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IDEALISMO ALEMÃO

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/
DEFINIÇÃO
Idealismo alemão. A escola alemã filosófica do século XIX. A crítica ao concreto e o niilismo de
Nietzsche e Schopenhauer. A resposta da intelectualidade alemã aos desafios lançados pela
modernidade cartesiana/iluminista. Os desdobramentos do idealismo alemão no pensamento
do século XX.
PROPÓSITO
Abordar o idealismo alemão a partir de uma perspectiva menos rígida do ponto de vista
cronológico e menos dependente das biografias dos “grandes autores”, buscando compreender
como o pensamento idealista alemão respondeu aos desafios lançados pela modernidade
cartesiana/iluminista.
OBJETIVOS
/
MÓDULO 1
Categorizar o idealismo alemão a partir de seu diálogo com a tradição iluminista.
MÓDULO 2
Expressar as teses do idealismo alemão no niilismo de Schopenhauer e Nietzsche.
MÓDULO 3
Reconhecer os desdobramentos do idealismo alemão no século XX
INTRODUÇÃO
Geralmente, as famílias intelectuais são construções feitas a posteriori pelos estudiosos
interessados em entender determinada forma de pensamento, que atribuem a escritores do
passado identidades intelectuais manifestadas na forma de “ismos”. Essas identidades
intelectuais não estavam disponíveis na época em que os autores estudados viveram. Tal
procedimento é muito comum nos estudos em história da filosofia. Assim, Marx e Engels se
tornam autores do marxismo, Francis Bacon é vinculado ao racionalismo, e Platão e
Aristóteles são fundadores do classicismo. Mais interessante seria tentar entender como
esses autores responderam aos dilemas de seus respectivos tempos, reconstruindo, na
medida do possível, as questões que provocaram seus esforços de pensamento. Todo
pensamento é um ato social em diálogo com outros atos sociais, e, como tal, deve ser tratado
para que não caiamos na tentação de cultuar autores, endossando a máxima: “Fulano estava à
frente do seu tempo”. Todos estamos dentro do nosso tempo, que sempre é plural,
heterogêneo e permite diversas manifestações do pensamento. É a partir dessa perspectiva
que estudaremos o “idealismo alemão”, fazendo o esforço de tratá-lo mais como um conjunto
de respostas aos dilemas da modernidade ocidental do que como uma corrente filosófica
rígida, claramente delimitada.
/
Fonte: Edvard Munch / Wikipédia
 O grito de Edvard Munch
Nossa discussão está dividida em quatro partes: em primeiro lugar, nós nos esforçamos em
traçar um panorama do idealismo alemão, reconstruindo seus conceitos fundamentais e
entendendo suas respostas aos dilemas colocados pela modernidade cartesiana/iluminista.
Depois, verificamos como Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-
1900) mobilizaram as ideias-chave do idealismo alemão em função de uma apreciação
filosófica niilista.
Fonte: Wikipédia
 Arthur Schopenhauer (1788-1860)
/
Fonte: Sofia Bertolini / Pinterest
 Franz Kafka (1882-1924)
Em seguida, debruçamo-nos sobre o trabalho de Franz Kafka (1882-1924), tentando entender
a presença dos conceitos idealistas na sua obra literária. Por último, abordamos a atualização
do pensamento idealista na contemporaneidade, dando especial atenção aos escritos de
Freud (1856-1939) e ao ambiente intelectual que alguns chamam de “pós-modernidade”.
MÓDULO 1
 Categorizar o idealismo alemão a partir de seu diálogo com a tradição iluminista.
/
A MODERNIDADE ILUMINISTA E O
IDEALISMO ALEMÃO: NOTAS
PRELIMINARES
O filósofo norte-americano Josiah Royce é autor de um estudo considerado incontornável
sobre o idealismo alemão. Para Royce, ele se constitui como corrente de pensamento entre a
publicação do livro, em 1781, Crítica à razão pura, texto mais conhecido da obra de Kant, e a
morte de Hegel, em 1831.
NESSE PERÍODO DE 50 ANOS, SEGUNDO ROYCE:
[...] “PRODUZIU-SE UM PENSAMENTO
REVOLUCIONÁRIO QUE IMPACTOU TODO O FUTURO
DA FILOSOFIA, PAVIMENTANDO O CAMINHO PARA
MARX E KIERKEGAARD, ASSIM COMO PARA O
EXISTENCIALISMO, PARA A TEORIA CRÍTICA E PARA
O PÓS-ESTRUTURALISMO” .
(ROYCE, 1967, p. 32)
Royce argumenta que quatro autores podem ser definidos como os representantes do
idealismo alemão: Kant, Johann Fichte (1762-1814), Hegel e Friedrich Schelling (1755-1854).
Para compreender melhor as teses do idealismo alemão, é importante entender a utopia
iluminista, que prometeu que a razão seria o motor do progresso humano.
/
Fonte: alphahistory.com
 Um experimento científico realizado durante o Iluminismo.
AS PROMESSAS ILUMINISTAS
No livro A modernização dos sentidos, o historiador alemão Hans Ulrich Gumbrecht se debruça
sobre a experiência histórico-cultural da modernidade.
SEGUNDO O AUTOR, O TERMO MODERNO DERIVA DO
LATIM HODIERNUS, QUE É USADO DESDE A
ANTIGUIDADE PARA DESIGNAR UM TEMPO
PRESENTE QUE SE ENTENDE COMO DIFERENTE DO
PASSADO. A GRANDE NOVIDADE EXISTENCIAL
TRAZIDA PELA HISTÓRIA EUROPEIA FOI A
RADICALIZAÇÃO DESSE SENTIMENTO DE RUPTURA
COM O PASSADO.
A partir do século XVI, cada vez mais, o presente não se reconhecia como continuidade do
passado. O acúmulo das experiências humanas no tempo não servia mais como fonte de
exemplo para a ação contemporânea. No século XIX, o político e escritor francês Alexis de
Tocqueville testemunhou com precisão esse sentimento moderno de ruptura. Embora a
revolução que se opera no estado social, nas leis, nas ideias e nos sentimentos dos homens
/
esteja bem longe de terminar, já não se poderia comparar suas obras com nada do que foi visto
anteriormente no mundo.
Fonte: Wikipédia
 Alexis de Tocqueville
“REMONTO DE SÉCULO EM SÉCULO ATÉ A
ANTIGUIDADE MAIS REMOTA: NÃO PERCEBO NADA
QUE SE PAREÇA COM O QUE ESTÁ DIANTE DOS
MEUS OLHOS. COMO O PASSADO NÃO ILUMINA MAIS
O FUTURO, O ESPÍRITO CAMINHA EM MEIO ÀS
TREVAS”.
(TOCQUEVILLE; 2005. p. 399)
/
Fonte: Wikipédia
 Marquês de Condorcet
Podemos perceber um tom melancólico nas palavras de Tocqueville, que se manifestou em sua
crítica às democracias de massa criadas na modernidade. A melancolia tocquevilliana, no
entanto, é exceção na conjuntura mais ampla do pensamento moderno, que, geralmente, era
bastante otimista em relação às transformações modernas. Aquilo que hoje chamamos de
Iluminismo reuniu todo esse otimismo moderno entre os séculos XVIII e XIX, depositando as
esperanças de realização do progresso da humanidade na razão e na ciência (CASSIRER,
1997). Mais do que ninguém, Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, o marquês de
Condorcet, manifestou essa perspectiva otimista da História, que pode ser encontrada, em
alguma medida, nos textos da maioria dos “escritores iluministas”, como Voltaire, D’Alembert,
Diderot.
MARQUÊS DE CONDORCET (1743-1794)
Um dos iluministas a destacar mais fortemente o papel da educação e sua organização,
Condorcet defende que, para o Estado funcionar plenamente, necessita que a educação
e o conhecimento histórico sejam disseminados.
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/
VOLTAIRE (1694-1778)
Autor iluminista, polemista, um dos mais ferrenhos defensores dos princípios do
Iluminismo, como a valorização da razão, a negação das bases religiosas e o
contratualismo.
D’ALEMBERT (1717-1783)
Enciclopedista, defensor do conhecimento como forma de libertação do sujeito e crítico
ferrenho dos valores tradicionais, como o Rei e a Igreja.
DIDEROT (1713-1784)
Enciclopedista, parceiro de D´Alembert no movimento, seguia uma perspectiva mais
filosófica.
Vivemos uma era única na história humana, uma era de progresso, de avanço, de império da
razão. As nossas esperanças quanto à condição futura da espécie humana podem se reduzir a
estes três pontos importantes: a destruição da desigualdade entre as nações; os progressos da
igualdade num mesmo povo; e, finalmente, o aperfeiçoamento real do homem. (CONDORCET,
1995. p. 12)
Aquele era um momento de intenso desenvolvimento científico. A Revolução Industrial trouxe
novidades técnicas que potencializaram a capacidade de produção a níveis nunca vistos.
Novas tecnologias de transporte e comunicação encurtaram a distância. A colonizaçãoda
América dava aos europeus a certeza de que estavam universalizando as luzes da razão. A
/
revolução médica aumentou a expectativa e a qualidade de vida, pelo menos para as elites,
aqueles setores da sociedade onde a intelectualidade é recrutada. Entretanto, esse ambiente
cultural otimista encontrou também seus críticos, que desconfiavam do potencial emancipatório
da razão. Entre esses, destaca-se o filósofo britânico David Hume (1711-1786). Em grande
medida, o idealismo alemão foi inspirado no ceticismo de Hume (DUDLEY, 2007).
