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ISSN 2176-1396 CURRÍCULO: INSTRUMENTO DE PODER E DE TRANSFORMAÇÃO CULTURAL Prado, Leandro Aparecido do1 - UNINTER Alencastro, Mario Sergio Cunha2 - UNINTER Almeida, Siderly do Carmo Dahle de3 - UNINTER Eixo – Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Na contemporaneidade, as discussões sobre o currículo se apresentam como um processo complexo, em que os múltiplos saberes se relacionam colaborando na formação do aluno em sua totalidade. Assim, este artigo apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa que expõe uma revisão bibliográfica possibilitando uma releitura de autores indispensáveis em discussões sobre o tema. Este trabalho pretende rever as teorias que sustentam o currículo como documento responsável pela organização e teorização do conhecimento que se faz primordial no processo de conhecimento do homem. A seleção da bibliografia utilizada foi pensada em autores que visam o conhecimento e a construção do ser por intermédio do processo educativo. O problema de pesquisa que orientou a investigação buscou responder a seguinte questão: Como o currículo pode contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, preparados para tomar decisões que irão impactar em sua vida pessoal e social? A pesquisa realizada teve o objetivo de analisar a bibliografia existente e as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas elencadas por Silva (2015), e comentadas por Sacristán (2013), por Apple (2008) e outros autores, que permitiram uma nova visão e um reposicionamento do aluno como protagonista do processo de aprendizagem. A leitura sobre o tema trouxe como resultado a necessidade do empoderamento de termos que quando ressignificados permitirão o renascimento de uma geração que foi moldada por um currículo burocrático, que sofreu influências educacionais tecnicistas oriundas da revolução industrial. A reflexão sobre o assunto proporcionou conexões entre pensadores que valorizaram a postura do professor como mediador, responsável pela interpretação e aplicação do currículo em sua prática pedagógica. Conclui-se que o processo formativo, em que o professor valoriza as habilidades 1 Mestrando em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). E-mail: leuctba@gmail.com 2 Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Mestrado em Educação e Novas tecnologias do Centro Universitário Internacional (UNINTER). E-mail: mario.a@uninter.com 3 Doutora em Educação e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCPR). Coordenadora do Mestrado em Educação e Novas Tecnologias do Centro Universitário Internacional (UNINTER). E-mail: siderly.a@uninter.com mailto:mario.a@uninter.com Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17497 que o aluno traz consigo, proveniente de suas experiências pessoais, legitima o conhecimento em todas as suas dimensões e oportuniza um renascimento social. Palavras-chave: Currículo. Cultura. Poder. Formação de professores. Introdução A variedade de experiências que um currículo escolar trabalhado com responsabilidade pode proporcionar é imensa, repleto de significados capazes de encontrar respostas para questionamentos que poderão redefinir a existência do sujeito. Ao discorrer sobre o tema, o leitor será convidado a percorrer o caminho das teorias tradicionais, críticas e pós-críticas do currículo, que foram responsáveis por mudanças significativas neste documento que norteia a educação. Ao enfatizar a valorização das experiências anteriores, com a mediação dos professores e trabalhar os temas relacionados no currículo, o aluno passa a desempenhar um papel ativo em sua formação, tornando-se autor do seu processo de conhecimento. Esse processo leva o discente a novas possibilidades, permitindo experiências inovadoras capazes de estimular a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas. Por defender um processo educativo no qual o aluno se faz autor do mesmo, foi desenvolvida uma narrativa sobre o significado da palavra currículo, como constituidor e ordenador da carreira do estudante, que enaltece e justifica a necessidade de trilhar esse caminho amparado pela figura do professor que se apresentará como o mediador do conhecimento. As várias teorias que conceberam o currículo como documento em constante processo de transformação, serão apresentadas e embasadas por autores como Silva (2015), Sacristán (2013), Apple (2008), Freire (2014a), Morin (2011), Eyng (2007) e outros que se dedicaram a estudá-las e a compreendê-las como processo social, responsável por uma transformação cultural, necessária para o país que ainda vive sobre as influências educacionais tecnicistas oriundas da revolução industrial. O currículo atual é fruto de discussões antigas e de uma evolução, à custa, de lutas travadas