portanto, procura atingir o maior número possível de espectadores. Nesse caso, exclui-se o trabalho estético mais depurado, o qual reduziria o público-alvo a ser atingido. Assim, o artista que se aventura a expressar-se através do cinema vê-se dividido entre atender aos interesses da indústria cinematográ�ca e orientar a produção de um �lme em conformidade com o seu processo criativo. No entanto, Rosenfeld ainda argumenta que tanto não é verdade que as limitações impostas ao artista impeçam a elaboração de �lmes que sejam obras de arte, como não se con�rma a ideia de que os artistas de vanguarda que se aventuraram no cinema não tenham se submetido a exigências sociais, ou seja, que, ao criar obras literárias em termos de conteúdo e estética, não tenham eles também atendido a um mercado especí�co. A História do Cinema No Brasil: O domínio de Hollywood e Os Cineastas Pioneiros Foto: Adalberto Pena, João Batista de Souza e Mazzaropi No Brasil, esse dilema do artista - ainda que não seja fator determinante para a elaboração de um �lme - intensi�cou-se em épocas de ditadura, pois, como vimos na aula 2, a censura atuou severamente sobre o processo de criação artística. Se estudarmos a história do cinema no Brasil, veri�caremos que os primeiros �lmes foram rodados ainda no século XIX, mas eles não se enquadram em nosso estudo, visto serem apenas imagens e não adaptações literárias. É no século XX, com a chegada de imigrantes italianos a São Paulo, que surgem as primeiras adaptações de romances brasileiros, produzidas por Antônio Campos: Inocência (1915), do romance de Visconde de Taunay, e "O Guarani" (1916), adaptado da obra homônima de José de Alencar. No Rio de Janeiro, destaca-se o nome de Luiz de Barros, que, até os anos 70, realizou mais de 60 �lmes, entre os quais as seguintes adaptações: A Viuvinha (1915), Iracema (1918) e Ubirajara (1919), todos de José de Alencar. Posteriormente, uma nova versão para O Guarani (1926), do ator italiano radicado no Brasil Vittorio Capellaro, será o primeiro �lme brasileiro com boa aceitação do público. O cinema brasileiro, porém, não vive exclusivamente de adaptações literárias; ao contrário, essas produções eram em menor número do que os �lmes propagandísticos, feitos por encomenda. Muitas vezes, noticiários são exibidos nas telas de cinema, formando o que se tornou conhecido pela denominação de cinejornal. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o mercado cinematográ�co europeu entra em declínio e os Estados Unidos dominam o cenário. Revistas especializadas invadem o Brasil trazendo as novidades de Hollywood e todos querem saber da vida dos astros e estrelas e imitar seu estilo. Nesse contexto, o cinema brasileiro recua e registram-se apenas ciclos regionais, importantes, mas sem repercussão nacional. Destaca-se o cineasta Humberto Mauro com os �lmes Ganga bruta (1933) e Favela dos meus amores (1935). Clark Gable e Vivien Leigh em E o Vento Levou (1939) Carmem Miranda em Entre a Loura e a Morena (1943) Curiosamente, é uma evolução do cinema que di�cultará a entrada de �lmes norte-americanos no Brasil a partir da década de 30: o cinema falado. Ocorre que não há salas devidamente preparadas no Brasil para exibir �lmes que exigiam legendas. No entanto, a indústria cinematográ�ca norte-americana resolve os problemas técnicos rapidamente e, com intensa propaganda, faz com que o público brasileiro acostume-se a ver �lmes legendados. O estúdio brasileiro Cinédia imita o modelo norte-americano de agilidade e diversão e dá início a um ciclo de sucesso estrelado por Carmen Miranda. Nos anos 40, o empresário Franco Zampari cria a produtora Vera Cruz, com equipamentos importados, produções caras e elenco �xo, como fazia Hollywood. Produzem-se �lmes com diversidade temática dirigidos por Alberto Cavalcanti, cineasta formado na Europa: romances, melodramas e comédias assumem uma dicção brasileira. Mazzaropi Tem início um sucesso de público que compete com os �lmes norte-americanos: as comédias estreladas pelo �gura caipira de Mazzaropi. Paralelamente, surgem as chanchadas da Atlântida Cinematográ�ca. Luiz Severiano Ribeiro compra a Atlântida e destaca-se como distribuidor e produtor de �lmes. Os artistas de sucesso da Atlântida são: os comediantes Oscarito, Grande Otelo e Ankito; os “galãs” Cyll Farney e Anselmo Duarte; a “mocinha” Eliana; o “vilão” José