Fonte: Wikipédia
 David Hume (1711-1786)
Fonte: Everett Collection / Shutterstock
 Revolução industrial
O CETICISMO DE HUME
/
Os escritos de Hume são interpretados por diversos estudiosos desde o século XIX, com a
maioria destacando a importância do ceticismo na compreensão filosófica desenvolvida pelo
autor. Robert Fogelin define dessa forma o ceticismo de Hume:
[...] UM CÉTICO FILOSÓFICO LIDA COM ARGUMENTOS
E, EM PARTICULAR, OS ARGUMENTOS QUE PÕEM EM
QUESTÃO OS SUPOSTOS FUNDAMENTOS PARA
ALGUM SISTEMA DE CRENÇAS. O SISTEMA DE
CRENÇAS PODE SER MAIS OU MENOS AMPLO, E A
FORMA DO DESAFIO CÉTICO PODE VARIAR DE
ACORDO COM O ASSUNTO.
(FOGELIN, 2007, p. 21)
O ceticismo de Hume tem como objeto o sistema de crenças iluminista, baseado, como já
sabemos, no culto à razão. Nesse sentido, o grande projeto filosófico de Hume consiste em
denunciar a ausência de fundamentos racionais na crença iluminista, defendendo que essa
crença não deve ser seguida. A crítica de Hume não se limita ao plano da filosofia pura, mas
tem pretensões políticas de enfraquecer o pensamento iluminista junto ao senso comum.
[...] TANTO NA VIDA COMUM COMO NA PRÁTICA
CIENTÍFICA, É PRECISO LIMITAR NOSSAS
INVESTIGAÇÕES A NOSSAS FACULDADES LIMITADAS
E, NESSAS INVESTIGAÇÕES MODESTAS, SEMPRE SE
/
DEVEM AJUDAR NOSSAS CRENÇAS E
PROBABILIDADES COM BASES NA EXPERIÊNCIA.
(HUME, 2013, p. 21)
Desde o século XVI, vinha se processando na Europa uma mudança epistemológica estrutural
que alguns autores costumam chamar de “revolução cartesiana”.
CONHEÇA ALGUNS ASPECTOS DESSA
REVOLUÇÃO:
COGNIÇÃO HUMANA
Essa mudança implodiu o preceito epistemológico medieval segundo o qual o conhecimento
humano era sempre incompleto e lacunar, cabendo apenas a Deus o conhecimento total e
perfeito. A modernidade cartesiana/iluminista acabou com a limitação preliminar que a
episteme medieval impunha à cognição humana.
INSUFICIÊNCIA METODOLÓGICA
A partir de agora, qualquer eventual incapacidade de conhecimento se justifica pela
insuficiência metodológica, e não pelo mistério divino. Hume confronta exatamente essa
ambição cognitiva iluminista. Seu ceticismo, portanto, assume a forma de uma advertência que
destaca os limites cognitivos humanos.
CETICISMO HUMANO
Ao negar a certeza iluminista, Hume não está negando completamente toda possibilidade de
conhecimento. Ele chama a atenção para o fato de que todo conhecimento possui uma
dimensão de probabilidade, pois a própria inteligência humana é incapaz de alcançar o
conhecimento perfeitamente verdadeiro. Kant se apropriou do ceticismo humano para formular
as bases da corrente de pensamento que seria conhecida como idealismo alemão.
/
Fonte: Wikipédia
A CRÍTICA À RAZÃO PURA DE KANT: O
EVENTO FILOSÓFICO FUNDADOR DO
IDEALISMO ALEMÃO
Uma das principais características do pensamento filosófico é a abstração, o que, muitas
vezes, dificulta nossa compreensão. Uma solução para tornar o texto filosófico mais
compreensível é reconstruir a concretude das experiências que lhe deram vida em seu
contexto social original. No que se refere ao pensamento de Kant, foi fundamental a leitura dos
textos de Hume. Foi no ato de leitura e apropriação do ceticismo de Hume que Kant construiu
as formulações que, mais tarde, inspirariam outros autores que passariam a ser reconhecidos
como representantes do idealismo alemão. No tratado Os prolegômenos a toda metafísica
futura, publicado em 1883, Kant vê o conceito humano de “causa” como um “bastardo da
imaginação”, como filho ilegítimo da cognição moderna, que, na contramão das inclinações
metafísicas, tão caras ao Iluminismo, apelou para a experiência como instância mediadora do
conhecimento. Ao fazê-lo, Hume, segundo Kant, apresentou colaboração imprescindível para o
mesmo pensamento moderno, apresentando uma espécie de regulação capaz de mitigar os
exageros da imaginação metafísica, demonstrando que a razão não pode pensar a priori a
partir de conceitos de relação causa e efeito (MONTEIRO, 1993).
/
Fonte: Nicku / Shutterstock
 Immanuel Kant
NAS PALAVRAS DO PRÓPRIO KANT:
HUME DEMONSTROU DE FORMA IRREFUTÁVEL, E
OUSADA, QUE A RAZÃO NÃO OPERA DE MANEIRA
COMPLETAMENTE INDEPENDENTE DAS
CIRCUNSTÂNCIAS, INTERROMPENDO, ASSIM, O
DOGMATISMO INERTE E DANDO UMA DIREÇÃO
COMPLETAMENTE DIFERENTE ÀS MINHAS
PESQUISAS NO CAMPO DA FILOSOFIA
ESPECULATIVA.
/
(KANT, 2012, p. 56)
Ao questionar o procedimento dedutivo do Iluminismo francês, Hume abriu caminhos para a
legitimação de um procedimento indutivo que, ressonado por Kant, iria tornar-se fundamental
para o pensamento moderno. Dedução significa elaborar uma teoria do plano da imaginação,
ou da “metafísica pura”, como diria Kant, e aplicá-la ao “mundo fenomênico”, ao plano das
coisas concretas. Na avaliação de Hume, endossada por Kant, o Iluminismo francês é
exclusivamente dedutivo e, por isso, frágil. Já o procedimento indutivo opera pela via contrária.
O plano fenomênico é tratado como a base apriorística incontornável para a elaboração
metafísica. Em termos mais simples e diretos: somente é possível teorizar depois de um
cuidadoso exame da realidade concreta. Não se trata de negar a elaboração metafísica, mas
condicioná-la à experiência, não a considerando um fim em si, como exercício de pura
especulação. Esse é o fio central da filosofia de Kant, sendo o fundamento argumentativo das
suas principais obras, A crítica à razão pura e a Metafísica dos costumes, publicadas,
respectivamente, em 1781 e 1785. Nos dois textos, fica bem clara a impossibilidade, para Kant,
de um conhecimento a priori¸ produzido pela pura razão, uma metafísica completamente
independente dos costumes.
COSTUMES
Não possuímos o mínimo conceito a priori de como algo possa ser mudado, de como seja
possível que um estado, num dado momento do tempo, possa suceder outro estado num
outro momento do tempo. Para tanto, é necessário o conhecimento de forças reais, que
só podem ser dadas empiricamente, por exemplo; das forças motrizes, ou, o que é
indiferente, de certos fenômenos sucessivos (enquanto movimentos) que tais forças
indicam. (...) Não há dúvida de que todo nosso conhecimento se inicia com a experiência
(....), nenhum conhecimento precede a experiência e todo conhecimento começa por ela.
(KANT, 2011, p. 65)
REFLITA!
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SE NÃO HÁ DÚVIDAS DE QUE O EMPIRISMO DE
HUME É MATRIZ FILOSÓFICA IMPORTANTE
PARA KANT E PARA O IDEALISMO ALEMÃO,
ESTARÍAMOS EQUIVOCADOS SE
ACREDITÁSSEMOS QUE A APROPRIAÇÃO
KANTIANA DE HUME FOI APENAS ELOGIOSA?
Diante dessa reflexão, pode-se dizer que as críticas de Kant a Hume são tão importantes
para o posterior desenvolvimento do idealismo alemão quanto os elogios (DUDLEY,
2007). O núcleo da discordância está no conceito humeniano de “causa”. Levando o
empirismo às últimas consequências, Hume, na percepção de Kant, possui uma relação
um tanto ingênua e de fetiche com a experiência, como se ela pudesse se dar em estado
puro, involuntariamente de qualquer elaboração conceitual prévia.
[...] PERDER-SE-IA COMPLETAMENTE O TAL
CONCEITO DE CAUSA, SE QUISESSE DERIVÁ-LO,
COMO HUME O FEZ, DE UMA FREQUENTE
ASSOCIAÇÃO DAQUILO QUE ACONTECE COM
AQUILO QUE O ANTECEDE E DO HÁBITO DAÍ
DECORRENTE DE CONECTAR REPRESENTAÇÕES. AO
INVÉS DISSO, O MAIS CORRETO SERIA FORMULAR
UM CONCEITO A PRIORI CAPAZ DE ILUMINAR AS
EXPERIÊNCIAS, NÃO NECESSARIAMENTE
ENQUADRANDO-AS EM UMA RIGIDEZ CONCEITUAL
METAFISICA, MAS, CIENTE DA ARTIFICIALIDADE/
COGNITIVA DA ELABORAÇÃO INTELECTUAL, TRATA
O CONCEITO COM VIA ESSENCIAL, E IRREMEDIÁVEL,
DE ACESSO À EXPERIÊNCIA.
(KANT, 2011, p. 43)
Kant se apropria do empirismo humeano, pois vê um caminho crítico ideal para
confrontar a “metafísica pura” do Iluminismo francês, que “trata a realidade como se
fosse mera equação matemática, matéria a ser enquadrada, e violada, pela razão” (KANT,
2011, p. 42). É exatamente esse esforço de Kant em encontrar um meio-termo entre a
“razão pura” do Iluminismo francês e a ortodoxia empirista humeana, entre a pura
abstração e a total rejeição da teorização, que se tornou o fio condutor da tradição de
pensamento que hoje chamamos de “idealismo alemão”, podendo ser encontrado
também nos textos de outros de seus principais representantes: Fichte, Hegel e
Schelling. É sobre esses autores que nos debruçamos a seguir.