pela educação na busca da libertação intelectual e social do indivíduo em sua plenitude. As teorias pós-críticas deixaram como herança conceitos que efetuaram um importante papel na resignificação dos temas que envolvem o discurso sobre o currículo; a busca pela identidade, a apropriação da linguagem para o entendimento dos discursos Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce José Gimeno Sacristán é catedrático de Didáctica e Organização Escolar na Universidade de Valência. Foi professor nas universidades Complutense de Madrid e de Salamanca e Professor Visitante noutras universidades espanholas e estrangeiras. É autor de diversas publicações sobre cultura, ensino e educação, tendo ainda participado em diversas colectivas. Colabora habitualmente em inúmeras revistas sobre educação. Entre os seus livros editados em Portugal destaca-se "Educar e Conviver na Cultura Global. O Aluno como Invenção e A Educação Obrigatória". Michael Apple: é sociólogo e teórico da educação estadunidense. Influenciado pelo Pedagogia Crítica e estudos sobre ideologia e currículo. Obras: "Pode a educação mudar a sociedade?" "Escolas Democráticas" entre outros Edgar Morin: é antropólogo e filósofo francês. No livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin apresenta o que ele mesmo chama de inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional. Ariel Realce 17498 proferidos pela mídia, a descoberta da conexão entre saber e poder e a necessidade do respeito e da tolerância nas relações existentes fizeram com que surgisse uma compreensão antropológica que converge para o multiculturalismo, responsável não só por celebrar as diferenças, mas, por questioná-las. O poder do currículo e suas concepções A palavra curriculum, vem do latim e pode ser traduzida como cursus honorum que seria a soma das honras. O cidadão, à medida que ocupava determinados cargos eletivos e judiciais, acumulava determinados conhecimentos e em consequência os utilizava para significar sua carreira, formando assim o seu curriculum. Na língua portuguesa a palavra currículo ganha um novo olhar conforme a orientação de Sacristán (2013). A mesma pode ser conceituada, primeiro como curriculum vitae, neste, tem-se a descrição e a valorização do percurso da vida profissional, a soma dos êxitos alcançados durante o trabalho. Já a segunda tradução da palavra currículo possui um sentido mais amplo, enfocando-o como o constituidor e ordenador da carreira do estudante, responsável por agregar e organizar os conteúdos que o aluno deverá aprender para trilhar este percurso. Na idade média o conhecimento ideal era composto pela gramática, a lógica e a retórica, esse conjunto de saberes era chamado de trivium, que seriam os três caminhos ou disciplinas, (SACRISTÁN, 2013). Esse trio poderia ser chamado contemporaneamente de disciplinas instrumentais e com a somade mais uma especialidade formariam o cuadrivium, que seriam as quatro vias compostas pela astronomia, geometria, aritmética e música. Esse formato de aprendizagem constituiu um primeiro arranjo de organização do conhecimento e se fez presente nas universidades europeias durante vários séculos. No Brasil, o termo currículo chegou tardiamente no vocabulário utilizado. Em nosso contexto, o conceito de currículo aparece muito tardiamente na produção do pensamento educacional, nas publicações e no seu uso pelos professores. O Dicionário de la ERA não o apresentou até a edição de 1983, quando distinguiu duas acepções do termo: plano de estudo (projeto a ser realizado) e curriculum vitae (projeto já realizado). Nesse mesmo ano no registro de publicações com ISBN espanhol, apenas uma publicação apresentava em seu título um desses termos, curriculum ou currículo (SACRISTÁN, 2013, p. 19). O atraso na introdução do termo e em sua significação para adequar a relação conteúdo, prática e transformação individual e social poderia ser indicado como um dos Ariel Realce Ariel Realce 17499 fatores responsáveis pela visão simplista e limitada que ainda se percebe em discursos que abordam o tema. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/96) nos artigos 12 e 13 determina que cada escola deve elaborar de forma coletiva (direção, professores, alunos e comunidade), sua proposta pedagógica. Mas, a novidade da revisão realizada pela LDB é que a elaboração do projeto curricular que já era de responsabilidade da escola seja produzido de forma coletiva, dando voz a todos os que serão responsáveis por sua execução. Ao utilizar o termo projeto, é importante ressaltar a intencionalidade da palavra que visa uma projeção futura expressada nos seus processos e metas (EYNG, 2007). No contexto da educação no Brasil, o currículo se apresenta exercendo dupla função, organizadora e unificadora. Na visão organizadora os conteúdos são