Lewgoy; e os cantores Sílvio Caldas, Marlene, Emilinha Borba e Linda Batista. No �nal dos anos 1950, a fórmula das chanchadas cansa o público, e a televisão, recém-chegada ao Brasil, contrata os principais artistas das telas, dando continuidade ao ciclo da arte no país. O grande obstáculo ao sucesso do cinema nacional era a distribuição de �lmes. O estúdio Vera Cruz é fechado e outras produtoras brasileiras têm o mesmo destino. O �lme O Sobrado (1956), de Walter George Durst, adaptado da obra de Érico Veríssimo, é considerado um dos mais belos até então realizados. Carlos Manga, posteriormente também cooptado para a televisão, é o diretor de maior sucesso. O Cinema Novo Nos anos 1950, surge, entre intelectuais brasileiros, uma grande discussão acerca da in�uência do cinema norte- americano nas produções brasileiras. Em 1952 acontecem o I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro e o I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, durante os quais foram discutidas novas ideias para a produção de �lmes nacionais. Os jovens cineastas andavam frustrados com a falência das companhias cinematográ�cas e resolveram lutar por um cinema de “conteúdo”, oposto às chanchadas e com orçamentos baixos. Lançava-se o slogan: “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". Nasce o Cinema Novo. O Nordeste se torna tema da primeira fase do Cinema Novo e os jovens cineastas — Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto — produzem e dirigem �lmes que marcaram o cenário nacional. Contrários a essa proposta, Alex Viany �lma Agulha no Palheiro (1953) e Nelson Pereira dos Santos, Rio 40 Graus (1955), �lme proibido pela censura, o que desencadeia uma forte reação de estudantes contra o governo. Anselmo Duarte ganha o Festival de Cannes com o �lme O Pagador de Promessas (1962), criticado pelos novos cineastas que o consideravam muito tradicional. Todavia, os grandes sucessos do chamado Cinema Novo são: Os Fuzis, de Ruy Guerra, Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha e Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos. Esses �lmes mostram um Brasil totalmente desconhecido, e, para manter-se �eis à realidade que viam, os cineastas desenvolvem uma nova estética cinematográ�ca, completamente oposta à plasticidade do cinema norte-americano. Adaptaçãode Vidas Secas Contexto Histórico-cultural de Graciliano Ramos Graciliano Ramos é um dos representantes do "romance de 30", ou neorrealismo (movimento cultural que tem como ideologia mostrar a realidade), inaugurado com o romance A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. A ditadura Vargas levou o autor para a prisão, em março de 1936, sob a acusação de atividades subversivas. O livro Angústia foi lançado em agosto de 1937, depois que ele foi solto, e ganhou o prêmio Lima Barreto, concedido pela "Revista Acadêmica". O livro Memórias do Cárcere (1953) é um relato das suas experiências nos presídios. Graciliano se �liou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1945. Nesse mesmo ano, Getúlio Vargas é deposto e um governo provisório convoca eleições diretas. Deve-se ressaltar que o contexto histórico-cultural em que surgem as obras de Graciliano Ramos é extremamente conturbado e efervescente. Era o período subsequente ao �m da Primeira Guerra Mundial e a Europa estava festiva. Surgem várias tendências artísticas, como o Futurismo, o Expressionismo, o Cubismo. No Brasil, acontece a Semana de Arte Moderna de 1922. Porém, a década termina com a quebra da bolsa de Nova York em 1929, o que provocou o caos econômico em diversos países e, em decorrência, recessão e miséria. Isso permite o fortalecimento do nazismo alemão e do fascismo italiano. Contexto Histórico-cultural de Graciliano Ramos Esse novo quadro político e econômico leva o mundo à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Rússia aumenta seu poderio político, fazendo crescer, em toda parte, a admiração pelas propostas político-ideológicas dos soviéticos. Além do marxismo, a vida cultural é marcada pela Psicanálise de Freud, desenvolvida por seus discípulos; ambos os movimentos in�uenciam as novas criações artísticas. A arte, no entanto, havia se afastado em demasia do público. O próprio Mário de Andrade admitiu que um dos problemas do movimento modernista foi ter se mantido distante do povo, pois discutia questões formais da arte brasileira, o