Fonte: Irina Borsuchenko / Shutterstock
/
Fonte: Wikipédia
 Local de nascimento de Fichte em Rammenau
FICHTE, LEITOR DE KANT
Fonte: deviantart.com
 Johann Fichte
Trinta anos mais jovem que Kant, Johann Fichte tinha à sua disposição a obra daquele
que é considerado o pai do idealismo alemão. É importante analisar com atenção a
leitura que Fichte fez de Kant, para que consigamos entender os desdobramentos do
idealismo alemão para além da crítica kantiana.
/
O problema da subjetividade cognoscente é central no pensamento filosófico moderno,
que está fundamentado no esforço de compreender as condições humanas, da
subjetividade humana, de conhecimento da realidade. A filosofia moderna, portanto, não
trata a subjetividade como mero ponto de partida para o conhecimento, mas está
preocupada com seus dispositivos próprios, com suas estruturas internas.
COMO SE CONSTRÓI O SUJEITO DO
CONHECIMENTO? COMO O SUJEITO DO
CONHECIMENTO TENTA CONHECER A
REALIDADE?
Os filósofos modernos apresentaram diversas possibilidades de solução para o
problema, e é aqui que podemos identificar o diálogo de Fichte com a obra de Kant
(ROCKMORE, 2013).
Como já sabemos, Kant se apropriou parcialmente do ceticismo de Hume ao afirmar que
a experiência é o ponto de partida para a produção de todo conhecimento. Não existiria,
então, segundo Kant, um estado racional puro, imune a qualquer influência ordinária, no
qual o sujeito cognoscente pudesse se inserir para pensar a realidade idealmente. O que
existe, para Kant, são homens no mundo, representando a si mesmos nos seus esforços
de representação da realidade.
/
Fonte: Rembrandt Harmenszoon / Wikipédia
O conceito de estado de ação é fundamental na teoria fichteana, que é, ao mesmo
tempo, tributária e crítica à discussão kantiana. É tributária porque Fichte também nega
o idealismo puro do Iluminismo francês, que supõe a existência de ideias
desencarnadas, sem sujeitos.
CONHEÇA A DIFERENÇA ENTRE O SUJEITO NA
TEORIA DESSES FILÓSOFOS:
KANT
O sujeito kantiano é resultado do acúmulo de experiências.
FICHTE
Já o sujeito fichteano é o resultado da ação epistemológica original, do momento em
que o sujeito, conscientemente, transforma-se em sujeito de conhecimento.
/
PENSEMOS EM UM FILÓSOFO IMAGINÁRIO DE
30 ANOS, FILHO DE UMA FAMÍLIA RICA E
EDUCADO NAS MELHORES ESCOLAS E
UNIVERSIDADES.
Fonte: A Leitora de Jean-Honoré Fragonard / Wikipédia
Para Kant, todas as experiências desse filósofo são determinantes para o tipo de
filosofia que ele produz: sua infância, os professores que teve, suas frustrações afetivas
que se mantêm ativas no plano da inconsciência. Ao produzir sua filosofia, o filósofo
representa a si mesmo, entendido como o conjunto de suas experiências. O
conhecimento produzido, portanto, é duplamente representacional: representa a
realidade analisada e o sujeito, entendido como subjetividade formada por um amplo
repertório de experiências. São essas experiências que formam a ideia através da qual o
sujeito se debruça sobre a realidade.
/
Fonte: Caminhante sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich / Wikipédia
Já para Fichte, o conhecimento que o filósofo hipotético produz somente é afetado pelas
experiências vividas durante a racionalização epistêmica. Ou seja, não importam as
escolas onde o filósofo estudou, seu ambiente familiar, suas viagens, suas emoções de
infância e sua juventude. Importa apenas o momento em que ele, descobrindo-se como
filósofo, debruça-se sobre determinada realidade. É esse momento que Fichte chama de
“estado de ação”, quando o sujeito toma conhecimento de sua tomada de posição como
sujeito do conhecimento.
Como podemos perceber, Kant e Fichte rejeitam a metafísica pura, que supõe a
possibilidade de ideias autônomas, desencarnadas. Ambos chamam atenção para o fato
de que as ideias só existem a partir da ação subjetiva.
Fonte: Wikipédia
 Foto de 1910 do seminário Stift, onde Schelling estudou com Hegel
/
A FILOSOFIA DA NATUREZA E DA
RELIGIÃO DE SCHELLING
Vamos entender o que é chamado de natureza. Se Fichte e Kant estavam especialmente
preocupados com a subjetividade cognoscente, Schelling está preocupado com o objeto
dessa subjetividade, aquilo que ele chama de natureza. O projeto da filosofia de
Schelling era corrigir a dicotomia entre natureza e espírito, o que teria sido o principal
erro da modernidade filosófica inaugurada por Descartes. O pensamento cartesiano
partia da premissa de que o conhecimento era construído a partir de um corte vertical
que separava sujeito e objeto, espírito e natureza.
A partir daí, o sujeito faria uma intervenção metodológica sobre o objeto, sendo
conhecimento produzido derivado do método. O objeto, a natureza, não faz outra coisa a
não ser se deixar explorar, sendo que Descartes não reconhecia a possibilidade de a
natureza não se deixar explorar. Na episteme cartesiana, a natureza, o objeto, é sempre
passivo. É isso que Schelling critica. Nessa crítica, está a originalidade de sua obra.
(COELHO, 2018)
Fonte: Wikipédia
 F. W. J. Schelling
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/
NATUREZA
Descartes e sua filosofia a partir do Cogito ergo sum – Penso, logo existo – são
base para essa separação, a ação no mundo e a ação pessoal, a capacidade do
sujeito de construir seu pensamento.
ESPÍRITO
Definição recorrente de Aristóteles que divide o conhecimento entre Física
(natureza) e Metafísica (pensamento). Espírito no alemão se aproxima de Kultur,
nem é a ideia de algo espectral nem tão pouco cultura, como falamos
ocidentalmente.
Para Schelling, o significado de natureza não consiste, necessariamente, em florestas,
mares, fauna e flora. Natureza é toda a realidade que se torna algo da intervenção
filosófica. Esse foi o argumento que Schelling desenvolveu nos livros Ideias para a
filosofia da natureza e Da alma e do mundo, publicados, em 1797 e 1798.
A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O SER HUMANO
COLOCA A SI MESMO EM OPOSIÇÃO COM O MUNDO
EXTERIOR, É DADO O PRIMEIRO PASSO PARA A
FILOSOFIA. COM ESTA SEPARAÇÃO, COMEÇA PELA
PRIMEIRA VEZ A RACIONALIZAÇÃO; A PARTIR DAÍ, O
SER HUMANO SEPARA AQUILO QUE A NATUREZA
UNIU PARA SEMPRE, ELE SEPARA O OBJETO DA
/
INTUIÇÃO, OS CONCEITOS DA IMAGEM, E, POR FIM,
ELE MESMO DE SI MESMO. ESSE FOI O PRIMEIRO
ATO DE DECADÊNCIA MORAL DA HUMANIDADE,
IMPULSIONADA PELA TENTATIVA PRETENCIOSA DE
DOMESTICAR A NATUREZA, COMO SE HOUVESSE
NELA RAZÃO PRÓPRIA E INDOMESTICÁVEL. A
NATUREZA NÃO É UM MERO PRODUTO DE UMA
CRIAÇÃO INCONCEBÍVEL, ELA É, AO CONTRÁRIO,
ESTA PRÓPRIA CRIAÇÃO. NÃO É UMA APARIÇÃO OU
REVELAÇÃO DO ETERNO. ELA É, AO MESMO TEMPO,
ESSE PRÓPRIO ETERNO. (SCHELLING, 2010, P. 48)
Jaeger, 1995.
Para Schelling, o pensamento cartesiano é o responsável pela “primeira decadência
moral” da humanidade, pois acreditou ser possível separar radicalmente espírito (sujeito
cognoscente) e natureza (objeto), tornando a natureza objeto a ser livremente
manipulado pelo espírito. A natureza seria a não razão, a total ausência de sentido,
enquanto o espírito seria o monopolizador da razão. Schelling questiona o argumento
cartesiano em dois aspectos: primeiro, no quese refere à real possibilidade de separar o
espírito e natureza, sujeito e objeto. Depois, em relação à premissa de que a natureza,
objeto, é passiva e não interfere no conhecimento produzido sobre ela mesma. Segundo
Schelling, a natureza e o espírito, sujeito e objeto, são inseparáveis. Ao tentar entender a
realidade, o sujeito já está sob a ação da própria realidade. A realidade, para ele, é a
potência organizadora da vida, autoridade reguladora de toda possibilidade de
conhecimento. Por isso, a pretensão cartesiana de um sujeito cognoscente descolado
da natureza seria não apenas pretensiosa, mas tola.
VALE RESSALTAR QUE HÁ CERTA DIMENSÃO
TEOLÓGICA NA FILOSOFIA DA NATUREZA DE
SCHELLING, POIS “NATUREZA”, NO LIMITE, É
/
DEUS. PORÉM, SCHELLING TEM CONCEPÇÃO
DE DIVINDADE BASTANTE DIFERENTE DO
MONOTEÍSMO CARACTERÍSTICO, POR
EXEMPLO, DO CRISTIANISMO (COELHO, 2018).
TRATA-SE DE UMA DIVINDADE PANTEÍSTA,
SEGUNDO A QUAL DEUS ESTÁ PRESENTE EM
TODAS AS COISAS.
A forma “inata” da manifestação de Deus no mundo é a natureza, que é independente da
consciência humana. A inteligência humana fica plenamente livre quando toma
consciência da presença de Deus em todas as coisas. É exatamente a comunhão com a
presença divina que permite ao homem, segundo Schelling, conhecer as coisas do
mundo. As religiões seriam as formas através das quais os homens tentam tomar
consciência da presença de Deus em todas as coisas. É assim que a filosofia da
natureza toca na filosofia da religião (COELHO, 2018).
