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SÍFILIS NA GESTAÇÃO

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SÍFILIS NA GESTAÇÃO 
Etiologia 
- Bactéria do tipo espiroqueta, o Treponema pallidum. 
Epidemiologia 
- Mais de 80% das mulheres com sífilis estão em idade 
reprodutiva e, dessa forma, sob risco de transmissão 
vertical da doença. 
- A incidência de sífilis no Brasil é de 
aproximadamente 4% na população geral e de 2%em 
gestantes. (Zugaib) 
- A ocorrência de sífilis em gestantes no Brasil vem 
apresentando aumento significativo, com alta 
constatada de 1047% entre 2005-2013. Nesse mesmo 
período observou-se um aumento no número de 
notificações de sífilis congênita de 135%. (Febrasgo) 
Apresentação Clínica 
- A transmissão da sífilis se dá principalmente por via 
sexual e pode se manifestar de formas distintas, de 
acordo com o estágio da doença. 
- Período de incubação: 10-90d, com média de 20d. 
 Sífilis Primária 
- Caracteriza-se pelo desenvolvimento do cancro duro 
no local de inoculação. É uma úlcera, geralmente 
única, indolor, de bordos duros e fundo limpo, 
altamente infectante. Pode surgir em qualquer lugar 
do trato genital inferior. 
- Pelo fato da úlcera ser indolor, 
muitas vezes ela passa 
despercebida, porque 
desaparece de 2-6sem de forma 
espontânea, 
independentemente de tto. 
- A linfadenomegalia 
generalizada ocorre em 50% das 
pacientes. 
 Sífilis Secundária 
- Também conhecida por roséola sifilítica, é uma 
doença sistêmica disseminada que surge em um 
período que varia de 1-2m depois do aparecimento do 
cancro duro. 
- As lesões são descritas como um exantema 
maculopapular róseo, de limites imprecisos, que 
acomete tronco e raízes de membros, estendendo-se 
por todo o tegumento, incluindo as regiões palmar e 
plantar. O rash cutâneo desaparece espontaneamente 
entre 2-6sem. 
- Esse quadro pode ser acompanhado de sintomas 
gerais, como febre, cefaleia, fadiga, faringite, 
adenopatia, perda de peso e artralgia. As lesões 
hipertróficas em genitália ou em regiões de dobra e 
atrito (condiloma plano) e a alopecia de couro 
cabeludo e sobrancelhas são outras formas da 
manifestação de secundarismo da sífilis. 
 
 Sífilis Latente 
- Período entre o quadro de sífilis secundária e 
terciária. Não há manifestações clínicas durante o 
período de latência. 
- Sífilis recente é toda aquela com evolução < 1 ano 
(período de ↑ transmissibilidade), enquanto a sífilis 
tardia é definida como sífilis com duração > 1 ano. 
 Sífilis Terciária 
- É ocorrência rara, com o uso rotineiro de penicilinas. 
No entanto, pode ocorrer em até 1/3 dos pacientes 
não tratados. 
- Clinicamente, pode se manifestar por meio de 
nódulos cutâneos ou gomas sifilíticas, acometimento 
articular, cardiovascular e neurológico. 
- O acometimento cardiovascular é principalmente 
aórtico, também denominado aortite sifilítica, e 
manifesta-se por aneurisma da aorta, insuficiência 
aórtica e estenose do óstio coronariano. No sistema 
esquelético, descrevem-se artrite, periostite e 
osteocondrite (artropatia de Charcot). 
- A neurossífilis é quadro 
insidioso e grave em que 
há invasão do 
espiroqueta no líquor. As 
sequelas da neurossífilis 
incluem tabes dorsalis 
(dor intensa em um 
dermátomo e ataxia 
locomotora), pupilas deArgyll Robertson (abolição do 
reflexo pupilar à luz, sem prejuízo do reflexo de 
acomodação), paresias, convulsões e demência. 
Rastreamento e Diagnóstico pré-natal 
- O diagnóstico sorológico é realizado com testes não 
específicos para a sífilis e dosagem de anticorpos 
específicos para o treponema. 
- A febrasgo indica a realização do teste rápido já na 
primeira consulta, pois já define o diagnóstico em 
uma única amostra. Realiza-se o VDRL conjuntamente 
apenas para acompanhar controle de cura, já que o 
teste rápido é treponêmico e não negativará após 
tratamento. 
- Os testes não específicos, ou não treponêmicos, são 
a pesquisa laboratorial de doença venérea (VDRL, do 
inglês venereal disease research laboratory) e o rapid 
plasma reagin (RPR). 