que interessava somente à elite. Foi assim que, com as novas gerações de escritores, o Modernismo preocupou-se mais com questões sociais, reduzindo a importância do aspecto estético do texto literário. A “geração de 30” (com Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz na liderança do movimento) voltou-se para temas regionais, ligados, especialmente, ao nordeste brasileiro, in�uência direta, como vimos, do neorrealismo. Aliando crítica social à busca de compreensão dos mecanismos da alma humana, sob a égide de estudos psicológicos e psicanalíticos, Graciliano Ramos apresenta tipos incomuns dentro de um contexto sociopolítico comum. O meio ambiente integra-se ao indivíduo, e o estilo seco, direto, conciso e desprovido de sentimentalismo não modi�ca o cenário desolador da caatinga. Síntese e Análise Narratológica do Romance Vidas Secas O leitor do romance de Vidas Secas (1938) surpreende- se com o caráter autônomo de cada capítulo de um total de treze, totalmente contrário ao estilo folhetinesco presente na literatura brasileira. A estrutura do romance é descontínua, não linear, marcando o ritmo da vida da família de retirantes: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia. No primeiro capítulo apresenta-se a Mudança (chegada dos retirantes a uma velha fazenda abandonada e destruída); no último, a Fuga (saída da família, que foge para o sul). Essa pressão por uma situação clara (mudança e fuga) não é a única exercida sobre os retirantes. Do capítulo 2 ao 12, Fabiano e sua família permanecem na fazenda, mas constantemente torturados pelas lembranças do passado e pelo medo do futuro. A falta de comunicação entre os membros da família — um silêncio provocado pela dor da miséria — é outra marca estilística do livro. Esse silêncio de�ne bem um romance que não se realiza por acontecimentos. Os personagens representam uma dor que transcende a caatinga e o sertão nordestino e se torna universal. Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos Nelson Pereira dos Santos faz uma transposição �el do romance de Graciliano Ramos para a tela do cinema, quando se trata do argumento e do roteiro, pois seu trabalho é facilitado pela narrativa neorrealista do autor. No entanto, com relação à direção, interpretação e produção, o �lme articula elementos de sua linguagem especí�ca. A própria transposição de um texto literário para a tela do cinema já deve pressupor a mudança na relação com o receptor da obra: o leitor passa a espectador, portanto, atuando mais construtivamente na elaboração do que vê. Assim, buscando a máxima compreensão de quem assiste ao �lme, o cineasta idealiza cenas que não existem na obra, a �m de reforçar o argumento do autor. Também é preciso notar que o objetivo de uma obra cinematográ�ca não é fazer uma adaptação �el de um texto escrito, mas produzir uma signi�cação para o texto que faça sentido para o espectador de cinema. O essencial da obra reproduz-se no �lme. Nelson Pereira dos Santos mantém-se �el à proposta de re�etir sobre os con�itos internos e angustiadamente silenciosos de pessoas que são consumidas pelas condições geográ�cas do lugar no qual vivem e ao direito à vida a elas sonegado. Saiba mais Veja o �lme na íntegra. Os recursos de adaptação foram assim justi�cados pelo cineasta: “A iluminação exerceu um papel crucial, o texto cinematográ�co vale-se da oposição luz e sombra para criar sistemas de signi�cação. A partir dos seus efeitos há uma valorização da paisagem, isto é do confronto do homem com a paisagem hostil. Há momentos em que a proteção da sombra permite mudanças e impulso na narrativa, conduz a humanização do homem, como por exemplo, a cena da árvore logo na chegada à fazenda, o jogo do bar, a casa do fazendeiro, a cadeia”². javascript:void(0); Os sons do Nordeste e o silêncio dos homens massacrados pela miséria e pelo abandono; a natureza desoladora e, ao mesmo tempo, acolhedora do homem (não no sentido de proteção, mas no de aproximação); as imagens secas. Todos os principais elementos estéticos do texto, construídos por Graciliano Ramos e imaginados pelo leitor, estão presentes no �lme e podem ser visualizados com muita precisão pelo espectador. Porém, o livro enfatiza o caráter psicológico dos personagens, enquanto o �lme acentua o caráter social da obra, objetivando uma comunicação mais imediata com o público. Quando a Semana de