Podemos perceber, nos escritos de Schelling, a preocupação em demonstrar que o
processo de construção de conhecimento não é ideal, ou seja, não se dá através da
manifestação de uma metafísica pura e desencarnada. Kant e Fichte apresentaram esse
argumento priorizando a análise do sujeito (espírito). Schelling tomou outro caminho,
destacando a racionalidade intrínseca ao objeto (natureza). Vejamos, a seguir, como
Hegel se inseriu nessa discussão.
Fonte: Wikipédia
 Batalha de Jena - O filósofo alemão Hegel, que viveu nesta época, afirmou, a respeito
da batalha de Jena, que a humanidade havia chegado "ao último estágio da história, de
nosso mundo, de nossa época".
/
HEGEL, A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO
E A FILOSOFIA DO DIREITO
Há relativo consenso nos manuais de história da filosofia a afirmação de que Hegel é o
grande representante do idealismo alemão, o autor que melhor teria sistematizado as
diretrizes gerais dessa forma de pensamento. Entre tantos outros, por que Hegel é visto
como o principal idealista alemão? A resposta pode estar no hercúleo esforço de Hegel
em ler e se apropriar daquilo que os outros idealistas escreveram. Entre os idealistas
alemães, nenhum foi tão disciplinado na leitura e na interlocução com seus pares como
Hegel (KERVERGAN, 2007).
A interlocução de Hegel com os outros idealistas fica muito clara, por exemplo, no seu
conceito de “realidade como espírito”, desenvolvido a partir da leitura dos textos de
Fichte e Schelling. Na esteira dos outros, Hegel também criticou a dicotomia cartesiana
espírito versus natureza/sujeito versus objeto, atribuindo racionalidade própria à
natureza e capacidade de agência sobre o conhecimento produzido sobre ela.
Fonte: Wikipédia
 Friedrich Hegel
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/
HEGEL
Essa é a tese central de sua principal obra, a Fenomenologia do espírito, publicada
em 1807.
A natureza pensada, conquanto ficando a mesma em si, encontra-se em dois
estados diferentes e opostos: no estado de natureza concreta no real individual,
por exemplo, a natureza animal neste cão; - e no estado de natureza abstrata na
ideia universal, por exemplo, no conceito de animalidade. Assim, a natureza de ser,
ficando o que é (notando que aqui o conteúdo da ideia é uma natureza abstrata
imperfeitamente que se realiza de um modo análogo somente nos seus inferiores, e
não univocamente, como a natureza animal), pode identificar-se efetivamente com
os modos de ser os mais diversos e os mais exclusivos, e isso ao mesmo tempo e
sem contradição, porque de si ela é indiferente: indiferente, por exemplo, ao infinito
e ao finito, à vida e à morte; para ser, não é necessário ter a vida nem excluí-la, mas
pode exigir-se (se se é árvore, por exemplo) ou excluí-la (se se é pedra). O estado
ideal ou abstrato desta natureza de ser, isto é, o que lhe convém como pensada por
nós, permite-lhe esta indiferença, que não pode ter se a tomamos no seu estado
real, no ser atualmente existente. Tudo na natureza é inteligível para o ser que,
idêntico no seu fundo com o Espírito ou a Ideia infinita, manifesta-se no universo
concreto graças ao movimento dialético: tese, antítese, síntese.
(HEGEL, 2010, p. 71)
Tal como Schelling, Hegel define a natureza em perspectiva panteísta. A natureza está
em todos os lugares, até mesmo no espírito, entranhada na subjetividade cognoscente.
Entender a realidade como espírito, de acordo com a filosofia de Hegel, é entendê-la não
apenas como substância, mas também como sujeito. Isso significa pensar a realidade
como processo, como movimento, não somente como coisa (substância). Como já
sabemos, essa é a contribuição de Schelling. Hegel dá um passo adiante ao elaborar
metodologicamente como deveria se dar essa relação do espírito com a natureza.
TESE
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/
A tese, em que o sujeito cognoscente experimenta a natureza e faz uma afirmação (não
apenas observa, como reza a cartilha cartesiana).
ANTÍTESE
A própria realidade reage, pois, no processo epistemológico hegeliano (diferente do
processo cartesiano), ela não é passiva naquilo que Hegel chama de antítese.
SÍNTESE
No terceiro momento, o espírito, o sujeito cognoscente, responde à reação, adaptando
sua tese ao contraditório natural, criando, assim, a sítese.
Dessa forma, processo cognitivo, portanto, na perspectiva hegeliana, é marcado pela
relação tensa e complementar entre sujeito e objeto, entre espírito e natureza,
concluindo a crítica ao cogito cartesiano e à metafísica pura do Iluminismo francês, que
caracterizam o idealismo alemão (KERVERGAN, 2007).
A partir da próxima seção, começaremos a estudar os desdobramentos das teses do
idealismo alemão nas gerações posteriores aos primeiros idealistas. É na recepção
dessas teses que essa tradição foi sendo criada, a ponto de, hoje, ser lição obrigatória
em todo o estudo sobre a história da filosofia moderna. Veremos como Arthur
Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) se apropriaram do núcleo
duro do pensamento idealista alemão para desenvolverem uma abordagem filosófica
que, posteriormente, seria conhecida como “niilista”.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A MODERNIDADE ILUMINISTA É MARCADA POR UM SENTIMENTO
HEGEMÔNICO QUE PODE SER ENCONTRADO NOS ESCRITOS DE
AUTORES COMO MARQUÊS DE CONDORCET, VOLTAIRE E DIDEROT.
ASSINALE, ENTRE AS ALTERNATIVAS ABAIXO, AQUELA QUE MELHOR
DEFINE ESSE SENTIMENTO HEGEMÔNICO.
A) O sentimento hegemônico no Iluminismo foi a melancolia, pois os pensadores
iluministas estavam convencidos de que a Idade Média havia sido o apogeu do
/
progresso humano.
B) O sentimento hegemônico no Iluminismo foi a nostalgia, pois os pensadores
iluministas estavam convencidos de que a Antiguidade havia sido o apogeu do
progresso humano, um legado considerado irrecuperável.
C) O sentimento hegemônico do Iluminismo foi a religião, pois os pensadores
iluministas estavam convencidos de que o catolicismo medieval era o apogeu da cultura
humana e, por isso, deveria ser preservado.
D) O sentimento hegemônico no Iluminismo foi o otimismo, pois os pensadores
iluministas estavam convencidos de que viviam um momento de aceleração a história
rumo ao progresso.
2. O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DAVID HUME É MARCADO PELO
CETICISMO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE MELHOR DEFINE O
CETICISMO DE HUME.
A) O ceticismo de Hume tinha a religião católica como alvo, o que nos permite dizer que
se relaciona ao ateísmo do autor.
B) O ceticismo de Hume tinha a crença iluminista no potencialemancipatório da razão
como algo, o que nos permite dizer que se relaciona a um projeto filosófico e político de
esvaziamento da hegemonia iluminista.
C) O ceticismo de Hume tinha dimensão política e defendia a ideia de que a monarquia
era incapaz de garantir a paz social, devendo, por isso, ser substituída pela democracia.
D) O ceticismo de Hume tinha dimensão cultural e questionava a capacidade da
civilização ocidental em instaurar a paz universal.
GABARITO
1. A modernidade iluminista é marcada por um sentimento hegemônico que pode ser
encontrado nos escritos de autores como Marquês de Condorcet, Voltaire e Diderot.
Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que melhor define esse sentimento
hegemônico.
A alternativa "D " está correta.
/
O Iluminismo foi marcado por um ambiente de intenso desenvolvimento tecnológico e
ampliação das fronteiras europeias, o que fez com que a intelectualidade da época
tendesse a verbalizar um sentimento de otimismo e crença no potencial da razão
científica em conduzir o progresso da humanidade.
2. O pensamento filosófico de David Hume é marcado pelo ceticismo. Assinale a
alternativa que melhor define o ceticismo de Hume.
A alternativa "B " está correta.
Hume questionou a ambição cognitiva característica do pensamento iluminista,
afirmando a dimensão de probabilidade que caracteriza todo saber.
MÓDULO 2
 Expressar as teses do idealismo alemão 
no niilismo de Schopenhauer e Nietzsche.
TESES DO IDEALISMO ALEMÃO E O
NIILISMO
Como vimos, na sua origem, com Kant, Fichte, Schelling e Hegel, o idealismo alemão
não era exatamente uma corrente de pensamento, mas um conjunto de respostas às
questões postas pela modernidade cartesiana/iluminista, especialmente a dicotomia
cartesiana sujeito versus objeto e a crença iluminista na possibilidade de uma
racionalidade pura e emancipatória. Enquanto ali, por meados do século XVIII, a
modernidade hegemônica francesa prometia progresso e o império da razão, alguns
alemães desconfiavam e formulavam um idealismo alternativo. Essa crítica chegou ao
século XIX, sendo radicalizada por escritores como Schopenhauer e Nietzsche.
/
 ATENÇÃO
Vale a pena pensar sobre o termo niilismo e justificarmos sua escolha. Sua definição em
dicionários diversos, de língua a filosóficos, sempre trata da ideia de aniquilar, destruir,
apagar. Niilismo é um conceito filosófico que remete à formulação do mundo
contemporâneo, que buscou intensamente romper com a naturalização de valores tidos
como componentes do ser (valores morais), das verdades do mundo, dos exercícios de
verdade.
Niilismo é o exercício do nada, da marcha para o abismo, não à toa vinculado ao
pessimismo. Falar de niilismo é falar em Nietzsche e Schopenhauer, e passamos agora a
conhecê-los.
Fonte: Wikipédia
SCHOPENHAUER E O MUNDO COMO
REPRESENTAÇÃO
Poucos autores desconfiaram mais da crença francesa no potencial emancipatório da
razão que Arthur Schopenhauer, autor do livro O mundo como vontade e representação,
publicado pela primeira vez em 1818. As categorias vontade e representação são
centrais na sua filosofia e é a partir delas que o autor nega a promessa iluminista de que
a razão seria o vetor do progresso e da felicidade humana.
