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1 Material de Apoio Escola de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança CST Gestão de Segurança Privada TEORIA E PRÁTICA Elementos do Direito Penal Romulo Quenehen 2 Sumário 1. Introdução ao Direito Penal ........................................................................................................... 6 1.1 Evolução do Direito Penal na história ....................................................................................... 6 1.1.1 Vingança Privada ............................................................................................................... 6 1.1.2 Vingança Divina ................................................................................................................. 7 1.1.3 Vingança Pública ............................................................................................................... 7 1.1.4 Direito Romano ................................................................................................................. 8 1.1.5 Direito Germânico ............................................................................................................. 8 1.1.6 Direito Canônico ............................................................................................................... 8 1.1.7 O Iluminismo ..................................................................................................................... 9 1.1.8 Escolas penais ................................................................................................................... 9 1.2 Definição de Direito Penal ...................................................................................................... 10 1.2.1 O Direito Penal é um Direito Público ............................................................................... 11 1.3 Missão ................................................................................................................................... 11 1.4 Fontes.................................................................................................................................... 11 1.5 Princípios ............................................................................................................................... 12 1.5.1 Da legalidade e anterioridade (art. 5º, XXXIX, CF e art. 1º, CP) ......................................... 12 1.5.2 Da retroatividade benéfica (art. 5º, XL, CF e art. 2º, CP) ................................................... 13 1.5.3 "Non bis in idem" ............................................................................................................ 13 1.5.4 Da intervenção mínima ................................................................................................... 13 1.5.5 Da insignificância ............................................................................................................ 13 2. Da Aplicação da lei penal no tempo e no espaço .......................................................................... 15 2.1 Princípios norteadores da Lei Penal no Tempo ....................................................................... 16 2.2 Conflitos de leis penais no tempo .......................................................................................... 17 2.3 Tempo do Crime (art. 4º do CP) ............................................................................................. 18 2.4 Lugar do Crime (art. 6º do CP) ................................................................................................ 19 2.5 Lei Penal no Espaço ................................................................................................................ 21 2.5.1 Territorialidade (art. 5º do CP) ........................................................................................ 21 2.5.2 Extraterritorialidade (art. 7º do CP) ................................................................................. 23 2.5.3 Pena cumprida no estrangeiro (duplicidade de condenação) ........................................... 24 3. Noções Introdutórias ................................................................................................................... 25 3.1 Conceito de infração penal (crimes e contravenções) ............................................................. 25 3.2 Sujeitos do crime ................................................................................................................... 27 3.3 Objeto do crime (material e jurídico) ..................................................................................... 28 3.4 Conceitos de crime ................................................................................................................ 29 3.5 Teoria tripartida do crime ...................................................................................................... 30 3.5.1 Introdução: Fato Típico ................................................................................................... 30 3 3.5.2 Introdução: Fato Antijurídico ou Ilícito ............................................................................ 31 3.5.3 Introdução: Culpabilidade ............................................................................................... 32 3.6 Classificação dos crimes ......................................................................................................... 33 3.7 Crime Doloso e Crime Culposo (art. 18, CP) ............................................................................ 33 3.7.1 Crime Doloso .................................................................................................................. 33 3.7.2 Crime Culposo ................................................................................................................. 35 3.7.3 Preterdolo ....................................................................................................................... 36 3.8 Inter criminis.......................................................................................................................... 36 4. Teoria do Crime ........................................................................................................................... 41 4.1 Crime: Fato típico, ilícito e culpável ........................................................................................ 42 4.2 Fato Típico (art. 13 ao 19 do CP)............................................................................................. 43 4.2.1 Conduta .......................................................................................................................... 43 4.2.1.1 Excludente da ilicitude na conduta ........................................................................... 44 4.2.1.1.1 Atos reflexos involuntários................................................................................. 44 4.2.1.1.2 Sonambulismo ................................................................................................... 45 4.2.1.1.3 Força Maior ....................................................................................................... 45 4.2.1.1.4 Caso Fortuito ..................................................................................................... 45 4.2.1.1.5 A coação irresistível pode ser física ou moral. .................................................... 46 4.2.2 Resultado ........................................................................................................................ 46 4.2.3 Nexo Causal (artigo 13, CP) ............................................................................................. 47 4.2.4 Tipicidade .......................................................................................................................48 4.3 Ilicitude ou Antijuridicidade (art. 23 ao 25, CP) ....................................................................... 48 4.3.1 Causas excludentes da ilicitude (eximentes, justificantes, descriminantes) (art. 23, CP) ... 48 4.3.1.1 Estado de necessidade ............................................................................................. 48 4.3.1.2 Legítima Defesa ........................................................................................................ 49 4.3.1.3 Estrito Cumprimento de Dever Legal ........................................................................ 50 4.3.1.4 Exercício Regular de Direito ...................................................................................... 50 4.4 Culpabilidade (art.21, 22, 26, 27, 28 do CP) ............................................................................ 50 4.4.1 Elementos/requisitos que integram a culpabilidade (art. 21, 22, 26, 27, 28 do CP) .......... 