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E-book Márcia Duarte

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Prévia do material em texto

1
MÁRCIA MICHELE GARCIA DUARTE
2
2015
Santa Cruz do Sul
1ª edição
MÁRCIA MICHELE GARCIA DUARTE
Tirania no 
próprio ninho: 
Violência Doméstica e Direitos Humanos da Mulher.
Motivos da Violência de Gênero, Deveres do Estado e Propostas 
para o Enfrentamento Efetivo
3
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia
Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil
CONSELHO EDITORIAL
Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil
Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil
COMITÊ EDITORIAL
4
Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Correção ortográfica: Rodrigo Bartz
Diagramação: Daiana Stockey Carpes
Essere nel Mondo
Rua Borges de Medeiros, 76
Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul
Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269
www.esserenelmondo.com.br
Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste li-
vro poderá ser reproduzida ou copiada por qualquer meio 
impresso ou eletrônico ou que venha a ser criado, sem o 
prévio e expresso consentimento da Editora. A utilização de 
parte do texto aqui publicado deverá cumprir com as regras 
de referências bibliográficas editadas pela ABNT.
As ideias, conceitos e/ou comentários expressos na presen-
te obra são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), 
não cabendo qualquer responsabilidade à Editora.
Prefixo Editorial: 67722
Número ISBN: 978-85-67722-38-2
5
Habitantes de três reinos conversavam sobre seus governantes. 
O primeiro disse: “O governante do meu país é um tirano, os 
impostos são muito altos e ele nada faz”; o segundo disse: “Meu 
país é muito organizado, as leis são claras e rígidas, e a justiça 
se cumpre: quem faz o mal é punido e quem faz o bem, condeco-
rado”; então, o terceiro disse: “No meu país, nós nascemos, vive-
mos e morremos. Nunca nos faltam os bens necessários, nem ex-
perimentamos excessos. Trabalhamos durante o dia e dormimos 
durante a noite. Governante? Ouvimos dizer que existe um, mas 
não sabemos quem ele é e nunca vimos o seu rosto”. 
São três formas de governo: na primeira, o Estado se faz 
presente através da ameaça; na segunda, está presente como 
organizador; e na terceira, apesar de existir o Estado, ele não 
se coloca como imposição, mas a vida do povo é equilibrada e 
feliz. Este último é um exemplo do governante que segue as Leis 
da Naturalidade e com isso não deixa rastros: não impõe sua 
presença, mas governa de um modo tal que em seu país predo-
minam a naturalidade e a harmonia entre o povo.
Lao Tse. 
Tao Te Ching: O Livro do Caminho e da Virtude (Dào Dé Jing).
6
DEDICATÓRIA
Ao Leandro, 
pelo que não há palavras para expressar.
7
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me propiciar convívio com pessoas tão valiosas e ex-
periências indispensáveis à construção da vida acadêmica. Por toda as-
sistência e força vital que somente Ele pode proporcionar, principalmente 
naqueles momentos em que nos sentimos solitários e pequenos em meio 
a tantos textos e desafios da pesquisa. E ainda, por hoje serem possíveis 
todos os agradecimentos a seguir.
Ao meu pai Ademir Duarte e à minha mãe Maria Regina Garcia 
Duarte (in memoriam), em favor dos quais registro minha admiração 
e respeito, pela paternidade e maternidade responsáveis, pelo cuidado 
com a minha educação e formação como profissional e como pessoa, pelo 
amor incondicional e apoio irrestrito, por serem eles mesmos e, com isso, 
passando grandes valores dia a dia: integridade, verdade, seriedade e 
capricho no trabalho, e, essencialmente, ensinamentos de cuidado e res-
peito aos seres. 
Ao meu marido Leandro Wille Folly. Parceiro dos meus sorrisos e 
lágrimas produzidas na construção de uma vida profissional. Companhei-
ro, a quem tanto admiro pela integridade e caráter, é sempre firme e 
confiante no meu trabalho. Meu cúmplice de jornada para além da nossa 
doce vida conjugal, o que traz serenidade à minha mente e ao meu cora-
ção. Seu incentivo e apoio emocional são alicerces sólidos quando a carga 
de leitura e tarefas parecem infindáveis. O poeta está certo: “Fundamen-
tal é mesmo o amor. É impossível ser feliz sozinho”.
Aos meus amados afilhados Bernardo Guilherme Monteiro Raposo 
Garcia, Natália Cristina Sena de Oliveira e Clara Garcia Soares Ruiz, e 
a todos os amigos e familiares que compreenderam minha ausência em 
momentos únicos, tão sentidos, em prol do objetivo de levar a bom ter-
mo a vida acadêmica.
A todos os meus Ilustres Professores, pessoas de tamanho saber e 
respeitabilidade, pela abertura de horizontes. Nesta oportunidade, espe-
cialmente à Professora Dra. Maria Teresinha Pereira e Silva, cuidadosa 
e paciente no auxílio à revisão do texto, e pelas ricas sugestões para 
elegância na escrita e clareza na exposição; ao jusfilósofo Professor Dr. 
Fernando Galvão de Andréa Ferreira, pelo profícuo diálogo, pelas impor-
tantíssimas sugestões e empréstimo de obras fundamentais para elabo-
ração desta pesquisa. 
Encerrando com chave-de-ouro, ao meu Professor-Orientador Dr. 
Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Em mais de uma década de con-
vívio, sua inteligência, seu profundo conhecimento, incondicional dispo-
nibilidade e atenção na orientação exerceram influência inestimável na 
8
minha trajetória acadêmico-profissional. Em paralelo, sublinho seus en-
sinamentos quanto à sutileza de viver, ao pensamento altruísta e huma-
nista, que o conservam exemplo de responsabilidade e comprometimento 
com o próximo.
A todos, muito obrigada!
9
SUMÁRIO
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
CAPÍTULO 01 
AS RELAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE, O DIREITO E A INTER-
VENÇÃO ESTATAL 
1.1 Representações sobre a Justiça, o Direito e a Prestação Ju-
risdicional
1.2 A Natureza Humana e os Conflitos Sociais
1.3 Intervenção Estatal e o Controle do Conflito entre Indivíduos
1.4 A Valorização do Ser - Direitos Humanos numa Sociedade 
Multicultural
1.5 Multiculturalismo e a Construção do Conceito Identitário na 
Contemporaneidade
1.6 A Crise de Valores na Contemporaneidade
1.7 Desigualdade nas Relações de Poder entre os Atores Sociais
1.8 A Mulher no Espaço Contemporâneo
CAPÍTULO 02 
CRISE, TRANSFORMAÇÃOE A VULNERABILIDADE DA MULHER
2.1 Colapsos Necessários para as Transformações Sociais
2.2 Diferença Linguística e o Consentimento Livre e Esclarecido 
como Referência para a Análise da Vulnerabilidade de Grupos Sociais
2.3 A Trajetória da Vulnerabilidade e da Exploração
2.4 O Consentimento Livre e Esclarecido e sua Importância para 
os Casos de Violência Doméstica
2.5 Uma Nova Era do Direito – Eu-com-tu-com-eles
2.6 Vulnerabilidade dos Grupos que Demandam Proteção Especial
 2.6.1 Índios
 2.6.2 Raça
 2.6.3 Mulheres 
12
14
15
23
24
28
31
35
40
43
46
49
58
59
61
63
68
71
76
76
81
83
10
CAPÍTULO 03
O CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
3.1 A Família
3.2 Distinção entre Dois Corpos. Homens e Mulheres na Con-
juntura Social
3.3 Eixo Intrafamiliar: O Encontro de Dois Gêneros para a Re-
produção e as Razões para a Construção da Vida Conjugal
3.4 Diversidade de Gênero e Violência Contra a Mulher
3.5 A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio
3.6 A Natureza da Ação Penal e a Ação Coletiva na Lei Maria da 
Penha
CAPÍTULO 04 
PHILIA OU POLIS? THÉMIS OU DIKÉ? NOMOS OU NOMINA? 
O DIREITO POSITIVO OU O NATURAL? O BEM PÚBLICO OU 
A TIRANIA? LIMITES DE INTERVENÇÃO NA ESFERA DA INTI-
MIDADE
4.1 Disponibilidade do Próprio Corpo
4.2 A Liberdade 
4.3 Os Limites de Intervenção Estatal na Esfera da Intimidade 
4.4 A Grécia Clássica e a Questão dos Direitos Humanos
4.5 O Estado e os Direitos Humanos; a Intervenção na Esfera da 
Intimidade em Caso de Violência Doméstica
CAPÍTULO 05
APLICAÇÃO DA NORMA: O DESAFIO DA CONTEMPORANEI-
DADE AO DIREITO
5.1 Applicatio: Elemento Construtores de uma Ratio Iuris
 5.1.1 - Subjetividade do ser social
 5.1.2 - A linguagem como elemento antecessor à própria 
 compreensão e a Filosofia da Linguagem
 5.1.3 – A relevância da interpretação da norma jurídica: o 
 momento da manifestação da identidade do julgador
5.2 O Não-dito das Decisões Judiciais: Lei Maria da Penha e Res-
posta Adequada ou Fomentadora do Conflictus Societates?
5.3 Expansão da Função Normativa do STF – Ativismo Judicial 
5.4 Possíveis Efeitos Colaterais do Entendimento Adotado pelo 
84
85
90
100
104
113
122
125
126
129
131
134
139
151
153
153
156
159
167
171
11
STF no Tocante à Natureza da Ação Penal nos Casos de Violência 
Doméstica
 5.4.1 – Seres envoltos em sentimentos e o direito à liberdade 
 de escolha sobre o próprio corpo
 5.4.2 – Contraponto: ação penal pública incondicionada na 
 Lei Maria da Penha e ação penal pública condicionada nos 
 crimes sexuais/hediondos.
