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1 - TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL - - PARTE I -: A RESPONSABILIZAÇÃO PELO ILÍCITO PRATICADO 1. O ATO ILÍCITO NO QUADRO DOS FATOS JURÍDICOS O homem, por natureza, é um ser gregário, social. É de sua essência, pois, viver em sociedade. Não consegue viver sozinho. Necessita do convívio, do relacionamento com o outro. Ocorre, entretanto, que o relacionamento humano, o convívio entre os homens, não é pacífico. Ao contrário. É extremamente conflituoso. Daí a necessidade do Direito, estabelecendo e impondo regras de conduta, a regular e disciplinar a convivência social, dizendo qual dos interesses em choque, no caso de conflito, deve prevalecer. É assim, portanto, que o Direito, numa primeira análise, funciona e atua. Colhe os fatos da vida social e os regula, estabelecendo padrões de conduta, de modo que, acon- tecendo, na prática, o fato abstratamente previsto no modelo legal, a norma incide, pro- duzindo os seus próprios efeitos. Pois bem. Fixadas estas premissas básicas, é possível consignar que um ato pratica- do por um determinado sujeito, nas relações sociais que estabelece com outros, pode ter sido realizado com respeito às regras do ordenamento jurídico, quando, então, será, ele, o ato praticado, tido como lícito, ou seja permitido, autorizado, pelo ordenamento jurí- dico, como, por exemplo, acontece com um contrato celebrado por um sujeito com ou- tro. Mas pode ocorrer, entretanto, que um ato praticado por um dado sujeito tenha sido realizado com desrespeito à regras do ordenamento jurídico, quando, então, ele, o ato praticado, ao oposto, será tido como ilícito. Assim, os atos ilícitos são aqueles praticados com desobediência ao que prescreve o ordenamento jurídico. São, pois, aqueles atos contrários às regras do ordenamento jurí- dico, e que causam danos e prejuízos a outrem, como, por exemplo, o ato que se amolda ao art. 186 do CC, ou a lesão corporal no âmbito do Direito Penal (na realidade, todos os crimes são atos ilícitos). Portanto, o que importa, para a matéria objeto de nosso estudo este semestre, é a noção do que sejam os atos ilícitos, já que a temática da responsabilidade, seja civil, seja penal, seja, ainda, administrativa, tem por fundamento, quase sempre, a prática de um ato ilícito, ou seja, de um ato contrário ao direito, ressalvadas algumas poucas hipóteses 2 excepcionais de responsabilização civil com base na prática de um ato lícito mesmo. Cumpre dizer, portanto, que o cerne da disciplina objeto de nosso estudo este se- mestre é a análise das conseqüências jurídicas advindas da prática de um ato ilícito. É possível colocar, portanto, já a esta altura, que a temática da responsabilidade, seja no âmbito civil, seja na seara penal, seja na esfera administrativa, nada mais é, assim num primeiro momento, que a imposição das conseqüências que o ordenamento jurídico prevê para a prática dos atos ilícitos. É prudente observar, todavia, antes de encerrar o tópico, que embora o ato ilícito seja o centro da responsabilidade jurídica, em geral, e da responsabilidade civil, em par- ticular, há hipóteses excepcionais em que o fundamento da responsabilização civil será a prática de um ato lícito mesmo, o chamado ato ilícito por equiparação, que, embora seja em essência lícito, gera as mesmas consequências de um ato ilícito. É o que ocorre, por exemplo, no caso do parágrafo único do art. 927 do CC, quando ele se refere à atividade perigosa, que mesmo normalmente desenvolvida implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. É o caso da empresa que presta serviços de rapel em Brotas, exercendo uma atividade que, embora não proibida pelo ordena- mento jurídico, é em si mesma arriscada. Neste caso, se algum dano advém para qual- quer dos usuários do serviço prestado, a empresa que proporciona o rapel será obriga- da a indenizá-lo, mesmo que demonstre ter tomado todos os cuidados necessários ao desenvolvimento da atividade perigosa. É o caso, também, daquele que, agindo em estado de necessidade, para livrar-se de um mal iminente, acaba causando dano a um terceiro inocente, que não criou a situação de perigo. Assim, por exemplo, aquele que, desviando de um veículo em alta velocida- de, que ultrapassou o semáforo fechado, acaba por atingir um veículo estacionado. Nes- ta situação, aquele que agiu em estado de necessidade, de acordo com o art. 929 do CC, deve ressarcir os danos sofridos pelo terceiro inocente, dono do veículo estacionado, muito embora o ato danoso praticado em estado de necessidade não seja, segundo o art. 188, inciso II, do CC, um ato ilícito. É necessário registrar, entretanto, vez mais, que estas são hipóteses absolutamente excepcionais, já que, como regra, a responsabilização civil deve mesmo estar fundamen- tada na prática de um ato ilícito. Relevante assinalar, por fim, que a responsabilização decorrente da prática de atos lícitos é apenas permitida no âmbito da responsabilidade civil, já que na esfera penal a responsabilização do agente deve estar fundada, sempre, na prática de um ato ilícito. Portanto, somente na seara da responsabilidade civil é que se autoriza, mesmo assim 3 em caráter excepcional, a responsabilização em virtude da prática de atos lícitos. Não no campo penal, em que a responsabilidade deve fundar-se, sempre, reitere-se, em atos ilícitos. Pois bem. Compreendido o que seja o ato contrário ao direito, cumpre, doravante, passar ao segundo tópico da primeira parte de nossa matéria. 