50 4.4.2 Elementos excludentes da culpabilidade (art. 21, 22, 26, 27, 28 do CP) ........................... 51 4.4.2.1 Imputabilidade ......................................................................................................... 51 4.4.2.2 Falta de consciência potencial da ilicitude ................................................................ 52 4.4.2.3 Inexigibilidade de conduta diversa ............................................................................ 52 4.4.2.3.1 Coação moral irresistível .................................................................................... 53 4.4.2.3.2 Obediência hierárquica à ordem não manifestamente ilegal .............................. 53 4.4.3 Erro de Tipo, Erro de Proibição e Descriminante Putativa ................................................ 53 4.4.3.1 Erro de tipo (art. 20, CP) ........................................................................................... 54 4 4.4.3.2 Erro de proibição (art. 21, CP) ................................................................................... 55 4.4.3.3 Descriminante putativa (art. 20 § 1º, CP) .................................................................. 56 5. Do Concurso de Pessoas (art. 29 ao art. 31) ................................................................................. 57 5.1 Requisitos .............................................................................................................................. 57 5.2 Classificação dos crimes ......................................................................................................... 57 5.3 Espécies de concurso de pessoas ........................................................................................... 58 5.4 Teoria adotada pelo CP em matéria de concursos de pessoas ................................................ 58 5.4.1 Teorias sobre autoria ...................................................................................................... 60 6. Do Concurso de Crimes (art. 69 ao art. 71) ................................................................................... 61 6.1 Do Concurso de Crimes (art. 69 ao art. 71) ............................................................................. 61 6.2 Sistemas de aplicação de pena ............................................................................................... 61 7. Prescrição do crime ..................................................................................................................... 62 7.1 Menoridade relativa e maioridade senil (art. 115, CP) ............................................................ 62 7.2 Prescrição em caso de concurso de crimes (art. 119, CP) ........................................................ 62 7.3 Crimes imprescritíveis e inafiançáveis (art. 119, CP) ............................................................... 63 8. Principais tipos penais no exercício de função de Segurança ........................................................ 64 8.1 Dos crimes contra a vida (art. 121 ao 128) ............................................................................. 64 8.1.1 Homicídio (art. 121, CP) .................................................................................................. 64 8.1.1.1 Homicídio doloso simples (art. 121, caput) ............................................................... 64 8.1.1.2 Homicídio doloso privilegiado (art. 121, §1º, CP) ...................................................... 64 8.1.1.3 Homicídio doloso qualificado (art. 121, §2º, CP) - hediondos .................................... 65 8.1.1.4 Homicídio culposo (art. 121, §3º, CP) ........................................................................ 65 8.1.1.4.1 Perdão judicial (art. 121, §5º, CP) ....................................................................... 65 8.1.1.5 Homicídio doloso majorado (art. 121, §4º, CP) ......................................................... 66 8.1.1.6 Síntese ..................................................................................................................... 66 8.1.1.7 Crimes hediondos (lei 8.072/90) ............................................................................... 66 8.1.1.7.1 Características dos crimes Hediondos ................................................................ 66 8.2 Crimes contra o Patrimônio (art. 155 a 183, CP) ..................................................................... 67 8.2.1 Furto (art. 155, CP) .......................................................................................................... 67 8.2.1.1 Espécies de furto ...................................................................................................... 67 8.2.1.1.1 Furto simples (art. 155, caput, CP) ..................................................................... 67 8.2.1.1.2 Furto majorado pelo repouso noturno (art. 155, §1º, CP)................................... 67 8.2.1.1.3 Furto privilegiado (art. 155, §2º, CP) .................................................................. 68 8.2.1.1.4 Furto de energia elétrica (art. 155, §3º, CP) ....................................................... 68 8.2.1.1.5 Furto qualificado (art. 155, §§ 4º e 5º, CP) ......................................................... 68 8.2.1.2 Exclusão do Crime .................................................................................................... 68 8.2.1.3 Síntese ..................................................................................................................... 69 5 8.2.2 Roubo (art. 157, CP) ........................................................................................................ 69 8.2.2.1 Espécies de roubo .................................................................................................... 69 8.2.2.2 Roubo majorado (art. 157, §2º, CP) – aumento da pena de 1/3 a ½ .......................... 70 8.2.2.3 Roubo qualificado (art. 157, §3º, CP) ........................................................................ 70 8.2.2.3 Síntese ..................................................................................................................... 70 8.2.3 Estelionato (art. 171, CP) ................................................................................................. 71 8.2.3.1 Meios de execução ................................................................................................... 71 8.2.3.2 Consumação ............................................................................................................. 71 8.2.3.3 Diferença com a apropriação indébita ...................................................................... 71 8.2.3.4 Síntese .....................................................................................................................71 8.3 Dos crimes contra a fé pública (art. 289 ao 311-A) ................................................................. 72 8.3.1 Da falsidade documental (art. 296 ao 305) ...................................................................... 72 8.3.1.1 Falsificação de documento público (art. 297) ............................................................ 72 8.3.1.2 Falsificação de documento particular (art. 298) ........................................................ 72 8.3.1.3 Falsidade ideológica (art. 299) .................................................................................. 73 8.3.1.4 Falsa identidade (art. 307 ao 308)............................................................................. 73 8.3.1.5 Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311) ........................... 73 8.3.1.6 Principais diferenças entre falsidade material e falsidade ideológica ........................ 73 8.4 Crimes contra a Administração Pública (art. 312 ao 361, CP) .................................................. 74 8.4.1 Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral (art. 312 ao 327) .................................................................................................................................... 74 8.4.1.1 Peculato (art. 312) .................................................................................................... 74 8.4.1.2 Peculato mediante erro de outrem (art. 313) ........................................................... 74 8.4.1.3 Concussão (art. 316) ................................................................................................. 74 8.4.1.4 Corrupção passiva (art. 317) ..................................................................................... 75 8.4.1.5 Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318) ............................................... 