selecionados, ordenados e classificados. E na visão unificadora tem por objetivo garantir que todos os alunos tenham acesso ao mesmo conteúdo. Na escola, o currículo se apresenta como um instrumento regulador responsável por ordenar os conteúdos e as práticas que permearão o processo de ensino e aprendizagem do aluno, impondo regras, normas e práticas que serão determinantes na vida e na formação do educando. Quando as informações são distribuídas pelo professor, o aluno deverá exercitar a capacidade de juntá-las e formar então, o conhecimento que deve ser fruto de um trabalho de análise, reflexão e, principalmente, partilha. Para Silva (2015), o currículo se apresenta com vários significados que vão além daqueles limitados pelas teorias tradicionais; assim, o currículo é apresentado como lugar e espaço de discernimento, que permite uma viagem e uma trajetória capaz de forjar a identidade do aluno ao estabelecer uma relação de poder. Neste contexto percebe-se que as trocas de informações entre professores e alunos devem ter finalidade específica, e com isso, o professor não pode se limitar em apenas reproduzir o currículo. Pois ele é plural, e por isso, será necessário sabedoria para dirigir os conflitos que serão gerados neste espaço de discernimento responsável pela transformação da vida do aluno. A herança deixada pelas teorias do currículo A concepção, montagem e execução do currículo educacional tem sido tema de grandes debates nas instituições de formação de professores. Com isso o assunto vem se tornando frequente entre professores e alunos e traz vários questionamentos como: O que é o currículo? Como é concebido? O que se pretende com ele? Esses e outros questionamentos Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17500 refletem diretamente na sociedade e por isso a discussão continua. Silva (2015, p. 15) contribui com este pensamento afirmando que cada “modelo” de ser humano corresponde a um tipo de currículo. Assim, é preciso saber: Como formar cidadãos críticos e reflexivos, preparados para tomar decisões que irão impactar em sua vida pessoal e social? Nas discussões cotidianas ainda é possível observar o currículo se resumindo inadequadamente a uma grade curricular. Com isso, vê-se a necessidade de voltar a este tema e buscar nos autores uma nova ênfase para se discutir o currículo de maneira mais ampla, onde o mesmo permeará a vida do aluno traçando a sua identidade. Em 1918 os Estados Unidos da América, passavam por grandes transformações movidas por forças políticas, econômicas e culturais, e cada uma destas forças procurava naquele momento moldar a educação de acordo com seus objetivos específicos. Neste ínterim, Bobbitt lançou o livro The curriculum que estabeleceu o marco dos estudos focados neste tema. O objetivo principal era responder as questões citadas no parágrafo anterior e estabelecer novos contornos onde o foco deveria ser a formação do aluno e a valorização de suas experiências anteriores e não a especialização para o trabalho técnico. A principal definição de currículo presente nos debates sobre o tema é oriunda das teorias tradicionais, elencadas por Silva (2015), que o limitava a questões ligadas ao ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos. Esta teoria faz parte da burocratização do ensino e se não for trabalhada corretamente pode limitar o aluno rotulando o mesmo com base em avaliações quantitativas, impedindo-o de desenvolver suas habilidades. Quando o sistema tem como foco a preparação do aluno para a simples movimentação da economia, a formação tecnicista prevalece e o aluno não terá a possibilidade de evoluir em questões que dará a ele a possibilidade de participar e se desenvolver em debates democráticos na luta pelos seus direitos e de sua comunidade. A década de 1960 foi marcada pelos movimentos políticos e culturais que agitaram a época. Esses movimentos de maneira subjetiva clamavam por uma educação igualitária que daria vez e voz a todos e que principalmente, despertasse o senso analítico e crítico dos envolvidos. Assim, cada grupo reivindicava a precedência dos movimentos que deram início aos estudos sobre o currículo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a reivindicação a precedência do grupo aconteceu com o “movimento de reconceptualização”. Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17501 Já na Inglaterra o sociólogo Michael Young, fundou o movimento intitulado de a “nova sociologia da educação” e no Brasil, a organização que buscava a discussão sobre o assunto era orientado por Paulo Freire que em 1968, lança a “Pedagogia do oprimido” que foi proibido no Brasil durante o período da ditadura militar e permaneceu inédito no país até 1974. Na obra, Freire detalha as relações opressoras da atual estrutura social e aponta para novas possibilidades de mudança dando uma lição de cidadania e solidariedade. Neste contexto de profundas transformações as teorias críticas se fazem presentes reafirmando ideologias, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência. As teorias críticas trazem consigo, questionamentos profundos que fazem uma inversão nos valores das teorias tradicionais buscando novos arranjos educacionais que contemplassem a formação humana como um todo. Para realizar a crítica ao status quo proposto pelas teorias tradicionais que restringiam o currículo as atividades técnicas, as teorias críticas propunham a quebra de ajustes e adaptações gerando desconfiança no sistema e trazendo indagações que tinham em sua resposta a necessidade de transformações radicais. Dessa forma, Silva (2015, p. 32) afirma que: “a ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e àobediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e controlar”; por isso, o objetivo dos grupos revolucionários que criticavam as teorias tradicionais era de libertação intelectual e social, que permitiria maior autonomia dos estudantes e futuros trabalhadores. Por outro lado, conforme Freire (2014b), fazia-se necessária a libertação do currículo tradicional da classe dominadora, pois, isso permitiria uma evolução da sociedade como um todo. O autor comparava o processo de libertação a um parto doloroso que daria vida a um novo homem, liberto de suas opressões e entregue a práxis libertadora; contudo, este processo lento e doloroso só seria possível se as instâncias superiores permitissem que os filhos das classes dominadas tivessem acesso ao mesmo conteúdo que os filhos das classes dominantes tinham. Para Freire (2014b) o capital cultural existente deveria então ser moeda distribuída a todos para que posteriormente fosse possível uma negociação justa entre as classes, oportunizando acesso ao conhecimento por meio de um processo que envolve a intercomunicação e a intersubjetividade e isso só se tornaria possível se deixasse de existir a separação entre as classes. Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17502 Por consequência das lutas travadas pelos idealizadores das teorias críticas, as teorias pós-críticas, receberam como herança a ênfase na identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação, discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo (SILVA, 2015). O marco das teorias pós-crítica está no multiculturalismo, um fenômeno que tem suas raízes nos países mais desenvolvidos nos aspectos culturais e econômicos. O movimento multiculturalista, conforme Silva (2015), se apresenta de maneira ambígua; por um lado como movimento legítimo de reivindicação de grupos culturais que buscavam o reconhecimento e a valorização de sua cultura e por outro como uma simples solução para problemas ocasionados pela presença de grupos raciais e étnicos nos países de cultura nacional dominante. O multiculturalismo está presente na pauta atual dos debates políticos contemporâneos quando se discute desde a exploração colonial até o processo imigratório nos países europeus. A ênfase que se busca nas teorias pós-críticas para ressignificar o currículo como multiculturalista, tornando-o o documento responsável pela formação do aluno em sua plenitude, enfatiza a necessidade da tolerância e do respeito para que haja maior harmonia entre as culturas que dividem o mesmo ambiente. A questão vai além da simples aceitação e ressalta a necessidade do respeito e da tolerância nas relações de poder existentes, pois só assim, será possível a unificação do currículo e a universalização do conhecimento. Ao conceituar essas teorias tem-se a oportunidade de poder organizar, reestruturar e sonhar com uma realidade diferente. O aprofundamento do professor, do aluno e da comunidade nos temas que envolvem o currículo ajudará a formar cidadãos conscientes do seu papel na sociedade, capazes de analisar as situações que permeiam sua realidade e tomar decisões responsáveis sobre o seu futuro e os impactos das mesmas no seu ambiente. Relações de poder que envolve o currículo As relações de poder que envolvem a construção do currículo ultrapassam o discurso dos pais, dos professores e dos alunos e chegam ao campo político. Os governantes utilizam o currículo para moldar a cultura da sociedade à sua maneira, impondo valores que vão ao encontro de interesses próprios das classes dominantes, com objetivos focados no trabalho para alavancar a produção e gerar mais riqueza para sua classe. Neste sentido Apple (2008) reforça este pensamento ao falar sobre as lutas educacionais e sua ligação com a política: Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17503 As lutas educacionais estão intimamente vinculadas aos conflitos em áreas econômicas, políticas e culturais mais amplas. Assim, a