 5.4.3 – Strepitus judicii nos crimes de violência 
 doméstica contra a mulher
 5.4.4 – Liberdade, igualdade e ação penal na violência 
 doméstica contra a mulher. Dois princípios e um 
 objetivo: resguardar a dignidade humana
5.5 Enfrentando a Violência Doméstica Contra a Mulher – Pro-
postas para a Efetividade da Tutela do Estado
 5.5.1 - Primeiro momento: possibilidade de duas naturezas 
 para a ação penal
 5.5.2 – Segundo momento: Reeducação social para ditar novos 
 comportamentos
 5.5.3 – Justiça Restaurativa
5.6 Por uma Sociedade mais Feminina, Não Feminista
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS 
APÊNDICE
177
178
182
184
189
194
194
197
206
215
219
227
249
12
PREFÁCIO
O livro ora publicado sob o título “Tirania no próprio ninho: violência 
doméstica e direitos humanos da mulher” é fruto da tese de doutoramento 
de Márcia Michele Garcia Duarte, defendida perante banca por mim presidi-
da, no Programa de Pós-graduação em Direito da Estácio, em 2012.
Márcia foi minha primeira orientanda de doutorado a defender sua 
tese, o que torna esse trabalho muito especial para mim.
Na verdade, conheci Márcia em 2003, quando assumi a titularidade 
da Promotoria junto ao IV Juizado Especial Criminal da Capital, e ela lá 
exercia suas funções como conciliadora. Desde então, concluiu sua pós-
graduação lato sensu, seu mestrado e doutorado.
Após a defesa, Márcia entendeu que era preciso aguardar um pouco 
antes de publicar o texto.
Perfeccionista, acreditava ser preciso amadurecer algumas ques-
tões e lapidar ainda mais o texto.
Durante esse período, fez seu pós-doutoramento na UERJ, foi apro-
vada em dois concursos públicos para docência (na UFF – Universidade 
Federal Fluminense e na UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 
e foi admitida no Programa de Pós-doutoramento em Democracia e Direi-
tos Humanos, pela Universidade de Coimbra, Portugal. 
O intervalo foi, de fato, providencial. Nesse interim, a jurisprudên-
cia em torno dos temas polêmicos da chamada “Lei Maria da Penha” foi se 
consolidando, bem como foi, recentemente, aprovada a lei que cria o tipo 
específico para o “feminicídio” no Código Penal Brasileiro.
Pois bem, façamos um rápido “tour” pelo texto.
No primeiro capítulo são analisadas as relações entre a sociedade, 
o direito e a intervenção estatal. Trata-se de visão interdisciplinar, absolu-
tamente, necessária para a correta compreensão de um tema que tem sua 
origem fora do Direito, mas que acaba sendo tratado por ele.
No segundo e terceiro capítulos encontramos um profundo estudo 
sobre a situação de vulnerabilidade da mulher e sua condição oriunda 
do gênero, bem como o exame do contexto da violência doméstica, che-
gando a Lei Maria da Penha e a natureza da ação penal pública prevista 
na Lei n° 11.340/06.
Em seguida, é examinada questão que, a nosso ver, constitui num 
dos núcleos centrais do problema, a saber, a questão da intimidade e dos 
limites da intervenção do Estado na esfera doméstica.
Finalmente, no capítulo quinto, o grande final: os desafios da apli-
cação da Lei Maria da Penha na era contemporânea. 
13
Nesse item são analisados os principais dilemas hermenêuticos en-
frentados pelo aplicador da norma, dentre eles: a linguagem como ele-
mento antecessor à própria compreensão e a filosofia da linguagem, o 
momento da manifestação da identidade do julgador, os possíveis efeitos 
colaterais do entendimento adotado pelo STF no tocante à natureza da 
ação penal nos casos de violência doméstica, e as propostas para a efeti-
vidade da tutela do Estado.
Como se percebe pela simples leitura do sumário, trata-se de tra-
balho único, fruto de intenso amadurecimento intelectual, aliado a uma 
profunda sensibilidade e natureza crítica.
O texto que se segue a essas linhas é, sem qualquer favor, o mais 
completo estudo interdisciplinar, com viés jurídico, sobre a temática da 
violência doméstica. 
É leitura obrigatória tanto para os que se dedicam ao tema na 
academia como para os que militam no árduo «front» das Varas de 
Violência Doméstica.
Boa leitura a todos, e que não tarde a vir a público o “paper” do 
pós-doutorado!
Rio de Janeiro, abril de 2015.
Humberto Dalla Bernardina de Pinho
www.humbertodalla.pro.br
14
APRESENTAÇÃO
O presente estudo parte da grande preocupação com o Acesso à Jus-
tiça nos casos de violência doméstica. O primeiro contato com essas ques-
tões ocorreu quando eu era Conciliadora do Tribunal de Justiça do Estado do 
Rio de Janeiro, oportunizando-me observar que casos dessa natureza eram 
tratados como crimes de menor potencial ofensivo, de competência dos Jui-
zados Especiais Criminais. Atuei nove anos nessa preciosa função pública, 
passando pelos Juizados de Bangu, da Capital (competência: Zona Sul) e de 
Duque de Caxias, ouvindo desde pessoas anônimas à artistas com fama na-
cional; àqueles que compareciam em Juízo sem advogado e aos que compa-
reciam acompanhados de profissionais de escritórios de renome. Foram ex-
periências engrandecedoras que despertaram muitas indagações. Para este 
estudo, destaca-se o desconforto da leitura pessoal, da então graduanda, 
diante dos primeiros casos reais de litígio, envolvendo entes familiares. A 
instabilidade das relações provocada pela demora da resposta jurisdicional 
em juízo de família e, por vezes, correspondente necessidade de vinculação 
entre os ex-cônjuges pela via processual, obstaculizara soluções e levantara 
pontos importantes para a investigação acadêmica.Situações intensas fo-
ram experimentadas, como a morte da vítima depois de noticiado o crime 
à autoridade policial, e antes da audiência de conciliação, em contraponto à 
vivência de conciliações, no melhor de sua essência, com choros, ajustes e 
argumentações, chegando ao perdão recíproco e comovente. Foram expe-
riências reais que levaram a duas hipóteses basilares neste estudo: não é o 
cárcere, isoladamente, que soluciona a violência doméstica; o espaço neutro 
é essencial para as partes em litígio dialogarem, exporem seus anseios e 
amarguras, e expelirem o lixo emocional que, por vezes, retroalimenta a dis-
córdia e insatisfação. Observou-se que, em grande parte das situações vivi-
das, no espaço judiciário, pela primeira vez, os conflitantes se encontravam 
frente a frente, tendo oportunidade de verbalizarem acerca do ocorrido. As-
sim, foram despertados os elementos para o Projeto de Pesquisa que abriu 
as portas para o Doutoramento, e resultou nesta investigação. Espera-se que 
seja leitura prazerosa e que contribua para os movimentos de solução ami-
gável (e não impositiva) dos conflitos sociais.
Rio de Janeiro, abril de 2015.
A autora.
15
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa tem por propósito investigar a questão da vio-
lência doméstica e familiar contra a mulher em razão da sua condição de 
gênero. Para cumprir esse objetivo, parte da abordagem multidisciplinar 
do tema e traz a baila um dos grandes desafios do direito na contempora-
neidade: conferir respostas justas para sociedade hipercomplexa. 
Consagra um dos deveres do Estado, adotar “sem demora” políticas 
orientadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher em 
razão da sua condição de gênero. Cabe ao Poder Público empenhar-se em 
“estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que 
tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de 
proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimen-
tos”1. Eis um dos grandes desafios para a applicatio juris. Será o direito 
onipotente e autossuficiente para responder à questão da tirania no pró-
prio ninho?
Conforme vertente multidisciplinar analisa-se o papel da mulher 
na sociedade contemporânea e sua trajetória nos âmbitos do público e 
privado. A premissa é de que a compreensão do tratamento conferido 
pelas diversas culturas ao longo do tempo é essencial para analisar o 
espaço social da mulher na contemporaneidade. Procurando avançar nes-
se cenário, atribui-se relevo aos movimentos em prol da emancipação 
das mulheres, bem como à evolução legislativa, como a que propiciou a 
edição de norma penal criada para tutelar direito mulher, quanto à sua 
integridade física e moral, nas relações intrafamiliares.
Na análise, parte-se do pressuposto de que o conflito social é com-
preensível em sociedades multiculturais e que as intervenções do Esta-
do, no intuito de superar conflitos e dizer o direito encontram limites 
constitucionais, na esfera das relações privadas, notadamente, no bojo 
intrafamiliar.
Nesse enfoque, o Estado deve prestar jurisdição por ter vedado a 
autotutela, e assim assumir a tarefa (poder-dever) de controlar comporta-
mentos por meio de fontes do direito que orientam o sistema jurídico. No 
exercício dessa missão, o Estado encontra limites, cumprindo-lhe preser-
var Direitos Humanos supremos, por excelência protegidos por aparato in-
ternacional, de que o Brasil é signatário e aperfeiçoa o regime democrático.
1 Alínea f, art. 7º, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-
cia contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”. Fonte: http://www.pge.sp.gov.br/
centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm. Acesso em 09/11/2011.
16
Normatizar e controlar comportamentos numa era de valorização 
dos direitos humanos constitui grande desafio ao direito contemporâneo. 
Nesse cenário, encontram-se os grupos que demandam atenção especial 
por razões históricas e que devem receber tratamento igualitário, na sen-
da dos direitos humanos.
A igualdade requer políticas públicas e legislativas destinadas a 
modificar, abolir modelos e equiparar indivíduos para que alcancem o 
mesmo patamar de oportunidades nos diversos campos da sociedade: 
políticos, educacionais, profissionais, de proteção à saúde, capacitação 
profissional, oportunidades de empregos, dignidade, discriminatórios, 
entre outros. 
