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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS – CCSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL MARIA ANGÉLICA BARBOSA MARINHO DE OLIVEIRA AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO DA ASSESSORIA E CONSULTORIA NO SERVIÇO SOCIAL NA GRANDE NATAL/RN NATAL/RN 2019 MARIA ANGÉLICA BARBOSA MARINHO DE OLIVEIRA AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO DA ASSESSORIA E CONSULTORIA NO SERVIÇO SOCIAL NA GRANDE NATAL/RN Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGSS- UFRN), como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Serviço Social. Área: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social. Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira. NATAL/RN 2019 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Oliveira, Maria Angélica Barbosa Marinho de. As configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na grande Natal/RN / Maria Angélica Barbosa Marinho de Oliveira. - 2019. 130f.: il. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2019. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira. 1. Trabalho - Assistente Social - Dissertação. 2. Processos de Trabalho - Dissertação. 3. Assessoria - Dissertação. 4. Consultoria - Dissertação. 5. Serviço Social - Dissertação. I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364-45:331 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 MARIA ANGÉLICA BARBOSA MARINHO DE OLIVEIRA AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO DA ASSESSORIA E CONSULTORIA NO SERVIÇO SOCIAL NA GRANDE NATAL/RN Dissertação de mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Rio Grande do Norte. Aprovada em: ____/____/____ ___________________________________________ Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/PPGSS Presidente ___________________________________________ Dr.ª Maria Dalva Horácio da Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/PPGSS Examinador interno ___________________________________________ Dr.º Maurilio Castro de Matos Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ Examinador externo à Instituição ___________________________________________ Dr.ª Rita de Lourdes de Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/PPGSS Examinador Suplente À minha família multiespécie e à amiga Carla Montefusco AGRADECIMENTOS Valeu a pena, sou pescador de ilusões! Um pescador que teima adentrar nesse mar, às vezes tão perverso, do conhecimento. E quanto mais longe chego, mais quero entrar. Perverso, porque tem o incrível poder de desvelar o que não está aparente, às vezes até o que está posto, mas difuso, e isto significa em muitas situações o sofrer. O sofrimento de entender, mas de pouco poder fazer para mudar uma realidade tão cruel. Este trabalho foi escrito em meio a uma conjuntura muito difícil e perversa, que estamos a enfrentar desde 2018 no nosso país. Um cenário de acirramento da luta de classes e intensificação das expressões da questão social. Uma realidade de condições objetivas muito difíceis para todos nós das áreas humanas: professores, alunos, ativistas, cientistas, ambientalistas, minorias em geral; e que me afetou bastante em vários âmbitos. Como dizemos no Serviço Social: em minha totalidade. Por muitas vezes questionei a necessidade de continuar, questionando-me se valeria a pena, se não seria perda de tempo. Esse tempo tão corrido, tão curto e que na maioria das vezes não conseguimos vivê-lo com plenitude e qualidade nessa sociedade, mas sempre uma “força estranha” conseguia me empurrar. Então, o primeiro agradecimento vai para essa força estranha que me faz renascer, ressurgir e seguir todos os dias. Uma força que continua a insistir em me tornar a exceção da minha realidade: Jesus Cristo! Há uma realidade de condições objetivas muito duras, mas uma vontade ainda maior de superá-las. Esse trabalho é mais um fruto dessa superação diária da classe que vive do trabalho. Uma classe que teima em querer conquistar, nesta sociedade, o espaço que é seu por direito, como preconiza a Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]” (BRASIL, 1988, p. 9). Esta dissertação é uma construção coletiva que envolve vários atores e autores que perpassam minha história acadêmica e de vida. Como somos seres sociais, nunca estamos sozinhos nas nossas construções, pois tudo é fruto de nossas relações. Agradeço à minha querida orientadora, amiga e companheira desde a graduação, Carla Montefusco. Sem suas orientações e apoio, não sei o que seria de mim, nada disso teria se concretizado. Um exemplo de profissional: humana, dedicada e acima de tudo justa e competente. Consegue sempre extrair dos seus orientandos o melhor, mesmo diante de tantas adversidades, com palavras de incentivo, respeito, conforto e carinho. À senhora, todo o meu amor e gratidão! Às minhas filhas: Maria Carolina e Maria Cecília, que mais uma vez, em um intervalo curto de tempo, tiveram que entender a minha ausência nos momentos de produção. Ao meu esposo, Arlindo Aldson, que mais uma vez acreditou, me incentivou, me deu colo e muitos abraços nos momentos em que precisei. Aos meus filhos felinos: Mingau, Panqueca, Bela, Gabriel e Loki, que com seus ronronados terapêuticos conseguiam recarregar minhas energias. Ao meu filho canino, Eros, meu chocolate com pimenta, agradeço as lambidas de amor. Sempre recorria a vocês e continuava por vocês. Muito obrigada! À minha irmã do coração, Suzérica Helena, que mais uma vez está comigo nesta caminhada, me incentiva e colabora com o seu olhar profissional do Serviço Social na construção deste trabalho. Ao meu irmão Júnior, que sempre contribui com minhas produções, traduz meus resumos e me orienta com o seu olhar de jornalista na redação dos trabalhos. Aos dois, meu amor e minha eterna gratidão! Ao corpo Docente que compõe o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFRN, em especial aos que contribuíram diretamente por meio dos componentes curriculares para esta produção. À secretária da Pós-Graduação, carinhosamente conhecida por Lucinha, pela sua dedicação e disponibilidade em sempre poder auxiliar os docentes e discentes. E a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, que apoiou a realização do presente trabalho. Às professoras que compuseram a Banca de Qualificação deste trabalho: Eliana Andrade da Silva, pelo carinho,respeito e preciosas contribuições; e a Maria Dalva Horácio da Costa, pela generosidade, respeito, incentivos, por aceitar, o nosso convite e nos acompanhar nesse percurso desde a qualificação, com sugestões valiosas e apontamentos pertinentes para a construção desse trabalho. Ao Maurilio Castro de Matos, que contribui com meus trabalhos desde a graduação, por meio das suas produções sobre a temática da Assessoria e Consultoria no Serviço Social e pela sua disponibilidade e generosidade em participar do momento da defesa desta pesquisa. A todas as Instituições pesquisadas e Assistentes Sociais entrevistadas, pela receptividade e atenção, ao aceitarem participar da pesquisa. Agradeço por me deixarem adentrar os espaços ocupacionais de cada uma e compartilhar suas ricas experiências profissionais. Às minhas companheiras de turma do mestrado, que são a mais pura expressão da diversidade e da classe trabalhadora. A vocês, guerreiras, todo o meu carinho e gratidão! A todos (as) os (as) trabalhadores e trabalhadoras que contribuem diretamente ou indiretamente para o sucesso de todos os discentes, dentro e fora dessa Universidade. Por fim, mais um ciclo se finaliza e só consigo ter a certeza de ter dado o meu melhor, dentro das condições objetivas e subjetivas que me foram impostas neste momento. O mestrado é um processo de grande aprendizagem, mas também de muito esforço intelectual e dedicação. Diante desse acúmulo de conhecimentos adquiridos até o momento, intenciono devolvê-lo de forma qualitativa para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com o compromisso de prestar um serviço humanizado e de qualidade para os meus usuários e, quem sabe, discentes. “Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe. Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou nada sei” (Almir Sater e Renato Teixeira). [...] o planejamento é responsável e também decorrência do uso da razão pelo homem nos diferentes contextos e períodos históricos, isto é, no desenvolvimento da humanidade. Kathiuça Bertoll (2016, p.335) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN, na perspectiva de que o processo dialético da sociedade contemporânea exige dos Assistentes Sociais, além do compromisso com a classe trabalhadora, uma atuação crítica e planejada. Esta, direcionada pelos princípios ético-políticos explícitos e conscientes, por meio da articulação permanente das capacidades teórico-metodológica, técnica-operativa, e ético- política do Serviço Social. Como objetivos específicos o estudo buscou mapear as áreas de atuação e formas de inserção dos Assistentes Sociais na Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN; identificar os instrumentais de trabalho utilizados pelos Assistentes Sociais no desenvolvimento dos processos de Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN; e apreender os projetos e ações desenvolvidos pelo Serviço Social nas áreas de atuação mapeadas. Consiste em uma pesquisa de abordagem qualitativa, com procedimentos metodológicos de análise fundamentados na perspectiva do materialismo histórico-dialético, que combina pesquisa bibliográfica, documental e empírica. Na pesquisa empírica a coleta de dados se deu por meio da realização de seis entrevistas semiestruturadas com Assistentes Sociais, que desenvolvem atividades caracterizadas como de Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN. A investigação evidencia que a Assessoria/Consultoria se dá tanto no campo das atribuições privativas em matéria de Serviço Social, quanto no das competências profissionais no campo do conhecimento coletivo. Há, nos espaços pesquisados, a utilização do planejamento como um dos principais instrumentais de trabalho que contribuem, mediante condições contraditórias da sociedade capitalista, para o desenvolvimento de ações ancoradas na perspectiva democrática e na efetivação dos direitos sociais, com vistas à emancipação política e humana dos sujeitos. As profissionais entrevistadas mencionam como desafiador o acúmulo de atividades que tem sido imposto ao Serviço Social. Predominou nos espaços pesquisados a Assessoria ao campo da gestão das políticas sociais, o que indica que o Serviço Social, apesar de todos os desafios impostos, tem se colocado, nos espaços investigados, para além de executor terminal das citadas políticas. Palavras-chave: Trabalho. Processos de Trabalho. Assessoria. Consultoria. Serviço Social. ABSTRACT The present work has as general objective to analyze the configurations of the work of the Social Worker in the scope of the Advisory and Consulting in the Social Work in Grande Natal/RN, from the perspective that the dialectic process of contemporary society demands from Social Workers, in addition to the commitment to the working class, a critical and planned action. This, guided by the explicit and conscious ethical-political principles, through the permanent articulation of the theoretical-methodological, technical-operative, and ethical- political capacities of Social Work. As specific objectives the study sought to map the areas of operation and ways of insertion of the Social Workers of the Advisory and Consultancy in Social Work in Grande Natal/RN; identify the work tools of Social Workers, used in the development of the processes of Advising and Consulting in Social Work in Grande Natal/RN; and apprehend the projects and actions developed by the social service in the mapped areas of activity. It consists of a research with a qualitative approach, with methodological procedures of analysis based on the perspective of dialectical historical materialism, which combines bibliographical, documentary and empirical research. In the empirical research, the data collection took place through the accomplishment of six semi- structured interviews with social workers, who develop activities characterized as Advisory and Consultancy in the Social Work in Grande Natal. The research shows that the Advisory / Consultancy takes place both in the field of private attributions in the Social Work, as in the field of professional skills in the field of collective knowledge. In the researched spaces, there is the use of planning as one of the main work tools that contribute, through the contradictory conditions of capitalist society, to the development of actions anchored in the democratic perspective and in the realization of social rights, with a view to political emancipation of the subjects. The interviewed professionals mention as challenging the accumulation of activities that has been imposed on social service. In the researched spaces, there was a predominance of advisory services in the field of social policy management, which indicates that, despite all the challenges imposed, the social service has been placed in the investigated spaces in addition to being the terminal executor of these policies. Keywords: Work. Work processes. Advisory. Consulting. Social service. LISTA DE SIGLAS ABESS – Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ATSP – Assistência Técnica e Supervisão de Programas BH – Belo Horizonte CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais CE – Código de Ética CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CNAT – Campus Natal Central CRESS – Conselho Regional de Serviço Social ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social ENPESS – Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social GT –Grupo de Trabalho HUOL – Hospital Universitário Onofre Lopes IDEB – Índice de desenvolvimento da Educação Básica IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social MPC – Modo de Produção Capitalista MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NMS – Novos Movimentos Sociais ONG – Organização Não Governamental ONGs – Organizações Não Governamentais PIC – Práticas Integrativas e Complementares PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares PEP – Projeto Ético-Político PEPSS – Projeto Ético-Político do Serviço Social PPA – Plano Plurianual PPGSS – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo QDD – Quadro de Detalhamento das Despesas RN – Rio Grande do Norte SISMUD – Plano Municipal de Drogas e Sistema Municipal de Políticas Públicas Sobre Drogas SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde TCC – Trabalho de Conclusão de Curso UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 01 – Desenvolvimento da Vida Profissional .............................................................. 53 Quadro 02 – Construção do Modelo de “Assessoria” em Serviço Social .............................. 55 Quadro 03 – Perfil Profissional das Entrevistadas .................................................................. 78 Quadro 04 – Perfil das Instituições, Ações e Projetos ............................................................ 93 Gráfico 01 – Distribuição, por estado, da inserção de práticas integrativas e Complementares – PICs no SUS, relativa aos questionários respondidos ........................................................ 105 Quadro 05 – Esquema Simplificado do Ciclo dos Projetos .................................................. 107 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14 2 O SERVIÇO SOCIAL COMO TRABALHO: A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS PROCESSOS DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE ........... 23 2.1 Institucionalização e renovação: o caminho para a inserção do Serviço Social nos processos de trabalho no Brasil ........................................................................ ...................23 2.2 Instrumentalidade e Serviço Social: a articulação das capacidades do Assistente Social nos processos de trabalho ......................................................................................... 40 3 ASSESSORIA E CONSULTORIA NO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE E SUAS PARTICULARIDADES HISTÓRICAS ............... 49 3.1 As configurações da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na década de 1980: um resgate de literatura do passado para entender o presente ........................................ 49 3.2 Determinações que levaram à efervescência da Assessoria e Consultoria no Serviço Social ...................................................................................................................................... 58 4 ASSESSORIA E CONSULTORIA NO SERVIÇO SOCIAL NA GRANDE NATAL/RN: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NOS ESPAÇOS SÓCIOS OCUPACIONAIS ................................................................................................................... 76 4.1 As configurações da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN: perfil profissional das entrevistadas ................................................................. 76 4.2 Projetos e ações desenvolvidos pelo Serviço Social na esfera da Assessoria e Consultoria na Grande Natal/RN ....................................................................................... 91 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 110 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 114 APÊNDICES ......................................................................................................................... 120 Apêndice A - Roteiro da Entrevista Semiestruturada .................................................... 120 Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE .......................... 122 ANEXOS................................................................................................................................ 126 Anexo A – Parecer Consubstanciado do CE .................................................................... 