- VDRL: torna-se positivo 5-6sem após a infecção, 
razão pela qual, habitualmente, não se encontra + na 
fase de manifestação clínica do cancro. Esse exame é 
titulado, ou seja, diluído, e apresenta títulos elevados 
quando há infecção aguda e, principalmente, na fase 
secundária da doença. 
- ↓ títulos estão presentes nas fases latente e 
terciária. Quando o título de VDRL é persistentemente 
baixo (teste de VDRL persistentemente positivo, do 
soro puro até a diluição 1:4 em paciente 
adequadamente tratado, assintomático e com 
reservatório liquórico de treponemas descartado) por 
mais de 2 anos após o tratamento, pode significar 
falso-positivo ou cicatriz sorológica. 
- Vistas as ↓ taxas de falso-positivos relatadas e o 
contexto único de relativa urgência no tratamento da 
infecção no ciclo gravídico-puerperal, deve-se sempre 
suspeitar de infecção ativa (seja ela nova, persistente 
ou reinfecção) na gestante quando encontrado 
qualquer valor 
positivo no 
exame de 
VDRL, já a 
partir do título 
1:1. 
- Durante o 
pré-natal, o 
teste de VDRL 
é utilizado 
para 
rastreamento 
da doença. Recomenda-se a coleta do exame na 
primeira consulta de pré-natal, entre 28-32 sem de 
gestação, e no período periparto. Uma vez que o 
resultado for positivo, a confirmação diagnóstica deve 
ser realizada com teste treponêmico. 
- Nesses casos, o VDRL será útil no seguimento 
terapêutico por meio do acompanhamento dos níveis 
plasmáticos. É considerada resposta adequada ao 
tratamento a queda dos títulos de VDRL em 4x (o 
equivalente a duas diluições), por exemplo, de 1:64 
para 1:16. 
- Os testes específicos, ou treponêmicos, para sífilis 
são o fluorescent treponemal antibody absorption test 
(FTA-Abs), realizado por meio da imunofluorescência 
indireta, e o microhemagglutination assay for 
treponemal pallidum antibody (MHA-TP). 
- O FTA-Abs é utilizado para confirmação diagnóstica 
quando o VDRL é positivo. Na presença de FTA-Abs 
positivo e VDRL negativo, verificam-se três 
possibilidades: 
1- Caso nunca tenha sido tratada, é possível que 
apresente uma infecção recente, uma vez que os 
testes treponêmicos positivam-se algo antes dos 
testes não treponêmicos; portanto, o paciente 
testado na janela de positivação do VDRL pode 
apresentar apenas o FTA-Abs positivo. 
2- Ainda entre pacientes não tratadas, o mesmo 
padrão laboratorial pode ocorrer em pacientes que se 
encontram numa fase mais avançada da história 
natural da sífilis. Nestes casos de longa evolução, 33% 
dos infectados migrarão eventualmente para a forma 
clínica terciária, e os outros 66% permanecerão na 
forma latente sem nunca apresentar complicações 
futuras, grupo este em que 50% dos pacientes 
apresenta negativação sorológica completa e 50% 
persiste com títulos detectáveis de VDRL. Nesses 
casos, como não há possibilidade de diferenciar as 
duas situações (evolução para terciarismo sintomático 
versus permanência na forma latente assintomática), 
o tratamento empírico se faz necessário. 
3- Por fim, se a paciente foi adequadamente tratada e 
acompanhada, o padrão laboratorial de VDRL 
negativo e FTA-Abs positivo após 2 anos do 
tratamento, em paciente assintomática e com 
reservatório liquórico do treponema descartado, deve 
ser visto como provável cicatriz sorológica. 
- A punção lombar para análise do liquor está indicada 
nos casos com sintomas neurológicos, sífilis 3ª e 
resposta inadequada ao tto (↑dos títulos de VDRL). O 
diagnóstico de neurossífilis é feito por meio da 
combinação do resultado sorológico positivo e ↑ da 
celularidade e proteínas no liquor (> 10 linf/mL e > 40 
mg/dL de proteínas). 
- Reforçamos que, após qualquer identificação por 
qualquer técnica sorológica, após o tratamento na 
gestação deve ser realizado VDRL mensal. 
Transmissão Vertical 
- Em todas as fases clínicas de manifestação da sífilis, 
pode haver transmissão vertical da doença por 
passagem transplacentária,as chances são menores 
até o quarto mês e aumentam em direção ao termo, 
já que o fluxo placentário aumenta progressivamente 
até o terceiro trimestre. 