Entretanto, identificar e depurar o cenário de desigualdade exige 
medidas auxiliares, que favoreçam a detecção de desigualdade oculta, 
fazendo emergir necessidades de correção a serem implementadas. Por 
exemplo, o fator cultural pode ser adotado e reproduzido sem qualquer 
questionamento, reproduzindo-se por gerações, sem que se alcancem 
medidas imprescindíveis à transformação de modelos sociais.
Nesse sentido, vale mencionar determinados grupos – avaliados 
como minorias, mas que não o são, necessariamente, em termos quanti-
tativos – os quais na atualidade encontram seus direitos tutelados por le-
gislação específica. Trata-se de grupos que amargaram a exploração his-
tórica por anos a fio, mas também foram socorridos em seus interesses a 
partir do momento em que não mais se tolerou tais comportamentos so-
ciais, importando no ápice que levou às grandes transformações sociais. 
Esse problema ocorreu com as mulheres que, sob o manto obscuro 
do comportamento culturalmente admitido, foram submetidas à violência 
e subestimação, somente trazida à tona a partir dos movimentos sociais 
característicos do século XX.
Anteriormente, meros suspiros de descontentamento foram ouvi-
dos e se calaram na história das mulheres, que nem escritos deixaram, 
sob a sujeição atribuída a pessoas sem importância. 
Depois de apontarmos o papel necessário de o direito reger as re-
lações sociais em face de situações, obviamente, geradoras de conflitos, 
as transformações sociais decorrentes das crises, particularmente no que 
concerne à preocupação com os vulneráveis, merecem ênfase as razões 
que justificam especial atenção às mulheres, especialmente no âmbito 
familiar, impregnado de cunho emocional e, por vezes, marcado pela de-
pendência econômica.
Nessa ordem de raciocínio, é oportuno revisar o conceito de família 
e sua importância como instituição social. Com suporte multidisciplinar, 
cumpre sublinhar os motivos para que homens e mulheres experimentem 
relações de longa duração, para além do acasalamento e da procriação, 
17
os motivos para a constituição da família, notadamente os eixo econômi-
co e emocional, essencial para justificar a motivação de casais a perma-
necerem juntos, mesmo quando ocorre violência doméstica.
De longa data, as mulheres foram avaliadas como vítimas e he-
roínas; valorizando-se sua sensibilidade como virtude e fundamento ao 
atributo de inferiorização; desprezo e condição para opressão e inveja. 
A existência feminina, por vezes relegada ao silêncio, esteve presente 
em discussões que apontavam a sua (ir)relevância em diversos cenários 
socioculturais.
Por séculos, manteve atuação social tímida, marcada por submis-
são e introjeção de equivocada dispensabilidade no contexto social, que 
apontava para sua contribuição apenas para a procriação. Somente depois 
que os movimentos feministas alcançaram dimensões internacionais, exi-
giu-se revisão do significado social da mulher, abrindo espaço para argu-
mentos favoráveis ao reconhecimento de seus direitos – inclusive de não 
ser submetida à violência, devido à condição de gênero – o que não havia 
sido contemplado, nem mesmo pelos grandes movimentos sociais, como 
a Revolução Francesa.
A violência de gênero e a forma pela qual deve ser combatida têm 
sido, reiteradamente, discutidas em vários campos da sociedade contem-
porânea. Especificamente, no cenário pátrio, destacam-se casos de in-
tensa repercussão e comoção nacionais, os quais ocupam grande parte 
dos noticiários com detalhes dos crimes cometidos, mas também sobre 
respostas do Judiciário a esses problemas.
Sobessa vertente de análise, merece realce identificar os mecanis-
mos pelos quais o direito retrata esse turbilhão de cultura, valores, tradi-
ções, transições, os quais são frutos inexoráveis dos movimentos sociais 
aos quais o direito deve se adaptar, no intento de atingir o mais próximo 
possível em termos de Justiça e paz no convívio social.
As sociedades atuais caracterizam-se pela hipercomplexidade, em 
que as culturas híbridas, os pleitos de massa e grupos que demandam pro-
teção especial também detêm parte do poder que rege os ordenamentos, 
que se devem às expressivas mudanças de grupos especiais2 e de intole-
rância a atos até então praticados e impostos pelo modelo sócio-cultural3.
À luz desses novos modelos, cumpre admitir que os atores sociais 
2 Expressiva, eis que desde séculos antes algumas manifestações isoladas também bus-
cavam igualdade entre os indivíduos, como será demonstrado ao longo do trabalho.
3 O controle masculino sobre o eixo familiar foi duramente enfrentado no final do século 
XX. Houve significativa mudança na cultura mundial, notadamente nos contextos eco-
nômico s e educacionais e as conferências das Nações Unidas de meados dos anos 90 
em Cairo e Beijing impuseram sérios desafios s patriarcado remanescente. THERBORN, 
Göran. Sexo e poder: a família no mundo. Tradução Elisabete Dória Bilac. São Paulo: 
Contexto, 2006, p. 443.
18
da contemporaneidade exigem que o direito seja revestido de nova fei-
ção, sob pena de não atender aos anseios sociais e de deixar de cumprir 
com o seu dever de pacificar os conflitos decorrentes das relações entre 
os indivíduos hipercomplexos. Um dos desafios do direito contemporâ-
neo é encontrar ferramentas que propiciem enfrentar devidamente ques-
tões tão tormentosas como as que se agigantam em paralelo à velocidade 
das mudanças e às contradições da vida moderna. Essa linha argumen-
tativa alicerçou a decisão de priorizar, ao longo da pesquisa, a violência 
doméstica, como perspectiva a ser concretizada.
Em território nacional, a “Lei Maria da Penha”, desde 2006, traz a 
lume a possibilidade de punir com maior severidade os crimes de vio-
lência física, sexual ou psicológica, além da prática de danos de índole 
patrimonial ou moral, contra as mulheres no ambiente familiar.4 Recen-
temente, a Lei do Feminicídio5 instituiu a circunstância qualificadora do 
homicídio, aumentando a repressão à conduta delituosa motivada pela 
condição da vítima ser do sexo feminino, assim entendida quando envol-
ve violência doméstica e familiar, e também menosprezo ou discrimina-
ção à condição de mulher, parâmetro atualmente aplicável também fora 
das relações domésticas. 
É pertinente recordar que o espaço e tempo, em interação com a 
evolução do sistema social, provocam rupturas paradigmáticas que se 
refletem na visão de mundo e escala de valores individuais e coletivos. 
Como se trata de processo pode-se indagar se a aludida ruptura e a emer-
gência de novos modelos ocorrem com homogeneidade para todos os 
indivíduos. Dizendo de outra forma: em uma rede de informações pre-
sentes em determinado espaço e tempo, todos os indivíduos são afeta-
dos pelo novo modelo paradigmático em seu cotidiano? Os valores são 
os mesmos?
4 Vejam-se que até pouco tempo atrás, a violência contra a mulher pelo marido era tole-
rada: “Usos e costumes, porém, revelam que o âmbito do poder do marido ia mais longe 
do que o previsto pela lei. a ele cabia deliberar sobre as questões mais importante que 
envolviam o núcleo familiar: (...) o uso de violência considerada “legítima”, cujos limites 
eram debilmente contornados por aquilo que se considerava excessivo (...). Processos de 
divorcio de ricas famílias paulistas nesse período revelam o recurso freqüente à coerção 
física das mulheres. Pesquisas registraram que o marido, tal como um pai, se sentia no 
dever de punir com violência sua esposa quando desobedecido. Embora nenhum código 
permitisse ou sequer relevasse tais agressões, estas se davam sob a proteção de regras 
de costume.” (sem grifos no original). MALUF, Maria; MOTT, Maria Lúcia. “República: da 
belle époque à era do rádio”. In SEVCENCO, Nicolau (org.). História da vida privada no 
Brasil. vol. 3. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, pp. 376-7.
5 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o femini-
cídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, 
de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
19
Hans Georg Gadamer6 ao tratar da pré-compreensão, esclarece que 
o ato de compreensão é existencial e envolve pré-juízos, pois o que não 
foi experimentado não foi conhecido. 
Aplicando-se esse fundamento à violência de gênero, vale destacar 
que, até meados do século XX, admitia-se violência “moderada” como ati-
tude que simbolizava a autoridade, masculinidade e controle do marido 
sobre a esposa e prole. Sob o pretexto de “defesa da honra”, legitima-
vam-se condutas criminosamente violentas contra mulheres suspeitas de 
infidelidade, por exemplo. 
 Como ilustração, entre muitos outros, basta lembrar o julgamento 
de um caso de intensa repercussão social, ocorrido na década de 1970, 
em que Doca Street assassinou a socialite Ângela Diniz7. Sem qualquer 
ingenuidade, registra-se que a visibilidade dessa violência, certamente, 
pode ser atribuída à posição social da vítima e do agressor, sendo des-
necessário dizer que se trata de caso emblemático, que traz à evidencia 
o que ocorria no cotidiano de mulheres dos diversos segmentos sociais, 
particularmente daqueles excluídos socialmente.
Algumas décadas depois, em paralelo ao reconhecimento de direi-
tos humanos e à dignidade da pessoa, a sociedade começou a expressar 
reprovação e intolerância à violência contra à mulher. Entretanto, o terri-
tório nacional não se limita às regiões metropolitanas. Ainda persistem 
valores sociais divergentes, em uma sociedade plural e conflituosa mar-
cada por interesses opostos, os quais impedem consenso, precipuamente 
no que tange a valores e comportamentos no convívio cotidiano.
Porém, num Estado Democrático, pautado em valores e normas que 
buscam a universalização de direitos fundamentais, não se admite inércia. 