75 8.4.2 Crimes praticados por particular contra a adm. pública (art. 328 ao 337, CP)................... 75 8.4.2.1 Resistência (art. 329) ................................................................................................ 75 8.4.2.2 Desobediência (art. 330)........................................................................................... 75 8.4.2.3 Corrupção ativa (art. 333) ......................................................................................... 75 8.4.3 Dos crimes contra a Paz Pública (art. 286 ao 288-A) ........................................................ 76 8.4.3.1 Associação Criminosa (art. 288) ................................................................................ 76 9. Referências .................................................................................................................................. 77 6 1. Introdução ao Direito Penal O Direito Penal, assim como outros ramos do direito evoluiu ao longo do tempo. Saímos de um Direito Penal antigo movido a vingança para o Direito Penal contemporâneo inspirado pelos princípios do Estado Democrático de Direito. Dentre os outros ramos do direito, o Direito Penal é o que sempre lançou os maiores desafios a sociedade e ao Estado. A essência do Direito Penal pode ser encontrada nas teorias e princípios desenvolvidos ao longo do tempo. O seu princípio mais importante é o da segurança jurídica, este princípio visa garantir os direitos do cidadão perante o Estado. Apesar da notória evolução, o direito penal vive uma crise. Os altos índices de violência, a ineficiência do Estado e o clamor da população contra a impunidade, lança grandes desafios aos operadores do Direito Penal. Talvez o maior desafio seja diminuir a violência e com o sentimento da população de impunidade dos criminosos. 1.1 Evolução do Direito Penal na história O primeiro crime famoso que se tem ciência foi o homicídio cometido por Caim contra seu irmão Abel. Segundo o livro Genesis, Caim possuído pela inveja e tomado pelo ódio premeditou a morte de seu irmão, preparou uma emboscada e a executou, matando o irmão. A Bíblia não relata de que forma o homicídio foi consumado. Sabemos que Deus, como punição sentenciou-o ao banimento do solo, além de ser condenado à condição de errante pelo mundo. Caim lamentou a severidade da sua punição e mostrou ansiedade quanto à possibilidade de o assassinato de Abel ser vingado nele, mas, ainda assim, não expressou nenhum arrependimento. Nos dias de hoje, o operador do direito penal, ao se deparar com este crime teria que analisar o inter criminis (caminho do crime), a estrutura do crime (fato típico, ilícito e culpável) e com base no tipo penal enquadrar o crime de Caim, como Homicídio qualificado, por motivo torpe e por emboscada. A punição seria a de reclusão de 12 a 30 anos. Caim, como sabemos não concordou com a punibilidade, então pelo princípio do duplo grau de jurisdição poderia recorrer da decisão do juiz. 1.1.1 Vingança Privada No início de sua evolução, a sociedade convivia com a Vingança Privada. Se um agente cometia um crime, a vítima, sua família ou comunidade poderia levar a 7 vingança ao extremo, inclusive contra pessoas próximas ao autor do crime, independentemente de sua participação. Vivíamos em estado de vingança e violência. Neste período tribos inteiras foram dizimadas, não havia proporcionalidade entre o crime e a vingança. Hamurabi, rei da Babilônia, no século XVIII a.C., autor de 282 leis, que ficaram conhecidas como Código de Hamurabi, criou baseadas na lei de talião, os princípios de proporcionalidade e provas. A lei do talião era a pena antiga pela qual se vingava o delito, infligindo ao delinquente o mesmo dano ou mal que ele havia praticado. Conhecemos a lei do Talião pela expressão “Olho por olho, dente por dente”. A lei do talião tentava criar regras para a vingança, inspiradas no conceito que a sociedade entendia por proporcionalidade. Segundo a lei de talião: “se um arquiteto construísse um imóvel, e essa casa caísse em razão de problemas na obra e o proprietário do imóvel morresse em razão do desabamento o arquiteto seria condenado a morte. Se no desabamento morresse também o filho do proprietário, o filho do arquiteto deveria ser morto também”. A proporcionalidade da pena transcendia a culpa e a punição poderia atingir a família do criminoso. 1.1.2 Vingança Divina Outra fase marcante da evolução do Direito Penal é o da vingança divina. Neste período a religião era decisiva na vida da sociedade. Os sacerdotes (mandatários dos Deuses) eram responsáveis pela sanção penal. As penas eram cruéis e desumanas. Desse período destaca-se o código de Manu. Este código é considerado a primeira organização geral da sociedade sob motivação religiosa. O princípio do Código de Manu preconizava que o castigo e a coação eram essenciais para se evitar o caos na sociedade. 1.1.3 Vingança Pública Nesta fase se destaca a forte organização social e política do Estado. A punição deixava o caráter individual e privada e assumia caráter público. O Estado passa a intervir nos conflitos sociais e surge o “jus puniendi”. O “jus puniendi” é expressão latina que quer dizer direito de punir do Estado. Já nessa época são considerados crimes ações que atacassem a ordem pública, os bens religiosos, públicos, propriedade particular. 8 As sanções continuaram violentas e cruéis. E ainda continuava transcendendo a pessoa do culpado, atingindo também a família e amigos. 1.1.4 Direito Romano O grande marco do Direito Penal na antiguidade foi o Direito Romano. Surgiram ali institutos importantes como o dolo e a culpa, excludentes penais como o erro,a imputabilidade, a coação irresistível, legitima defesa, agravantes, atenuantes, e o inter criminis dentre outros. Neste período a religião e o direito se separaram e a pena tornou-se em regra pública e o Direito de punir do Estado “jus puniendi”. 1.1.5 Direito Germânico Após a queda do império romano em razão da invasão das tribos germânicas (bárbaros) o direito voltou-se novamente a vingança privada. Os princípios da lei do talião voltam a inspirar a sociedade. Não há mais distinção entre dolo e culpa e a punição determinada sempre em relação ao dano causado, e não mais em relação ao aspecto subjetivo (vontade) de seu ato. No processo estavam instituídas as “ordálias” também conhecidas como “juízos de Deus”, o juízo divino une-se novamente ao direito. Ordália significa sentença divina. Os acusados eram submetidos a provas e testes de resistência, se sobrevivessem as provas, era tido como intervenção divina e os acusados eram então considerados inocentes. Os exemplos mais comuns de ordálias aplicadas eram a exposição a animais ferozes; banho de água fervente, caminhar sobre brasas; combate corpo a corpo dentre outros. 1.1.6 Direito Canônico Os doutrinadores católicos passam a ser a grande referência para o Direito Penal. O direito canônico resgata os conceitos, princípios e institutos do direito romano. Iniciou-se a humanização do Direito Penal e as políticas de regeneração do criminoso a partir da penitência. É neste período que surge o conceito de penitenciária. O momento mais dramático do direito canônico ocorreu no período da Inquisição. Esta época foi marcada pelo enfraquecimento do poder católico, e o recrudescimento do direito penal. 9 O processo penal era conduzido de acordo com os interesses do poder eclesiástico e durante os interrogatórios eram utilizados métodos de tortura. As penas impostas aos condenados eram cruéis, tais como morte na fogueira, e o esquartejamento. Joana Darc heroína francesa, antes adorada pela igreja foi julgada e condenada pela inquisição a fogueira. 1.1.7 O Iluminismo O movimento iluminista, caracterizado pela centralidade da ciência e racionalidade crítica, passa a influenciar os doutrinadores do direito. Este período conhecido também como período das luzes, trouxe novamente para o direito penal os princípios, conceitos e institutos do direito romano. O grande marco para o pensamento jurídico deste período foram as obras dos contratualistas, Hobbes, Locke e Rousseau. O trabalho destes pensadores pode ser considerado como grande divisor de águas para o Direito, principalmente para o Direito Penal. O núcleo do pensamento contratualista é que o poder político advém de um contrato entre a sociedade e o governante. Caso o governante não cumpra o contrato garantindo os interesses da sociedade poderá ser destituído do poder. As leis penais continuaram sua evolução, agora sob a luz dos princípios contratualistas. O italiano Cesare Beccaria foi o grande expoente do direito penal neste período. Suas obras influenciaram a política e o direito moderno. As obras de Beccaria firmavam o humanitarismo a partir dos princípios de igualdade perante a lei, abolição da pena de morte, erradicação da tortura como meio de obtenção de provas, instauração de julgamentos públicos e céleres, penas consistentes e proporcionais. Os burgueses (liberais) foram os grandes precursores do movimento iluminista. Eles necessitavam de segurança política e jurídica para continuidade de seus negócios. Fortalecia-se então o principal pilar de sustentação do capitalismo e também do Estado Democrático de Direito: a segurança jurídica. 