2. O PRINCÍPIO GERAL DO "NEMINEM LAEDERE" O tema da responsabilização pelo ilícito praticado, causador de um dano a outrem, está assentado, sem qualquer dúvida, em um dos princípios que desde o Direito Roma- no é tido como uma das disposições fundamentais e gerais de todo o Direito. Trata-se do princípio do neminem laedere, ou seja, da disposição fundamental que impõe a todos o dever de não causar danos (isto é, de não causar qualquer lesão) à esfe- ra de direitos de outrem, ficando obrigado a reparar o prejuízo causado, em conseqüên- cia, aquele que tenha imposto alguma avaria ao patrimônio alheio. Três, em verdade, são os princípios fundamentais e gerais do Direito, segundo o Direito Romano, mas que têm plena valia hoje em dia também: 1. honestum vivere, ou seja, viver honestamente; 2. alterum neminem laedere, isto é, não causar danos, não lesar a outrem; e 3. suum cuique tribuere, que impõem dar a cada um o que seu de direito. Daí a percepção da importância da matéria relacionada à responsabilidade, de ma- neira geral, e à responsabilidade civil, de maneira específica, assentada que está em um dos princípios fundamentais do direito, que prevalece desde o Direito Romano. E tem fundamento constitucional o princípio do neminem laedere? Tem sim. Em di- versas passagens a CF a ele se refere. Ainda que não de maneira expressa. Basicamente, em dois importantes dispositivos constitucionais verificamos, de uma forma ou de ou- tra, a presença marcante do princípio do neminem laedere em nossa CF: 1. em primeiro lugar, no caput do art. 5º da CF, quando este dispositivo garan- te o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, que, portanto, não podem ser violados por outrem, sob pena de responsabi- lização, seja civil, seja penal, seja administrativa (em dois incisos do art. 5º da CF nós também percebemos, de modo nítido, a presença do princípio do neminem laedere: a) inciso V, ao estabelecer que "é assegurado o direito de res- posta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem"; e b) inciso X, ao dispor que "são invioláveis a intimidade, a vida pri- vada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano 4 material ou moral decorrente de sua violação"); e, 2. depois, no inciso III do art. 1º da CF,quando garante o respeito à dignidade da pessoa humana, que apenas é possível de ser protegida com a preserva- ção dos direitos fundamentais estabelecidos no art. 5º, o que não seria pos- sível se os danos causados a estes direitos não fossem passíveis de respon- sabilização civil, penal e administrativa. É preciso registrar, por fim, que é extremamente importante, atualmente, encontrar um fundamento constitucional para a matéria objeto de nosso estudo, qualquer que seja ela, pois violar a CF é algo extremamente gravoso, já que a CF é o diploma mais rele- vante de nosso país, em que estão garantidos os direitos fundamentais de qualquer pes- soa humana. É por este motivo que a CF encontra-se no ápice da pirâmide normativa sobre a qual se estrutura o ordenamento jurídico nacional. Daí a gravidade da violação da CF. E se violar a CF é algo tão grave, violar a dignidade da pessoa humana, então, é algo mais gravoso ainda, já que a sua preservação, sem dúvida alguma, é o objetivo mais relevante da CF. Analisado, assim, o princípio geral que fundamenta a responsabilização pelo ilícito praticado, impende passar ao exame do próximo tópico. 3. O ILÍCITO CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVO O ato contrário ao direito pode gerar responsabilização civil, penal e administrativa. Por isso abordaremos, este semestre, embora com um enfoque todo especial para a pri- meira, estas três esferas de responsabilização jurídica. De fato, de um mesmo ato contrário ao direito pode decorrer a responsabilização civil, penal e administrativa de seu agente. Não que sempre estarão presentes, entretan- to, qualquer que seja o ato ilícito praticado, estas três esferas de responsabilização: civil, penal e administrativa. A responsabilização em cada uma de tais esferas depende do que dispuser, a respeito, as regras específicas do ordenamento jurídico que tratam do tema. Mas é bem possível que de um mesmo ato contrário ao direito que foi perpetrado decorram responsabilizações no campo civil, penal e administrativo. Veja, por exemplo, o caso da publicidade enganosa, absolutamente vedada pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor - Lei n. 8.078/90), que pode gerar, para aquele que a fez veicular, responsabilização na seara civil, gerando indenização para aqueles que sofreram algum prejuízo em razão da publicidade que foi divulgada, na esfera pe- nal, em razão do crime previsto no art. 67 do CDC, e no campo administrativo, em ra- zão do disposto no art. 60 do CDC, que impõe, àquele que