influência crescente de posições direitistas em cada uma dessas áreas é acentuada e tem tido grandes efeitos na educação e nas políticas da identidade e da cultura, nas disputas sobre produção distribuição e recepção do currículo, bem como nas relações entre mobilizações nacionais e internacionais. Juntos esses domínios formam o “palco” em que se encena atualmente o teatro político da educação (APPLE, 2008, p. 19). As posições direitistas citadas por Apple (2008) e implícitas no currículo corroboram para que sua formação transmita uma realidade parcial, formada por discursos que visam doutrinar os ouvintes por intermédio das noticias vinculadas nas rádios, nos jornais, na televisão, nos livros didáticos e outros. O autor faz uma crítica ao neoliberalismo, característico da sociedade norte-americana que reduz a democracia à escolha livre do consumidor; com isso, o teatro do capitalismo brada constantemente a nossa liberdade, mas, somente para comprar. É importante lembrar que a geração nascida após o ano 2000 é a geração Z, também conhecida como nativos digitais; esta geração navega por vários ambientes como jogos, redes sociais, blogs e outros; esses jovens são consumidores digitais que incorporam com muita facilidade uma grande quantidade de informações, absorvendo instantaneamente tudo o que vê e o que ouve. Por isso, há a necessidade de filtros para que estas informações sejam refinadas, evitando que esta geração caia no universalismo pregado em muitas instituições de ensino que desvaloriza a singularidade do aluno. O currículo dentre as suas várias funções deve ser esse filtro capaz de ajudar o aluno a fazer esse refinamento dos conteúdos recebidos pelos vários meios de comunicação. Neste contexto, a figura do professor é de suma importância, pois ele, ao se posicionar criticamente conseguirá ajudar o aluno a vislumbrar e entender as relações de poder existentes que interfere direta e indiretamente em seu meio. A busca pela excelência deve ser a força motora que impulsiona as pessoas durante a sua vida. Entretanto, a omissão dos temas e das discussões sobre o conhecimento do ser, do mundo, das organizações que o administra, da realidade que o circunda e de tantos outros que se fazem pertinente, tornaria o professor negligente a sua função, seja por opção ou por imposição daqueles que governam. Por isso, Freire (2014d) enfatiza a necessidade do respeito à autonomia do aluno que será responsável pelo desenvolvimento de algumas virtudes importantes para a sua formação: Ariel Realce Ariel Realce 17504 Saber que devo respeito à autonomia, a dignidade e à identidade do educando e, na prática, procurar a coerência com este saber, me leva inapelavelmente à criação de algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico, palavreado vazio e inoperante (FREIRE, 2014d, p. 61). Seu papel será o de fazer a crítica à doutrinação imposta no currículo e também de dar voz aos que foram silenciados. Freire (2014d) relata a necessidade de entendimento dos discursos vinculados aos vários canais para que haja a sobrevivência do todo social. A evolução constante do homem resulta na humanização do ser que, com a busca incessante por respostas concretas o leva a uma reflexão ontológica a procura de libertação intelectual e social. Dessa forma o papel ativo do currículo, que permitirá a libertação do ser, só será consolidado quando o professor adotar em suas práticas o diálogo reflexivo sobre as questões e discursos que moldam o aluno; com isso será possível, uma reorganização mental mediada pela figura do educador, capaz de transformar beneficamente o percurso que o aluno deverá fazer. Neste processo de transformação o professor possui um papel ativo que deve instigar o aluno na busca por respostas colocando-o comofigura central no processo do conhecimento, responsável pela decodificação das mensagens recebidas e concomitantemente pela emissão de novos discursos. As teorias pós-críticas deram ao currículo uma nova identidade, com maior significação ao discurso que o envolve e principalmente excluindo a visão neutra herdada pelas teorias tradicionais, que o colocava como imune às questões ideológicas, sociais e culturais. O discurso transmitido pelos professores embasados pelo currículo deve sinalizar um processo complexo de leitura, reflexão, crítica e valoração da realidade para dar sentido a existência e as ações resultantes do processo educacional. Sacristán (2013) sustenta que as determinações do currículo são tentativas de encontrar respostas, para desmentir as falsas simplificações apregoadas com o objetivo de manobrar a massa. De acordo com Eyng (2007) a proposta atual que coloca o currículo como um instrumento responsável pela transformação da vida do aluno foge a época, onde as teorias tradicionais, o limitava à