1.1.8 Escolas penais São chamadas “escolas penais” as correntes filosófico-jurídico em matéria penal que influenciaram a evolução e norteiam o direito penal até hoje. Segundo Anibal Bruno, jurista brasileiro: “As escolas penais são corpos de doutrinas mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação com o fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal. ” A maioria destas escolas se preocupam com o fenômeno crime e com os princípios do sistema penal. As principais escolas penais foram: 10 Clássica Positivista Técnico jurídica A escola clássica nasceu sob os ideais iluministas, e tem como princípios fundamentais a defesa do homem contra o arbítrio do Estado. A finalidade da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, e é um mal necessário imposto ao indivíduo que cometeu um crime voluntaria e conscientemente. Os princípios básicos dessa escola são de cunho humanitário e liberal. Destaca-se o estudo sobre segurança jurídica penal e processual. Dentre os doutrinadores desta escola destaca-se Cesare Beccaria com seus princípios humanitários e Franchesco Carrara com seus estudos sobre o crime. A máxima de Beccaria era “O Estado deve punir os delinquentes, mas deve se submeter as limitações da lei”. E a de Carrara era “Três fatos constituem a essência de nossa ciência: o homem, que viola a lei; a lei, que exige que seja castigado esse homem; o juiz, que comprova a violação e dá o castigo”. Outro autor da escola clássica importante foi Feuerbach. Ele defendia avidamente o princípio da legalidade. É de Feuerbach a fórmula “nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege” ou seja, qualquer ameaça de sanção deve estar anteriormente prevista em lei. A escola Positivista, corrente que defendia que o conhecimento cientifico é a única forma de conhecimento verdadeiro, trouxe ao Direito Penal o ângulo sociológico. Agora não só o crime, mas o criminoso também passou a ser estudado. O maior expoente dessa escola no Direito Penal foi Cesare Lombroso e Enrico Ferri. A Escola Técnico Jurídica surge em 1905 e é considerada uma reação a corrente positivista. Busca restaurar o critério jurídico da ciência do Direito Penal rompendo a vinculação trazida pelo positivismo a outras ciências como a antropologia, sociologia e psicologia. Segundo esta escola a ciência penal deveria ser autônoma, possuir métodos próprios e ser aquele expresso na lei. 1.2 Definição de Direito Penal De acordo com a doutrina o Direito Penal é o ramo do direito que determina quais são as condutas antissociais e as reações da sociedade contra estes comportamentos. Em outras palavras, podemos afirmar que é a reunião das normas jurídicas pelas quais o Estado proíbe determinadas condutas pela imposição de sanção penal. Estabelece ainda as condições para aplicação das penas e medidas de segurança. 11 1.2.1 O Direito Penal é um Direito Público O Código Civil organiza a relação entre particulares e visa o equilíbrio entre as partes. O direito do trabalho organiza a relação entre patrão e empregado e visa proteger o trabalhador. O Direito Penal organiza as relações dos cidadãos entre eles e também entre os cidadãos e o Estado, mesmo que a infração lese interesses de particulares, pois constitui um atentado à ordem pública. A repressão é exclusividade do Estado, que possui ainda o “jus puniendi” que é o direito de punir. Em síntese, podemos afirmar que o crime é um atentado ao Estado e não apenas uma falta ao direito de um indivíduo. 1.3 Missão O direito penal não se reduz somente a uma lista de condutas consideradas delitos e a pena que cada um corresponde; sua missão fundamental é proteger a sociedade. Assim pode-se definir o direito penal como o conjunto de normas pertencente ao ordenamento jurídico de determinado Estado, cuja finalidade primordial é regular condutas puníveis, consideradas como delitos, com a aplicação de uma pena. Asprincipais funções do Direito Penal podem ser definidas também como: Proteger bens jurídicos; Instrumento de controle e transformação social; Garantir a segurança jurídica; Reduzir a violência estatal (arbitrariedade). 1.4 Fontes Fonte é o lugar de onde se origina o direito. As fontes podem ser caracterizadas como materiais (produção) e formais (de conhecimento). As fontes materiais referem-se aos órgãos responsáveis pela elaboração “produção” das leis. A União é a fonte de produção do direito Penal Brasileiro (art. 22, I, CF). “Art.22, I, CF - Compete privativamente à União legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...)” As fontes formais “de conhecimento” referem-se ao lugar de onde se pode conhecer o direito existente. Podem ser divididas em imediatas e mediatas. As fontes imediatas são as próprias leis, pois não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. E as mediatas são os costumes, os princípios gerais do direito, a jurisprudência e a doutrina. 12 O artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto Leiº 4.657): Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 1.5 Princípios Os princípios são parte fundamental do Direito Penal brasileiro, também consideradas fontes mediatas inspiram a manutenção do sistema jurídico. Segundo o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”. Segundo o jurista Alexy a principal diferença entre as regras (normas) e os princípios é que as normas definem o que “deve ser”, enquanto os princípios definem “o ideal” e os objetivos que devem ser atingidos. Os princípios mais importantes do Direito Penal são: Da legalidade e anterioridade (art. 5º, XXXIX, CF e art. 1º, CP); Da retroatividade benéfica (art. 5º, XL, CF e art. 2º, CP); "Non bis in idem"; Da intervenção mínima; Da insignificância. 1.5.1 Da legalidade e anterioridade (art. 5º, XXXIX, CF e art. 1º, CP) Este princípio é também conhecido como "carta magna do direito penal", porque é garantia definitiva contra o poder repressivo do Estado. E é deste princípio a frase "nullum crimen, nulla poena sine lege praevia” que significa, que a ação punitiva do Estado deve respeitar estritamente as disposições das leis penais que antecedem a ação criminal. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. 13 1.5.2 Da retroatividade benéfica (art. 5º, XL, CF e art. 2º, CP) A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Se um condenado cumpre pena mais severa por determinada conduta, e entra em vigência nova lei que determine para aquela mesma conduta regime penal mais branda, o condenado passa a ter direito à mudança para o Regime mais brando. 1.5.3 "Non bis in idem" Princípio legado pelo direito romano, é a proibição de imposição de uma pluralidade de incriminações e sanções como resultado da comissão do mesmo crime. Exemplo: se o agente defere diversos golpes de faca contra sua esposa, visando matá-la, objetivo atingido depois do décimo golpe, não há nove crimes de lesão corporal e um homicídio, mas tão somente um crime de homicídio (o meio utilizado pelo agente pode, contudo, qualificar o delito, tornando mais severa a pena imposta). O princípio “ne bis in idem” ou “non bis in idem” limita o poder punitivo do Estado e arbitrariedades. A extraterritorialidade é uma exceção para este princípio. Há casos em que um crime cometido e julgado no exterior, pode ser novamente julgado no Brasil. No entanto, deve-se abater da pena o que o condenado já tenha cumprido no exterior. 1.5.4 Da intervenção mínima Significa que o desempenho do direito penal deve ser reduzido ao mínimo. O Direito Penal, no Estado Democrático de Direito assume as funções de proteção e garantia social, tendo como princípios basilares o direito à vida e à liberdade dos indivíduos. Sua missão de prevenção deverá ocorrer na medida do necessário para essa proteção e garantia, respeitado os limites fixados pelos princípios democráticos. Considerando este contexto, surge a necessidade em estabelecer-se um Direito Penal Mínimo que acima de tudo respeite os direitos e garantias fundamentais, tais como o direito à vida, à liberdade, à dignidade da pessoa humana, à igualdade e à legalidade. 1.5.5 Da insignificância Este princípio afirma que o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas. Assim, os danos de pouco valor devem ser considerados como fatos atípicos, não havendo crime (exemplo: furto de algo irrisório). É aquele de ínfima relevância penal, seja por haver desvalor na conduta do agente, seja por haver desvalor no resultado. 