126 14 1 INTRODUÇÃO A década de 1990 no Brasil propicia o crescimento da demanda de Assessoria e Consultoria Social devido à expansão dos canais de participação popular advindos da Constituição Federal de 1988, um marco na transição democrática e na nacionalização dos direitos humanos no País, bem como da descentralização das políticas públicas e da institucionalização da sociedade civil 1 por meio de Organizações Não Governamentais (ONGs). No entanto, ao mesmo tempo em que avançam tais conquistas advindas da Constituição de 1988, tem-se o avanço do neoliberalismo 2 em sua lógica mais perversa. O receituário neoliberal 3 no Brasil influencia demasiadas mudanças no Estado que impactam o mundo do trabalho (e vice-versa), tendo repercussões diretas em sua dinâmica, perceptível na maneira como responde às carências da sociedade e como se comporta em relação aos movimentos e organizações populares, que se fortalecem e conquistam um significativo espaço nas discussões de pautas no período de redemocratização do País. Essas novas configurações, e premências dos movimentos sociais brasileiros são determinantes para o crescimento da Assessoria e Consultoria Social, visto que a demanda principal passou a ser a de capacitação técnica das lideranças populares para atuarem nos instrumentos de participação popular como coparticipantes das políticas públicas. É nesse momento que a Assessoria e Consultoria vivem sua efervescência no Brasil, dada a necessidade de atender essas novas exigências técnicas de gestão, implementação e avaliação de políticas públicas. O Assistente Social, inserido nesse contexto de transformações societárias, sofre rebatimentos que incidem diretamente na sua atuação profissional e no processo de amadurecimento da categoria. Esse movimento fecunda constantes debates dentro da categoria sobre o exercício profissional, que lhes requer objetivos profissionais exequíveis, assim como a qualificação de suas práticas operativas, com vistas a atender, sobretudo, aos princípios do Projeto Ético-Político do Serviço Social (PEPSS). 1 A sociedade civil é aqui transformada em uma esfera supostamente situada para além do Estado e do mercado, cabendo a ela uma atuação na área social, sob o invólucro da solidariedade, da filantropia e do voluntariado (DURIGUETTO; SOUZA; SILVA, 2009, p. 16). 2 “[...] compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na idéia da natural e necessária desigualdade entre homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de mercado)” (BRAZ; NETTO, 2007, p. 226, grifo dos autores). 3 A fórmula neoliberal para sair da crise pode ser resumida em o máximo para o capital e o mínimo para o social. 15 Devido a esse processo de renovação profissional, o Serviço Social transita de uma profissão puramente executora na área das políticas sociais, para compor equipes de gestores e elaboradores destas. Assim, surgem as novas competências para o profissional de Serviço Social,que passa a ser cada vez mais requisitado para atuar como assessor e/ou consultor social nas organizações de naturezas diversas, principalmente no que concerne à formulação, elaboração e avaliação de programas, projetos e políticas públicas. As constantes mudanças presentes na atual conjuntura exigem dos assistentes sociais não só o compromisso com a classe trabalhadora, mas uma atuação crítica e planejada. Esta deve estar sempre alicerçada em princípios ético-políticos explícitos e conscientes, por meio da articulação consistente das habilidades teórico-metodológicas e técnico-operativas. Apesar da temática da Assessoria e Consultoria no Serviço Social datar dos anos de 1970, é a partir dos anos 1990 que essa discussão ganha maior evidência, com sua inclusão tanto no debate profissional, quanto no cotidiano do exercício profissional do Assistente Social, já que a lei nº 8662 de 07 de junho de 1993, que dispõe sobre a regulamentação da profissão, vem por meio dos seus artigos 4º e 5º consolidar essa intervenção planejada como uma atribuição privativa e competência profissional do Assistente Social: Art. 4o Constituem competência do Assistente Social: VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II 4 deste artigo; IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; Art. 5o Constituem atribuições privativas do Assistente Social: III – assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social. (BRASIL, 1993, pp.45-46). A lei n° 8662/1993 reforça a importância da Assessoria e Consultoria na contemporaneidade e consolida a expansão dessas atividades na profissão. O Assistente Social então transita de um caráter meramente executor terminal das políticas públicas para ocupar posições de análise e intervenção no procedimento integral da elaboração das políticas sociais junto aos órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares. 4 O inciso II possui a seguinte redação: “elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil.” – Lei 8.662, de 7 de junho de 1993. 16 Nesse cenário, este estudo se desenvolve no âmbito do exercício profissional do Assistente Social e retrata as configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN 5 . É de extrema importância provocar a categoria profissional para o aspecto positivo da consolidação da apreensão da Assessoria e Consultoria como atribuições privativas, competências e possibilidades de inserção profissional para o Assistente Social. Trata-se de tema abordado dentro do Serviço Social desde os anos 1970 e presente nas atividades profissionais até a atualidade, mas ainda com incipiência, divergências conceituais e obscurantismo de entendimento sobre seu processo de desenvolvimento na categoria. Dessa forma, há grande necessidade de se pesquisar a temática dentro do Serviço Social, pois a escassa sistematização provoca no interior da categoria, dentre outras coisas, a dificuldade de acesso e expansão do debate, e, consequentemente, a ausência de compreensão, por parte de alguns profissionais, sobre o que se caracteriza como procedimentos de Assessoria e Consultoria Social no exercício profissional. A partir dessas inquietações, é objetivo geral do estudo analisar as configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN. São objetivos específicos: mapear as áreas de atuação e formas de inserção dos Assistentes Sociais da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal; identificar os instrumentais de trabalho dos Assistentes Sociais utilizados no desenvolvimento dos processos de Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal; e apreender projetos e ações desenvolvidos pelo Serviço Social nas áreas de atuação mapeadas. Assim, são trazidas para o debate questões que permeiam as esferas do Trabalho, dos Processos de Trabalho e da Assessoria e Consultoria no Serviço Social, com o intuito de desvelar a forma como os processos de trabalho ocorrem, seus desafios e contradições ante as mudanças e exigências contemporâneas nos diversos espaços socio-ocupacionais. Por essa razão, evidencia-se a importância de produções que possibilitem a elucidação: dos instrumentais e técnicas utilizados no desenvolvimento desses procedimentos; de que mesmo esse processo de trabalho sendo derivado da administração, quando realizado no Serviço Social, precisa ser adaptado e direcionado pelo PEPSS; da inevitabilidade de 5 Constitui a Região Metropolitana de Natal o núcleo urbano com efetiva conurbação formado pelos municípios de: Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Extremoz. Além de outros municípios próximos sem nenhuma cornubação como: Ceará-Mirim, São José de Mipibu, Nísia Floresta, Monte Alegre, Vera Cruz, Maxaranguape, Ielmo Marinho, Bom Jesus, Arês e Goianinha. (RN, 2019). A amostra da pesquisa considerou apenas os municípios com efetiva cornurbação com Natal. 