praticou o ato ilícito consis- 5 tente em divulgação de publicidade enganosa, o dever de contrapropaganda. Veja, também, o exemplo da lesão ao meio ambiente, como o derramamento de óleo num rio, que pode gerar responsabilização civil, obrigando o agente que praticou o ato ilícito a recompor o meio ambiente lesado, penal, em razão dos crimes previstos na Lei n. 9.605/98, e administrativa, como a multa, em decorrência do disposto nos arts. 70 e seguintes também da Lei n. 9.605/98. E veja, por fim, a hipótese de um acidente de trânsito, em que o condutor de um dos veículos envolvidos tenha ultrapassado o semáforo fechado, causando danos ao veículo do outro, além de lesões à integridade física deste. Teremos, também, neste caso, res- ponsabilização nas três esferas: em primeiro lugar, no âmbito civil, com o ressarcimento dos danos experimentados pelo condutor do veículo abalroado (como o conserto do veículo, o tratamento médico e hospitalar de que ele necessitou em razão do acidente, os dias por ele não trabalhados e etc.); depois, na seara penal, com o crime previsto no art. 303 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro - Lei n. 9.503/97); e, por fim, no campo administrativo, com a multa de trânsito, em razão de ter, o condutor culpado, avançado o semáforo fechado. De um mesmo ato ilícito, portanto, como se vê, pode decorrer a responsabilização civil, penal e administrativa daquele que pratica um ato contrário ao direito. 4. A RESPONSABILIZAÇÃO PELO ILÍCITO PRATICADO A responsabilidade, portanto, seja no âmbito civil, seja na esfera penal, seja no cam- po administrativo, objeto de nossos estudos este semestre, nada mais é do que a imposi- ção das conseqüências que o ordenamento jurídico prevê para a prática dos atos ilícitos (atos ilícitos mesmo ou atos ilícitos por equiparação). O ato ilícito, provocador de dano, é um ato indesejado. É algo que o ordenamento jurídico, pois, visa repelir, afastar. Daí a imposição das conseqüências gravosas que de- correm do ilícito praticado. A responsabilização que advém da prática de uma conduta ilícita, assim, nada mais é que a imposição, ao agente causador do dano, que perpetrou a atitude ilícita, dos efei- tos e das conseqüências que o ordenamento jurídico estabelece como decorrência do ato contrário ao direito que foi praticado. E tais conseqüências, estabelecidas pelo ordenamento jurídico como resultado que advém do ilícito perpetrado, serão: 6 - no âmbito civil, em que se protege o interesse da vítima, uma indenização, a ressarcir o prejuízo experimentado por esta em razão do ilícito praticado (assim, se a vítima sofre um prejuízo de R$ 100.000,00, o causador do dano deve destinar à vítima uma indenização exatamente correspondente aos R$ 100.000,00 que ela teve de prejuízo); - na esfera penal, em que se protege o interesse social contra a delinqüência de maior gravidade, uma sanção criminal, que pode ser de privação da li- berdade, de restrição de direitos (como, por exemplo, prestação de serviços à comunidade) ou, ainda, uma medida de segurança (para os inimputáveis, ou seja, doentes mentais e menores de 18 anos); - no campo administrativo, em que se protege o interesse público, uma san- ção administrativa, que geralmente se traduz em uma multa, uma restrição de direitos, ou uma simples advertência. Estabelecidas, pois, as premissas gerais necessárias ao enfrentamento do tema obje- to de nossos estudos, analisemos, doravante, as principais noções que envolvem a res- ponsabilização que se verifica especificamente nas searas civil, penal e administrativa, com um enfoque todo especial, repise-se, para a primeira delas. - PARTE II -: NOÇÕES GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL 1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil é a imposição da conseqüência que, no âmbito do direito civil, ou, de modo mais amplo, na seara do direito privado, advém da prática de um ato ilícito, ou, excepcionalmente, de um ato lícito mesmo (ato ilícito por equiparação), con- sistente, tal conseqüência, na obrigação de reparar o dano causado, recompondo o pa- trimônio lesado da vítima, colocando-o no estado anterior (status quo ante), desde que seja possível, ou, então, caso não o seja, ofertando à vítima uma compensação pecuniá- ria pelo dano causado. 2. A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DEVER DE REPARAR O DANO 2.1. A CONSEQÜÊNCIA ADVINDA DA RESPONSABILIDADE CIVIL A conseqüência que advém da responsabilidade civil, como decorre do conceito fixado no item precedente, é o dever de indenizar, ou seja, de reparar o dano causado à vítima, de ressarci-la dos prejuízos que tenha experimentado em razão do ato con- trário ao direito que foi praticado. 7 Assim, se o prejuízo experimentado pela vítima foi de R$ 70.000,00, deve, o autor do ato ilícito, para repará-lo integralmente, destinar, à vítima, quantia equivalente a R$ 70.000,00, objetivando, com isso, recompor o desfalque que causou ao patrimônio alheio. 