14 Segundo o Supremo Tribunal Federal: “o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz- se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”. Exemplo: Furto de um boné. Neste princípio opera-se somente a tipicidade formal que é a adequação entre o fato praticado pelo agente e a lei penal incriminadora. Não há tipicidade material, compreendida como a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 15 2. Da Aplicação da lei penal no tempo e no espaço Em regra, aplica-se a lei penal vigente ao tempo da prática do fato criminoso “tempus regit actum”. A expressão “Tempus regit actum” é latina e identifica o princípio da irretroatividade. O réu deverá ser julgado em atenção à lei em vigor no momento do delito. Quer dizer que a lei penal produzirá efeitos, em regra, no período da sua vigência, de acordo com a lei vigente na época do fato. Vigência refere-se ao intervalo de tempo em que a norma jurídica está legalmente autorizada a produzir seus efeitos. A aplicação da lei penal no tempo carrega em seu núcleo o princípio de segurança jurídica. O Estado é detentor do “jus puniendi” e do poder de coerção, desta forma o cidadão precisa ter garantias que este poderserá equilibrado e proporcional. Exemplo: Em 1998, o funcionário público Mévio, a pedido de sua irmã entrou no sistema de informações da secretaria da Fazenda e excluiu indevidamente dados do sistema informatizado da Administração Pública. Sabemos que essa conduta de Mévio em 1998 não estava tipificada no Código Penal. Em 2000, entrou em vigor o artigo 313-A no Código Penal que diz: “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”. Com a entrada em vigor desse novo tipo penal será possível tipificar a conduta de Mévio e leva-lo a justiça por um evento ocorrido em 1998? A resposta é negativa. Não será possível punir Mévio por uma conduta que no momento do cometimento ainda não era considerada crime, violaria os princípios da aplicação da lei no tempo. Exemplo: Savio e Tadeu são inimigos. Savio decide entrar para a política e se torna amigo de diversos parlamentares. Savio tem a informação de que no último ano Tadeu caçou mais de 500 vagalumes, e então convence seus amigos a criminalizarem essa conduta, pois quer ver Tadeu atrás das grades. 16 Após a criminalização desta conduta será possível para o Estado punir Tadeu por ter caçado vagalumes no último ano? Assim como no exemplo anterior não será possível a punição de Tadeu. O Estado somente poderá punir Tadeu, se este vier a caçar vagalume após a vigência da lei. A segurança jurídica é um dos princípios tutelados pelo instituto da lei penal no tempo e tem como objetivo evitar arbitrariedades do poder estatal. 2.1 Princípios norteadores da Lei Penal no Tempo Os princípios mais importantes da aplicação da lei penal no tempo são: a) Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, e artigo 1º do Código Penal, e o; b) Princípio da Irretroatividade Prejudicial ou da Retroatividade benéfica, previsto no artigo 5º, XL, da Constituição Federal, e artigo 2º do Código Penal. O princípio da Legalidade, é conhecido também como "carta magna do direito penal", porque é garantia definitiva contra o poder repressivo do Estado. E é deste princípio a frase "nullum crimen, nulla poena sine lege anterior” que significa que a ação punitiva do Estado deve respeitar estritamente as disposições das leis penais que antecedem a ação criminal. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Exemplo: Mévio se apaixona pela filha do delegado, e este decide acabar com o namoro da filha e pede para um investigador descobrir algo podre de Mévio. No entanto, o investigado não descobre nada que possa incriminar Mévio. Passados alguns dias, Mévio vai à casa da filha do delegado e faz uma serenata na porta de sua casa. O delegado com sangue nos olhos decide prender Mévio, e no inquérito destaca que Mévio foi preso por cantar em frente à sua casa. O juiz manda soltar Mévio, pois a conduta dele, pelas leis do momento não é considerada crime. No princípio da Irretroatividade a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (retroatividade benéfica). É exceção para a aplicação do “Tempus regit actum”. O artigo 2º do Código penal ilustra: 17 “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos interiores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Exemplo: Mévio é condenado por adultério em dezembro de 2004 a 6 meses de detenção, mas em 2005 a lei penal sofre alterações e o ato antes considerado crime deixa de ser. Desta forma, Mévio poderá pedir a extinção da pena. O Direito Penal está em constante evolução, e a grande maioria dos doutrinadores entendem que, ao menos em tese, as leis novas são melhores que as mais antigas e teriam melhores condições para fazer justiça. 2.2 Conflitos de leis penais no tempo A regra geral é a da aplicação da lei vigente quando da prática da conduta “tempus regit actum”. Os conflitos podem ocorrer: a) Abolitio criminis: É a nova lei que exclui do âmbito do Direito Penal um fato até então considerado criminoso. A lei posterior extingue o crime. Por exemplo, o adultério deixou de ser considerado crime, a lei posterior beneficia o criminoso; b) Novatio legis in mellius: A lei posterior é benéfica à sanção ou à forma de seu cumprimento. A lei posterior reduz a pena da lei anterior, neste caso, a lei posterior beneficia o criminoso. Por exemplo, antes da vigência do art. 28 da lei 11.346/2006 (Lei antidrogas), o crime previsto para os usuários e dependentes de drogas estava previsto no art. 16 da lei 6.368/1976 e dizia pena de detenção, de 6 meses a 2 anos. Já a legislação atual, traz como penas advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medidas educativas. c) Novatio legis in pejus: A lei posterior é prejudicial. A lei posterior se mostra mais rígida em comparação com a lei anterior. Jamais retroagirá. É o caso da lei que aumenta a pena, neste caso, não se pode aplicar a lei posterior em desfavor do preso. Por exemplo, o crime de homicídio qualificado foi transformado em crime Hediondo em 1994. O crime hediondo tem características mais rígidas na aplicação e execução da pena. 18 d) Novatio legis incriminadora: A lei posterior criminaliza determinada conduta que antes não era considerada crime. A lei cria uma nova figura penal. A “novatio legis incriminadora”, somente tem eficácia para o futuro. Jamais para o passado. Por exemplo, o artigo 154-A do Código Pena criminaliza a invasão de dispositivo informático, conectado ou não à rede de computadores. O “abolitio criminis” e a “novatio legis in mellius” poderá retroagir para beneficiar o condenado, enquanto a “novatio legis in pejus” e a “incriminadora” não. 2.3 Tempo do Crime (art. 4º do CP) O artigo 4º do Código Penal diz que o crime será considerado praticado no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Exemplo: Mévio atira em Tadeu que morre três dias depois. No momento do disparo Mévio contava com 17 anos, 11 meses e 29 dias, e no momento da morte de Tadeu, Mévio contava já com 18 anos. Em razão de ser menor Mévio é inimputável, portanto não terá sua conduta considerada crime e sim ato infracional. Além disso não será punido pela lei do Código Penal, será aplicado ao menor uma das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sobre o tempo do crime há três teorias: a) Da atividade: O crime será considerado no momento da ação, é a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro; b) Do resultado: O crime será considerado no momento que ocorrer o resultado da ação; c) Teoria mista ou da ubiquidade: Adota as duas teorias anteriores ao mesmo tempo. Vejamos as principais consequências da adoção da teoria da atividade: a) aplica-se a lei em vigor ao tempo da conduta, exceto se a do tempo do resultado for mais benéfica; b) a imputabilidade é apurada ao tempo da conduta; 19 c) no crime permanente em que a conduta tenha se iniciado durante a vigência de uma lei, e prossiga durante o império de outra, aplica-se a lei nova, ainda que mais severa. Exemplo: Mévio sequestra Tadeu no dia 31 de dezembro, pois sabe que no dia 01 de janeiro entrará emvigor uma lei que prevê maior severidade ao crime de sequestro. Mévio acredita que se for pego, a justiça terá que considerar o momento em que ele iniciou a conduta. No entanto Mévio está enganado, pois sua conduta criminosa reitera a ofensa ao bem jurídico. d) no crime continuado em que os fatos anteriores eram punidos por uma lei, operando-se o aumento da pena por lei nova, aplica-se esta última a toda a unidade delitiva, desde que sob a sua vigência continue a ser praticada. Exemplo: Mévio trabalha em um mercadinho, e sempre no final da tarde quando vai fechar o caixa, furta pequenas quantias para não ser descoberto. Isso ocorre entre janeiro e março. Sabe-se que em março, a lei penal aumentou a pena para o furto, desta maneira caso o crime de Mévio seja descoberto, a pena considerada será a vigente no momento do último crime. 