17 articulação das três dimensões na sua aplicabilidade; e da indispensabilidade de esclarecimento do equívoco de se atrelar a Assessoria e Consultoria no Serviço Social às terceirizações existentes nas empresas e organizações. A motivação pelos estudos que discutem a temática da Assessoria e Consultoria no Serviço Social surgiu inicialmente em decorrência do contato da pesquisadora com o componente curricular opcional Oficina de Assessoria e Consultoria, na graduação em Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no semestre 2015.2. Posteriormente, em 2016.1, tornou-se produto da experiência do estágio curricular obrigatório, realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) campus Natal Central (CNAT), por meio do projeto de intervenção intitulado: Plano de trabalho: Construindo a identidade do exercício profissional do Serviço Social do IFRN–CNAT, que possibilitou a vivência experimental nos parâmetros de uma Assessoria e Consultoria. Diante das necessidades evidenciadas na experiência do estágio, houve a construção coletiva e execução com a equipe de Serviço Social do IFRN–CNAT do referido projeto, cujo objetivo foi propiciar um momento de Educação Permanente para os profissionais da Instituição mediante um distanciamento necessário da rotina diária, para uma reflexão teórica mais aprofundada. Em sequência, essa experiência do estágio originou o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado: ASSESSORIA/CONSULTORIA COMO POSSIBILIDADE DE EDUCAÇÃO PERMANENTE NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL: análise de uma experiência. O trabalho analisou, de forma geral, a Assessoria/Consultoria como possibilidade de Educação Permanente para o Serviço Social, mais especificamente por meio do surgimento do processo dentro do Serviço Social; da importância da qualificação e da Educação Permanente na concretização do exercício profissional na direção do Projeto Ético-Político (PEP) na contemporaneidade; da possibilidade da Assessoria/Consultoria se tornarem mediação na Educação Permanente do Assistente Social no exercício profissional; e na compreensão da importância do planejamento para a qualificação dos serviços prestados aos usuários do Serviço Social. Assim, a retomada dessa temática na pesquisado mestrado se tornou importante para identificar as áreas de atuação e formas de inserção dos Assistentes Sociais da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN, por meio de uma reflexão crítica dos processos de trabalho dentro das diversas áreas de atuação. Orientada pelas seguintes questões norteadoras: Quais são as áreas de atuação e formas de inserção do Assistente Social na esfera da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN? Quais são os 18 instrumentais de trabalho utilizados por esses profissionais do Serviço Social no desenvolvimento desse processo? Quais ações e projetos são desenvolvidos pelo Assistente Social nas áreas de atuação mapeadas? A realização deste estudo tem relevância acadêmica, social e profissional, pois pretendeu contribuir com o acúmulo teórico acerca da Assessoria e Consultoria no Serviço Social, ao considerar que existem experiências de Assessoria e Consultoria com diversas perspectivas políticas. Assim, a qualificação dos profissionais para exercer tais funções se faz necessária para o aprimoramento e fortalecimento profissional da categoria na direção do PEPSS. Em razão disso, ressalta-se a relevância deste estudo na intenção de contribuir para uma melhor compreensão das lacunas ainda existentes no Serviço Social sobre a temática da Assessoria e Consultoria e, consequentemente, fortalecer no exercício profissional a execução dos processos de trabalho sempre na direção do PEPSS. A pesquisa também possibilita a divulgação e produção do conhecimento sobre o tema da Assessoria e Consultoria Social, que ainda é escassa no Serviço Social. Considerando o levantamento realizado em outubro de 2017, em um dos periódicos de maior relevância para a categoria na atualidade, a Revista Serviço Social & Sociedade 6 , entre os anos de 2010 a 2017 pôde-se verificar a publicação de apenas 03 (três) artigos relacionados ao tema da consultoria social, de forma sequencial. Em pesquisas realizadas em outubro de 2017 e abril de 2019, nos Bancos de Dissertações e Teses dos Programas de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) das universidades do nordeste brasileiro: UFRN (2011-2018), UFPB (2011-2018), UFPE (2011-2018) e UERN (2016-2018), só foi identificada 01 (uma) tese que abordava a temática supracitada, defendida na UFPE. Nos bancos de Teses e Dissertações da UFRJ (2011-2018) e da PUC-SP (2011- 2017) foram detectadas apenas 05 (cinco) dissertações que abordavam o tema da consultoria social, 04 (quatro) na PUC-SP e 01 (uma) na UFRJ. Isso comprova que há necessidade de produção do conhecimento nessa área de atuação no Serviço Social e aponta também para a relevância do debate acerca da especificidade de uma realidade no Nordeste, a qual se faz importante para analisar as particularidades desses espaços de atuação nas diversas áreas da Grande Natal/RN. 6 Identifica-se: no ano de 2013, em seu n.114, artigo de autoria de Maria Cristina Giampaoli, mestra em Serviço Social pela PUC-SP, intitulado Serviço Social em empresas: consultoria e prestação de serviço; no ano de 2014, em seu n.118, o de autoria de Fernanda Caldas de Azevedo, doutoranda da PUC-SP, intitulado Consultoria empresarial e Serviço Social: expressões da precarização e da terceirização profissional; e no ano de 2015, em seu n.122, de autoria da Márcia Regina Botão Gomes, mestra em Serviço Social, pela UFRJ, intitulado Consultoria Social nas empresas: entre a inovação e a precarização silenciosa do Serviço Social. 19 Esta dissertação, quando envolve em seu desenvolvimento os profissionais (ativos, do cotidiano profissional) e apresenta os resultados parciais e finais para as instituições, incentiva a possibilidade da produção romper os muros da academia e se concretizar também dentro dos espaços socio-ocupacionais, pois provoca a reflexão de vivências e a análise dos processos de trabalho. Isso, imprescindível diante das diversas transformações conjunturais do cenário de atuação do Assistente Social (marcado pelo aprofundamento das expressões da questão social, que se manifesta com diversidade e movimento constante), possibilitando ao profissional apreender melhor a realidade na qual atua e está inserido. Para isso, emprega-se o método materialista histórico-dialético que, de acordo com Netto (2011), não define um conjunto de regras a serem aplicadas ao objeto de investigação, pois este só pode ser observado e compreendido dentro da totalidade de suas relações com o meio material. O objeto tem suas relações determinadas pelas condições materiais em que está inserido, surgindo, assim, a necessidade de um contato prévio com aquele dentro de sua realidade, que se apresenta em constante movimento. A vivência empírica possibilitou apreender o movimento da realidade no campo das ideias e dos processos de trabalho do Assistente Social na consolidação da Assessoria e Consultoria, transformando as relações do fenômeno em síntese, as quais foram externadas por meio do concreto pensado, reprodução ideal da realidade. Após sucessivas aproximações e avaliações desse concreto pensado, buscaram-se formas de o refutar, a fim de pensá-lo no âmbito da contradição das relações sociais, o que proporcionou um movimento constante de tese, síntese e antítese. A abordagem para conduzir a pesquisa aos seus resultados sobre a realidade que se investigou foi a qualitativa. Pelo entendimento de que este seja o tipo mais adequado para o objeto em questão. Esse tipo de metodologia busca compreender o fenômeno dentro de sua realidade social, que possui particularidades distintas, influenciadas pelas relações sociais de produção e reprodução de uma sociedade que está em constante movimento e modificações. A abordagem se aplica aos estudos que envolvem histórias, relações, representações, crenças, percepções e opiniões, todos esses, produtos das compreensões que os homens fazem das suas relações de vivência, produção e reprodução, pensamentos e sentimentos. A abordagem qualitativa é caracterizada também “pela empiria e pela sistematização progressiva de conhecimento até a compreensão da lógica interna do grupo ou do processo em estudo” (MINAYO, 2013, p.57). Trata-se de uma análise do problema em que se busca entender as influências sofridas nos âmbitos econômico, cultural e social. Não se determinam apenas suas variáveis, mas faz- 20 se uma análise profundada de seus determinantes. Acredita-se, assim como Minayo (2013), que esse tipo de metodologia teórica permite desnudar processos sociais ainda ocultos em uma realidade e favorece a elaboração de novas abordagens, revisão e ideação de novos conceitos e categorias no percurso da investigação. No tratamento dos dados obtidos na pesquisa utilizou-se a análise de conteúdo por ser uma técnica que possibilita responder e legitimar pressupostos sobre dados de uma determinada conjuntura, por meio de procedimentos especializados e científicos. Concordando com Minayo (2013), entende-se que essa análise parte inicialmente de uma leitura das falas das entrevistada, para um aprofundamento posterior, ultrapassando as orientações explícitas no material. Para isso, frequentemente os procedimentos buscam “relacionar estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados dos textos com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de produção da mensagem” (MINAYO, 2013, p. 57). Com esse conjunto de movimentos analíticos se pretende dar consistência interna à produção. O percurso de desenvolvimento da pesquisa foi acompanhado pela revisão bibliográfica e documental, realizado com o intuito de apreender os debates propostos pelos autores por meio de leituras que possibilitassem o embasamento para a análise da temática, especificamente nas questõesque transpassam as discussões sobre trabalho & trabalho profissional: Marx (2014), Antunes (1999), Iamamoto (2015), CFESS (2009) e Guerra (2014); e sobre a Assessoria, Consultoria & Serviço Social: Mattos (2010); Vasconcelos (1998) e Gomes (2010). Aliadas à revisão bibliográfica, foi realizada ainda a pesquisa e a análise de documentos normativos, como a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei n° 8.662/1993), o Código de Ética do(a) Assistente Social CFESS/CRESS (1993), entre outros, necessários ao embasamento dos objetivos propostos. Com esse direcionamento, entre os meses de abril a junho de 2017, foi realizada a pesquisa exploratória com o apoio do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) da 14ª Região (Rio Grande do Norte) no intuito de identificar o quantitativo de Assistentes Sociais em exercício envolvidos em atividades de Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN. Contudo, não foi possível identificar qualquer registro desses profissionais, visto que as fichas cadastrais não contemplam essa especificidade. Diante disso, foi realizado um mapeamento por meio de sondagem junto a profissionais da categoria para a localização das Assistentes Sociais com auxílio do mapeamento estratégico, que buscou identificar profissionais a partir de um critério inicial, o 21 qual estabelecia como participantes da pesquisa Assistentes Sociais que deveriam ter desenvolvido ou estar desenvolvendo atividades com características de Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN nos últimos 03 (três) anos nos diversos espaços socio-ocupacionais do Serviço Social. A partir do mapeamento mencionado foi possível a identificação e delimitação intencional de uma amostra composta por 06 (seis) Assistentes Sociais localizadas nas seguintes áreas de atuação do Serviço Social: 01 (uma) na Assistência Social; 01 (uma) em Movimento Social; 01 (uma) em ONG; 02 (duas) no Sociojurídico e 01 (uma) na Saúde. O interesse e a disponibilidade das profissionais do Serviço Social para colaborar com a pesquisa (como participantes entrevistadas) foram determinantes na seleção da amostra. Das 06 (seis) Assistentes Sociais entrevistadas, 05 (cinco) atuam em entidades públicas de natureza estatal, 01 (uma) na esfera federal; 03 (três) na estadual, 01 (uma) na municipal e 01 (uma) no terceiro setor. As 05 (cinco) profissionais que atuam nas instituições estatais possuem apenas um vínculo empregatício, enquanto a do Terceiro Setor possuem dois. Para facilitar a leitura e identificação das entrevistadas foram expressos em notas de rodapé breves perfis das entrevistadas. A qualificação das Assistentes Sociais entrevistadas pode ser assim explanada: 01 (uma) tem título de especialista, mestra e doutora; 02 (duas) têm titulação de especialistas; 01 (uma) é mestranda e 01 (uma) tem o título de bacharel. Destas, 04 (quatro) realizaram a graduação em instituições de ensino públicas e 02 (duas) em privadas. Sobre o período de conclusão do curso, 02 (duas) se formaram antes de 1996 e 04 (quatro) se formaram depois dos anos 2000. Antes de iniciar a pesquisa empírica, o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFRN – Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), conforme prevê a Resolução Nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde 7 . Posteriormente à autorização do comitê, iniciamos a pesquisa e agendamos as entrevistas semiestruturadas, por meio de contato telefônico com as 06 (seis) Assistentes Sociais selecionadas. As entrevistas ocorreram nos locais de trabalho das Assistentes Sociais durante o segundo semestre de 2018, tendo duração de, em média, 60 (sessenta) minutos. Todas as entrevistas foram realizadas de forma individual, considerando as disponibilidades de 7 O parecer consubstanciado do CEP está disponível no Anexo A desta dissertação. 22 horários. O instrumental utilizado pela pesquisadora para a coleta de dados no campo foi a entrevista semiestruturada 8 , orientada por roteiro pré-estabelecido. Em consonância com a Resolução Nº 510/2016, para manter a confidencialidade e o sigilo das informações repassadas pelas Assistentes Sociais entrevistadas, seus nomes foram substituídos por pseudônimos. Estes, no decorrer do trabalho, foram destacados em itálico e expressos por meio de dois nomes para facilitar a identificação e a leitura. Do mesmo modo, os nomes das instituições empregadoras foram substituídos por letras. Esta pesquisa pretendeu contribuir para uma maior apreensão da realidade da Assessoria e Consultoria como processos de trabalho nos mais variados espaços ocupacionais nos quais o Serviço Social se insere. Por inferência, buscou ainda possibilitar melhor compreensão a respeito dos instrumentais utilizados pelo Assistente Social em sua atividade. Ademais, buscou-se com este estudo auxiliar o Assistente Social em sua prática profissional no que concerne a uma leitura crítica mais apurada da realidade, com o direcionamento voltado para a concretização do PEPSS e, consequentemente, para a melhoria na qualidade dos serviços prestados aos usuários. A pesquisa aqui apresentada está estruturada em 04 (quatro) capítulos que tratam do debate acerca das configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN. O primeiro capítulo constituído da introdução, é o que ora se apresenta. O segundo capítulo engloba o debate acerca do Serviço Social como trabalho, com a inserção do Assistente Social nos processos de trabalho na sociedade brasileira a partir da institucionalização até a renovação intelectual da profissão. Situa-se a Assessoria e Consultoria como um desses processos de trabalho no qual o Serviço Social se insere. No terceiro capítulo a Assessoria e Consultoria no Serviço Social brasileiro é abordada como processo de trabalho em que o Assistente Social passa a se envolver mais intensamente a partir da década de 1980, com efervescência na década de 1990, em um cenário de redefinição do papel do Estado e das suas relações com o mercado e a sociedade. O capítulo aborda também esclarecimentos sobre os processos de Assessoria e Consultoria no Serviço Social no que concerne às modalidades que se vinculam à categoria na contemporaneidade. No quarto capítulo, apresentam-se as configurações do trabalho do Assistente Social no âmbito da Assessoria e Consultoria no Serviço Social na Grande Natal/RN. A partir dos relatos das Assistentes Sociais entrevistadas, provocou-se o debate acerca das áreas de 8 O roteiro das entrevistas foi previamente elaborado e está disponível no Apêndice A desta dissertação. 23 atuação, formas de inserção e principais instrumentais utilizados nas ações e projetos de Assessoria e Consultoria desenvolvidos pelo Serviço Social na Grande Natal/RN. Nas considerações finais, são elencadas inferências decorrentes das análises estabelecidas e apontam-se possibilidades de novos estudos, advindas de ideias afloradas durante o desenvolvimento da pesquisa e apreensão do objeto de estudo. 2 O SERVIÇO SOCIAL COMO TRABALHO: A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS PROCESSOS DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE No presente capítulo realiza-se um debate a respeito do Serviço Social como trabalho a partir da inserção do Assistente Social nos processos de trabalho no Brasil, estando o capítulo estruturado em duas seções: a primeira retrata o caminho para a inserção do Serviço Social nos processos de trabalho no Brasil a partir da institucionalização e renovação intelectual da profissão. Com base nessas reflexões, na segunda seção apresenta-se a discussão sobre a instrumentalidade no Serviço Social como capacidade de articulação das dimensões que constituem a profissão nos processos de trabalho emque se insere o (a) Assistente Social, situando-se a Assessoria e Consultoria como um destes processos que utilizam os instrumentais da profissão, balizados pelos seus aspectos teóricos, políticos e éticos. 2.1 Institucionalização e renovação: o caminho para a inserção do Serviço Social nos processos de trabalho no Brasil A inserção do Serviço Social nos processos de trabalho 9 na contemporaneidade é decorrente de um longo caminho percorrido pela categoria profissional na sociedade brasileira. Esse caminho se inicia com o Serviço Social tradicional 10 , cuja entrada na divisão social e técnica do trabalho foi proveniente da institucionalização da profissão, tendo continuidade com a renovação e o amadurecimento intelectual do Serviço Social, períodos 9 Os processos de trabalho são os meios que mediatizam a ação do sujeito sobre o objeto ou a matéria- prima sobre o qual incide a ação. 10 As temáticas aqui mencionadas encontram-se já bastante aprofundadas nas obras de autores como Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006); Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64 (NETTO, 2011), entre outras. 