2.2. LIMITAÇÃO AO DANO CAUSADO O dever de indenizar, portanto, como conseqüência advinda da responsabilidade civil, deve ficar limitado ao prejuízo causado à esfera de direitos da vítima, não po- dendo ultrapassá-lo, salvo, em caráter de exceção, em relação ao dano moral, em que não é possível apurar a real extensão do dano causado, já que ele não temum conte- údo econômico imediato, razão por que deve levar em consideração, o juiz, ao quan- tificar a indenização que decorre de um ilícito causador de dano moral, entre outros critérios, o potencial econômico do ofensor, de modo que a indenização a ele imposta não seja irrisória. Exceto, portanto, esta hipótese de indenização do dano moral, o dever de indeni- zar deve ficar mesmo adstrito ao prejuízo experimentado pela vítima em razão do ilí- cito cometido. 2.3. REPARAÇÃO E NÃO SANÇÃO É preciso atentar, quando se fala do dever de reparar os danos causados à vitima, para o informe de que a finalidade da indenização, cujo pagamento é imposto ao agente que pratica o ato contrário ao direito, é, exclusivamente, a de reparar o prejuí- zo causado pelo ato ilícito praticado, e não punir o agente que comete o ato contrário ao direito. O foco da responsabilidade civil, pois, ao contrário do que ocorre no âmbito pe- nal, é o ressarcimento dos prejuízos experimentados pela vítima, e não a punição da- quele que pratica o ato ilícito. A responsabilidade civil, portanto, não tem por escopo sancionar aquele que pratica o ato contrário ao direito. Ao oposto. A responsabilida- de civil tem por fim, apenas, reparar os danos sofridos pela vítima do evento danoso. Daí a razão por que a indenização, como visto no tópico anterior, deve ficar limitada ao dano causado. Todavia, diferentemente do que acontece na seara civil, a meta, no âmbito penal, é, sim, punir, ou seja, aplicar uma sanção, àquele que comete uma infração penal, impedindo, de um lado, que o criminoso volte a delinqüir, e, de outro, que novas in- frações penais venham a ser cometidas, já que, se o forem, seus agentes serão apena- dos, assim como foi aquele que praticou o ilícito penal. 8 Obs: Cuidado, aqui, com a posição, sobre o tema, dos Profs. Pablo Stolze Gaglia- no e Rodolfo Pamplona Filho, que defendem existir, sim, na responsabilidade civil, uma finalidade punitiva. É preciso atentar, entretanto, para o fato de que esta posi- ção, embora defendida pelos autores citados, parece ser minoritária no âmbito dou- trinário. 2.4. A RESPONSABILIDADE CIVIL COMO FONTE DE OBRIGAÇÃO A responsabilidade civil, pois, como visto, gerando o dever de indenizar, é fonte de obrigação, ou seja, é causa que dá origem a um vínculo jurídico que une a vítima e o agente do ato ilícito, por meio do qual o causador do dano fica obrigado - podendo a vítima, em contrapartida, exigir o seu devido cumprimento - a recompor o patri- mônio lesado daquele que sofre os prejuízos que advêm do ilícito, ressarcindo os da- nos que foram causados em razão da prática do ato contrário ao direito. Acarreta, assim, a responsabilidade civil, ao autor do ilícito praticado, a obriga- ção de indenizar, ou seja, de colocar a vítima no estado em que esta se encontrava an- tes do ato danoso que foi levado a efeito. Tal obrigação de indenizar, que é imposta ao agente do ato contrário ao direito, será, no mais das vezes, a de destinar à vítima uma quantia em dinheiro, correspon- dente aos prejuízos causados ao patrimônio desta. 2.5. DEVER ORIGINÁRIO E DEVER SUCESSIVO A temática da responsabilidade civil envolve, sempre, a consideração de dois de- veres distintos. O primeiro deles, que é violado, é o chamado dever jurídico originário. É o dever que deveria ter sido observado pelo causador do dano, mas não o foi, consistente em não causar dano a outrem (neminem laedere). Já o segundo, que é imposto àquele que pratica o ato transgressor do dever origi- nário, é chamado de dever jurídico sucessivo, derivado ou decorrente. É o dever, surgido após a violação do dever jurídico originário, imposto ao causador do dano, de ressarcir os prejuízos que foram, em razão do ilícito praticado, causados à esfera de direitos da vítima. A responsabilidade civil, portanto, como diz o Prof. Carlos Roberto Gonçalves, é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. 9 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil, passou, ao longo do tempo, basicamente, por quatro fases distintas. São elas: 1ª Fase. Nesta primeira fase, remota, em que a responsabilidade civil ainda era in- cipiente, vigia, quanto à responsabilização pelo ilícito praticado, a Lei de Tali- ão (olho por olho, dente por dente). A ordem, pois, era a vingança. Assim, to- do aquele que sofria um dano, não buscava a reparação do prejuízo sofrido. Ao contrário. Buscava a vingança, causando, num autêntico revide, um dano similar ao patrimônio do ofensor. Não se cogitava, ainda, nesta fase, da culpa do agente causador do dano. 2ª Fase. Mas houve uma evolução para uma segunda fase. Percebeu o ofendido que não era nada vantajoso apenas buscar a vingança, sem, contudo, ter o seu patrimônio recomposto. Passou a buscar, então, a vítima do evento danoso, o ressarcimento do dano sofrido. E não a vingança. Também não se cogitava, ainda, nesta fase, da culpa do agente causador do dano. 3ª Fase. Nesta terceira fase evoluímos para a adoção da idéia