2.4 Lugar do Crime (art. 6º do CP) A definição do lugar do crime implica na competência e jurisdição sobre o fato. Diz o artigo 6º do Código Penal: “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Assim como no tempo do crime, três teorias se destacam: a) Da atividade: Será considerado o lugar do crime aquele em que foi cometido a conduta (omissão, ação); b) Do resultado: Será considerado o lugar do crime aquele em que se deu o resultado (omissão, ação); c) Teoria mista ou da ubiquidade: Adota as duas teorias anteriores ao mesmo tempo. O lugar do crime poderá ser tanto o local da ação quanto do resultado. A teoria adotada pelo Código Penal é o da “ubiquidade ou mista”, que reúne a teoria da atividade e a do resultado. Será considerado lugar do crime, o local onde foi cometida a ação e também onde ocorreu o resultado. 20 O artigo 70 do Código do Processo Penal adotou a teoria do resultado para crimes plurilocais, enquanto o artigo 6 do Código Penal adota a teoria da Ubiquidade para crimes cometidos a distância. Crimes plurilocais são aqueles cuja execução e resultado se dão em cidades diferentes. Crimes a distância são aqueles cuja execução e o resultado se dão em Países diferentes. Exemplo: Mévio atira em Tadeu num bar no ABC paulista, e Tadeu vem a falecer dois dias depois em um hospital em São Paulo. Aplica-se a teoria do resultado o lugar do crime será São Paulo. Diz o artigo 70 do CPP: “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. O artigo 6 do CP diz: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir- se o resultado”. Exemplo: Criminoso no Rio de Janeiro manda e-mail ameaçando alguém em Berlim na Alemanha. No crime a distância aplica-se a teoria da ubiquidade, o lugar do crime poderá ser o Rio de Janeiro ou Berlim. O STJ em julgamento recente reconheceu competente o juízo em que a investigação criminal tenha mais condições de apurar o delito, tanto faz se for o da atividade ou do resultado. A teoria da Ubiquidade não se aplica nos casos de crimes: a) Conexos: relacionados entre si, será considerado a teoria da atividade. Exemplo: Um furto é cometido no Paraguai, e a receptação no Brasil. Será considerado crime apenas a receptação ocorrida no Brasil. b) Infrações penais de menor potencial ofensivo: Aplica-se a teoria da atividade; c) Crimes falimentares: foro em que for decretada a falência; d) Atos infracionais: crimes ou contravenções praticadas por crianças e adolescentes, será considerado competente a autoridade do lugar da ação ou da omissão. Aplica-se a teoria da atividade. e) Plurilocais: A ação e o resultado ocorrem em cidades diferentes, aplica-se a teoria do resultado. 21 f) Homicídio doloso: O foro competente é o do local da conduta. Aplica-se a teoria da atividade. Em síntese a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro para o lugar do crime (à distância) é o da “Ubiquidade”, e o do tempo do crime é o da “Atividade”. 2.5 Lei Penal no Espaço O campo de validade da lei penal é determinado de acordo com os princípios da Territorialidade e Extraterritorialidade. O Código Penal adotou como regra o princípio da territorialidade, no entanto há exceções, por esta razão adotou-se o conceito de “territorialidade temperada ou mitigada”. As exceções são o princípio da personalidade ou da nacionalidade, do domicilio, da defesa real ou da proteção, da justiça universal e da representação. 2.5.1 Territorialidade (art. 5º do CP) Aplica-se a lei brasileira ao crime praticado no território nacional independente da nacionalidade do autor e da vítima do delito. Diz o artigo 5º: “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. ” Em regra, todo crime ocorrido no território brasileiro é regido pela lei brasileira. Mas existem exceções, como nos casos de imunidade diplomática e crimes de 22 competência do Tribunal Penal Internacional. Em síntese o crime ocorre no Brasil, mas não se aplica a lei brasileira. Atenção: O conceito de território nacional abrange: solo águas internas mar territorial (12 milhas marítimas, equivalente a cerca de 20km) espaço aéreo ou coluna atmosférica, que termina onde cessa a gravidade (espaço cósmico). Zona contígua: espaço de 12 milhas marítimas além do mar territorial, o que se considera alto-mar. O artigo 5º do Código Penal, §1º e §2º ampliam o território nacional nas seguintes situações: embarcações ou aviões públicos brasileiros. Ainda que seja alugado, estará em missão oficial e, portanto, incluído nesse conceito. Não importa onde estiver, os crimes serão considerados cometidos no Brasil. Exemplo: Avião público brasileiro chega no aeroporto francês Charles de Gaule, e Mévio, imaginando que as leis francesas são mais brandas que as leis brasileiras, decide matar Tadeu asfixiado. O crime será considerado cometido no Brasil, submetido as leis brasileiras. embarcações ou aviões privados brasileiros. Só serão considerados território brasileiro se estiverem em alto-mar (princípio do pavilhão ou princípio da bandeira). Exceção: se um país, local dos fatos, não se interessar pelos fatos, nesse caso o Brasil pode representar o outro país e punir o crime (princípio da representação) cometido em embarcação ou avião de bandeira brasileira. embarcações ou aviões privados estrangeiros: os crimes são punidos se a nave estiver em território nacional. embarcações ou aviões públicos estrangeiros: jamais incide a lei brasileira. embaixadas estrangeiras no Brasil: para fins penais, o território é nacional, incidindo a lei penal brasileira, salvo se o autor do crime goza de imunidade diplomática. Para fins processuais, dependerá de rogatória. 23 2.5.2 Extraterritorialidade(art. 7º do CP) É o princípio pelo qual determinados crimes cometidos em outros Países poderão ter aplicadas leis brasileiras. O artigo 7º do Código Penal indica os casos em que as leis brasileiras se aplicam a fatos praticados fora do território Nacional. “Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. 24 § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. ” 2.5.3 Pena cumprida no estrangeiro (duplicidade de condenação) O Código Penal tem como um dos mais importantes preceitos o princípio “Ne bis in idem” que é a garantia que ninguém seja processado, condenado ou executado duas vezes pelo mesmo crime. No entanto há exceção é o caso da extraterritorialidade. O artigo 8º do Código Penal diz: “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”. Para suavizar essa exceção, o art. 8º adota também o princípio da compensação, ou seja, a pena aplicada no exterior é compensada quando aplicada nova pena no Brasil. O artigo fala de duas espécies de compensação. A direta (penas homogêneas: prisão lá e prisão cá) e a indireta (penas heterogêneas: multa lá e prisão cá). Nesses casos, a compensação é feita pelo juiz, devendo ele decidir com base na equidade (julgamento justo). 25 3. Noções Introdutórias A principal utilidade do direito penal é compreender a ação praticada pelo indivíduo no momento do crime. As teorias desenvolvidas ao longo do tempo, sob a égide dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito visa maior justiça na imputação do fato criminoso. Para definirmos se um fato é crime ou não, utilizamos a teoria maior do direito penal: A teoria do crime. Essa teoria permite compreender a ação praticada pelo individuo no momento do crime. As teorias, os princípios e os institutos do direito penal são as bases na qual o Direito Penal se amolda. E é a partir deles que definimos as razões de um fato ser considerado crime e outro não. Diante de um fato concreto, aplicando as teorias, princípios e institutos do Direito Penal os operadores do direito identificam se ali está presente ou não um fato criminoso. É também a partir dessa base que se montam teses de defesa e de acusação. O equilíbrio entre o Estado (jus puniendi), os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, e os institutos do Direito Penal devem garantir a segurança jurídica e a legalidade a todos os cidadãos. 