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/
Fonte: Nicku / Shutterstock
 Schopenhauer
VONTADE
Imaginemos, por um instante, que a humanidade fosse transportada a um país
utópico, onde os pombos voem já assados, onde todo o alimento cresça do solo
espontaneamente, onde cada homem encontre sua amada ideal e a conquiste sem
qualquer dificuldade. Ora, nesse país, muitos homens morreriam de tédio ou se
enforcariam nos galhos das árvores, enquanto outros se dedicariam a lutar entre si
e a se estrangular, a se assassinar uns aos outros. Para a maioria dos homens, a
vida não é outra coisa senão um combate perpétuo pela própria existência, que ao
final será derrotada. Definitivamente, o homem não está programado para ser feliz.
(SCHOPENHAUER, 2013, p. 88)
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/
REPRESENTAÇÃO
Todo objeto, seja qual for a sua origem, é, enquanto objeto, sempre condicionado
pelo sujeito e, assim, essencialmente, apenas uma representação do sujeito.” Em
outras palavras, tudo o que existe para mim é o que eu percebo a partir de formas a
priori de consciência (tempo, espaço etc.). O real, enquanto coisa em si, é
impenetrável a nosso conhecimento, que atinge apenas as representações. Essas
representações se interpõem entre nós e o real como um véu que o encobre.
Qualquer pretensão do espírito em se distanciar da natureza para visualizá-la em
perspectiva não passa de um ato de ingenuidade arrogante elaborado pelos
modernos na sua vã pretensão de serem melhores que os antigos.
(SCHOPENHAUER, 2013. P. 57)
TODO OBJETO, SEJA QUAL FOR A SUA ORIGEM, É,
ENQUANTO OBJETO, SEMPRE CONDICIONADO PELO
SUJEITO E, ASSIM, ESSENCIALMENTE, APENAS UMA
REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO”. EM OUTRAS
PALAVRAS, TUDO O QUE EXISTE PARA MIM É O QUE
EU PERCEBO A PARTIR DE FORMAS A PRIORI DE
CONSCIÊNCIA (TEMPO, ESPAÇO ETC.). O REAL,
ENQUANTO COISA EM SI, É IMPENETRÁVEL A NOSSO
CONHECIMENTO, QUE ATINGE APENAS AS
REPRESENTAÇÕES. ESSAS REPRESENTAÇÕES SE
INTERPÕEM ENTRE NÓS E O REAL COMO UM VÉU
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/
QUE O ENCOBRE. QUALQUER PRETENSÃO DO
ESPÍRITO EM SE DISTANCIAR DA NATUREZA PARA
VISUALIZÁ-LA EM PERSPECTIVA NÃO PASSA DE UM
ATO DE INGENUIDADE ARROGANTE ELABORADO
PELOS MODERNOS NA SUA VÃ PRETENSÃO DE
SEREM MELHORES QUE OS ANTIGOS.
(SCHOPENHAUER, 2013. P. 57)
Partindo do ceticismo de Hume, Schopenhauer nega a possibilidade de o espírito (o
sujeito cognoscente) se relacionar com a natureza (realidade) sem a mediação de seus
próprios sentidos. Ou seja, ao tentar conhecer qualquer aspecto da realidade, o sujeito
do conhecimento sempre leva consigo suas próprias representações. Não existe, então,
na filosofia de Schopenhauer, o sujeito cognoscente universal cartesiano, que,
destituído de qualquer subjetividade, apenas opera um procedimento metodológico
(ROCHAMONTE, 2010). Todo conhecimento, portanto, é o resultado das representações
internalizadas no sujeito, representações que traduzem, antes de qualquer coisa, suas
vontades inconscientes. A ciência e a razão, tão louvadas no pensamento iluminista,
nada mais seriam que projeções de vontade, dos desejos humanos mais instintivos.
Há na filosofia de Schopenhauer um projeto ontológico que confronta diretamente a
ontologia iluminista. Tanto Schopenhauer quanto os iluministas atribuíram uma essência
imutável ao humano. Os iluministas defendem que o humano é essencialmente racional,
o que deu origem ao termo homo sapiens, que somente passou a integrar o vocabulário
biológico a partir do século XVIII. Já Schopenhauer defende que o humano é
naturalmente um ser desejante, movido por vontades pré-racionais. A humanidade teria
sua essência suspensa, segundo Schopenhauer, se fosse possível um mundo ideal,
onde todas as necessidades humanas fossem atendidas sem nenhum esforço, sem
nenhum trabalho. Nesse mundo hipotético, o humano não desejaria, pois só desejamos
aquilo que não temos, e, quanto mais longe de nós está o objeto de desejo, mais
desejado ele é. Uma vez conquistado o objeto de desejo, a vontade não é saciada, pois o
desejo já produz outro objeto para si.
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/
ONTOLOGIA
Ontologia tem a ver com a definição de uma essência imutável ao ser.
O DESEJO, POR SUA NATUREZA, É DOR: SUA
REALIZAÇÃO TRAZ RAPIDAMENTE A SACIEDADE; A
POSSE MATA TODO O ENCANTO; O DESEJO OU A
NECESSIDADE DE NOVO SE APRESENTAM SOB NOVA
FORMA: SENÃO, É O NADA, É O VAZIO, É O TÉDIO
QUE CHEGA”. SE NÓS MATÁSSEMOS TODA A NOSSA
VONTADE, NOSSO DESTINO SERIA
INEVITAVELMENTE O TÉDIO. EIS A CONDIÇÃO
TRÁGICA DA VIDA HUMANA.
(SCHOPENHAUER, 2013, p. 102)
Se o humano é movido irracionalmente pela vontade e quando conquista o objeto de
desejo passa a desejar o que não tem, Schopenhauer conclui que a humanidade não é
vocacionada para a felicidade, afastando-se, assim, do otimismoiluminista. Porém, o
niilismo do autor admite a possibilidade de compensação para o dilema humano da
felicidade impossível. A compensação está na arte, na experiência estética,
especialmente na música. A arte, então, amenizaria o sofrimento, que, para
Schopenhauer, é a condição humana resultante de outra condição humana ainda mais
humana: a eterna busca pela satisfação da vontade, que no limite é insaciável.
/
Ao defender a ideia de que o humano não é um ser unificado e racional, mas
fragmentado, passional e movido pelos instintos pré-racionais da vontade, a filosofia de
Schopenhauer lançou uma pista que seria seguida pelos fundadores da psicológica
clínica, sendo fundamental, por exemplo, para os estudos psicanalíticos de Freud.
Fonte: Wikipédia
NIETZSCHE E A VONTADE DE POTÊNCIA
Nietzsche talvez seja um dos autores mais traduzidos e publicados na atualidade, o que
diz muito sobre como nosso tempo acolhe bem um tipo de pensamento filosófico que
destoa da lógica racional que fundou a modernidade. Hoje, Nietzsche goza da fama de
ser um pensador revolucionário, um crítico contundente da tradição filosófica anterior.
No entanto, se formos examinar os textos de Nietzsche com mais cuidado,
perceberemos diálogos e apropriações com outras formas de pensamento (BONACCINI,
2011), incluindo aí o idealismo alemão, apesar de o autor não ter poupado críticas a Kant
e Hegel. Nenhuma contradição, pois como já sabemos, o idealismo alemão, antes de ser
uma corrente de pensamento filosófico, é um conjunto de respostas aos dilemas postos
pela modernidade. Nietzsche se afasta de alguns desses argumentos e se aproxima de
outros. Podemos dizer, portanto, que Nietzsche digeriu a atmosfera do idealismo
alemão, apesar de suas críticas a alguns autores representantes dessa forma de
pensamento (COLLARES, 2012).
/
Fonte: gramho.com
 Nietzsche
A NOVIDADE DE NOSSA POSIÇÃO ATUAL EM
FILOSOFIA É UMA CONVICÇÃO QUE NENHUMA
ÉPOCA TEVE ANTES: QUE NÓS NÃO POSSUÍMOS A
VERDADE. TODOS OS HOMENS DE OUTRORA ERAM
CRENTES DE QUE POSSUÍAM A VERDADE, ATÉ
/
MESMO OS CÉTICOS. TODOS NÃO PASSAVAM DE
CRENTES. ATÉ MESMO OS CÉTICOS ERAM CRENTES,
AFINAL QUEM NEGA POSSIBILIDADE DE UM
CONHECIMENTO VERDADEIRO, INTRÍNSECO DA
NATUREZA DAS COISAS, PRECISA SUPOR QUE TEM
RAZÃO AO DIZER ISSO; ISSO, QUE DEVE SER
SUPOSTO DE ALGUM MODO COMO SENDO
“VERDADEIRO”.
(NIETZSCHE, 2006, p. 32)
Os modernos, então, para Nietzsche têm o privilégio de saber que não há uma verdade
intrínseca às coisas e que toda ambição de conhecer essa verdade não passa de uma
crença similar a qualquer crença religiosa, pois a verdade seria tão fantasiosa como
qualquer divindade.
SE O CONHECIMENTO CONSTRUÍDO PELA
INTELIGÊNCIA HUMANA, ESPÍRITO, NÃO É A
VERDADE SUBSTANCIAL DAS COISAS, O QUE
SERIA?
A resposta a esse questionamento é relatada pelo próprio Nietzsche no livro Vontade de
poder, publicado em 1901.