Ao contrário; cumpre empreender todos os esforços para criar mecanismos 
aptos a atingir o compromisso social de garantir isonomia na tutela dos 
direitos de todos, sem qualquer discriminação, preconceito ou privilégio. 
Nesse passo, uma sociedade moderna exige ampliação do campo 
de visão dos tribunais, não só diante das demandas complexas propostas, 
controle de constitucionalidade, mas também da opinião pública, como 
instrumento de expressão de legítimas expectativas populacionais. Essas 
6 GADAMER, Hans-Georg. Verdad y Método. Vol. II. Tradujo Manuel Olasagasti. 7a. ed. 
Salamanca: Ediciones Sígueme, 2006 e Verdad y Método. Vol. I. Tradujeron Ana Agud 
Aparicio y Rafael de Agapito. 11a. ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2005.
7 Em 25 de novembro de 1981, em Bogotá, na Colômbia, foi realizado o I Encontro Fe-
minista da América Latina e Caribe, oportunidade em que foram homenageadas as três 
irmãs: Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, assassinadas na República Dominica pela 
ditadura de Leonidas Trujillo. Tratavam-se de mulheres ativistas políticas a aquela data 
ficou registrada como o Dia Internacional de Não Violência contra a mulher em home-
nagem às três irmãs. A data foi reconhecida pela ONU em 1999, sendo alterado o nome 
para Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Fonte: http://www.
sepm.gov.br/sobre/calendario/25%20de%20novembro. Acesso em 10/03/2012.
20
últimas expressam o sentimento popular quanto às práticas político-jurídi-
cas (adotadas ou a adotar), definidas como condição necessária à discussão 
democrática de certos temas, embora não tenha como pressuposto obri-
gatório o consenso, dada a pluralidadedas culturas híbridas/globalizadas.
Na análise de violência de gênero, é imprescindível considerar que 
as tradições, hábitos e intuição são práticas sociais irrefletidas8 e volúveis, 
no espaço e tempo em que há valores territoriais e encontro (choque?) de 
gerações, o que justifica o dissenso. Todavia, o Estado Democrático tem 
o compromisso de tutelar os direitos de todos. 
Nessa sociedade globalizada, o direito instrumentalizado por ato 
constituinte, ou mesmo por ratificação e internalização de normas inter-
nacionais, pode não ter resposta – ou mesmo ser insuficiente – para os 
conflitos característicos de uma sociedade impregnada por valores, não 
incorporados em sua integralidade.
Num olhar extrafronteiras, observa-se que a violência doméstica 
ocorre em diversas culturas, ensejando indagações de índole interdis-
ciplinar quanto às razões que expliquem o comportamento masculino 
agressivo, inclusive para com suas companheiras. Perceber o nascedouro 
da conduta humana é juridicamente relevante, no sentido de que o Esta-
do se torne apto a melhor reger o controle dos litígios sociais. Esse é um 
dos pontos em que se assenta a relevância social desta pesquisa.
Vive-se momento histórico em que, nem o Estado, nem os adminis-
trados têm controle e conhecimento dos problemas que enfrentam. Em 
perspectiva abrangente, há crise de valores no contexto do multicultura-
lismo; o Estado soberano da era globalizada depara-se com vulnerabilida-
de territorial e dificuldades na intenção de reger os conflitos de direitos, 
resultantes de nova moldura social e de movimentos que exteriorizam 
condutas que evidenciam tendência anterior na sociedade.
Sob a hipótese de que o direito, sozinho, não é capaz de solucionar 
conflitos dessa natureza, para desenvolver a diagnose social necessária, 
é elucidativo o fundamento da antropologia, filosofia, neurociência e, em 
caráter de construtivismo social, da psicologia evolucionista9.
8 Anotações pessoais realizadas durante a aula de Rogério Bento Soares do Nascimento 
no Curso de Doutorado em Direito da UNESA, realizada em 21/05/2010, registram a 
expressão utilizada pelo professor a fim de explicar como os atos culturais são “re-pro-
duzidos” de forma irrefletida pelos agentes.
9 A psicologia cognitiva evolucionista foi adotada pelo economista Herbert Simon, pac-
tuada por Amos Tversky, Daniel Kahneman, Gerd Gigerenzer e Paul Slovic, pelo motivo 
de terem concluído que a tomada de decisões não está limitada à racionalidade por 
completo, como era concebido por economistas, mas que havia um comportamento 
irracional, que faz com que seres humanos tomem decisões sobre problemas e variáveis 
desconhecidas sobre as quais não conhecem por completo, e também que sofrem in-
fluencia por tudo que os rodeia. FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Marly. Neuroética, 
Direito e Neurociência. Curitiba: Juruá, 2008, p. 164.
21
Como amplamente reconhecido, fenômenos sociológicos perten-
cem à vida e encontram explicação em estudos da Sociologia e da Psicolo-
gia10. Mauss11, assegura que ambas as abordagens lidam com pessoas, de 
carne osso, que vivem ou que viveram, homens conscientes e sociáveis.
Constata-se que, numa perspectiva histórico-sociológica e antropo-
lógica, verifica-se predisposição masculina para o comportamento mais 
agressivo, independentemente da sociedade em que o indivíduo esteja 
inserido, o que parece inerente à cultura que impregna o ser masculino. 
Os seres humanos constroem relacionamentos com animus de lon-
ga duração; muitas dessas interações podem ser pautadas em interesses 
secundários, o que explica a sujeição de mulheres a atos de violência, seja 
por convenção social ou por adaptação à condição imposta socialmente.
É sobre esse cenário que erigimos nossa provocação em prol da 
conscientização da existência de uma doença sociocultural, de modo a 
que possamos superá-la partindo da construção de novos paradigmas e 
consequente extirpação do modelo nocivo. 
Já estamos vivendo sob os novos contornos e as mulheres da pós-
modernidade tendem a ultrapassar a condição de mero apêndice do côn-
juge varão. Conquistam espaço próprio que se reflete na identidade civil 
em que se ultrapassa a obrigatoriedade de adoção do nome de família e 
sujeição ao marido.
Se o fenômeno social é complexo, não menos será a applicatio das 
normas jurídicas alusivas aos cidadãos e, nos casos de violência domésti-
ca, a recente superação da omissão legislativa é comprovada pela norma 
penal especial (Lei Maria da Penha). Todavia, a legislação, embora neces-
sária, não é suficiente, o que impõe a análise individual de cada caso, no 
intuito de avaliar a vulnerabilidade da vítima e o alcance da ação penal 
intentada. Em complemento, a justiça restaurativa representa importante 
mecanismo na solução da contenda, se associada às sanções penais pre-
vistas no ordenamento pátrio. 
Como se explicitará, os modelos de reparação civil e penal con-
vencionais não têm sido suficientes para sanar os danos sofridos pelas 
vítimas de violência doméstica. Para minorar a lacuna, a prestação juris-
dicional pode recorrer ao simbolismo do tribunal-pai, para reconstruir 
um modelo social à luz da ética do cuidado. Reequilibrar os elementos 
que constituem os indivíduos (anima e a animus/yin e yang) podem ser 
10 Para a psicologia cognitiva evolucionista, o pensamento e a tomada de decisões nos 
humanos não seriam mecanismos puramente racionais, mas sim adaptações biológicas. 
FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Marly. Neuroética, Direito e Neurociência. Curitiba: 
Juruá, 2008, p. 164.
11 MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Vol. I. Tradução Lamberto Puccinelli. São 
Paulo: EPU, 1974, pp. 181-186.
22
alcançados pelo recurso à força simbólica do tribunal patriarcal, num mo-
vimento global que se orienta para construir um planeta mais harmônico 
e equilibrado. 
Eis porque a concepção de justiça não se restringe ao cumprimento 
da mera imposição legal, nos limites do positivismo. Cumpre valer-se da 
hermenêutica, da ótica teleológica e sistemática das fontes do direito, e 
promover a igualdade nos termos da Carta Magna e de documentos inter-
nacionais alusivos ao tema.
O condutor da nova era do direito é formado por um conjunto de 
seres sociais impregnados pelas peculiaridades inerentes à condição hu-
mana, que estabelecem as regras (normas) do jogo e os movimentos das 
peças (hermenêutica e applicatio), o que resulta, em termos práticos, na 
construção de um circuito de causas e efeitos, provocações e respostas, 
em que a prestação jurisdicional norteia-se por valores consagrados e 
estabelece novos.
A vista de se utilizar, sabiamente, esta possibilidade e oferecer re-
cursos para que uma sociedade hipercomplexa viva em paz e harmônica, 
propõe-se a análise da cultura de violência e das medidas associativas 
potencialmente utilizáveis pelo Poder Judiciário, para um sistema hábil a 
solucionar os conflitos sociais mais delicados, como é o caso da violência 
contra a mulher, no âmbito intrafamiliar.
23
Capítulo 01 
AS RELAÇÕES ENTRE A 
SOCIEDADE, O DIREITO E 
A INTERVENÇÃO ESTATAL 
24
1.1 Representações sobre a Justiça, o Direito 
e a Prestação Jurisdicional
O que é justiça e para que serve? Essa indagação, embora pareça 
simplória, encontra reposta em diversos campos das Ciências Sociais, 
sem que se chegue a um ponto de consenso. 
Comecemos, então, pela leitura da obra de John Rawls12que se ocu-
pa de teorizar a justiça, perpassando diversos vieses, da concepção natu-
ral e original, até sua racionalização. O autor inaugura seu texto sobre a 
justiça como equidade, assim representada como a “primeira virtude das 
instituições sociais”, que deve negar que o bem comum se sobrepuja ao 
interesse individual, pois cada qual possui inviolável fundamento na jus-
tiça. Nessa perspectiva, esclarece que são inegociáveis do ponto de vista 
político e dos interesses sociais, os direitos assegurados pela justiça, as-
sim como as liberdades e cidadania igual, tolerando-se a injustiçaapenas 
quando se trata de evitar dano maior que a primeiro.