3.1 Conceito de infração penal (crimes e contravenções) Infração Penal é toda conduta praticada pelo agente com dolo ou culpa previamente indicada pela legislação como ilícita, e culpável. As infrações penais se dividem em crimes ou delitos e contravenções. Crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados e que a lei prescreve pena de reclusão ou de detenção. Da infração penal se extraem duas espécies: Crimes (ou delitos); Contravenções penais; 26 A previsão legal dessa classificação, chamada critério dicotômico, está no art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal (LICP): “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção (...); considera-se contravenção a infração penal a que a lei comina pena de prisão simples ou multa (...)” Exemplos: Mévio mata Tadeu. A conduta de Mévio se adequa ao tipo penal “matar alguém”, previsto no código Penal no artigo 121, homicídio simples. A pena prevista é reclusão, de seis a vinte anos. Segundo o artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal a conduta de José é considerada crime, pois a pena cominada para este tipo de conduta é de reclusão. Mévio é criador de passarinhos e montou armadilhas em sua casa para evitar que os gatos da região se aproximem. Num determinado dia Mévio capturou o gato de sua vizinha, e com o objetivo de dar uma lição no animal jogou cola de sapateiro sobre ele e em seguida pó de serra. Mévio cometeu uma contravenção penal descrita no artigo 64 da lei 3.688/41. A lei diz: “Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo. Pena de prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa”. As contravenções penais são infrações consideradas de menor potencial ofensivo. E por serem delitos de menor gravidade recebem penas proporcionais. As contravenções penais estão previstas no Decreto-lei nº 3.688/41, o qual está dividido em capítulos que tratam, respectivamente: das contravenções referentes à pessoa; das contravenções referentes ao patrimônio; à incolumidade pública; à paz pública; à fé pública; à organização do trabalho; a polícia de costumes e à administração pública. Todas as contravenções são punidas com prisão simples, multa ou ambas cumulativamente. A competência para julgar tais infrações é do Juizado Especial Criminal, por serem de menor potencial ofensivo. Podem ser consideradas contravenções penais as condutas de: urinar na rua; passar trote para órgãos públicos; retirar placas de sinalização das ruas; queimar lixo no quintal de forma a incomodar o vizinho com a fumaça; briga de galo; jogo do bicho. 27 3.2 Sujeitos do crime O sujeito do crime pode ser ativo (autor ou participe do crime) ou passivo (suporta a ação criminosa). O Estado é sujeito passivo constante ou formal de todo e qualquer crime e é o detentor do jus puniendi. Sujeito ativo (autor) é quem pratica a conduta descrita na norma penal incriminadora de forma direta. Exemplo: Mévio roubou (verbo subtrair) o carro de Tadeu. Mévio praticou o núcleo do verbo do artigo 157 “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê- la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa”. Sujeito ativo (partícipe) é quem pratica a conduta descrita na norma penal incriminadora de forma indireta. Exemplo: Mévio roubou o carro de Tadeu, enquanto José vigiava para ver se não se aproximavam pessoas. A participação de José foiacessória. José receberá pena pelo mesmo crime praticado por Mévio (autor direto), mas a pena será reduzida entre 1/3 e 1/6, desde que seu papel realmente tenha sido acessório e de menor importância. Os sujeitos passivos deste crime é Tadeu que teve o carro roubado e o Estado que é também quem detém o “jus puniendi”. É importante ressaltarmos que nem sempre o participe receberá pena menor que o autor do crime. Tudo dependerá do papel de cada um no crime. Exemplo: Suzane Von Richthofen foi condenada a 39 anos por planejar a morte dos pais com ajuda do namorado e do irmão dele. Segundo o inquérito no dia do crime Suzane subiu as escadas que davam acesso ao segundo andar, em direção ao quarto de seus pais. Ao confirmar que os dois dormiam, fez sinal para os irmãos. Os três pararam na porta do quarto. Suzane 28 acendeu a luz do corredor de acesso ao quarto e desceu as escadas para não ver ou ouvir o crime. Em julho de 2006, o trio foi a júri popular. Suzane tentou convencer o júri que havia sido manipulada pelo namorado, que se aproveitava da sua condição financeira e lhe dava drogas. Daniel procurou mostrar que a intenção de assassinar o casal sempre foi de Suzane e que ela o induziu ao crime. Suzane e Daniel foram sentenciados a 39 anos e seis meses de prisão, e Cristian, a 38 anos e seis meses. Daniel e Cristian foram considerados coautores do homicídio (praticaram o núcleo do tipo) e Suzane partícipe (não praticou o núcleo, porem ajudou e planejou o crime) 3.3 Objeto do crime (material e jurídico) É o bem ou objeto contra o qual se dirige a conduta criminosa. A doutrina conceitua bem jurídico como “o objeto da especial proteção que a lei confere com a cominação da pena, e a violação ou exposição a perigo desse bem é que constitui o comportamento criminoso Os objetos do crime podem ser classificados em materiais (pessoa ou coisa) e jurídicos (bem jurídico tutelado) O objeto jurídico é o valor que o direito busca proteger e foi violado pela prática do crime. A violação ou exposição a perigo desse bem é que constitui o comportamento criminoso. O criminoso não gera o objeto jurídico, ele a viola. O objeto material é definido dentro de cada norma penal. O objeto material, é a própria coisa ou pessoas atingidas pelo crime. Exemplos: Objeto material do furto de um celular = o próprio celular (coisa sobre a qual recaiu a conduta criminosa). Objeto jurídico do furto de um celular = o patrimônio (bem jurídico tutelado, ou seja, o que a norma penal protege). 29 Objeto material do homicídio = a pessoa na qual recaiu a conduta criminosa (vítima). O objeto material deste crime é o corpo da vítima – já sem vida. Objeto jurídico do homicídio = a vida humana. O homicídio é o crime e a vida é o objeto jurídico. Abaixo alguns valores protegidos pela norma penal (objeto jurídico tutelado): Vida no homicídio; Patrimônio no furto ou roubo; A honra na injuria; A dignidade e liberdade da mulher no estupro; A administração pública no peculato. 3.4 Conceitos de crime O crime pode ser conceituado levando em conta os seguintes aspectos: material, legal, formal ou analítico. Segundo o conceito material, crime é todo comportamento humano que lesa ou expõe a perigo de lesão os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Leva em consideração a relevância do mal produzido. Os principais aspectos são: a) comportamento humano; b) causador de lesão ou perigo de lesão; c) lesão ou perigo de lesão direcionados a bens jurídicos; O conceito legal está no art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal (LICP): “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção (...)” Segundo o conceito formal, crime corresponde à violação da lei penal. Para este critério o conceito de crime é o fornecido pelo Legislador. Corresponde à relação de subsunção ou de concreção entre o fato e a norma penal incriminadora (exemplo: Se “Mévio” matar “Tadeu”, terá violado a norma penal inserida no art. 121 do Código Penal). O principal aspecto é a violação da lei penal. 30 O conceito analítico/jurídico se funda nos elementos que compõem a estrutura do crime. A duas teorias mais importantes sobre a estrutura do crime são: Teoria bipartida (defendida por Damásio de Jesus e Julio Mirabete): crime é fato típico e antijurídico (ilícito). Teoria tripartida (doutrina majoritária): crime é fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável. Esse critério se funda nos elementos que compõem a estrutura do crime. 3.5 Teoria tripartida do crime Segundo a teoria tripartida crime é fato típico, antijurídico e culpável. 3.5.1 Introdução: Fato Típico Antes de conceituarmos fato típico é importante falarmos sobre tipo e tipicidade. Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal, é a descrição concreta da conduta proibida. Exemplo: O Estado, entendendo que deveria proteger nosso patrimônio, valendo-se de um instrumento legal, criou o tipo existente no art. 155, caput, do Código Penal, que diz: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”. O tipo descreve a conduta que o Estado quer proibir e indica a pena para quem desobedecer. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura descrita na lei penal. Se alguém, portanto, subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, terá praticado uma conduta que se adapta perfeitamente ao modelo em abstrato criado pela lei penal. Quando isso acontecer, surgirá a tipicidade. Podemos afirmar que fato típico é uma ação ou omissão (conduta) que provoca (nexo causal) um resultado, contrário ao direito (tipicidade). Então para o fato ser típico deve compreender: 31 1. Conduta (dolosa ou culposa voluntária e consciente voltada para determinada finalidade.) 