de culpa no âmbito da responsabilidade civil. E isto, sobretudo, em razão do advento, na época do Direito Romano, da Lex Aquilia, que passou a impor, para a caracterização do dever de indenizar, a demonstração da culpa com que tivera agido aquele que praticou o ato ilícito e causou dano a outrem. A partir da Lex Aquilia, portanto, a responsabilidade civil, e o dever de indenizar, em conseqüência, passaram, ambos, a depender, para a sua configuração, da comprovação da culpa daque- le que tivera cometido o ato contrário ao direito. A culpa, assim, passa a ser, depois do surgimento da Lex Aquilia, um pressuposto indeclinável da respon- sabilidade civil. Portanto, a culpa, que não tinha, nas fases anteriores, qualquer relevância no âmbito da responsabilidade civil, passa a ser imprescindível, pois apenas quando demonstrada a culpa do agente ofensor é que surgiria o dever de indenizar e, portanto, a responsabilização pelo ilícito praticado. A responsabilidade civil, pois, passa a ser subjetiva, já que extremamente de- pendente da idéia da culpa. 10 4ª Fase. Vemos, todavia, atualmente, cada vez mais, um verdadeiro retorno à res- ponsabilidade civil objetiva, num autêntico abandono à noção de culpa como algo absolutamente vinculado à responsabilização decorrente do ato ilícito. Muito embora a culpa ainda seja, como regra, em nosso sistema, um dos prin- cipais fundamentos da responsabilidade civil, vem crescendo a teoria da res- ponsabilização civil objetiva, independente, pois, da demonstração da culpa do agente causador do dano. Estamos evoluindo, assim, cada vez mais, embo- ra esta seja apenas uma tendência, já que a responsabilização civil ainda conti- nua, como regra, baseada na idéia de culpa, para a responsabilidade civil de natureza objetiva. Embora em minoria, como referido, vários são os casos de responsabilização objetiva adotados pelo CC, como, por exemplo, aquele pre- visto no parágrafo único do art. 927, que trata da responsabilidade civil objeti- va daquele que exerce uma atividade perigosa, criadora de risco para as outras pessoas. Entretanto, é preciso, vez mais, remarcar que esta fase de evolução da responsabilidade civil é caracterizada por uma mera tendência de retorno à responsabilização civil objetiva, que prescinde da comprovação da culpa, já que o CC ainda mantém, como regra, a responsabilidade civil baseada na no- ção culpa. 4. CLASSIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL 4.1. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA A primeira classificação que importa, no âmbito da responsabilidade civil, é aquela que a divide em responsabilidade civil subjetiva, de um lado, e responsabili- dade civil objetiva, de outro. Assim, a responsabilidadecivil subjetiva é aquela que depende, para a sua carac- terização, da demonstração da culpa do agente causador do dano. É preciso demons- trar, portanto, quando se cogita da responsabilidade civil subjetiva, a culpa do agente que pratica o ato ilícito, consistente, tal culpa, na intenção de provocar um dano ao patrimônio de outrem (dolo), na atuação levada a efeito com excesso (imprudência - excesso de velocidade), na atuação sem tomar as devidas cautelas (negligência - ini- ciar uma viagem de carro sem verificar os itens básicos de segurança do automóvel), ou na atuação sem possuir a habilitação técnica exigida para a prática de certo ato (imperícia - dirigir veículo sem ter a necessária habilitação indispensável para tanto). É necessário, pois, para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, que a vítima, para que receba a indenização pretendida, demonstre ao juiz, além do ato 11 praticado, do dano causado e do nexo de causalidade existente entre eles, a culpa (in- tenção - dolo -, atuação excessiva - imprudência -, atuação descuidada - negligência -, ou falta de habilitação necessária para a prática de um determinado ato ou de uma certa atividade - imperícia) com que agiu aquele que praticou o ato ilícito. Já a responsabilidade civil objetiva, de outro turno, é aquela que prescinde da demonstração da culpa do causador do dano. Não é preciso demonstrar, pois, quan- do se trata da responsabilidade civil objetiva, ao contrário do que ocorre com a res- ponsabilização de caráter subjetivo, a culpa do agente que pratica o ato contrário ao direito. Assim, não é necessário, para a plena configuração da responsabilidade civil de natureza objetiva, que demonstre a vítima, ao juiz, a culpa do causador do dano, de modo que lhe é exigido, apenas, quando a hipótese for de responsabilização civil ob- jetiva, para que possa perceber a indenização pleiteada, a demonstração do ato ilícito praticado, do dano causado e do nexo de causalidade existente entre eles. Por fim, é preciso anotar, ainda em relação à responsabilidade objetiva, que pres- cinde da demonstração de culpa, que ela é possível, tão só, no âmbito da responsabi- lização que se dá na esfera civil, e nunca na seara da responsabilidade penal, que continua a ser, sem qualquer exceção, absolutamente vinculada à demonstração da culpa do autor do ato criminoso. 4.2. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL A segunda classificação relevante, que se tem na seara da responsabilização civil, é aquela que a divide em responsabilidade civil extracontratual, de um lado, e res- ponsabilidade civil contratual, do outro. A responsabilidade civil extracontratual, que também é chamada, por muitos, de responsabilidade civil aquiliana, é aquela que decorre da ofensa imediata de um de- ver previsto nas regras do ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, o acidente de trânsito, em que um dos condutores dos veículos abalroados, ofendendo o dever de respeitar o limite de velocidade imposto para o local, bate no automóvel alheio, cau- sando-lhe danos. O dever violado, na responsabilidade civil extracontratual, portanto, como se vê, é um dever previsto no ordenamento jurídico, e não em um contrato previamente es- tipulado entre as partes. A responsabilidade civil contratual, de seu turno, é aquela que advém da quebra 12 de um dever aposto num contrato determinado, ou seja, é aquela que provém da in- fração de um dever estipulado num contrato, numa cláusula contratual. É o que su- cede, por exemplo, com a empresa de formatura, que no dia do evento festivo deixa de comparecer e prestar os serviços pactuados no contrato, violando dever contratual que lhe incumbia respeitar, qual seja, o de realizar a festa de formatura na data e lo- cal avençados. Pois bem. Analisadas as principais classificações acerca da responsabilidade civil, cumpre, daqui para diante, examinar os pressupostos cuja presença é indispensável à configuração da responsabilidade civil e do dever de indenizar. 5. PRESSUPOSTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Os pressupostos cuja constatação é necessária à plena caracterização da responsabi- lização civil são extraídos, pela doutrina, da regra constante do art. 186 do CC, que dis- põe: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". São quatro, de acordo com o entendimento doutrinário majoritário, os pressupostos da responsabilidade civil, segundo o disposto no art. 186 do CC: (i) ação e omissão; (ii) culpa em sentido amplo; (iii) dano; e (iv) nexo de causalidade. Analisemos, então, cada um destes pressupostos. 1. AÇÃO OU OMISSÃO A) AÇÃO OU OMISSÃO O primeiro pressuposto da responsabilidade civil, necessário à caracterização do dever de indenizar, é a ação ou omissão do agente causador do dano. Nada mais natural. Sem uma conduta qualquer, comissiva ou omissiva, daquele que causa um dano a outrem, não se há cogitar de qualquer responsabilização civil. Quanto à ação, não existe qualquer dificuldade maior. É o que ocorre como regra. É o que sucede de ordinário. É o que acontece, de fato, por exemplo, quando o sujeito, com seu veículo automotor, ultrapassa o semáforo fechado, abalroando um automóvel alheio. 13 Dificuldade maior existe em relação à omissão. Ora, se o sujeito se omite, ou seja, permanece inerte, como seria possível afirmar que foi ele, com a sua inação, o causador de algum dano, de algum evento danoso. Daí a importância, no âmbito da omissão como pressuposto da responsabili- dade civil, do dever de agir daquele que se omite. É preciso, realmente, que aquele que se omite, para que possa ser responsabi- lizado pelo dano ocorrido, tenha o dever de agir no caso concreto. Apenas em tal hipótese, diante da presença do dever de agir imposto àquele que se omite, é pos- sível atestar a relevância da omissão, como fonte causadora de um dano indenizá- vel. E em três situações, de acordo com o ordenamento jurídico, o dever de agir, relevante no campo da omissão, no âmbito do direito civil, existe. A primeira é aquela em que a própria lei impõe àquele que se omite o dever de impedir a ocorrência ou agravamento do evento danoso, como, por exemplo, no caso do bombeiro, do policial ou do médico, de modo que se estes se omitem, quando, diante de uma situação de risco iminente de dano, deveriam agir, devem responder pelos prejuízos eventualmente ocorridos. Já, a segunda, é aquela em que o dever jurídico de agir é imposto àquele que colocou em situação de risco atual ou iminente o bem jurídico alheio. Se criou o contexto de perigo, deve debelá-lo, sob pena de, omitindo-se, ao impedir o resul- tado gravoso, ser civilmente responsabilizado por ele. É o que ocorre, por exem- plo, com aquele que causou, na origem, o acidente de trânsito, ao qual resta atribu- ído, em conseqüência, o dever jurídico de prestar socorro imediato à vítima, sob pena de, ao se omitir, responder pelos eventuais danos que, em razão de sua omis- são, tenham sido impostos àquele que, condutor do veículo colidido, por exemplo, tenha sofrido algum abalo maior em sua integridade física, em decorrência da pos- tura omissiva adotada pelo causador do dano. A terceira, por fim, é aquela em que o dever de atuação advém de um contrato previamente ajustado, que atribui, na espécie, àquele que se omite, o dever de agir. A imposição da atuação, portanto, no caso, é uma conseqüência de uma disposição contratual, que comina ao contratante, na espécie, o dever de ação, cuja omissão acarreta a sua responsabilização civil. Assim, por exemplo, a babá, que, contratada para tomar conta