Do ponto de vista de Rawls, a verdade – primeira virtude do sistema de 
pensamentos – e justiça são indisponíveis. Aquela expressa o caráter intuiti-
vo, de convicção intuitiva, sobre o primado da justiça, sempre norteada por 
princípios. O autor mencionado esclarece que a sociedade segue regras de 
conduta que, em linhas gerais, fazem com que as pessoas atuem no intuito 
de promover o bem dos que integram o “sistema de cooperação”, que impõe 
relações mútuas de reconhecimento daquelas regras, visando à obtenção de 
vantagens de interesse coletivo, embora, por vezes, possam ensejar conflito.
Esses indivíduos perseguem uma participação maior e, para coor-
denar o impasse, entram em cena os chamados “princípios da justiça 
social”, como instrumentos à atribuição de direitos e deveres nas institui-
ções básicas da sociedade, ao mesmo tempo em que se define a distri-
buição equilibrada de encargos e benefícios do sistema cooperativo em 
busca do bem dos integrantes da sociedade.
A prestação jurisdicional, por sua vez, constitui mecanismo para 
que o Estado efetive a justiça que se realiza, em linhas gerais, por meio de 
divisão administrativa que comporta tribunais especializados e comuns, 
cuja cúpula se encontra na capital do Estado brasileiro, atuando como 
guardião da Constituição. Trata-se do Supremo Tribunal Federal que, por 
vezes executa tarefas que caberiam ao Poder Legislativo, face ao contem-
porâneo conceito de justiça, legitimado pelo ativismo judicial em que a 
supremocracia tem se mostrado como o recurso máximo à promoção da 
democracia, quando da (in)ocorrência de elementos normativos mínimos 
12 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 03-05.
25
compatíveis com os preceitos constitucionais.
Se os ancestrais solucionavam as lides por meio da sobreposição 
de vontades, em que o parâmetro do certo e errado, vencedor e vencido, 
era medido pela força bruta ou imposição de ideias, atualmente, os atos 
de autodefesa e de autotutela são a exceção à regra, cabíveis nas hipóte-
ses em que o Estado não se manifeste em tempo hábil no intuito de ma-
nifestar e proteger o interesse legítimo daquele cujo bem da vida esteja 
na iminência de ter sua integridade violada. 
O direito aplicado em sobreposição ao uso da força e regido por 
uma série de garantias guarda origem na Magna Carta datada de 1215. 
Daquele evento histórico, radica o ideal do due process of law como ins-
trumento de tutela do direito de qualquer pessoa não ser privada de seus 
bens, ou de sua liberdade, vez que prevalece o devido processo legal.
A jurisdição, cuja origem etimológica decorre da palavra jurisdic-
tio - dizer o direito - é exercida pelo Poder Judiciário, ao lado das funções 
legislativa e administrativa, atuando em prol do exercício da soberania 
do Estado, compondo as funções estatais típicas13. A jurisdição foi mono-
polizada pelo Estado na resolução de conflitos a partir do séc. XIV, tendo 
como fim último a pacificação social, substituindo a atividade privada na 
aplicação concreta da lei. Traduz-se num poder soberano, que expressa 
decisões imperativas aos particulares, bem como um dever14 que o Esta-
do assume de dirimir qualquer conflito que lhe seja apresentado.
Antecedendo ao exame da aplicação prática, a construção do direi-
to guarda peculiaridades que embasaram a pesquisa de muitos estudio-
sos15, sendo a filosofia um campo fértil na construção de alicerces foca-
dos na moral, ética, política, poder, Estado e direito.
Na realização da justiça e o exercício da prestação jurisdicional, fa-
z-se essencial a existência do direito, cuja função social é bem elucidada 
por Jürgen Habermas16, que descreve as quatros jornadas, marcantes na 
13 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. 
2ª. Ed. ampl., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 53.
14 Humberto Dalla destaca que inexiste consenso doutrinário acerca da natureza juris-
dição, tendo em vista que autores como Pedro Lessa, entendem se tratar apenas de um 
“poder”. Por outro lado, haveria intrincado nesse poder um “poder-dever”, sendo esse o 
posicionamento da maioria doutrinária, como Eduardo Couture. PINHO, Humberto Dalla 
Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. 2ª. Ed. ampl., ver. e atual. 
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 06-08.
15 Dos gregos ao pós-modernismo, a Filosofia do Direito encontra teorias diversas que 
se complementam e se chocam quando buscam encontrar o que seria a verdade no e 
para o direito. Críticas, reformulações e reedições não faltaram. Mas, para este estudo, 
atentamos para o pensamento em que o sujeito (o conhecedor, consciência, mente) so-
brepõe-se ao objeto (o conhecido, realidade do mundo).
16 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume I. Tra-
dução Flávio Beno Siebeneichler. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
26
evolução do processo de juridicização. A “primeira jornada” dizia respeito 
ao Estado Burguês que conferia privilégio às relações entre a política e 
a Economia, sendo a juridicização meramente institucionalizada, asse-
gurando a liberdade e a propriedade. A “segunda jornada” corresponde 
a uma etapa em que o Estado de Direito avançou para além de mera 
regulamentação legal, eis que apresenta como característica a relação 
jurídico-constitucional. A “terceira jornada” situa-se no âmbito do Estado 
Democrático de Direito, com maior participação política com a juridici-
zação do processo de legitimação, através dos mecanismos de voto e de 
partidos políticos. Por fim, na “quarta jornada”, o Estado Social abrange a 
juridicização não só dos detentores dos meios de produção, mas também 
o proletariado, além de observar a garantia da liberdade e da propriedade 
absorvidas pelo impacto do capitalismo. Com a juridicização, estabele-
ceu-se a interconexão entre a vida, Política e Economia.
Na análise de Bobbio17, a evolução do direito acompanhou movi-
mentos e demandas das sociedades sociais, os quais se classificam como 
“gerações do direito” 18. A primeira foi iniciada pela ideia de direitos fun-
damentais avocados após a Revolução Francesa19. Por seu turno, os di-
reitos de “segunda geração” agregam aspectos de natureza econômica e 
social; os de “terceira geração” conferem ênfase à fraternidade e solida-
riedade; os de “quarta geração” dirigem-se, especificamente, à biotecno-
logia, bioética e engenharia genética e os de “quinta geração” vinculam-se 
à realidade virtual.
Nessa trajetória, há convivência entre direitos reconhecidos tradi-
cionalmente e os denominados novos direitos, que acompanham prer-
rogativas resultantes da evolução de valores, necessidades, conflitos e 
avanços científico-tecnológicos. Tal dinamismo evolui no sentido do bem
-estar social, impondo regras de conduta e facilitando a superação de 
conflitos sociais. É mais que um instrumento de relação Estado; mais do 
que um papel constitucionalizante da sociedade ou mera Carta Política. 
17 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos [1909]. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio 
de Janeiro: Elsevier, 2004.
18 Humberto Dalla assinala que a expressão “gerações”, embora clássica, não é adotada 
por unanimidade. Há os defensores da utilização da expressão “dimensões” do direito, 
ao argumento de que gerações significam superações, o que não ocorreria, já que lhe 
são somente complementar, conforme pensamentos defendidos por Ingo Sarlet e Paulo 
Bonavides. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contem-
porâneo. 2ª. Ed. ampl., ver. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 347.
19 Importantes escritos pós-revolução, embora tenham contribuído para um novo olhar 
para o ser social em sua existência, valores e garantias, foram amplamente criticados 
por Edmund Burke e por Karl Marx. Acusaram-nos de, na prática, não terem atingido a 
sua finalidade, dado o caráter abstrato, genérico e racionalistaem demasia daqueles 
documentos. DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução Luzia Araújo. 
São Leopoldo: Unisinos, 2009.
27
É essencial ao bem-estar, impondo regras de conduta e pondo termo aos 
conflitos sociais.
Para atender a esse propósito, o ente estatal precisa ajustar-se às 
verdadeiras demandas sociais, o que pode representar desafios espinho-
sos, quando se trata de demandas impregnadas de forte conteúdo emo-
cional, tal aquelas cujas bases se assentam, por exemplo, no cenário in-
trafamiliar, nas relações intracondominiais e de vizinhança, de parentesco 
e de trabalho.
Como sublinhado nas hipóteses desta pesquisa, a intervenção do 
Estado no ninho conjugal pode fomentar conflitos e sofrimentos, em vez 
de pacificá-los ou atenuá-los, particularmente quando se apoia na falsa 
crença de que qualquer resposta jurisdicional representa acesso à justiça.
Vale recordar que os indivíduos estão inseridos num universo movi-
do pela linguagem, por valores e verdades construídas e introjetadas no in-
consciente coletivo. Nesse complexo contexto, o homem se sujeita a deter-
minadas situações, nem sempre apoiadas na consciência crítica a respeito 
dos possíveis efeitos de condutas, comportamentos, hábitos e atitudes.
Para melhor compreensão desse universo hipercomplexo do dito 
e do compreendido, são esclarecedoras as contribuições de estudiosos 
da filosofia da linguagem, que se abordará em momento posterior desta 
pesquisa, este dedicado, especificamente, à compreensão, interpretação 
e aplicação da norma jurídica.
Por ora, destaca-se que a difícil função decisória, no que tange a 
apontar soluções para os conflitos sociais, não se restringe aos limites 
da lei escrita emanada, por representação20, do poder do povo. Cumpre 
aos agentes que atuam no Poder Judiciário e aos militantes dos direitos 
manifestarem sensibilidade à realidade concreta e anseios sociais, va-
lendo-se de uma sistemática jurídica complexa e rica de fontes, interpre-
tando a norma à luz da constitucionalidade que está na base do sistema 
brasileiro. 