Arte Moderna de 1922 foi realizada no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, o mundo sofria graves transformações provocadas, historicamente, pela Primeira Guerra Mundial, que se estendeu de 1914 a 1918, e culturalmente, pelos movimentos de vanguarda europeia. Em razão da guerra, a crise econômica se espalhou pelo mundo, o que fez com que o Brasil ganhasse destaque no cenário �nanceiro com as oligarquias rurais (poder econômico centralizado por fazendeiros) produtoras do café. A “política do café com leite” (divisão do poder central entre os Estados de São Paulo e de Minas Gerais) é rompida, em 1910, com a eleição do Marechal Hermes da Fonseca, o qual prometia “varrer a corrupção do país”. Sofrendo pressão de opositores, o presidente passa a utilizar a força do Exército, mas a corporação se divide entre os que o desejam apoiar o governo e os que defendem a abstenção em relação à política. Paralelamente, surgem diversas manifestações políticas e sociais, como a “Revolta da Chibata” no Rio de Janeiro (motim de marinheiros negros e mestiços contra os castigos físicos com o uso de chicotes), bombardeios em Salvador, levantes em Fortaleza, nos quais jagunços defendem os “coronéis” e revoltas no sul contra a cessão de terras a estrangeiros e não a brasileiros, ocasionando uma guerra (“pelados” contra “peludos”) que teve como consequência mais de 20.000 mortos. Em 27 de outubro de 1917, o Brasil declara guerra à Alemanha em represália ao afundamento de navios pelos nazistas. Ainda em 1917, começa a Revolução Russa, o que obriga opaís a sair da guerra. Comentário Tratado erroneamente pelos analistas como fato isolado, o con�ito permite a chegada ao poder de Lênin e Trotski com seu Partido Bolchevique e a consolidação do socialismo, o que vai alterar profundamente os rumos da política brasileira. Um longo período de greves ocorre entre 1917 e 1920, e a elite brasileira, assustada, presencia a expansão do comunismo no território nacional. Contexto Histórico-cultural de Mário de Andrade Imigrantes alemães, italianos e japoneses, fugindo da guerra, chegam ao Brasil. Além de começar a conviver com outras línguas, o brasileiro também se torna mais cosmopolita com o avanço do processo de industrialização. Reagindo contra as más condições de trabalho e a omissão do governo em relação aos seus problemas, os imigrantes italianos fundam o anarquismo e desencadeiam constantes crises sociais. Procurando ignorar o que acontece ao redor, a elite brasileira se diverte com futilidades. O homem dos grandes centros torna-se elegante e culto, imitando o dandy parisiense ou o sportman norte-americano. O escritor possui status de “ídolo frívolo” e chic, sempre reunido em conferências. Mas, apesar de a maior parte dos artistas imitar os modelos europeus, alguns intelectuais voltam seus rostos para o Brasil. Este é o caso de Monteiro Lobato e Lima Barreto, os quais desenvolvem o nacionalismo literário. Lasar Segall, Anita Malfatti e Vítor Brecheret revolucionam as artes plásticas de tal modo que, mesmo um homem de vanguarda como Lobato não consegue entender a proposta e o autor ataca violentamente os quadros de Anita Malfatti. Em sua defesa, falam Oswald de Andrade e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia. Villa-Lobos, de tão vanguardista, rege uma orquestra que tem como instrumento uma folha de zinco; não é compreendido pelo público e a apresentação é interrompida sob intensas vaias. O empresário Paulo Prado torna-se mecenas das artes. Estão lançadas as sementes do Modernismo no Brasil, movimento impulsionado por magnatas e intelectuais paulistas Síntese e Análise Narratológica do Romance Macunaíma Mário de Andrade, autor de Macunaíma em pintura de Lasar Segall (1927) Macunaíma, “herói de nossa gente”, nasceu à margem do Uraricoera, em plena �oresta amazônica. Descendente da tribo dos Tapanhumas, é “preguiçoso”, motivo pelo qual só pronuncia as primeiras palavras aos 6 anos de idade. Metamorfoseia-se em diversas �guras, o que representa a falta de caráter do povo brasileiro. Além disso, é libidinoso e pouco inteligente, mas criativo e esperto. Tais características são uma sátira do autor Mário de Andrade às ideias pregadas por cientistas e intelectuais brasileiros que atribuíam ao povo características pouco valorosas, considerando que a mistura de raças que deu origem ao povo brasileiro resultou