24 estes indispensáveis à maturação histórica e à qualificação da profissão para o atendimento das demandas postas pela sociedade. O Serviço Social no Brasil surge na década de 1930 sob a perspectiva tradicional, a fim de atender às novas situações emergentes no país, de miséria e pauperização da classe trabalhadora, decorrentes do aprofundamento das expressões da questão social oriundas do período de industrialização/urbanização no capitalismo monopolista, como forma de intervenção da Igreja Católica, do Estado e do Mercado nos problemas sociais. Estas intervenções tendo sido marcadas pela forte influência de teorias de cunho conservador 11 . A expressão questão social, de acordo com Netto (2001), foi empregada recentemente no discurso e na literatura, utilizada há aproximadamente 170 anos sobretudo a partir da terceira década do século XIX, e divulgada até a metade deste século por críticos da sociedade e filantropos nos mais diferentes espaços políticos 12 . O termo surge para dar conta do fenômeno do pauperismo na Europa Ocidental, que sofria os rebatimentos da industrialização, iniciada na Inglaterra no quarto período do século XVIII 13 . Com efeito, a pauperização (neste caso, absoluta) massiva da população trabalhadora constituiu o aspecto mais imediato da instauração do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial. […] O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social” – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando- se o segundo (NETTO, 2001, pp. 42-45). No Brasil, a questão social se torna aparente na década de 1930, período histórico que propiciou o surgimento do Serviço Social e, por conseguinte, sua institucionalização. Diante de uma conjuntura de desenvolvimento industrial, êxodo rural, urbanização e crescimento desordenado das cidades polos industriais, se intensifica a pauperização da classe trabalhadora, no feixe das contradições existentes nas relações sociais entre a burguesia e o proletariado no processo de produção e reprodução da vida social. Iamamoto e Carvalho (2006), na tradição marxista, apreendem a questão social como: 11 Serviço Social Tradicional (conservadorismo): ocorre nesse período a formação conservadora de seus membros, atrelada à doutrina social da Igreja, que tem caráter doutrinário e conservador, com influência europeia do neotomismo na reatualização dos pensamentos de São Tomaz de Aquino. 12 “Desde um legitimista francês como Armand de Melun a um jovem revolucionário alemão como F. Engels (cf. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. S. Paulo, Global, 1986). Curiosamente, a expressão „questão social‟ emerge praticamente ao mesmo tempo em que surge, no vocabulário político, a palavra socialismo” (NETTO, 2001, p.42). 13 Para maior aprofundamento ver Capitalismo Monopolista e Serviço Social (NETTO, 2011). 25 [...] as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006, p.77). Essa concepção de questão social evidencia as contradições entre o capital e o trabalho, manifestadas no cotidiano 14 da vida social pela correlação de forças entre burguesia e proletariado, na esfera da produção e reprodução das relações sociais. Nesse embate surge a necessidade de intervenções concretas nas expressões da questão social, orientadas à manutenção da classe trabalhadora e que garantam a esta os mínimos de sobrevivência para continuar a atuar na acumulação do capital. A partir da institucionalização profissional 15 o Serviço Social é requisitado, principalmente pelo Estado e suas instâncias, para atender as necessidades sociais mediante políticas públicas. Logo, o Assistente Social adentra instituições de diferentes áreas de atuação como: medicina curativa, medicina preventiva, jornalismo, puericultura, recuperação motora, seguro, distribuição de auxílios, conjuntos habitacionais, assessoria jurídica, indústrias, entre outras. Isto possibilita a incorporação da profissão a inúmeros processos de trabalho particulares a cada uma dessas instituições (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006). Nessa perspectiva a Assessoria e Consultoria no Serviço Social se define como um desses processos de trabalho, não exclusivos da profissão, mas nos quais o Serviço Social se insere dentro dos diversos espaços socio-ocupacionais. Esses processos são constituídos por uma diversidade de técnicas e instrumentais utilizados pelos Assistentes Sociais para dar respostas e buscar soluções à pluralidade de questões que lhes são colocadas em diversas áreas profissionais a partir da institucionalização da profissão. O assistente social ingressa nas instituições empregadoras como parte de um coletivo de trabalhadores que implementa as ações institucionais, cujo resultado final é fruto de um trabalho combinado ou cooperativo, que assume perfis diferenciados nos vários espaços ocupacionais. Também a relação que o profissional estabelece com o objeto de seu trabalho -, as 14 “Como uma das esferas da vida social, o cotidiano é o lugar da reprodução dos indivíduos, por isso um espaço ineliminável e insuprimível. Não obstante considera-se o cotidiano uma mediação elementar entre o particular e o universal, pelas suas características: heterogeneidade, espontaneidade, imediaticidade e superficialidade. Pela sua estrutura, ele limita as possibilidades de os homens se concentrarem inteiramente nas atividades que realizam, tendo em vista essas características” (GUERRA, 2017, pp. 53-54). 15 Atualização do Conservadorismo: nesse período a profissão sofre influência norte-americana, em busca da tecnificação do Serviço Social, atrela suas teorias ao funcionalismo e positivismo. 26 múltiplas expressões da questão social, tal como se expressam na vida dos sujeitos com os quais trabalha -, dependem do prévio recorte das políticas definidaspelos organismos empregadores, que estabelecem demandas e prioridades a serem atendidas (IAMAMOTO, 2015, p.421). Essa pluralidade de questões é gerada dentro da sociedade capitalista, as quais são oriundas da contradição nas relações sociais entre o capital e o trabalho, em que a produção dos meios de subsistência é coletiva, mas a riqueza produzida é apropriada de forma privada. Uma sociedade que consegue, em seu movimento contraditório, alcançar ao mesmo tempo um grande desenvolvimento das forças produtivas, atrelado ao crescimento da miséria e pauperização da maioria da população. A inserção do Assistente Social na divisão social e técnica do trabalho visa inevitavelmente colaborar na reprodução dessas relações sociais capitalistas e na conservação das condições mínimas da força de trabalho, por meio das diversas iniciativas de políticas sociais, que têm a intenção de mitigar as condições de pauperismo em que vive a classe trabalhadora, no âmbito das relações de produção e reprodução do capital. A condição de pauperismo é uma manifestação da questão social, esta inerente ao modo de produção capitalista. Suas expressões estarão presentes enquanto este modo de produção organizar a sociedade e suas sequelas não serão extintas, apenas amenizadas por meio de iniciativas como as políticas sociais, as quais, apesar de serem conquistas históricas dos trabalhadores, são providas pelo Estado no âmbito da sociabilidade capitalista, por isso não conseguem superar essencialmente o referido modo de produção. O desaparecimento da pauperização e degradação das condições de vida da classe trabalhadora estão condicionados à superação dessa ordem. Para este momento, o entendimento da questão social que Iamamoto (2015) apresenta vai além da ideia exclusiva de desigualdade social entre pobres e ricos, reduzida a dificuldades do indivíduo ou a “situação social problema”. Contempla uma tentativa de decifrar a origem dessas desigualdades sociais no contexto de acumulação do capital, que não é consoante com equidade. Além de também constatar as formas de luta e resistência, material e simbólica, operada pelos indivíduos em seu enfrentamento. Em conformidade com o pensamento de Iamamoto (2015, p.57), que alcança nos meios profissionais e acadêmicos do Serviço Social brasileiro hegemonia, acredita-se que a questão social é o objeto de trabalho e intervenção do Assistente Social, responsável por sua fundação como especialização do trabalho. 27 [...] Questão Social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada, por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2015, p. 27). Por conseguinte os assistentes sociais em seu exercício profissional trabalham no meio urbano e rural com inúmeras expressões da questão social, manifestadas por meio das taxas de desemprego; da precariedade das condições de trabalho; do desmonte dos direitos sociais; da ausência de proteção social; da falta de acesso à segurança, saúde e educação pública de qualidade; da intensificação da miséria, pobreza e desigualdades sociais, criminalização dos trabalhadores, entre outras, vivenciadas por seus usuários em seu cotidiano, nas relações de desigualdades presentes no âmbito econômico, social e político. Por essa razão a insistência na questão social está em que ela conforma a matéria-prima do trabalho profissional, sendo a prática profissional compreendida como uma especialização do trabalho, partícipe de um processo de trabalho. [...] A análise da “prática” do assistente social como trabalho, integrado em um processo de trabalho permite mediatizar a interconexão entre o exercício do Serviço Social e a pratica da sociedade (IAMAMOTO, 2015, pp. 59-60). Destarte, o Serviço Social caracteriza-se nas relações sociais de produção e reprodução da sociedade capitalista como uma profissão interventiva na esfera da questão social e suas expressões. Esta possui com o Serviço Social uma relação de fundamento básico de sua existência mediada por um conjunto de progressos socio-históricos e teórico-metodológicos característicos dos processos de trabalho em que se insere. Para pensar no trabalho do Assistente na contemporaneidade, torna-se importante retomar o sentido ontológico desta categoria. Na tradição marxista, entende-se que o desenvolvimento da sociedade é intrínseca à maneira como o homem se relaciona com a natureza e a transforma teleologicamente, produz seus meios de vida para a garantia de sua subsistência e, por conseguinte, desenvolve suas relações sociais por meio desse movimento de transformação. Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Coloca em movimento as forças naturais do seu corpo – braços e pernas, cabeças e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a vida externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza (MARX, 2014, p. 211). 28 A forma como o ser humano modifica a natureza, e ao mesmo tempo se modifica é o que o diferencia dos animais das demais espécies. Pois enquanto os demais animais trazem em seu código genético a base do “processo educativo” para a sua vida inteira, o ser humano necessita, por meio de suas relações sociais, construir a sua capacidade de aprendizagem, conduzida na espécie humana em grau maior pela consciência. Ou seja, “o homem, ao contrário dos animais, não nasce „sabendo‟ o que deve fazer para dar continuidade à sua existência e à da sua espécie. Deve receber esse cabedal de instrumentos através de outros indivíduos que já estão de posse deles” (TONET, 2005, p. 136). Disposto a elucidar esse processo, Marx (2014) infere que: Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente a sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador (MARX, 2014, p. 211-212). A capacidade de perceber as necessidades a partir da realidade concreta e então buscar alternativas reflexivas, como os instrumentos de trabalho (concreto pensado) para resolvê-las, é exclusivo da espécie humana. Assim, o trabalho é a capacidade adquirida pelo homem para transformar a natureza. Então “pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana” (MARX, 2014, p. 211). O trabalho como fundamento para o desenvolvimento das forças produtivas é o que determina em cada momento histórico o modo de produção vigente. Portanto, o trabalho primordial dá origem ao comunismo primitivo, assim como o trabalho do escravo funda o modo de produção escravista; o trabalho do servo o modo de produção feudal e o trabalho do proletariado o modo de produção capitalista. (ENGELS, 2012). O grau de dependência da natureza em cada etapa do desenvolvimento da sociedade é mensurado pela evolução do seu potencial produtivo. As possibilidades e limitações de cada período histórico, condicionado ao nível de progresso das forças produtivas, determina a organização das sociedades no que se refere às relações sociais e culturais, ao trabalho e ao modo de produção. Esse progresso das forças produtivas ocasiona um grande avanço no domínio dos povos sobre a natureza. Toda essa mudança na relação do homem com a natureza e com a produção vai culminar no surgimento do excedenteprodutivo, que traz consigo alterações como a divisão social do trabalho e das classes. Por conseguinte, vem a superação de cada 29 etapa da sociedade e a origem dos novos modelos de produção e sociabilidades ao longo dos tempos. O desenvolvimento da sociedade é inerente à forma como o homem transforma a natureza para garantir sua subsistência. O grau de progresso das forças produtivas é o que determina a organização do trabalho, as relações sociais, e o modo de produção vigente em cada etapa da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista se mostra instável com períodos de crescimento e depressões, que oportunizam as crises inerentes ao capital. Ao mesmo tempo em que com o movimento do ciclo econômico 16 consegue se recuperar e permanecer vigente até os dias atuais. O maior nível de desenvolvimento das forças produtivas alcançado até o momento é o da sociedade capitalista. Em contrapartida, suas longas ondas de expansão e depressão provocam contínuas metamorfoses no mundo do trabalho, com implicações diretas para a classe trabalhadora, dentre as quais estão o desemprego estrutural, o crescente contingente de trabalhadores em condições precárias, além da alteração na relação do homem com a natureza, com a degradação do meio ambiente, conduzida pela priorização de uma lógica social orientada pela produção de mercadorias e valoração do capital (ANTUNES, 1999). A análise teórica e histórica do Modo de Produção Capitalista – MPC comprova que a crise não é um acidente de percurso, não é aleatória, não é algo independente do movimento do capital. Nem é uma enfermidade, uma anomalia ou uma excepcionalidade que pode ser suprimida no capitalismo. Expressão concentrada das contradições inerentes ao MPC, a crise é constitutiva do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise (NETTO; BRAZ, 2007, p. 157, grifo dos autores). Portanto, o Serviço Social como “uma especialização do trabalho, uma profissão particular inscrita na divisão social e técnica do trabalho coletivo da sociedade 17 ” 16 “O ciclo econômico é constituído por quatro fases: a crise, a depressão, a retomada e o auge. A crise, que pode ser desencadeada por incidentes econômicos ou políticos, a produção diminui, o desemprego generaliza e a classe trabalhadora sofre com a pobreza extrema; a depressão, com a produção estagnada e mercadorias sendo vendidas a preços reduzidos; a retomada, quando as empresas sobreviventes absorvem as que fecharam, incorporam novas tecnologias, retomam a produção, os preços das mercadorias são elevados e o desemprego diminui; e o auge, quando há a retomada de injeção de capital nas empresas, com o intuito de eliminar a concorrência, ampliando a produção e a quantidade de mercadorias lançadas no mercado. Até o mercado começar a sofrer novamente com a superprodução, nova crise se instaurará e o ciclo recomeça” (NETTO; BRAZ, 2007, pp. 159-160, grifo dos autores). 17 “À medida que a satisfação das necessidades sociais se torna mediada pelo mercado, isto é, pela produção, troca, e consumo das mercadorias tem-se uma crescente divisão do trabalho social. Esta pode ser considerada nas suas formas gerais (no mercado mundial, por grupos de países, no interior de um país, entre agricultura e indústria, cidade e campo), passando pelas formas singulares e particulares dentro de ramos de produção, até a divisão do trabalho no interior das empresas. Essa divisão 30 (IAMAMOTO, 2015, p.22) não está isenta desses determinantes e necessita cada vez mais apreender a realidade a partir de uma perspectiva crítica e de totalidade, por meio dos fundamentos teórico-metodológicos aliados a uma atitude reflexiva diária do exercício profissional e de seus processos de trabalho. Nessa reflexão pensa-se o Serviço Social como trabalho, em sua dupla determinação para a análise do exercício profissional do Assistente Social. Como objeto de seu trabalho tem a questão social em suas múltiplas expressões, que impõe a necessidade da ação profissional para intervir e transformar essa realidade contida na teia das relações sociais cotidianas, vivenciadas pelos sujeitos dentro dos processos sociais. Ao discorrer sobre esse debate, Iamamoto (2015) infere que: Em decorrência, o caráter social desse trabalho assume dupla dimensão: a) enquanto trabalho útil atende a necessidades sociais (que justificam a reprodução da própria profissão) e efetiva-se através de relações com outros homens, incorporando o legado material e intelectual de gerações passadas, ao tempo em que se beneficia das conquistas atuais das ciências sociais e humanas; b) mas só pode atender às necessidades sociais se seu trabalho puder ser igualado a qualquer outro enquanto trabalho abstrato –, mero coágulo de tempo de trabalho social médio –, possibilitando que esse trabalho privado adquira um caráter social (IAMAMOTO, 2015, p. 421). Como já abordado, o Assistente Social está inserido em diferentes espaços socio- ocupacionais, junto a organizações e instituições de diversas naturezas. Essa inserção está relacionada ao modo de organização do trabalho na sociedade capitalista e suas particularidades no âmbito das políticas sociais (a fragmentação, a superespecialização, o controle da força de trabalho, entre outros) e como ele se organiza para responder às expressões da Questão Social. Na maioria dessas instituições os profissionais do Serviço Social atuam em equipes multidisciplinares, com ações coletivas de trabalho e procuram respostas aos desafios e demandas do contexto, com a incorporação e/ou desenvolvimento do instrumental técnico-operativo efetivo nos processos de trabalho. De acordo com Marx (2014), é no processo de trabalho que o objeto sofre uma transformação pela ação do homem, orientada para um fim. O processo finaliza ao concluir-se o produto. Com isso o trabalho fica incorporado ao objeto sobre o qual se atuou. Assim, determina a vinculação de indivíduos em órbitas profissionais específicas, tão logo o trabalho assume um caráter social, executado pela sociedade e através dela. Com o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho sob a égide do capital, o processo de trabalho passa a ser realizado sob a forma de cooperação de muitos trabalhadores e meios de trabalho, verificando-se, ao mesmo tempo, um parcelamento das atividades necessárias à realização de um produto, sem precedentes em épocas anteriores” (IAMAMOTO, 2015, p. 419). 