grade curricular, com sequencia de conteúdos que deveriam ser aplicados obrigatoriamente dentro do prazo estabelecido, nesse período, a didática estava amarrada a uma visão prescritiva e instrumental. Por isso, a luta atual para ressignificação do currículo deve buscar na didática uma nova metodologia composta por reflexão, entendimento e prática. Ariel Realce 17505 Ao optar por uma sociedade democrática a população deve exigir dos dirigentes do sistema educacional, governantes, administradores e professores que formem cidadãos democraticamente preparados para exercerem seu papel reflexivo, crítico e prático. Em seu cotidiano, os alunos devem estar envoltos a um processo constante de questionamentos e investigações dos temas da sua realidade, pois, o processo de conhecimento e de construção do ser e do mundo só acontece mediante a reorganização da experiência pessoal e social (DEWEY, 1979). A legitimação de um currículo que se apresente como verbo de ação positiva e transformadora na vida do aluno é urgente e depende em partes da ação do professor que terá a liberdade de fazer uso de diferentes metodologias para alcançar seus objetivos pedagógicos. A valorização do outro e dos conhecimentos prévios que o aluno traz consigo ao chegar à escola possui dimensões condicionantes para a consolidação do processo educativo. Por isso, a soma da valorização dos conhecimentos com metodologias adequadas consentirá para a formação de indivíduos com maior autonomia na tomada de decisões. A aprendizagem poderá ser favorecida pela problematização quando o professor conseguir contextualizar os temas de suas aulas a realidade do aluno. Os exemplos para as explicações baseados nas experiências empíricas do aluno são capazes de fazer com que a assimilação se torne um processo familiar. Com isso, o ato de aprender terá o seu significado mais aprofundado por valorizar a bagagem cognitiva do aluno e conceituar suas experiências anteriores. A valorização dos conhecimentos prévios trazidos pelo aluno, segundo Freire (2014c), ajudará no seu processo de amadurecimento e de formação de conceitos éticos e morais que o acompanharão durante toda a sua vida e serão indispensáveis à convivência em sociedade. Com isso, o período de amadurecimento dará ao sujeito a autonomia para que ele se assuma também como produtor do saber. Assim, ao se tornar sujeito de sua formação, o aluno conseguirá deixar para trás a ideia de que o ato de conhecer faz parte de um processo automático onde ele seria programado para aprender sem a possibilidade de questionar os porquês das teorias impostas. Hoje ainda se ouve relatos sobre professores que mantém uma postura de superioridade sobre seus alunos, impondo uma barreira que os coloca em um nível superior. Mas aos poucos, seja por opção própria, por exigência das instituições ou dos alunos esse número de profissionais irredutíveis às mudanças vêm diminuindo e dando abertura para esse modelo de formação onde professor e aluno ocupam o mesmo espaço e a mesma posição. Ao Ariel Realce Ariel Realce Ariel Realce 17506 adotar uma postura dialógica o professor tem no aluno, não um ouvinte; mas sim, um interlocutor capaz de concordar, discordar e acrescentar para enriquecer o discurso proferido. A inserção e a apropriação de novos conceitos como: democracia, justiça social, igualdade, fraternidade, solidariedade, redistribuição, reconhecimento, etc.; vão contribuir para que os sujeitos rompam definitivamente com o regime de submissão que os limitava a um vocabulário onde predominava os deveres e não os direitos do cidadão (SACRISTÁN, 2013). A apropriação da linguagem utilizada ajuda no processo de libertação das classes oprimidas e intimida seus opressores que fazem uso de longos discursos para manterem o povo enfraquecido devido à falta de entendimento. A compreensão dos discursos irá favorecer a cidadania e empoderar a classe trabalhadora. Por isso, o enfoque à necessidade de conhecimento sobre o verdadeiro significado das palavras liberdade, democracia, direitos, etc. dará ao homem mais autonomia sobre as suas escolhas. Os jovens, moldados por um currículo que valoriza o ser e busca o seu pleno desenvolvimento, serão capazes de se posicionar criticamente e buscar seus direitos, debater criticamente, desenvolver suas habilidades e cumprir com seus deveres para a transformação da sua realidade. Os responsáveis pela escola precisam ser conscientizados sobre o poder que ela exerce sobre as futuras gerações. Ao falar sobre o desejo de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa, não se pode esquecer que para a realização desse sonho é necessário transformar aqueles que irão concretizá-los. Morin (2011) ao elencar os “Sete saberes necessários à educação do futuro”, lança um desafio aos atuais pensadores de rever seus conceitos