Em outras palavras: o Poder Judiciário é simbolismo de poder pa-
triarcal, cujas manifestações podem ser muito proveitosas na construção 
de decisões que extrapolem a simples leitura de normas, com suposta 
precisão matemática, para abarcar a riqueza das consequências efetivas 
da atividade judicante. 
20 “O termo representação significa hoje, assim, escolha de dirigentes que personi-
fiquem os dirigidos. Assim, quando aludimos ao fato de que somos representados ‘é 
porque conseguimos eleger pessoas pelas quais nos sentimos personificados’. Quan-
do recorremos às eleições, aliás, reduzimos ao mínimo a democracia, que entendemos 
impossível de ser manipulada pelo próprio povo, sob forma direta. O fim das eleições é 
então o de escolher apenas a liderança e não o de maximizar a democracia”. PAUPÉRIO, 
Arthur Machado. Teoria Democrática do Estado. Rio de Janeiro: Pallas S.A., 1976, p. 87.
28
1.2 A Natureza Humana e os Conflitos Sociais
As sociedades humanas se associam sob alguns aspectos, articula-
dos na ordem das vontades gerais, na comunicação de ideias, na lingua-
gem, nas artes, entre outros elementos que constituem a vida em comum.
Segundo Mauss21, as representações e ideias coletivas, as práticas 
ou comportamentos sociais são fruto de múltiplas conexões estabele-
cidas no tempo e no espaço. Por isso afirma que os fatos sociais, ainda 
que pareçam revolucionários, resultam de circunstâncias que radicam em 
tempos longínquos. 
Norbert Elias22 acrescenta que a trajetória do homem avança para 
a morte, atravessando etapas da juventude, maturidade e velhice e, 
nesse contexto, experimenta contradições, tensões e explosões. Por 
isso, a sociedade não pode ser considerada como um “todo” em per-
manente harmonia. Tampouco é admissível união de indivíduos que se 
encontram em certo contexto, e que sequer se conhecem. Cada qual 
persegue as próprias metas, projetos e experiências, em que intera-
gem; entretanto, sob o aspecto da “ordem oculta e não diretamente 
perceptível pelos sentidos”. No convívio, cada pessoa está ligada a 
outras, ainda que desconhecidas e de maneira imperceptível, por la-
ços invisíveis, seja de trabalho ou de propriedade, de instintos ou de 
afetos. Esses contatos repercutem na formação de longas cadeias de 
atos e de leis autônomas de relações entre as pessoas, formando as 
leis sociais ou regularidades sóciai 23.
Nesse meandro de construção de coletividades, os conflitos são 
inevitáveis; por outro lado, também podem propiciar avanços sociais, 
como assegura Simmel24, para quem os conflitos são formas de socia-
ções, embora isso possa parecer controverso. O autor critica que, antes 
de sua observação, a importância sociológica dos conflitos nunca foi 
questionada. O conflito, afirma ele, pode criar ou modificar grupos de 
interesse, uniões e organizações, como se depreende do transcrito lite-
ralmente a seguir:
21 “É necessário atentar que o sociólogo deve sentir sempre que um fato social qualquer, 
mesmo parecendo novo e revolucionário, por exemplo, uma invenção, está, pelo 
contrário, carregado de passado, sendo fruto de circunstâncias as mais longínquas no 
tempo”. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Vol. I. Tradução Lamberto Puccinelli. 
São Paulo: EPU, 1974, pp. 181-186.
22 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Schröter, Michael (org.). Tradução Vera 
Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994, p. 14. 
23 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Schröter, Michael (org.). Tradução Vera 
Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994, p. 20-26.
24 SIMMEL. Sociologia. Tradução Carlos Alberto Pavanelli et. al. São Paulo: Ática, 1983, 
pp. 122-134.
29
O conflito está assim destinado a resolver dualismo divergentes; 
é um modo de conseguir algum tipo de unidade, ainda que atra-
vés da aniquilação de uma das partes conflitantes. (...) O próprio 
conflito resolve a tensão entre contrastes. O fato de almejar a 
paz é só uma das expressões – e especialmente óbvia – de sua 
natureza: a síntese de elementos que trabalham juntos, tanto 
um contra o outro, quanto um para o outro. Essa natureza apa-
rece de modo mais claro quando se compreende que ambas as 
formas de relações – a antitética e a convergente – são funda-
mentalmente diferentes da mera diferença entre dois ou mais 
indivíduos ou grupos. Caso implique na rejeição ou no fim da 
sociação, a indiferença é puramente negativa; em contraste com 
essa negatividade pura, o conflito contém algo de positivo. To-
davia, seus aspectos positivos e negativos estão integrados; po-
dem ser separados conceitualmente, mas não empiricamente.
Além disso, Simmel considera que a vitalidade e a estrutura orgâni-
ca de determinado grupo poderiam fluir de um conflito verdadeiro, como 
no caso de considerável diferença de ânimos e direções de pensamentos. 
A discordância poderia gerar um lado negativo e destrutivo entre indiví-
duos particulares, mas esse efeito não, necessariamente, teria a mesma 
força, pois o quadro seria distinto, sobressaindo o aspecto positivo, não 
obstante a destruição que venha a se assentar nas relações particulares. 
Conforme palavras do sociólogo em tela:
Uma certa quantidade de discordância interna e controvérsia ex-
terna estão organicamente vinculadas aos próprios elementos 
que, em última instância, mantêm o grupo ligado; (...) As hostili-
dades não só preservam os limites, no interior do grupo, do de-
saparecimento gradual, como são muitas vezes conscientemente 
cultivadas, para garanti condições de sobrevivência. Além disso, 
têm também uma fertilidade sociológica direta: com freqüência 
proporcionam posições recíprocas às classes e aos indivíduos 
que estes não poderiam encontrar, ou não encontram do mesmo 
modo, se as causas da hostilidade não estiverem acompanhadas 
pelo sentimento e pela expressão hostil – ainda que estiverem 
operando as mesmas causas objetivas de hostilidade. O desapa-
recimento das energias de repulsão (e, isoladamenteconsidera-
das, de destruição) não resulta sempre, em absoluto, numa vida 
social rica e mais plena.
O conflito teria significado sociológico, inerente às relações recí-
procas. Dessa forma, poderia haver antagonismo entre um grupo e um 
poder exterior a ele e, em decorrência, estreitamento das relações entre 
os seus membros, fazendo nascer novos grupos, ou ainda, os existentes 
se tornariam ainda mais unidos, tanto em termos de conscientização ou 
de mecanismos de ação, sendo o conflito a base da formação do grupo. 
30
A intensidade da aproximação nasceria de uma “concentração de uma 
unidade já existente, eliminando radicalmente todos os elementos que 
possam obscurecer a clareza de seus limites com o inimigo, como tam-
bém pode aproximar pessoas e grupos, que de outra maneira não teriam 
qualquer relação entre si” 25.
Apesar da dimensão positiva, Simmel, reconheceu potencial nega-
tivo nos conflitos, cuja redução requer autoridade capaz de exercer o 
controle conflitivo, no intento de alcançar a harmonia social. Ainda que 
pudessem fortalecer as inter-relações dos indivíduos que compõem uma 
sociedade, os conflitos também abarcam as ilicitudes, cuja regulamenta-
ção tem possibilidade preventiva ou sancionatória. 
O exercício dessas funções exige posição de neutralidade, cabendo 
a quem exerce o poder a prerrogativa de prescrever e aplicar as normas. 
Eis o Estado exercendo o poder-função de regular as relações sociais. 
Na leitura de Norbert Elias, a organização social teria o poder de influen-
ciar a estrutura psicológica, sob a premissa de que a subjetividade das pessoas 
pode modificar o tratamento dos embates pelo ente estatal. A construção da 
psique seria influenciada pela manifestação do modelo social que geraria mode-
los compulsivos. A teoria elisiana destacou que há uma “pressão mental-social” 
a que se sujeitam os sujeitos, como fica evidente no transcrito a seguir:
Note-se que as tensões na sociedade não se manifestam apenas 
no desejo de terra e pão. Na verdade, exerciam pressão mental 
sobre toda a pessoa. A pressão social forneceu a força motivado-
ra, mais ou menos como um gerador fornece corrente elétrica 26.
No contexto atual, multiplicam-se os conflitos num cenário super-
povoado, alimentado pelo consumismo desmedido e pela saga do enri-
quecimento material e imediatismo, o que dificulta a convivência, fazendo 
emergir novos conflitos e demandas de massa. Nesse sentido, Saldanha27 
assinala que, apesar de algumas pessoas avaliarem que certos períodos 
da história manifestaram maior tendência à prática da violência, na reali-
dade, tal conflito seria um “hábito de indivíduos ou de grupos; é um modo 
de viver”. Nessa linha de entendimento, a violência seria um ethos que 
decorreria de fenômenos socioculturais, que formam comportamentos e 
produzem um círculo vicioso, que retroalimenta a violência no cenário so-
cial. O fundamento não está assentado em variáveis econômicas, mas na 
25 SIMMEL. Sociologia. Tradução Carlos Alberto Pavanelli et. al. São Paulo: Ática, 1983, 
pp. 154-164.
26 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Vol. II. Tradução 
Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p.44.
27 SALDANHA, Nelson. Ética e História. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, 
pp. 125-127.
31
coexistência entre os povos, cenário constante de violência entre nações28.
Na Idade Média, verificou-se certo universalismo cultural, que reu-
nia as nações, unidas sobretudo pela língua latina e pelos valores do 
cristianismo. No novo cenário, face à dessacralização e ao mercantilismo, 
alguns povos passaram a conviver com outros, no cenário de pluralismo 
étnico, o que deu origem a crises, atinentes à cultura e à política.