31 Pelo processo de trabalho o homem trasmuda a forma inicialmente dada pelo objeto. Para tanto, há que conhecer as leis imanentes ao objeto, adequar-se à sua natureza, organizar os elementos necessários a dispô-los adequadamente, no sentido de que realizem o processo de transformação. A razão encarna os meios e instrumentos e os governa com sua astúcia de modo que, ao final desse processo, o objeto apareça sob uma forma superior, embora mantenha sua essência ou substância (GUERRA, 2014, p. 219). Nesse entendimento o Serviço Social e seus profissionais constroem respostas aos desafios e demandas atuais, com instrumentos efetivos nas ações de trabalho, os quais ultrapassam a noção restrita de um conjunto de técnicas e passa a abarcar “o conhecimento como um meio de trabalho, sem o que esse trabalhador especializado não consegue efetuar sua atividade ou trabalho” (IAMAMOTO, 2015, p.62). Tal percepção só se torna possível com a maturidade intelectual da profissão que, entre outras coisas, desenvolveu as capacidades teóricas, metodológicas, éticas e políticas dos Assistentes Sociais, acionadas no exercício de seu trabalho, para fazer a leitura da realidade, planejar e direcionar a ação. Essas capacidades são adquiridas emseu processo formativo e compõem seus meios de trabalho. Em uma das entrevistas realizadas na pesquisa aqui apresentada, a Assistente Social Carla Lírio 18 , destaca essa ideia ao tratar da sua concepção sobre os instrumentais: Mas a questão dos instrumentais, eles são construídos no seu cotidiano com a finalidade, com a intencionalidade do profissional, baseado no seu conhecimento teórico, ético, político. Na sua dimensão metodológica. Então a gente constrói, não é, aqueles instrumentais fixos. [...] vou usar esse mesmo instrumental que usei no outro caso? Não! É outra realidade, é uma outra situação que vai me demandar outras medidas, outros instrumentos para que eu possa chegar, se aproximar dessa realidade e poder atingir o objetivo da minha intencionalidade (Carla Lírio, 2018). Percebe-se no relato da entrevistada que os instrumentais são constitutivos dos processos de trabalhos e não norteadores dessa ação. Será o Assistente Social, por meio de uma leitura de cada realidade posta, que irá escolher, e até mesmo elaborar, o melhor conjunto de instrumentais, necessários para atingir o objetivo de sua intencionalidade. Esta escolha, contudo, permeada pela finalidade da ação, sendo, em outras palavras, mediada pela dimensão política/teórica que o profissional pretende dar à ação. É nessa direção que o Serviço Social brasileiro redesenha suas concepções teóricas, políticas e metodológicas para intervir na realidade. Busca romper com as raízes assistencialistas e filantrópicas que marcaram o nascimento da profissão em um período de 18 Assistente Social há 09 anos na área do Sociojurídico em Instituição Pública Estadual em Natal/RN. Formada em 2002 pela UFRN. 32 renovação 19 acadêmica, profissional e social 20 . O Serviço Social, em um movimento dialético de reflexão orientado pelos determinantes da realidade, passa a questionar-se e redefinir-se no que diz respeito aos posicionamentos profissionais. Como todo processo dialético, não há unanimidade na categoria dos(as) Assistentes Sociais sobre os debates em torno dos caminhos profissionais, porém é possível pensar que hegemonicamente a profissão se compreende como classe trabalhadora e coloca seus serviços e ideais profissionais a proveito dessa mesma classe. Na perspectiva de defesa da democracia, da liberdade, da igualdade e justiça social, com vistas à emancipação humana e a superação da sociabilidade capitalista. Esse período de renovação inicia-se com a vertente modernização conservadora, que em consonância com Netto (2011), se expressa em dois seminários de teorização organizados principalmente pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS), sistematizados no Documento de Araxá (1967), considerado afirmação dessa perspectiva modernizadora, e no Documento de Teresópolis (1970) a cristalização desta. A marca principal da vertente é o esforço de teorização e instrumentalização do Serviço Social, marcado pela perspectiva funcionalista, para a integração da população aos planos nacionais e regionais de desenvolvimentismo do País. Já os seminários de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984), também sistematizados em documentos, iniciam o movimento de deslocamento do Serviço Social da perspectiva da modernização conservadora para a vertente da Reatualização do Conservadorismo, que tenta recuperar elementos da herança histórica conservadora da profissão com base teórico- metodológica considerada nova. Em um esforço de se vincular a matrizes intelectuais mais modernas de inspiração fenomenológica com aspecto psicologizante da prática profissional, priorizando as concepções de pessoa, diálogo e transformação social dos sujeitos. A vertente Intenção de Ruptura, a partir da década de 1970, promove a crítica ao tradicionalismo da profissão, com a pretensão de romper com a herança teórico-metodológica do pensamento conservador existente na categoria, por meio da aproximação com a tradição marxista, que perdura até os dias atuais. Nessa perspectiva, podem-se destacar três elementos: 19 “Entendemos por renovação o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais” (NETTO, 2011, p. 131). 20 Ver José Paulo Netto, Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64 (NETTO, 2011). 33 a sua emersão com o método de BH (marxismo sem Marx), a consolidação acadêmica com a reflexão de Marilda Villela Iamamoto e o espraiamento com o adensamento das tendências democráticas. Desse modo, Foi no contexto de ascensão dos movimentos políticos das classes sociais, das lutas em torno da elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e da defesa do Estado de Direito, que a categoria de assistentes sociais foi sendo socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil. E não ficou a reboque desses acontecimentos, impulsionando um processo de ruptura com o tradicionalismo profissional e seu ideário conservador. (IAMAMOTO, 2009, p. 4). Notadamente, o desenvolvimento do Serviço Social brasileiro não acontece de forma endógena, está atrelado ao desenvolvimento socio-histórico das relações capitalistas no País. Assim, o movimento de renovação do Serviço Social “conecta-se ao processo de saturação do espaço nacional pelas relações capitalistas, no andamento posto pela „modernização conservadora‟ promovida pelo regime autocrático burguês” 21 (NETTO, 2011, p. 306). Na perspectiva de Netto (2011) essa conjuntura caracteriza o surgimento de um corpo profissional afinado com as realidades sociopolíticas e ideoculturais da sociedade brasileira, que transcende às pressões do “ciclo autocrático burguês” 22 . Uma vez que se apresentam novas demandas para o Serviço Social brasileiro e exige-se dele respostas modernas. Estas tanto no tocante à conservação, quanto na perspectiva de contestação do status quo. Dentro da categoria presencia-se ao mesmo tempo uma parte que corrobora e reforça o Serviço Social tradicional e outra, constituída dos segmentos mais dinâmicos da profissão, que deflagra resistência, se mobiliza na contestação tanto da política atual, quanto da prática profissional conservadora. Essa segunda, a partir do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) de 1979, conhecido como Congresso da Virada, se vincula à classe 21 Regime instaurado no Brasil a partir do golpe de 1964, que tem o Estado como centro articulador e meio coesionador da autocracia burguesa. “[...] O Estado que se estrutura depois do golpe de abril expressa o rearranjo político das forças socioeconômicas a que interessam a manutenção e continuidade daquele padrão, aprofundadas a heteronomia e a exclusão. Tal Estado concretiza o pacto contrarrevolucionário exatamente para assegurar o esquema de acumulação que garante a prossecução de tal padrão, mas, isto é crucial, readequando-o às novas condições internas e externas que emolduravam, de uma parte, o próprio patamar a que ele chegara e, de outra, o contexto internacional do sistema capitalista, que se modificava acentuadamente no curso da transição dos anos cinquenta aos sessenta. Readequado, aquele esquema é definido em proveito do grande capital, fundamentalmente dos monopólios imperialistas.” (NETTO, 2011, p. 27, grifos do autor). 22 “Entendemos que o ciclo autocrático burguês recobre três
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