- A transmissão vertical da sífilis 1ª e 2ª ocorre em 50-
100% dos casos não tratados; na fase latente recente, 
em 40%; e nas formas latente tardia e terciária, em 
10%. Dos fetos de gestantes com sífilis não tratada, de 
70-100% serão infectados. O risco de transmissão 
vertical cai para 1 a 2% em gestantes tratadas. 
- A sífilis congênita está presente em 60% das 
gestantes não tratadas. 2/3 dos recém-nascidos com 
sífilis congênita serão assintomáticos. A associação 
com HIV parece contribuir para a transmissão vertical 
tanto da sífilis como do próprio HN. 
Repercussões Fetais 
- Sabe-se que 30% dos conceptos de gestantes não 
tratadas evoluem para óbito fetal, 10% para óbito 
neonatal e 40% para retardo mental. 
- As pacientes com sífilis primária, secundária ou 
latente recente apresentam até 66% de fetos com 
algum acometimento. 
- A transmissão do agente se dá através da via 
transplacentária ou através da contaminação do bebê 
durante sua saída pelo canal de parto. 
- Os achados mais frequentes são: alteração da função 
hepática, hepatomegalia, trombocitopenia, anemia, 
ascite e IgM antitreponema fetal presente. 
Tipicamente, a placenta apresenta-se aumentada e 
edematosa, com sinais evidentes de processo 
inflamatório. 
- O acometimento neonatal pode causar lesões em 
órgãos internos, como pulmão (pneumonia alba de 
Virchow), fígado (cirrose hipertrófica), baço e 
pâncreas. Também cursa com osteocondrite em ossos 
longos, como o fêmur, a tíbia e o rádio. 
- Dependendo da época de aparecimento dos 
sintomas na criança, a sífilis congênita pode ser 
classificada como recente ou tardia: 
1- Recente quando o diagnóstico é realizado até 2 
anos de idade. Esses casos costumam cursar de forma 
semelhante à sífilis secundária, e a criança apresenta 
exantema bolhoso - lesões cutaneomucosas (pênfigo 
palmoplantar, sifílides, condilomas planos, rinite – 
coriza sifílica), hepatoesplenomegalia, anemia 
hemolítica, icterícia, osteocondrite dolorosa e 
síndrome nefrótica ou síndrome nefrítica. Quanto 
mais precoces forem os sinais clínicos, maior a 
gravidade da doença, ocorrendo mortalidade de 25% 
nos filhos de mães não tratadas. 
- No final do 1º ano de vida poderá ser diagnosticada 
uma hidrocefalia obstrutiva, após cronificação do 
quadro meningovascular, com paralisia de pares 
cranianos (III, IV, VI e VII), hemiplegia e convulsões. 
2- Tardia quando o diagnóstico é realizado após os 2 
anos de vida da criança. As mais importantes 
alterações são as neurológicas, como a surdez 
decorrente da lesão do oitavo par de nervos 
cranianos. Outras manifestações da doença incluem 
ceratite intersticial, periostite dos ossos frontais do 
crânio, tíbia em sabre e os característicos dentes de 
Hutchinson. 
 
Avaliações complementares do neonato com 
suspeita de sífilis congênita 
- VDRL de sangue periférico (e NÃO de cordão 
umbilical) 
- Radiografia de ossos longos (metáfises e diáfises de 
tíbia, fêmur e úmero) 
- Líquido cefalorraquidiano (VDRL, celularidade e 
proteinorraquia) 
- Hemograma 
- Dependendo das manifestações clínicas: dosagem de 
bilirrubinas, enzimas hepáticas, radiografia de tórax, 
função renal, etc. 
Tratamento 
- O tto deve ser realizado quando há o diagnóstico da 
sífilis, por meio da pesquisa direta do agente ou testes 
sorológicos. Deve-se lembrar que o VDRL pode ser 
falso-positivo ou cicatriz sorológica até o título de 1:4, 
porém este evento é muito mais raro do que se 
pressupõe. Na dúvida diagnóstica, leva-se em 
consideração a relação entre risco da doença e o 
benefício do tratamento, e no caso das gestantes, 
como já dito, deve-se sempre tratar a paciente a 
partir de qualquer valor positivo de VDRL. 
- O tto de escolha é a penicilina, sendo terapêutica 
tanto para a mãe como para o feto, uma vez que 
atravessa a placenta. Essa droga previne a sífilis 
neonatal em 98% dos casos. A penicilina é 
considerada a única droga comprovadamente capaz 
de tratar a mãe e o feto, portanto, preconiza-se que 
todas as gestantes sejam tratadas com penicilina - 
pacientes alérgicas devem ser dessensibilizadas. O 
Centers far Disease Control and Prevention não mais 
reconhece a eritromicina como opção terapêutica 
para gestantes com sífilis. 