A natureza humana conflitiva, o multiculturalismo faz com que o 
Estado leve a efeito o compromisso de normatizar as relações no exercí-
cio do poder-dever de prestar jurisdição, dirimindo os conflitos, na busca 
de pacificação, guardando compatibilidade com valores, anseios sociais e 
direitos consagrados constitucionalmente.
1.3 Intervenção Estatal e o Controle 
do Conflito entre Indivíduos
Uma sociedade é constituída por indivíduos o que implica a possibilida-
de de modificação do curso da história de forma não prevista ou não pretendi-
da. Com esse pressuposto, Elias29 discute a viabilidade de criar efetiva ordem 
social, com harmonia entre os indivíduos nos diversos campos, a fim de ga-
rantir e preservar a eficiência do todo social. Em seu entendimento, a vida em 
comunidade livre de perturbações e tensões seria possível se os indivíduos 
desfrutassem de satisfação suficiente, advinda de convivência livre de tensão, 
perturbação e conflito. Com olhos pessimistas, assegura que há um abismo 
quase intransponível para a maioria das pessoas, principalmente, no que tan-
ge às estruturas de pensamentos, aspecto esse que se propõe o enfrentamen-
to nesta pesquisa, na medida em que, o que se (re)conhece, desmi(s)tifica-se. 
O ente estatal detém poder de controle das relações sociais, no intui-
to de preservação da ordem e da segurança, entre outros direitos, por meio 
de prerrogativas, como de criar leis, impor ordens e decisões, obrigando 
os indivíduos a praticar e a deixar de praticar atos, sempre visando ao bem 
28 Saldanha destacou que a pobreza não justifica a violência. Observou que foram registra-
dos atos de violência praticados por gangsters de Chicago nos anos trinta incomparáveis 
aos pequenos atos de violência ocorridos nas comunidades paupérrimas da África. SALDA-
NHA, Nelson. Ética e História. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 126. 
29 “Uma das grandes controvérsias na nossa época desenrola-se entre os que afirmam 
que a sociedade, em suas diferentes manifestações – a divisão do trabalho, a organiza-
ção do Estado ou seja lá o que for – é apenas um ‘meio’, consistindo o ‘fim’ no bem-estar 
dos indivíduos, e os que asseveram que o bem-estar dos indivíduos é menos ‘importante’ 
que a manutenção da unidade social de que o indivíduo faz parte” (...) “as contradições 
entre exigências sociais e necessidades individuais, que são um traço permanente de 
nossa vida”. ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Schröter, Michael (org.). Tradu-
ção Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994, pp. 16-17.
32
público. A desobediência enseja aplicação de penalidades e restrições30. 
 Como explica Azambuja31, o indivíduo é um ser social, vive em co-
letividade, donde podem emergir conflitos decorrentes de natureza diver-
sa em razão das interações familiares, trabalhistas e contextos coletivos 
em que há indivíduos diversos com experiências diversas. 
Para manter a ordem e a segurança faz-se necessária a presença da 
autoridade a prestar obediência e acatar decisões que dessa emane. Essa 
“autoridade” decorre de um governo (indivíduos compatriotas e as auto-
ridades) numa sociedade organizada denominada Estado, que na visão 
moderna, é chamada de poder para criar leis, impor ordens e decisões, e 
cuja desobediência enseja em penalidades e restrições. É a manifestação 
da ordem política, na qual o Estado obriga os indivíduos a praticar e a 
deixar de praticar atos, sempre visando ao bem público32. 
O Estado, segundo Azambuja, tem seu nascedouro marcado por uma 
Constituição, na medida em que seu nascimento coincide com o momento 
preciso em que passa a ser provido de uma Constituição. Diante da impos-
sibilidade de precisar esse nascimento, exceto quando há Cartas escritas e 
promulgadas em Assembleias, esse pode ter como marco o reconhecimento 
dessa perante as demais potências, o que é matéria de Direito Internacional33.
A doutrina não é consensual quanto a objetivos e finalidades do Estado; 
não obstante, há concordância quanto à profunda correlação entre o cidadão e 
o Estado, visando à ordem e a integração e boa relação entre os indivíduos34.
Como ressaltado, no controle da sociedade, o Estado sofre inten-
sa pressão dos governados, por meio da opinião pública, reconhecidapor sociólogos, psicólogos e verdadeiros políticos, como assinala Azam-
buja. Por seu turno, formação da opinião pública é processo que sofre 
influência de posição social, valores, tradição, ideologia e instituições, 
30 “O poder é uma força a serviço de uma idéia. É uma força nascida da vontade social, 
destinada a conduzir o povo na obtenção do bem comum, e capaz, sendo necessário, 
de impor aos indivíduos a atitude que ela determinar”. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à 
Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, p. 47.
31 AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, 
pp. 18-29.
32 “O poder é uma força a serviço de uma idéia. É uma força nascida da vontade social, 
destinada a conduzir o povo na obtenção do bem comum, e capaz, sendo necessário, 
de impor aos indivíduos a atitude que ela determinar”. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à 
Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, p. 47.
33 AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, 
p. 103.
34 Para Azambuja: “A pessoa humana é a medida e o fim do Estado e da sociedade, 
o seu valor supremo transcende infinitamente ao de todas as coisas do universo, 
que só existe como quadro, necessário mas transitório, dentro do qual a alma hu-
mana evolui para o seu destino mortal (...) O Estado é um dos meios pelos quais o 
homem realiza o seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual, e isso justifica a 
existência do Estado”. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 7ª ed. Rio de 
Janeiro: Globo, 1989.
33
como aquelas que atuam em áreas, como educação, religião e crenças, 
meios de comunicação de massa, entre outros. 
O autor supracitado35 acrescenta que “No espírito do nosso homem, 
começa a esboçar-se um germe de opinião”. Em seu desenvolvimento, os 
indivíduos estão sujeitos à influência de motivos, esperanças e desejos, 
nem sempre compatíveis com sua realidade. A opinião pública relacio-
na-se dialeticamente com padrões, conceitos e preceitos dominantes na 
sociedade. Por vezes, pode ocorrer desvirtuação “e corrupção de opinião, 
pois pode sonegar ou desfigurar os fatos, sugerir falsos motivos, falsos 
desejos, falsas esperanças, e criar opiniões errôneas, injustas ou simples-
mente inúteis para o bem público” 36. 
Na análise de Habermas37, a sociedade contemporânea exige am-
pliar o campo de visão dos tribunais, sem que percam sua independên-
cia. A legitimidade do cidadão cresce por intermédio da opinião pública 
provocativa, que constitui instrumento de controle público do poder, por 
intermédio da expressão do sentimento popular acerca das práticas polí-
tico-jurídicas adotadas ou a adotar.
Partindo desse entendimento, Lenio Streck38 assegurou que a opi-
nião pública guarda “íntima relação com a questão da visibilidade do po-
der ínsita ao projeto democrático” (grifou-se), sendo que a publicidade 
aos debates pode subsidiar decisões político-jurídicas.
As discussões públicas sobre certos temas, principalmente aque-
les voltados a questões de justiça social, incluem-se entre as condições 
necessárias à democracia. Contudo, são inevitáveis o dissenso e os para-
doxos entre valores, interpretações e visão do mundo das pessoas. Por 
exemplo, indicadores sociais como fome e miséria são repudiados, mas 
a causa da destruição da autossuficiência econômica desses povos pelo 
livre comércio e por balanças comerciais nem sempre encontram corres-
35 E continua o cientista político: “Há, no entanto, quem negue à massa social, ao povo, 
capacidade de formular julgamentos racionais, lógicos, conscientes, sobre todos os assun-
tos que são ou devem ser objetos de opinião pública. Entendem que as coletividades não 
têm nem aptidão, nem conhecimentos, nem tempo para refletir sobre problemas políticos, 
e que assim a sua opinião, quando se manifesta, é simplesmente um impulso, um desejo, 
um produto da sugestão, do hábito, dos preconceitos, da educação, dos interesses de mo-
mento. (...) Já vimos que a opinião, quer coletiva quer individual, não é sempre o resultado 
de um raciocínio original, do estudo e da experiência. Aceitamos a experiência e o estudo 
alheios para formar nossa própria opinião, e não raro a criamos unicamente levados por 
instinto, pelo hábito, pelo interesse, pelos preconceitos”. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à 
Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, pp. 259-269.
36 AZAMBUJA. Introdução à Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989, pp. 
266-267.
37 HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Tradução e Introdução Flávio Siebeneichler. 
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 158.
38 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria do Estado. 
7ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010, p. 191.
34
pondência nos votos do eleitorado democrático39. 
A expressão da opinião pública poderia se materializar pelos cha-
mados “grupos de pressão”, definidos como qualquer agrupamento per-
manente ou transitório no intento de influenciar a opinião pública e obter 
determinadas iniciativas dos poderes do Estado, como leis, decretos e 
decisões que atendam a interesses específicos, mediante mecanismos tá-
ticos de persuasão ou de ameaça40. 
Para Lakatos41, sobressaem três características básicas na opinião 
pública: “o acesso à informação, a livre discussão e a tentativa de fazer 
com que a opinião se transforme em ação efetiva”. A conscientização 
transcorre em dois momentos: “um sentimento geral, ‘uma disposição 
latente em relação a determinado assunto’ recebendo o nome de opinião 
estática; e uma opinião dinâmica, que corresponde ao aparecimento, ‘pro-
gressivo ou repentino, de uma tomada de posição perante o problema”. 
Os movimentos sociais são oriundos de grupos motivados pela in-
tenção de exercer influência na esfera das decisões políticas de um Esta-
do e de comportamentos sociais. Os resultados podem ser significativos, 
notadamente quando tais movimentos alcançam escala global, como o 
feminismo do século XX, os quais propiciaram transformações no trata-
mento conferido às mulheres, reconhecendo direitos de igualdade em 
relação a históricos privilégios desfrutados pelos homens.