e suas estratégias para repensar os rumos desejados para a educação. O livro relata a necessidade de rever e repensar as frentes de lutas que buscam uma educação mais justa, com “mentes armadas para o combate rumo à lucidez” (MORIN, 2011, p. 15). O homem em sua plenitude é ao mesmo tempo físico, biológico, psíquico, cultural e histórico. Ao chegar à escola essa plenitude que o forma é desmembrada, compartimentada em disciplinas estanques, que ensina ao jovens as partes e não unifica o todo para que este consiga compreender-se em sua dimensão ontológica. Morin (2011) enfoca que com isso, para a autocompreensão, a condição humana deveria ser o objeto essencial da aprendizagem, capaz de fazer o homem reconhecer sua racionalidade para identificar seus limites e buscar a superação dos mesmos. O processo de autoconhecimento é extremamente doloroso, pois, envolve a aceitação, que será um processo de resignação interior, de reconhecimento das fragilidades e de luta para superação de obstáculos. Assim, o processo de autocompreensão 17507 será o meio e o fim para o abandono de concepções deterministas que predizem um futuro já estabelecido, fadado à aceitação e a submissão. Contudo, Freire (2014a) afirma que o homem não nasce pronto, e que a sua construção como ser social se dá no processo de constante experimentação. Ao se construir, desconstruir e se reconstruir, o homem se torna mais forte frente às adversidades encontradas. O autor ainda reforça que não nasceu professor pronto e acabado, mas, que se fez ao longo do caminho, com construção e reconstrução árdua e resignificação constante de valores e de juízos. Assim, conhecimento do ser e sua construção só serão possíveis por intermédio desse processo doloroso e imprescindível que poderá e deverá ter início na execução da prática curricular. Considerações finais O currículo como organização e padronização do conteúdo escolar apresenta conexões e questões de poder que interferem e transformam a vidadas pessoas. Com os passar dos anos e o desenvolvimento das teorias que fundamentam o currículo como símbolo de transformação, foi possível dar a ele, o protagonismo na transformação da vida dos indivíduos. As lutas motivadas para sua resignificação permitiram uma ressocialização dos acadêmicos que se depararam com um universo diferente e mais exigente ao falar sobre educação. As teorias pós-críticas reavivaram velhos conceitos e os introduziram em grupos menos favorecidos que passaram a buscar por intermédio da educação uma evolução e emancipação dos poderes que os reprimia. O enfrentamento as políticas que buscavam moldar o sujeito a seu favor foi fortificando as discussões sobre o currículo e a necessidade de enxergar nele um instrumento poderoso, capaz de transformar a realidade. O estabelecimento de mecanismos de análise também somou no processo de evolução do currículo, exigindo responsabilidade na sua construção e na sua aplicação prática. Mas, não se podem julgar suas teorias como prontas e acabadas, ainda há muito que se discutir para dar continuidade a esse processo de libertação intelectual e social. O fato de a humanidade estar em constante evolução, exige que o currículo evolua também em suas dimensões sociais, políticas e culturais. Enfim, o currículo deverá oportunizar as várias gerações que bebem da sua fonte, experiências profundas, transformadoras e elucidativas que servirão como arauto de libertação Ariel Realce Ariel Realce 17508 graças às novas conexões estabelecidas entre currículo e poder. E como uma partitura apresenta em sequencia as notas musicais que deverão ser tocadas por seu intérprete para a execução de uma determinada canção, o currículo é apresentado ao professor como um polo norteador responsável não só pela junção de informações, mas principalmente pela organização e transformação dessas informações em conhecimento. REFERÊNCIAS APPLE, Michael Whitman. Currículo, poder e lutas: com a palavra, os subalternos. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996. DEWEY, John. Democracia e educação. Tradução Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. EYNG, Ana Maria. Currículo escolar. Curitiba: Ibpex, 2007. FREIRE, Paulo. Política e educação. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014a. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 57. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014b. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014c. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014d. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. SACRISTÀN, José Gimeno. O que significa o currículo? In: SACRISTÀN, José Gimeno (Org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 16, 17, 19. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
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