do bebê (veja que no caso o dever de agir, ou seja, de cuidado, decorre da relação contratual de emprego)omite-se no cuidado à criança, que vem a falecer. Terá de arcar com o dano moral sofrido pelos pais. 14 Apenas quando há o dever jurídico de agir, pois, como nas três situações aci- ma apontadas, é que terá relevância a omissão no âmbito da responsabilização ci- vil. Fora de tais hipóteses não. A omissão será irrelevante. B) RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO PRÓPRIO, ATO DE TERCEIRO E FA- TO DA COISA OU DO ANIMAL A responsabilidade civil pode ser por ato próprio, ato de terceiro ou, então, fa- to da coisa ou do animal. A responsabilização civil por ato próprio é aquela que ocorre comumente. Que acontece como regra. Um sujeito é responsabilizado por um ato por ele mesmo praticado. Entretanto, não só por atos próprios o sujeito pode ser responsabilizado. Pode ser responsabilizado, também, por ato de terceiro. É o que dispõem os arts. 932, 933 e 934 do CC, nos seguintes termos: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepos- tos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte (responsabilidade civil objetiva, portanto), responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o 15 que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. Assim, os pais respondem pelos atos de seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos atos de seus pupi- los e curatelados, que também estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; o empregador ou comitente, pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo pa- ra fins de educação, pelos atos de seus hóspedes, moradores e educandos; por fim, também respondem civilmente aqueles que gratuitamente houverem participado nos produtos de um crime, até a concorrente quantia, ainda que não tenham sido os autores do ato criminoso. A responsabilidade, em todos os casos dos incisos do art. 932, será objetiva, ou seja, independente da demonstração de culpa daquele que é responsabilizado pelo ato danoso perpetrado por terceiro. Ademais, de acordo com o disposto no art. 934 do CC, ainda no que diz res- peito à responsabilização civil por ato de terceiro, aquele que ressarcir o dano cau- sado por outrem, nas hipótese do art. 932, pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou (assim, por exemplo, o empregador que foi responsabilizado ci- vilmente pelo ato ilícito praticado por seu empregado, pode reaver deste o que houver pago), salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou rela- tivamente incapaz. É preciso lembrar, por fim, em relação à responsabilidade civil por ato de ter- ceiro, mais uma hipótese em que ela se verifica. Trata-se da responsabilidade civil do Estado em razão dos atos praticados por seus agentes, prevista no § 6º do art. 37 da CF. O Estado responderá não por atos seus, mas pelos atos de seus funcioná- rios, assim como ocorre em relação ao empregador, que responde pelos atos prati- cados por seus empregados, levados a cabo em razão do emprego que ocupam, de acordo com o inciso III do art. 932 do CC. É necessário, contudo, como também é exigido para a responsabilização civil do empregador em relação aos atos de seus empregados, que os atos danosos praticados pelos agentes do Estado, para que a responsabilização civil deste reste configurada, sejam praticados em razão do exercício da função pública que desempenham. Caso contrário, a responsabiliza- ção civil do Estado pelos atos dos seus funcionários não se verifica. No âmbito penal, no entanto, em hipótese alguma admite-se a responsabiliza- ção por ato de terceiro. Apenas por ato próprio. Veda, de fato, a CF, no inciso XLV 16 do seu art. 5º, alçando a matéria a direito fundamental da pessoa humana, a res- ponsabilização penal por ato de outrem, ao dispor que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, ou seja, do autor do ilícito penal. Entretanto, é possível, ainda, que a responsabilidade civil advenha do fato de uma coisa ou de um animal. Em três dispositivos o CC cuida da questão. São eles: Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior; Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resul- tarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fos- se manifesta; Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano pro- veniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. É com fundamento na responsabilidade civil que decorre do fato da coisa que, como assinala o Prof. Carlos Roberto Gonçalves, tem sido responsabilizado o pro- prietário do veículo que o empresta a outrem que não seja seu parente ou seu em- pregado. Neste caso, como não podem ser invocados quaisquer dos incisos do art. 932 do CC, aplica-se a responsabilização pelo fato da coisa, principalmente naque- las hipóteses em que o automóvel é emprestado para pessoa que não possui a de- vida habilitação para dirigir veículo automotor. Tem sido também aplicada, a responsabilização pelo fato do animal, impondo- se ao dono o dever de reparar os danos eventualmente causados, nos episódios em que cães bravios atacam uma pessoa, causando-lhe ferimentos sérios e graves. Não só em razão de ato próprio, pois, a responsabilização civil se verifica. Po- de ter por fundamento, também, a responsabilidade civil, como visto, embora de maneira excepcional, um ato de terceiro ou, até mesmo, um fato da coisa ou um fa- to do animal. C) IMPUTABILIDADE A responsabilidade civil pressupõe, ainda, dentro da esfera de análise da ação e da omissão, a presença da imputabilidade do autor do ato ilícito praticado. 