- A posologia da penicilina depende do estágio da 
doença: 
. Sífilis 1ª, 2ª e latente recente: penicilina G 
benzatina, 2.400.000 UI por via IM, em dose única. 
. Sífilis latente tardia, duração indeterminada e 
terciária: penicilina G benzatina, 2.400.000 UI por via 
IM, uma vez por semana, por 3 semanas. 
. Neurossífilis: penicilina G cristalina de 3.000.000 a 
4.000.000 UI, por via IV, a cada 4 horas por 10 a 14 
dias, seguido de penicilina G benzatina, 2.400.000 UI 
por via IM, semanalmente, por 3 semanas. 
- Todos os contatos sexuais atuais da paciente devem 
ser tratados, pois, do contrário, considera-se alta a 
chance de a gestante se reinfectar após o tratamento, 
tomando-o inefetivo em termos de proteção para 
transmissão vertical. Os parceiros sexuais deverão 
receber dose única de penicilina G benzatina, 
2.400.000 UI, por via IM, mesmo que apresentem 
sorologia negativa para sífilis. 
- O tratamento materno e fetal é considerado 
adequado apenas nos casos em que: 
. A gestante foi tratada com penicilina. 
. O parto ocorrer pelos menos 30d após o término no 
tto. 
. Todas as doses da penicilina tenham sido 
administradas com intervalo adequado. Caso a 
gestante deixe de tomar uma das doses, todo o 
esquema deve recomeçar. 
. Os parceiros sexuais tenham sido tratados. 
Paciente HIV positivos 
- A paciente portadora do HIV pode apresentar testes 
sorológicos para sífilis negativos (falso-negativo). 
Quando há sinais clínicos da doença, recomenda-se a 
realização de outros testes diagnósticos, como biópsia 
da lesão. Na presença de sintomas e/ou sinais 
neurológicos, é obrigatória a investigação diagnóstica 
para neurossífilis. 
- O tratamento, na ausência de neurossífilis, é 
realizado com penicilina G benzatina, 2.400.000 UI 
por via IM, semanalmente, por 3 semanas. 
Reação à penicilina 
- Após o tto, pode ocorrer a reação de Jarisch -
Herxheimer, que se manifesta com tremores, 
taquicardia, hipotensão, mialgia e febre. Geralmente, 
essa reação ocorre em um período que varia de 1 a 2 
horas após a aplicação de penicilina, com resolução 
espontânea em 24h. Essa reação denota a liberação 
maciça de lipopolissacarídeos dos espiroquetas, 
podendo cursar com contrações uterinas, diminuição 
da movimentação fetal, desacelerações da frequência 
cardíaca fetal e óbito fetal. 
Alergia à penicilina 
- A prevalência de alergia à penicilina é estimada em 5 
a 10% dos pacientes, sendo o principal mecanismo a 
reação de hipersensibilidade mediada por IgE que se 
caracteriza por urticária, angioedema, broncoespasmo 
e anafilaxia. A reexposição à penicilina em pacientes 
com antecedente de reação medida por IgE pode 
acarretar novo episódio de anafilaxia de início 
imediato e potencialmente fatal. 
- Pacientes com antecedente de reação mediada por 
IgE à penicilina e teste cutâneo positivo devem ser 
submetidas à dessensibilização - procedimento 
relativamente simples, rápido e seguro, que pode ser 
realizado por via oral ou intravenosa. A 
dessensibilização de gestantes deve ocorrer em 
ambiente hospitalar e ser executada por profissionais 
capacitados, seguindo protocolos preestabelecidos.93 
Logo após a dessensibilização, deve ser iniciada a 
terapêutica com penicilina. 
Tratamento do RN 
 
Controle pós-tratamento 
- Recomenda-se repetir o VDRL com 1, 3, 6, 12 e 24 
meses após o tratamento. Os títulos devem cair pelo 
menos quatro vezes (duas diluições) após 6 meses de 
tratamento e devem se tomar negativos entre 12 e 24meses. Se o título de VDRL estiver mantido, ou 
apresentar aumento, devem-se considerar as 
hipóteses de neurossífilis, falha de tratamento ou 
reinfecção. 
- Na gestação, o esquema de acompanhamento da 
gestante após tratamento é com realização mensal do 
VDRL e, mediante aumento de duas diluições nos 
títulos de VDRL (por exemplo, de 1:2 para 1:8), deve-
se retratar a paciente e investigar ativamente a 
possibilidade de reinfecção, além de investigação 
adequada do(s) parceiro(s).

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