Como exposto, a intervenção estatal é indispensável para promo-
ver uma sociedade harmoniosa e pacífica; entretanto, esferas públicas e 
privadas coexistem, alicerçando as relações sociais. 
No entendimento de Nelson Saldanha e Norbert Elias42, público e 
privado podem ser enfocados sob duas vertentes: a) a dicotomia que 
retrata o comportamento, de acordo com a esfera de atuação do ator so-
cial e b) a que limita a abrangência da intervenção do Estado no espaço 
público e da privacidade dos cidadãos, quando do contrato social. 
39 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Mauro e Cláudia 
Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998, p. 83.
40 A primeira e mais usual decorreria de memoriais, ofícios mecanismos de mídia, co-
mícios etc.; da segunda o exemplo seria a “greve” e até mesmo bombas e sabotagens, 
todos visando a uma decisão favorável aos argumentos apontados pelo grupo de pres-
são. Azambuja, p. 317.
41 LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. 6ª. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1990, 113.
42 O “Contrato Social” busca superar o “estado de natureza”, as condições do homem 
fora da sociedade civil, para dar lugar à sociedade. O contrato social buscou criar um ce-
nário em que se vivesse em paz, evitando conflitos, que seria possível por meio a união 
de um corpo político comum, dotado de força superior a da vontade dos indivíduos, a 
fim de impedir as injustiças praticadas quando o indivíduo impõe medidas contra outro 
para satisfazer sua própria vontade. Um poder que nasce sobre o fundamento dos direi-
tos dos indivíduos e não para se opor a esses, realizando o conceito de liberdade, en-
tendido como a falta de obstáculo e da dependência de cada um da sua própria vontade. 
DUSO, Giuseppe (org.) O Poder: História da Filosofia Política Moderna. Tradução: Andrea 
Ciacchi,Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 113-115.
35
Saldanha ressalta que a conduta humana se divide em dimensões 
públicas e privadas, o que pressupõe uma série de “condicionamentos, e 
de planos cada vez mais complicados”, e as ciências sociais e humanas, 
aos poucos, desenvolveram estudos eruditos, iniciados no Renascimento 
e no Humanismo. Esses conhecimentos são oriundos da dessacralização, 
do relativismo e criticismo – historicamente positivos – afirmando-se então 
que as ciências humanas eram relativizantes, por remeterem a uma série 
de significações alusivas aos atos dos homens, nas quais se insere a figura 
das obrigações. Os direitos e deveres seriam consagrados por condições 
atravessadas por diversas interpretações, designadas pelo autor como sel-
va de conceitos e de ressalvas, que tendem a complicar a análise das rela-
ções de conduta e julgamento, formando a “ética da hermenêutica” 43. 
Como ressaltado, o Estado, ao estabelecer regulamentações, depa-
ra-se como o magno desafio de se articular com os contextos sociais para 
compreender a natureza dos indivíduos, e guardar coerência com expec-
tativas do senso comum e direitos dos indivíduos.
A interdisciplinaridade constitui um dos recursos mais fecundos 
para tornar proveitosa a atuação judicante. Nessa linha de pensamento, é 
indiscutível a contribuição de conhecimentos da área antropológica, que 
se debruça sobre a evolução do comportamento individual e coletivo, no 
espaço e no tempo. 
Como se sabe, nas sociedades contemporâneas, a identidade cul-
tural está sujeita a inúmeras e híbridas influências. Sem dúvida, o multi-
culturalismo acarreta novas provocações que instigam a emergência de 
um novo Direito, sempre alicerçado no respeito aos direitos humanos, em 
âmbito individual e coletivo. 
1.4 A Valorização do Ser - 
Direitos Humanos numa Sociedade Multicultural
Na contemporaneidade, os poderes estatais são responsáveis pela 
garantia do primado da igualdade, fruto inexorável dos movimentos de 
direitos humanos, surgidos após as Revoluções Francesa e Inglesa no 
século XVIII.
O marco simbólico de uma nova era advém de escritos revolu-
cionários como a Declaration of Independence (1776)44, Bill of Righ-
43 SALDANHA, Nelson. Ética e História. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, 
pp. 102-105.
44 Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/charters/declaration_transcript.
html. Acesso em outubro de 2010.
36
ts (1791)45 e da Declaration Des Droits De L´Homme Et Du Citoyen 
(1789)46. Trata-se de documentos formulados no intuito de legitimar 
a direitos naturais, inicialmente como manifestação da vontade divina 
e, mais tarde, como reconhecimento da liberdade e dos direitos do 
homem, sob a premissa de que a sociedade deveria ser protegida da 
tirania da intervenção do Estado absolutista.
Para Douzinas47, o escrito francês buscou depor a ordem social do 
ancien régime, para que os direitos naturais fossem transformados em 
humanos. A garantia central da Declaração francesa sublinhava o direi-
to de resistência à opressão. Em outras palavras, tratava-se de ato de 
insurgência contra os tiranos, resultante da superior vontade popular. 
Um ponto essencial é a distinção estabelecida entre o homem natu-
ral e o homem de direitos políticos, tirando-o da ignorância e do esque-
cimento, ao mesmo tempo em que elevou os direitos à categoria de base 
da nova República. Sob essa linha de pensamento, é pertinente conside-
rar a modernidade como a época dos direitos universais e inalienáveis do 
homem. Essa nova compreensão, substituiu a figura divina como a base 
do significado e da ação, cuidando, em paralelo, da proteção dos direitos 
do homem, essência jurídica da modernidade, contra o poder do Estado.
A constitucionalização desses direitos, para muito além de uma 
mera Carta Política, decorrere de elementos vinculados ao exercício do 
poder. Quando Ferdinand Lassalle48 indagou “O que é uma Constituição?”, 
ele próprio apontou rápidas respostas técnicas, definindo-a como uma 
“lei fundamental proclamada pela nação” nos governos republicanos ou 
ainda um “pacto juramentado entre o rei e o povo”. 
Nenhuma dessas respostas, entretanto, o satisfez, já que buscava 
revides precisos sobre o que seria a “essência constitucional”. Em seu 
entendimento, de nada servem as definições jurídicas que poderiam ser 
aplicadas a todos os papeis assinados e proclamados como tal. Segundo 
o pensador em tela, a Constituição seria dotada de “arte” e de “sabedo-
ria”, expressões dos fatores de poder vigentes naquele país e que impe-
rariam na realidade social.
A Constituição então deveria adaptar-se a cada sociedade e ao con-
texto social em regência. Na concepção de Lassalle, o “poder vigente” 
representa mais do que mera Carta Política, vez que institui a lei funda-
45 Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/charters/bill_of_rights_transcript.
html. Acesso em outubro de 2010.
46 Disponível em: http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp. Acesso 
em outubro de 2010.
47 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução Luzia Araújo. São Leopol-
do: Unisinos, 2009, p. 104-120.
48 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. [1863] Rio de Janeiro: Líber Juris, 
1985, pp. 05-07.
37
mental da nação e instrumento de soberania popular. A Constituição de-
corre, então, da fragmentação de diversas formas de poder decorrentes 
de determinado tempo e espaço.
Analisando a monarquia, o pensador mencionado destacou que 
não caberia exclusivamente ao rei a imposição das regras. A Constituição 
seria formada, em parte, pela vontade do rei, a quem deviam obediência 
o exército e canhões; pela aristocracia, pois a nobreza influente e bem 
vista pelo rei também formava a Constituição; pela grande e pequena 
burguesia, pelos banqueiros e pela classe operária, todos integrantes da 
Constituição, cada qual com suas motivações e valores; todos exercendo 
alguma forma de poder.
Do exposto, o pensador conclui que a essência da Constituição re-
sulta da “soma dos fatores reais do poder que regem uma nação” que 
consagram por escrito o que denomina de “verdadeiro direito” contra o 
qual não se poderia atentar, sob pena de punição.
Esse poder não representa apenas decisão política de quem ocupa 
posição de destaque, mas também o “poder social”, assim denominado 
por David Harvey49 quase um século depois, para quem o tempo e o es-
paço seriam fontes de poder social e o direito instrumento a serviço dos 
indivíduos.
Na sociedade capitalista, o potencial econômico50 reflete um valor, 
ao mesmo tempo em que é fonte de poder social enquanto um instrumen-
to de controle de espaço e de tempo. 
O espaço, tal como definido por Harvey51 extrapola o âmbito do 
49 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. Tradução Adail Ubirajara Sobral, Maria Stela 
Gonçalves. 18ª. Ed. São Paulo: Editora Loyola, 2009, pp. 207-218.
50 A expressão poder econômico aqui é empregada com o objetivo de informar que 
não se limita a moeda metálica, mas traduz as formas de transações monetárias. 
É a expressão e o manejo de riqueza, muito além do mero dinheiro e moeda. Nes-
se sentido, Norbert Elias descreveu que: “Mas, durante boa parte da Idade Média, 
não era a posse de dinheiro, mas a de terra, que constituía a forma essencial de 
propriedade. A compulsão aquisitiva teve assim, necessariamente, forma e direção 
diferentes. Exigia modos de conduta diversos dos vigentes numa sociedade mone-
tária e de economia de mercado. Pode ser verdade que só nos tempos modernos é 
que se desenvolveu uma classe especializada no comércio, com desejo de ganhar 
um volume cada vez maior de dinheiro, através de um trabalho incessante (…). O 
desejo ardente de aumentar riqueza sob a forma de terras equivalia à mesma coisa 
que ampliar a soberania territorial e aumentar o poder militar.” ELIAS, Norberto. 
O processo civilizador. Vol. II. Tradução Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 
Ed. 1993, p. 46.
51 Mas e o que é cultura? Bittar

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