17 É necessário, assim, para que a ação, bem como a omissão, possam ter relevân- cia nos domínios da responsabilização civil, que aquele que pratica o ato contrário ao direito seja dotado de imputabilidade, ou seja, de discernimento, de capacidade de entendimento do que faz e das posturas que adota. Apenas quando há a imputabilidade, portanto, é que poderá ser responsabili- zado civilmente o causador de um evento danoso. E apenas quando há a imputabilidade é que poderá ser criminalmente respon- sabilizado, também, o autor de uma determinada conduta criminosa. A responsabilidade, pois, seja civil, seja penal, pressupõe a imputabilidade, is- to é, a capacidade de entendimento, de discernimento daquele que adota uma atu- ação ilícita. Não são imputáveis, assim, civilmente, como também não o são criminalmen- te, os menores, ou seja, os que não completaram, ainda, dezoito anos de idade, e os loucos. Não respondem, portanto, pelos atos danosos que praticam, em razão da falta de discernimento e de capacidade de entendimento, os menores e os loucos. Quer dizer, então, que suas vítimas não serão ressarcidas? Não. Responderão, nesse caso, pelos atos prejudiciais praticados pelos meno-res e pelos loucos, de acordo com o disposto nos incisos I e II do art. 932 do CC, os pais, responsáveis, tutores ou curadores. E não adianta ao pai efetivar a emancipa- ção do filho menor, pois a jurisprudência vem entendendo, com o escopo de evitar fraudes, que a emancipação de filho menor gera todos os efeitos próprios da maio- ridade, exceto aquele de livrar o pai da responsabilidade em razão dos atos lesivos praticados pelos filhos incapazes. Mas pode acontecer, todavia, que os pais, responsáveis, tutores ou curadores, não tenham condição de indenizar a vítima do ato danoso, e o menor, ao contrário, tenha. É por isso que estabelece, o CC, em seu art. 928, que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis (art. 932, I e II, do CC) não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. O montante indenizatório, porém, que deverá ser eqüitativo, não terá lugar se privar do neces- sário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. 18 Exceto em situações excepcionais, pois, como aquelas acima anunciadas, retra- tadas no art. 928 do CC, a responsabilidade civil, ou seja, o dever de indenizar, não recai sobre os inimputáveis, já que a responsabilidade civil, em regra, depende da imputabilidade. 2. CULPA EM SENTIDO AMPLO Três observações importantes têm pertinência quando se cogita da culpa como pressuposto da responsabilidade civil. É preciso observar, em primeiro lugar, que a culpa em sentido amplo, como pres- suposto da responsabilidade civil, é abrangente da intenção de provocar um dano ao patrimônio de outrem (dolo), da atuação levada a efeito com excesso (imprudência - excesso de velocidade), da atuação sem tomar as devidas cautelas (negligência - ini- ciar uma viagem de carro sem verificar os itens básicos de segurança do automóvel), e da atuação sem possuir a habilitação técnica exigida para a prática de certo ato (im- perícia - dirigir veículo sem ter a necessária habilitação indispensável para tanto). Embora o CC, em seu art. 186, não se refira, de modo expresso, à imperícia, são unânimes, a doutrina e a jurisprudência, ao inserir, no âmbito das modalidades de culpa em sentido estrito, capazes de levar à responsabilização civil, a atuação daque- le que, mesmo sem possuir a habilitação técnica necessária para tanto, desempenha uma dada função, de que advém dano a outrem. É relevante anotar, também, em segundo lugar, para fazer um contraponto entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, que até mesmo a culpa leve, ain- da que levíssima, é suficiente, no âmbito cível, para originar a imposição do dever do indenizar àquele que comete o ato ilícito civil, ao contrário do que acontece no campo penal, em que a culpa leve, ou levíssima, não é apta a ensejar a punição criminal do autor do ato ilícito penal. É que não se tem admitido, diante das gravosas conseqüên- cias geradas a partir da responsabilização penal, a atingir, em muitas ocasiões, a pró- pria liberdade individual, a culpa leve ou levíssima como sendo bastantes a autorizar a imposição da sanção criminal ao agente que leva a efeito uma determinada conduta criminosa. Por fim, é necessário registrar que a culpa, embora, como regra, deva ser tomada como pressuposto da responsabilidade civil em geral, não o é para a responsabilida- de civil objetiva, que independe, justamente, para sua caracterização, da demonstra- ção da culpa do agente causador do dano. Ora, nada mais razoável. Se a responsabilização objetiva é aquela que independe
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