TODA VONTADE DE SABER É IMPULSIONADA POR
UMA VONTADE DE PODER SOBRE A QUAL O
/
ESPÍRITO NÃO TEM CONTROLE, NÃO TENDO SEQUER
CIÊNCIA. O ESPÍRITO DESEJA SABER PORQUE
DESEJA PODER, A PULSÃO DEMIÚRGICA DO
CONHECIMENTO NÃO TEM NENHUMA RELAÇÃO COM
A CURIOSIDADE, OU COM O MÉTODO, TAL COMO
PROMETERAM OS PRIMEIROS MODERNOS. TEM
RELAÇÃO COM VONTADE DE DOMINAÇÃO. TODO
CONHECIMENTO É TAMBÉM ATO DE VIOLÊNCIA.
(NIETZSCHE, 2005, p. 21)
Nietzsche não tinha o hábito de citar os autores que lhe serviam como referência. A
citação quase sempre foi mobilizada por Nietzsche para criticar autores canonizados na
tradição ocidental. De Platão e Montesquieu, passando por Descartes e pelo próprio
Kant. Todos, em algum momento, estiveram na alça de mira da metralhadora
nietzscheana. Porém, é possível ler o texto pelas franjas e encontrar Nietzsche digerindo
teses do idealismo alemão (COLLARES, 2012). A negação da possibilidade de
conhecimento de uma verdade substancial a partir da afirmação de presença de um filtro
cognitivo que transforma todo conhecimento em manifestação de conceitos previamente
elaborados pelo sujeito cognoscente, por exemplo, já pode ser encontrada na leitura que
Kant fez de Hume.
ELA TAMBÉM PODE SER ENCONTRADA EM
FICHTE. COMO JÁ SABEMOS, A IDEIA DE QUE O
GESTO COGNITIVO É MOVIDO POR UMA
PULSÃO PRÉ-RACIONAL DE DOMINAÇÃO JÁ
TINHA SIDO ELABORADA, DE ALGUMA FORMA,
POR SCHOPENHAUER.
Em toda a evolução do espírito, não se trata, talvez, de outra coisa a não ser do corpo: é
a história se tornando sensível a que um corpo superior esteja sendo formado. O
/
orgânico passa a níveis superiores. Nossa avidez de conhecimento da natureza é um
meio através do qual o corpo quer se aperfeiçoar.
OU MELHOR: CENTENAS DE MILHARES DE
EXPERIÊNCIAS SÃO FEITAS PARA MODIFICAR A
ALIMENTAÇÃO, O MODO DE MORAR E DE VIVER DO
CORPO: NELE, A CONSCIÊNCIA E AS APRECIAÇÕES
DE VALORES, TODOS OS TIPOS DE PRAZER E
DESPRAZER, SÃO INDÍCIOS DESSAS MODIFICAÇÕES
E DESSAS EXPERIÊNCIAS.
(NIETZSCHE, 2006, p. 72)
Na citação, Nietzsche aciona alguns dos argumentos que são constitutivos do repertório
do idealismo alemão. Na perspectiva nietzscheana, a história do conhecimento é a
história da pulsão do corpo em busca de sobrevivência, no desejo incansável de
dominar a natureza. Todo conhecimento é mediado por experiências que se materializam
na carne, no corpo. Esse chamado ao corpo aponta para o projeto nietzscheano de
negação do observador cartesiano universal, incorpóreo.
Nietzsche não somente replica o idealismo alemão; ele radicaliza a tal ponto que se
torna um crítico desse mesmo idealismo alemão. Ao criticarem a metafísica idealista, os
idealistas alemães não negaram a possibilidade do conhecimento em dar conta de uma
realidade substantiva. O binômio razão versus verdade que funda o racionalismo
ocidental foi resguardado.
ENTENDA O PENSAMENTO DE KANT E
NIETZSCHE SOBRE O CONCEITO DE RAZÃO E
/
VERDADE:
KANT
Kant, como já estudamos, criticou a ortodoxia empirista
de Hume ao defender a capacidade da razão subjetiva em
conhecer a verdade substantiva através da mediação
conceitual.
NIETZSCHE
Nietzsche critica Kant exatamente porque nega a
existência de uma verdade substantiva. Ao radicalizar a
crítica dos idealistas alemães ao pensamento
cartesiano/iluminista, Nietzsche acaba se voltando contra
o próprio idealismo alemão, estabelecendo com essa
tradição uma relação ambígua: ao mesmo tempo herdeiro
e crítico.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Nesse sentido, engana-se quem pensa que os argumentos do idealismo alemão se
manifestaram apenas na filosofia. Também a literatura ecoou essas ideias, como
veremos na próxima seção.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. NO LIVRO O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO,
SCHOPENHAUER RADICALIZA A CRÍTICA QUE KANT, FICHTE,
SCHELLING E HEGEL FIZERAM À METAFÍSICA MODERNA. ASSINALE A
ALTERNATIVA QUE MELHOR DEFINE ESSA CRÍTICA RADICALIZADA.
A) Schopenhauer radicaliza a crítica quando defende as tradições católicas medievais e
rejeita o projeto de laicização idealizado pelos iluministas.
/
B) Schopenhauer radicaliza a crítica quando transforma a representação e a vontade
como os afetos humanos elementares, negando, assim, a ontologia iluminista fundada
no conceito de homo sapiens.
C) Schopenhauer radicaliza a crítica quando defende a laicidade moderna e rejeita o
iluminista, que era conservador e propunha o resgate dos valores medievais.
D) Schopenhauer radicaliza a crítica quando define a república presidencialista como a
melhor forma de governo, enquanto o Iluminismo defendia a monarquia absolutista.
2. NIETZSCHE ESTABELECEU UMA RELAÇÃO AMBÍGUA COM O
IDEALISMO ALEMÃO. ASSINALE ENTRE AS ALTERNATIVAS A SEGUIR
AQUELA QUE MELHOR APRESENTA TAL AMBIGUIDADE.
A) Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao catolicismo medieval, Nietzsche
defendeu o ateísmo, afastando-se também do catolicismo moderado, que era defendido
pelos idealistas alemães.
B) Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao pensamento iluminista/cartesiano,
Nietzsche negou a existência da verdadecomo dado substantivo da realidade,
afastando-se, assim, da racionalidade subjetiva defendida pelos idealistas alemães.
C) Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao pensamento iluminista/cartesiano,
Nietzsche reforçou a existência da verdade como dado substantivo da realidade,
afastando-se do empirismo e do negacionismo defendidos pelos idealistas alemães.
D) Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao ateísmo moderno iluminista, Nietzsche
defendeu as tradições do catolicismo medieval, afastando-se, assim, do racionalismo
cético defendido pelos idealistas alemães.
GABARITO
1. No livro O mundo como vontade e representação, Schopenhauer radicaliza a crítica
que Kant, Fichte, Schelling e Hegel fizeram à metafísica moderna. Assinale a alternativa
que melhor define essa crítica radicalizada.
A alternativa "B " está correta.
/
Schopenhauer rejeitava a promessa iluminista da emancipação humana pela razão,
questionando também a ontologia iluminista, definida pelo termo homo sapiens. Sua
perspectiva partia do rompimento com a perspectiva do século das ciências, destituindo
a formulação da razão como central e partindo para a condição do homem em sua
percepção de sujeito.
2. Nietzsche estabeleceu uma relação ambígua com o idealismo alemão. Assinale entre
as alternativas a seguir aquela que melhor apresenta tal ambiguidade.
A alternativa "B " está correta.
Os idealistas alemães criticaram a tradição cartesiana/iluminista, mas sem negar a
possibilidade de conhecimento da realidade. Ao radicalizar a crítica, Nietzsche negou a
existência da verdade como dado substantivo à realidade e, com isso, criticou também o
idealismo alemão. Nietzsche se caracteriza pela anti-ideologia, partindo da construção e
do significado do ser e sua fragilidade enquanto ser capaz de mudar sua condição
primordial.
MÓDULO 3
 Reconhecer os desdobramentos do idealismo alemão no século XX
ECOS DO IDEALISMO ALEMÃO NA
LITERATURA DE FRANZ KAFKA
Desde o início de nossos estudos, estamos nos esforçando para pensar o idealismo
alemão não como uma corrente rígida de pensamento filosófico, que poderia ser
claramente identificada nos escritos de alguns autores, mas como um conjunto de
respostas aos desafios concretos. Nesse sentido, o idealismo alemão se caracteriza pelo
pessimismo com o qual encara as promessas epistemológicas e políticas feitas pela
modernidade cartesiana/iluminista: conhecimento puro e regrado metodologicamente, a
afirmação da ciência e da razão como vetores do progresso e da felicidade humana.
/
Fonte: Wikipédia
 Franz Kafka
Os idealistas alemães encaram toda essa euforia com algum ceticismo, ainda que o nível
desse ceticismo varie de autor para autor. Foi esse ceticismo, algo melancólico, que
caracterizou a cena intelectual alemã ao longo dos séculos XIX e XX, sendo
caracterizado como “idealismo pós-kantiano”. Esse ambiente intelectual inspirou não
apenas filósofos, mas também literatos alemães, como é o caso de Franz Kafka, autor de
alguns dos romances mais importantes do século XX, como A metamorfose (1915), O
processo (1925) e O castelo (1935).
Apesar de ter vivido e produzido no início do século XX, Kafka somente ganhou
notoriedade intelectual postumamente, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Não à
toa, pois a primeira metade do século XX, marcada por guerras mundiais, pelo
nazifascismo e pelo amplo uso da tecnologia para práticas de genocídio, levou ao
descrédito a promessa iluminista de que a razão e a ciência seriam vetores do
progresso. O desencantamento e o senso trágicos cultivados na primeira metade do
século XX, portanto, criaram o ambiente propício para a recepção do ceticismo e da
melancolia kafkaniana, inspirados pelo idealismo alemão (WAGENBACH, 2001). Um
resumo dos principais romances de Kafka, em combinação com as análises
desenvolvidas por Klaus Wagenbach, especialista na prosa kafkaniana, ajuda-nos a
identificar alguns dos argumentos do idealismo alemão na obra do escritor.