em uma gente feia, preguiçosa, libidinosa e de pouca inteligência. Assim, Macunaíma sintetiza essas características. No entanto, a sua lealdade, a esperteza, o senso de justiça, sua coragem inconsequente e o bom humor fazem de Macunaíma um verdadeiro herói. A obra realiza-se de forma mágica, fantástica. O folclore brasileiro, com suas �guras e lendas, é fartamente representado. O Brasil se mostra inteiro e o povo brasileiro cresce em valor. Também está presente no livro nossa diversidade cultural: os ritmos, as crenças, os comportamentos sociais. Macunaíma percorre o país em busca de sua “muiraquitã”, um talismã entregue a ele por Ci, a Mãe do Mato, perdido na luta do herói com o monstro Capei. O “herói de nossa gente” descobre que a “muiraquitã” foi comprada pelo gigante Piaimã, comedor de gente transformado no fazendeiro Venceslau Pietro Pietra, que vive em São Paulo. Esse talismã representa a identidade do povo brasileiro. Em sua luta para recuperar o talismã, Macunaíma se metamorfoseia em diversas �guras, uma alusão do autor à nossa alegada falta de identidade, visto que somos mestiços. Macunaíma banha-se no lago encantado e transforma-se em homem branco, ideal propagado pela literatura romântica. A antropofagia presente no livro é uma proposta modernista de denúncia contra o consumo de uma cultura importada e imposta ao povo brasileiro. Mas é também uma representação do canibalismo como metáfora para o sistema capitalista, “devorador de gente”. Os atores Paulo José e Grande Otelo no filme Macunaíma Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade Macunaíma, �lme produzido em 1969 por Joaquim Pedro de Andrade, é �el à proposta de Mário de Andrade, pois retrata igualmente os cenários, mitos, passagens, diálogos, costumes e representações. A agilidade e objetividade das cenas mantêm o ritmo narrativo do romance. As metáforas e metamorfoses que integram o texto também compõem o �lme. Os cortes expressivos (edição do �lme) e a linguagem própria do texto di�cultam bastante a recepção da obra por parte do público, mas, paradoxalmente, o �lme foi um sucesso. O que disse Joaquim Pedro de Andrade sobre o seu �lme: "Macunaíma era um projeto que me interessava há muito tempo, desde que pensei em fazer cinema e me lembrei do livro de Mário de Andrade. Macunaíma é um herói antiquíssimo, um herói dos índios e cujo nome significa Grande Mal. Os civilizados tomaram conhecimento dele pela primeira vez através dos estudos de um alemão, Koch-Grünberg, que passou uns tempos no Brasil nos fins do século passado, recolhendo lendas indígenas. Ao lê-las, Mário de Andrade, preso de grande comoção lírica e sentindo no Brasil de 1926 o eco de Macunaíma, escreve o livro. Acho que o personagem, no livro, é mais gentil do que no filme, assim como o filme é mais agressivo, feroz, pessimista, do que o livro amplo, livre, alegre e melancólico de Mário de Andrade. Para ser justo, considero o filme um comentário do livro." - Joaquim Pedro de Andrade As sequências do �lme formam três grandes blocos narrativos: o nascimento e a infância do personagem, a vida na cidade grande e o retorno de Macunaíma ao sertão. Em todo o �lme, encontram-se o humor, a ironia e a irreverência do personagem (desde a escolha do ator Grande Otelo para o representar) aliados a uma valorização da cultura brasileira e a uma contundente crítica social. Notas Referências AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e �loso�a da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. BOSI, Alfredo. Re�exões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2005. DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1986. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus Editora, 2009. ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002. SANTIAGO, Silviano. Literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2005. VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004. Bibliogra�a complementar: BOSI, Alfredo. “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e re�exões”. in. Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996. LIPOVETSKY, Gilles. “Narcisismo ou a estratégia do vazio”, “Modernismo e pós-modernismo”. in. A era do vazio. São Paulo: Manole, 2006. Próxima aula Próxima aula Os aspectos históricos da relação entre música e literatura. Explore mais
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