2. Resultado 3. Nexo causal 4. Tipicidade Exemplo: Mévio descobre que é um dos beneficiários do seguro de vida de sua sogra, então decide matá-la. Planeja executar a ação o mais rápido possível, então na primeira oportunidade que está sozinho com ela, decide iniciar o crime. Atira 5 vezes contra sua sogra que morre em seguida. Analisando a estrutura do crime, observamos a conduta dolosa contra a vida, com nexo causal e com o resultado morte. E temos a tipicidade que é o enquadramento do fato a uma norma já existente pelo ordenamento descrita no art. 121, CP (matar) Exemplo: Mévio atira em direção ao bosque, sua sogra escuta o barulho, corre para ver o que está acontecendo, escorrega na calçada bate a cabeça no chão e morre. Não há nexo causal entre a conduta de Mévio e o resultado: a morte de sua sogra. O fato é considerado atípico (não será considerado crime). 3.5.2 Introdução: Fato Antijurídico ou Ilícito É o comportamento humano contrário a ordem jurídica que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos tutelados sem que haja excludentes para este comportamento. A antijuridicidade é a contrariedade da conduta com a norma incriminadora, é um fato ilícito não aceito pelo ordenamento, entretanto há causas de exclusão da antijuricidade são as normas permissivas e são encontradas no artigo 23 do CP. a) Estado de Necessidade (próprio e de terceiro); b) Legítima Defesa (próprio e de terceiro); c) Estrito Cumprimento de Dever Legal; d) Exercício Regular de Direito. Exemplo de exercício regular de direito: O boxeador que em uma luta golpeia fortemente o rosto do adversário que morre em razão dos ferimentos não poderá ser processado por homicídio, pois exerce um direito legal depraticar o esporte. No 32 entanto se o juiz pedir o fim da luta e o boxeador continuar batendo no adversário que morre em razão dos ferimentos não haverá excludente. Quando ocorrer um fato que estiver protegido por uma causa de exclusão de ilicitude, sabemos que é um fato típico, porém não ilícito. Podemos dizer que uma conduta pode ser típica sem ser ilícita, porém nunca será ilícita sem ser típica. O fato típico é indiciário de ilicitude, só não se configurará se houver uma excludente. 3.5.3 Introdução: Culpabilidade A culpabilidade é a reprovação dada pelo ordenamento e pela sociedade à conduta do agente infrator, o que se analisa é se o autor receberá uma sanção pelo fato típico e ilícito praticado. A culpabilidade não é pressuposto para a conduta ser considerada criminosa mais apenas para a aplicação da pena, ou seja sem culpabilidade não é possível aplicar a pena. A culpabilidade cumpre três funções: a) um dos fundamentos da pena; b) limite da pena e; c) fator de graduação. Para ser culpável deve haver: Imputabilidade que é a condição de maturidade (prevista no artigo 26, 27, 28 do CP). Potencial consciência de ilicitude que é a possibilidade de o agente saber que a conduta é ilícita (previstas no artigo 21, CP). Exigibilidade de conduta diversa da praticada (é a possibilidade de o “homem médio” naquela situação ter agido de outra forma e não agiu). Inexigibilidade é causa de exclusão da culpabilidade, pois não se exige do sujeito conduta diversa daquela em que ele praticou (previstas no artigo 22, CP). Exemplo coação irresistível: Sequestram o filho e pedem para o pai matar o vizinho. O exemplo acima é típico, ilícito, mas não culpável em razão da excludente de culpabilidade (coação irresistível). 33 3.6 Classificação dos crimes A classificação dos crimes pode ser legal (exemplo: homicídio) ou doutrinário (definido por estudiosos). Dentre as classificações doutrinárias, se destaca os crimes materiais, formais e de mera conduta. Esta classificação leva em consideração a consumação do crime. Crime consumado é aquele que reúnem todos os elementos de sua definição legal. O crime material se consuma com a produção do resultado naturalístico, como por exemplo, a morte no homicídio. Quando este não se consuma, estaremos diante da tentativa. Os crimes materiais necessitam dos 4 elementos do fato típico, ou seja: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. O crime formal (consumação antecipada sem precisar do resultado) não exige a produção do resultado para a consumação do crime, como por exemplo, a extorsão mediante sequestro (não há necessidade que o resgate seja pago para que o crime se consuma, basta a privação da liberdade). O crime de mera conduta (simples atividade ou sem resultado) são aqueles em que o tipo não acomoda resultado naturalístico, leva-se em conta apenas a conduta. Pune o comportamento. Exemplo: violação de domicilio, desobediência e ato obsceno. 3.7 Crime Doloso e Crime Culposo (art. 18, CP) Considera-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Considera-se crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. O agente não tinha a intenção de produzir o resultado, mas este era previsível. 3.7.1 Crime Doloso Há três teorias importantes sobre o dolo: 34 a) teoria da representação: exige apenas a previsão do resultado; b) teoria da vontade: exige tanto a previsão quanto a vontade de produzir o resultado; c) teoria do consentimento: há dolo quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado. No Brasil, adota-se a teoria da vontade complementada com a teoria do consentimento. Em síntese pode-se afirmar que o crime doloso ocorre quando o agente QUIS (dolo direto – teoria da vontade) ou ASSUMIU O RISCO (dolo eventual – teoria do assentimento/consentimento) de produzir o resultado. Exemplo: Mévio queria matar Tadeu, efetua os disparos, mas erra. Tadeu tenta fugir, mas despenca num barranco bate a cabeça e morre. Mévio responderá dolosamente pelo resultado, pois era sua vontade. Exemplo: Mévio avança com o caminhão contra uma multidão, porque está com pressa de chegar em casa. Responderá por dolo eventual, tendo em vista que aceitou o risco de morte de um ou mais pedestres. Este crime será classificado como dolo eventual. Mévio assumiu o risco com sua conduta. No caso do dolo eventual a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo (consente com o resultado). Atenção: Dolo é regra e culpa é exceção (art. 18, parágrafo 1, CP). O dolo se divide em direto ou indireto. O direto é classificado ainda em 1º ou 2º grau: a) dolo direto de primeiro grau: o fim é diretamente pretendido pelo agente; b) dolo direto de segundo grau: o resultado é obtido como consequência necessária à produção do fim. Exemplo: Mévio quer matar Tadeu, então coloca uma bomba no bar onde Tadeu vai toda sexta-feira. A bomba explode mata Tadeu e mais 5 frequentadores do bar. No caso de Tadeu o dolo será considerado em 1º grau e das outras 5 vítimas será considerado em 2º grau. O Dolo indireto é classificado em alternativo ou eventual: a) dolo alternativo: o agente deseja, com igual intensidade, a produção de um ou de outro resultado. O agente tem a mesma vontade de um ou de outro. 35 Exemplo: Mévio quer praticar lesão corporal ou homicídio indistintamente contra Tadeu. b) dolo eventual: o agente não quer o resultado, mas o prevê e o aceita como possível, assumindo o risco que ele ocorra. Não quer o resultado (teoria da vontade), mais assume o risco (teoria do consentimento) 3.7.2 Crime Culposo O CP, art. 18, II, considera culposo o crime quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, denominadas de modalidades de culpa: a) Imprudência: atuação perigosa, sem atentar às cautelas necessárias; b) Negligência: deixar de observar o que era necessário; (negativo) c) Imperícia: inaptidão técnica para o desempenho de arte, ofício ou profissão (culpa profissional) As espécies ou tipos de crime culposo são: a) Culpa consciente: resultado previsível (excesso de confiança). É aquela em que o agente acredita sinceramente que o resultado não se produzirá, embora o preveja (culpa com previsão). Por exemplo, Mévio está caçando com Tadeu e avista um touro bem próximo a Tadeu, então acreditando em sua condição de perito atirador, dispara. Ele imagina que não irá atingir Tadeu, mas o acerta em cheio na cabeça, Tadeu cai morto. b) Culpa inconsciente: é aquela em que o agente não prevê o resultado, embora seja previsível (culpa sem previsão – regra). Por exemplo, Mévio atinge involuntariamente Tadeu que passava pela rua, porque atirou um objeto pela janela. Mévio acreditava que ninguém passaria naquele horário. c) Culpa própria: é aquela em que o agente não quer o resultado e nem assume o risco de produzi-lo. Por exemplo: Mévio é responsável por cuidar de seu sobrinho e um dia se distrai e não vê quando o menino cai na piscina. Ao encontra-lo o menino já está sem vida. Mévio poderá ser condenado por homicídio culposo, pois apesar de não ter vontade de matar e nem ter causado o resultado morte foi negligente com a criança. d) Culpa imprópria ou por extensão: na culpa imprópria (artigo 20, parágrafo 1, CP), o agente comete o fato em face de erro inescusável e, embora seja fato 36 doloso, é punível culposamente, por política criminal.
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