/
Fonte: Wikipédia
A METAMORFOSE
O caixeiro viajante, Gregor Samsa, provedor de sua família e amado por seus pais e por
sua irmã, é o protagonista de A metamorfose. Gregor é o que podemos chamar de
homem comum, como outro qualquer, levando uma vida comum, como outra qualquer.
Tudo estava normal até o dia em que ele se transforma em um inseto nojento. Se antes
era o arrimo amado, Gregor se torna objeto de vergonha e da rejeição de sua família. Lá
pelas tantas no enredo, os familiares de Gregor também se transformam em insetos, e
sua casa se modifica radicalmente.
Fonte: Gabriel Leles / Behãnce
/
 Livro "A metamorfose" de franz-kafka.
A METAMORFOSE É UMA ALEGORIA DA
TEMPORALIDADE MODERNA, CARACTERIZADA PELA
ACELERAÇÃO E PELAS CONSTANTES
TRANSFORMAÇÕES. NO MUNDO MODERNO, NO
MUNDO DA TÉCNICA, TUDO ESTÁ CONSTANTEMENTE
SE TRANSFORMANDO E, TAL COMO GREGOR,
MUDANDO PARA PIOR. SE A VIDA PREGRESSA DE
GREGOR JÁ NÃO ERA PERFEITA, SE ELE JÁ ERA UM
HOMEM INFELIZ COM SEU OFÍCIO E SUFOCADO
PELAS NECESSIDADES MATERIAIS DE SUA FAMÍLIA,
A METAMORFOSE EM INSETO TORNOU AS COISAS
AINDA PIORES.
(WAGENBACH, 2001, p. 32)
Formulando o ceticismo do idealismo alemão em relação às promessas da modernidade
cartesiana/iluminista de maneira ainda mais melancólica, no livro A metamorfose, Kafka
não apenas questiona a busca pela felicidade, mas sugere que o próprio movimento,
entendido como transformação, caminha sempre no sentido da tragédia, do exato
oposto à felicidade. A melancolia da prosa kafkaniana não deixa nada a dever à filosofia
de Schopenhauer.
/
Fonte: Giulia Francalanci / Pinterest
 A Metamorfose de Franz Kafka
O PROCESSO
O protagonista de O processo é outro homem comum, um bancário chamado Josef K,
que é processado sem saber o motivo. Na manhã de seu aniversário, Josef K. foi detido
sem que tivesse cometido crime algum. O enredo do livro é a saga do personagem em
busca de informações sobre o processo no qual era réu. Josef K. se debate contra a
complexa burocracia do Estado moderno.
/
Fonte: Chantal Montellier / tujaviu
 Livro "O processo" de franz-kafka.
O ENREDO DE O PROCESSO TRAZ A BUROCRACIA
DO ESTADO MODERNO PARA O CENTRO DA CRÍTICA
DE KAFKA. POR MAIS QUE TENTE, JOSEF K. NÃO
CONSEGUE DESCOBRIR QUEM O ESTÁ ACUSANDO E
QUAL O MOTIVO DA ACUSAÇÃO. AS INSTITUIÇÕES
DO ESTADO MODERNO, CRIADAS PARA SEREM A
MANIFESTAÇÃO DA RACIONALIDADE NA ESFERA
PÚBLICA, EM CONTRAPONTO AO ESTADO DO
ANTIGO REGIME, REGIDO PELA LÓGICA DO
PRIVILÉGIO, SÃO CARICATURADAS POR KAFKA
COMO MANIFESTAÇÃO PREDATÓRIA DO PODER
CONTRA OS DIREITOS INDIVIDUAIS. (...) O ESTADO
/
ILUSTRADO, QUE PROMETIA SER O GERENCIADOR
DO PROGRESSO, É PINTADO POR KAFKA COMO A
MORADA DE BUROCRATAS PREGUIÇOSOS,
INCOMPETENTES E AUTORITÁRIOS.
(WAGENBACH, 2001, p. 64)
O CASTELO
Em O castelo, Kafka alegoriza e critica a burocracia moderna. O protagonista é K, tão
somente K. O indivíduo moderno é reduzido a uma letra, diante dos aparelhos do Estado
que a ilustração prometeu que seriam movidos pela razão e pelos instrumentos de
libertação. K é um agrimensor contratado pelo dono de um castelo para medir suas
terras. O enredo consiste no périplo de K pelos corredores do castelo, em busca de seu
contratante e de informações sobre o trabalho. Vários departamentos. Diversos
funcionários. Desencontros, informações truncadas. Angústia.
Fonte: iAdverti publishing / amazon
 Livro "O castelo" de franz-kafka.
/
KAFKA É UM HOMEM DESTITUÍDO DE SUA
HUMANIDADE, QUASE SEM IDENTIDADE,
EMBRUTECIDO POR UMA BUSCA ETERNA PELA
VERDADE, BUSCA QUE É IMPOSSIBILITADA PELAS
ESTRUTURAS BUROCRÁTICAS QUE, AO INVÉS DE
PAVIMENTAR O PROGRESSO E O DESENVOLVIMENTO
DA RAZÃO, CRIAM CONFUSÃO, ERRO E
DESINFORMAÇÃO.
(WAGENBACH, 2001, p. 73)
Kafka não era um filósofo, seu procedimento de trabalho não é o filosófico. O filósofo
especula sobre a realidade, cita outros filósofos para confrontá-los ou seguir seus
legados. Já o literato não tem nenhum compromisso com a realidade. O literato imagina,
cria personagens quenão existem, enredos ficcionais e situações fantasiosas. Porém,
isso não quer dizer que ficção seja simplesmente mentira. Ao imaginar a fantasia, o
literato sempre alegoriza a realidade, manifestada na sua própria forma de ver o mundo,
nos conceitos que mediam sua percepção de mundo.
KAFKA FOI FORMADO NO AMBIENTE
CULTURAL DO IDEALISMO ALEMÃO, MARCADO
PELA DESCONFIANÇA EM RELAÇÃO À
EUFORIA ILUMINISTA, PELA MELANCOLIA E
PELA DESCRENÇA DE QUE A CIÊNCIA
CARTESIANA SERIA A PROVEDORA DA
FELICIDADE HUMANA. ESSAS PERCEPÇÕES
/
TRANSBORDAM PARA A PROSA DE KAFKA,
PREFIGURAM A FORMA COMO O AUTOR
ELABORA SEUS ENREDOS E CONSTRÓI A
PERSONALIDADE DE SEUS PERSONAGENS.
O idealismo alemão, como já vimos, não é somente uma corrente de pensamento
compartilhada por filósofos eruditos. É uma certa forma de ver a realidade, de interpretar
a modernidade que começou a ganhar corpo na cena intelectual germânica no final do
século XVIII, sobreviveu ao século XIX e se fortaleceu ao longo do século XX.
Fonte: Wikipédia
 Freud
DESDOBRAMENTOS CONTEMPORÂNEOS
DO IDEALISMO ALEMÃO
No futuro imaginado pelo Iluminismo no século XVIII, o século XX seria o momento da
apoteose, da realização da utopia possibilitada pela razão e pelo desenvolvimento
científico. Porém, a História, no século XX, contrariou a previsão otimista feita pelos
iluministas, trazendo à luz o espetáculo da destruição em massa, da engenharia do
genocídio, sofisticada racionalmente e impulsionada pela tecnologia. O clima geral foi de
decepção, o que fez com que a segunda metade do século XX se transformasse em
terreno fértil para o ceticismo e a melancolia do idealismo alemão. Freud costuma ser
tratado como o médico que inventou a psicanálise. Ele é muito mais que isso.
/
Fonte: Natata / Shutterstock
 Sigmund Freud
Em sua vasta obra, Freud apresentou uma interpretação da tradição ocidental que, em
diversos aspectos, foi influenciada pelo idealismo alemão. Confrontando a ontologia
cartesiana/iluminista, que, como já sabemos, define a existência humana a partir de uma
capacidade racional intrínseca (homo sapiens), Freud definiu o humano a partir de sua
irracionalidade, de sua inconsciência, e podemos ouvir claramente o eco das vozes de
Schopenhauer e Nietzsche (ASSOU, 1983). Portanto, racionalismo define o humano por
aquilo que o humano é e sabe que é. Freud define o humano por aquilo que é, mas não
tem consciências, por suas pulsões desejosas (id), disciplinados reprimidos pela
consciência, pelo superego.
Essa é a premissa existencial que Freud busca nas críticas que os idealistas alemães
faziam ao racionalismo desde o final do século XVIII ao fundar a psicanálise. Em linhas
gerais, a psicanálise defende que as doenças mentais não são patologias
exclusivamente físicas, mas o resultado da repressão de desejos e afetos. A terapia
consiste na tomada de consciência daquilo que até então era inconsciente, pois, assim,
o analisado teria mais condições de lidar com seus desejos, traumas e suas frustrações.
No livro O mal estar da civilização, publicado em 1930, momento em que começa a
escalada nazista na Alemanha, Freud combina com clareza sua interpretação da
modernidade com suas discussões médicas sobre a psicanálise.
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/
PSICANÁLISE
O avanço técnico até tem a sua importância para a economia da nossa felicidade,
mas, por si só, não aumentou a quantidade de satisfação dos modernos, nem os
tornou mais felizes por não ser nem a única pré-condição da felicidade humana,
nem o único objetivo do esforço cultural. [...] A Revolução Industrial e o progresso
tecnológico, o progresso quantitativo (técnico) desacompanhado do progresso
qualitativo (humanitário), não tornaram o homem mais feliz. Esse progresso não
diminuiu nosso mal-estar e essa frustração cultural e fará exigências severas à
nossa obra científica e nos alerta que, se todas essas perdas não forem
compensadas, “sérios distúrbios podem surgir.
(FREUD, 2011, p. 118)
O avanço técnico, o desenvolvimento industrial que a ilustração monumentalizou como
molas propulsoras do desenvolvimento humano, para Freud, eram incapazes de cumprir
sua promessa. Ecoando Schopenhauer, Freud denuncia que a Revolução Industrial não
tornou o homem mais feliz. Pelo contrário, fomentou frustração e mal-estar, pois a
civilização industrial aprimorou as práticas de controle do pensamento e do desejo,
transformando o superego em potência ainda mais censora e geradora de neurose.
Freud já tinha explorado os desdobramentos psicanalíticos da frustração com as
promessas emancipatórias do Iluminismo no livro sugestivamente intitulado O futuro de
uma ilusão, de 1927.
O FUTURO DE UMA ILUSÃO
Na modernidade, teria havido um recrudescimento tanto das medidas repressoras
contra a sexualidade polimorfa proscrita e até repudiada quanto das restrições até
para a sexualidade genital heterossexual, apenas tolerada e confinada ao
casamento monogâmico. Essa super-repressão sexual gerou neurose, revolta e
hipocrisia. A culpa é o mais importante problema no desenvolvimento da
civilização, na medida em que um superego muito rígido produzirá revolta, neurose
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/
ou infelicidade. A troca de “uma parcela de suas possibilidades de felicidade por
uma parcela de segurança, realizada pelo “homem civilizado” em geral, tornou-se
ainda mais problemática e dolorosa na modernidade porque o sofrimento do
sujeito moderno provavelmente poderia ser evitado.
(FREUD, 1974, p. 125)
Para Freud, a culpa, entendida como resultado da superação do superego, da potência
racional/moral, cuja função é reprimir os desejos primários, pré-racionais, é o resultado
da vida social. A partir do momento em que os primeiros homens se organizaram em
sociedade e passaram a dividir um espaço social comum, o superego já começou a
desempenhar seu papel, funcionando como uma espécie de polícia internalizada, cuja
função é não permitir que as pessoas façam o que querem, que deem livre vazão aos
seus desejos, o que fatalmente inviabilizaria a vida social. Com o desenvolvimento das
sociedades modernas de massa, a moral se tornou tribunal ainda mais poderoso e
vigilante. O superego em Freud, como já vimos, é a razão, entendida como consciência.
Para a tradição racionalista, que deita suas raízes nos gregos, a razão é a natureza
humana. Para a modernidade cartesiana/iluminista, a razão é natureza humana e
vocação para o progresso e para a felicidade. Para Freud, a razão é uma invenção da
civilização. Mais do que isso: é o preço a ser pago pela civilização, fardo pesado, causa
primeira de doenças da mente.
Fonte: Wikipédia
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Fonte: Wikipédia
O homem moderno pintado por Freud está longe de ser aquele projetado pela
imaginação iluminista. É melancólico, angustiado, carrega sobre os ombros o fardo de
uma racionalidade que, ao invés de ser emancipatória, é policialesca. Porém, Freud não
abre mão totalmente da possibilidade de emancipação pela razão, não chegando ao
limite de um niilismo radical. Freud quis fazer da psicanálise uma ciência natural.
O homem moderno freudiano, angustiado, tem uma chance de libertação: a terapia, a
intervenção psicanalítica, em que o médico o ajuda a tomar consciência do recalque, a
lançar luz sobre aquilo que estava nas sombras, perdido no id, no mundo da
inconsciência. Essa é a felicidade possível para Freud: a libertação terapêutica, que é
bastante diferente da apoteose coletiva tão alardeada pelo pensamento iluminista.
A segunda metade do século XX transformou a dúvida metodológica e a descrença com
as promessas da ilustração no fundamento da filosofia contemporânea. Isso não quer
dizer exatamente que o idealismo alemão tenha influenciado a contemporaneidade, mas
que a história do século XX confirmou o ceticismo e as dúvidas que os idealismos
alemães colocaram na modernidade lá no século XVIII. Vários autores, não exatamente
tributários do idealismo alemão, produziram um pensamento cético e críticoà
imaginação iluminista.
De Ludwig Wittgenstein a Jean-Paul Sartre, passando pela Escola de Frankfurt, várias
correntes de pensamento apontaram para a falência das promessas iluministas,
/
desenharam um ambiente intelectual marcado pela dúvida e pela desconfiança, como o
proposto no movimento filosófico conhecido como Existencialismo e que tem como
Sartre um de seus grandes nomes. É a era da derrocada das metanarrativas
universalizantes, como disse François Lyotard. Pós-modernidade é o termo comumente
evocado para definir os nossos tempos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A LITERATURA DE KAFKA FOI INSPIRADA PELO AMBIENTE DO
IDEALISMO ALEMÃO PÓS-KANTIANO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE
MELHOR DEFINE ESSA INSPIRAÇÃO.
A) Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou a euforia moderna
com o progresso científico, apropriando-se, portanto, do otimismo racionalista
característico do idealismo alemão.
B) Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou o nacionalismo
alemão, apropriando-se, portanto, do conceito de “grande pátria” desenvolvido pelo
idealismo alemão.
C) Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou a política
revolucionária iluminista, apropriando-se, portanto, do conceito de monarquia
absolutista desenvolvido pelo idealismo alemão.
D) Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou o ceticismo do
idealismo alemão com as promessas emancipatórias feitas pela modernidade
artesiana/iluminista.
2. A OBRA DE FREUD APRESENTA UM PROJETO ONTOLÓGICO
DISTINTO DAQUELE APRESENTADO PELA MODERNIDADE
CARTESIANA/ILUMINISTA. ASSINALE, ENTRE AS ALTERNATIVAS A
SEGUIR, AQUELA QUE MELHOR DEFINE AS DIFERENÇAS ENTRE ESSES
DOIS PROJETOS.
/
A) A ontologia iluminista/cartesiana define o homem como homo faber, como se o
trabalhado fosse o elemento definidor da natureza humana, enquanto Freud define como
homo sapiens, que traz a razão para o centro da ontologia.
B) A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem como um ser movido por desejos
irracionais, enquanto Freud definiu como homo sapiens, trazendo a razão para o centro
da ontologia.
C) A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem como homo sapiens, como se a
razão fosse o elemento definidor da natureza humana, enquanto Freud define-o a partir
das pulsões desejosas pré-racionais.
D) A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem a partir dos desejos pré-racionais,
enquanto Freud definiu como homo sapiens, trazendo a razão para o centro da
ontologia.
GABARITO
1. A literatura de Kafka foi inspirada pelo ambiente do idealismo alemão pós-kantiano.
Assinale a alternativa que melhor define essa inspiração.
A alternativa "D " está correta.
O ambiente cético e melancólico característico do idealismo alemão foi alegorizado na
literatura kafkaniana. Kafka faz um trabalho alegórico, literário, sem o compromisso de
constituir um tratado filosófico. O que percebemos é como se constitui o campo
intelectual, como o que é produzido na História influencia a pedagogia, como a filosofia
dialoga com literatura e permite representações singulares do que fora debatido.
2. A obra de Freud apresenta um projeto ontológico distinto daquele apresentado pela
modernidade cartesiana/iluminista. Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que
melhor define as diferenças entre esses dois projetos.
A alternativa "C " está correta.
Freud contrariou a tradição racionalista ao não definir o humano a partir de uma
consciência racional elementar, mas a partir de pulsões desejantes. Considerado o pai
da psicanálise, em seu livro O mal estar da civilização, Freud acaba por provocar uma
/
ruptura da estrutura do pensamento estruturalista – seja em concepções tradicionais,
como família, propriedade, seja em concepções revolucionárias. Quando nos
concentramos enquanto indivíduo, temos um vazio inconciliável.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, conhecemos melhor aquele que é um dos mais importantes capítulos da
história da filosofia moderna. Nós nos esforçamos para estudar filosofia em perspectiva
um tanto diferente da usual, mais interessada na concretude das ideias do que na
resenha de filósofos eruditos e herméticos. Assim, aprendemos que aquilo que
chamamos de modernidade foi, antes de qualquer coisa, um ambicioso projeto de
futuro, que prometia a felicidade e a redenção para a humanidade, através do
desenvolvimento tecnológico e científico. A razão, portanto, seria, ao mesmo tempo, a
característica intrínseca aos humanos e o motor do progresso e da felicidade. Já no
século XVIII, algumas vozes começaram a desconfiar dessa promessa, sem
necessariamente negá-la por completo.
O idealismo alemão foi o resultado dessa desconfiança. Conforme o tempo passava e o
século XX avançava, a realidade histórica solapava ainda mais a promessa iluminista,
fertilizando o terreno para o fortalecimento da melancolia e da desconfiança, que
também podem ser encontradas no idealismo alemão. Seria um exagero dizer que foi “o
idealismo alemão” quem veio do século XVIII para influenciar a segunda metade do
século XX e o início do século XXI, como se a filosofia contemporânea fosse tábula rasa
a ser simplesmente influenciada. Mais adequado seria afirmar que a realidade histórica
contemporânea fortaleceu os sentimentos de desesperança e dúvida, fazendo com que o
pensamento contemporâneo, de forma ativa, fosse buscar soluções no repertório
disponível. Entre as diversas tradições de pensamento disponíveis, o idealismo alemão
vai ao encontro da atmosfera contemporânea, o que nos ajuda a entender sua
importância em nossos dias.
/
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EXPLORE+
Para se aprofundar no conceito de ceticismo de Hume, leia o artigo do Estadão O
ceticismo esquecido de David Hume: antídoto ao fanatismo.
Para conhecer um pouco mais sobre Franz Kafka, leia os artigos disponíveis no
site da revista Cult.
Conheça um pouco mais sobre Sigmund Freud assistindo ao vídeo disponível no
Canal Saúde, da Fiocruz.
Leia os livros:
O mal-estar na civilização; Assim Falava Zaratustra; O lobo da estepe e A
Metamorfose para construir suas próprias relações com os autores abordados.
CONTEUDISTA
RODRIGO PEREZ OLIVEIRA
 CURRÍCULO LATTES
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