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1993; 1(2):145-56. 15. Gonçalves EH, Bandeira LM, Garrafa V. Ética e desconstrução do preconceito: do- ença e poluição no imaginário social sobre HIV/AIDS. Bioética. 2011; 19(1):159-78. A responsabilidade médica no exercício da Ginecologia e Obstetrícia 2 Ética em Ginecologia e Obstetrícia 29 2.1 A responsabilidade do médico “Un médecin qui cesse de penser, cesse d’être un médecin.” (Louis Portes, 1949) introdução Responsabilidade é o dever jurídico de responder pelos próprios atos e os de outrem e de reparar os danos causados, quando esses atos violarem os direitos de terceiros, protegidos por lei. Também pode ser definida como a obrigação de resolver alguma coisa que se fez ou mandou fazer, por ordem pública ou particular.1 Os médicos estão sujeitos a três ordens de responsabilidade: a civil, a penal e a ético-profissional. A responsabilidade civil o obriga a ressarcir os prejuízos decorrentes da sua conduta. A responsabilidade penal ou crimi- nal submete o médico à justiça comum pela prática de delitos considerados como crimes. A responsabilidade ético-profissional é de competência dos Conselhos Regionais de Medicina, onde são recebidas, apuradas e julgadas as denúncias contra os profissionais. Fica claro que esta atividade está sujeita a ampla fiscalização e a julgamento, tanto pelos poderes judiciais como pelos Conselhos de Medicina.2 A responsabilidade médica é um dos assuntos mais polêmicos de nossa sociedade, mas nem sempre é tratada com o devido respeito pela mídia sen- sacionalista, que condena o profissional antes que seja julgado pelos órgãos competentes. Ética em Ginecologia e Obstetrícia30 Neste sentido, a evolução da tecnologia lança um grande desafio para os ditames da Medicina; o uso de redes sociais e de aplicativos como o WhatsA- pp é exemplo típico. O Conselho Federal de Medicina, atendendo à necessi- dade dessa demanda, elaborou o Parecer 14/2017,3 que concluiu: Do ponto de vista jurídico, visando promover uma interpreta- ção sistemática das normas constitucionais, legais e administra- tivas que regem a Medicina brasileira, em especial nos termos do art. 5º, incisos XIII e XIV, da Constituição da República,4 da lei nº 3.268/1957,5 do Código de Ética Médica,6 bem como o inafastá- vel sigilo da relação médico-paciente, cremos que a utilização, no contexto da Medicina, dos novos métodos e recursos tecnológicos é medida irreversível e que encontra amparo no atual cenário de evolução das relações humanas, já que, como dito, traz incontáveis benefícios ao mister do profissional médico na busca do melhor diagnóstico e do posterior prognóstico dos pacientes e de suas en- fermidade. O WhatsApp e plataformas similares podem ser usados para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos em caráter privativo para enviar dados ou tirar dúvidas com colegas, bem como em grupos fechados de especialis- tas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a res- salva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem tampouco podem circular em grupos recreativos, mesmo que composto apenas por médicos, ressaltando a vedação explícita em substituir as consultas presenciais e aquelas para complementação diagnóstica ou evolutiva a critério do médico por quaisquer das plataformas existentes ou que venham a existir. Quando falamos de responsabilidade médica na especialidade de Obste- trícia e Ginecologia, fica evidente a importância do tema: esta é uma das es- pecialidades com maior número de denúncias e processos contra a má práti- ca médica. Situações de plena normalidade se transformam rapidamente em graves quadros, colocando em risco a vida da paciente. Os erros em Obste- trícia ocorrem em uma proporção geométrica, e um diagnóstico ou conduta inicial pouco adequados podem gerar situações alarmantes e de difícil con- trole; além disso, o binômio materno-fetal expõe o profissional a uma chan- ce maior de erros.7 Para minimizar os riscos, vale lembrar os designíos de Hipócrates: “de acordo com meu poder e discernimento, promoverei práticas para o benefí- Ética em Ginecologia e Obstetrícia 31 cio do doente e evitarei o prejudicial e o errado”. Todo especialista deve culti- var essas práticas, investindo na relação médico-paciente: é fundamental ou- vir e dar atenção ao doente, adotando um caráter mais vulnerável. imperícia, imprudência e negligência “Não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que um médico, ordinariamente, deveria saber; não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas quem descura aquela norma que todos os outros observam; não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade”.8 Esse argumento, utilizado pelo procurador geral da Corte de Apelação de Milão, Itália,8 coloca a responsabilidade médica sobre a ótica da pondera- ção. Ao exercer sua profissão, o médico deve, em obediência a princípios éti- cos norteadores de sua atividade, zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da área.9 É o guardião da vida, bem maior assegurado ao ser humano. Dele, exige-se correção, dedica- ção e respeito pela vida, devendo, em razão de seu mister, agir sempre com cautela e diligência, evitando que seu paciente seja conduzido à dor, à angus- tia e a perdas irreparáveis. Nesse sentido, o “erro médico” deve ser visto como exceção, um aconte- cimento isolado ou episódico, sendo certo que a responsabilidade do médico pode gerar efeitos nas esferas éticas, cível e criminal. Ao médico é vedado praticar atos profissionais danosos que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. Essas modali- dades de culpa podem ser aferidas pelo Conselho Regional de Medicina, co- mo falta ética, na Justiça Cível, para fins de indenização, ou na Justiça Cri- minal, para enquadrar a conduta a um tipo penal. A negligência é evidenciada pela falta de cuidado ou de precaução com que se executam certos atos. Caracteriza-se pela inação, indolência, inércia e passividade. É um ato omissivo e oposto à diligência, que remete à sua origem latina diligere: agir com amor, com cuidado e atenção – evitando quaisquer distrações e falhas.9 A diligência exigível é a mediana do homem normal. Exemplo da negligência seria o desleixo ou a falta dos controles obstétri- cos obrigatórios durante uma assistência ao parto. O termo Obstetrícia pro- vém do verbo latim “obstare”, que significa “estar ao lado”; este é o lema que guia a especialidade, e qualquer ato que o contraponha pode resultar em um erro evitável.7 Ética em Ginecologia e Obstetrícia32 A imprudência resulta da imprevisão do agente em relação às consequ- ências de seu ato ou ação; ou seja, há culpa comissiva. Age com imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, precipitadas, sem ter cautela. É resultado da irreflexão, pois o médico imprudente, tendo perfeito conhe- cimento do risco e ignorando também a Ciência médica, toma a decisão de agir. Exemplo de imprudência seria o caso da alta prematura, ou a realização de uma operação cesariana sem a equipe cirúrgica mínima necessária.9 A imperícia, por sua vez, ocorre quando o médico revela, em suas ati- tudes, insuficiência de conhecimentos técnicos da profissão; trata-se da falta de observação das normas, o despreparo prático. A imperícia deverá ser ava- liada à luz dos progressos científicos que sejam de domínio público, os quais deveriam ser conhecidos por qualquer profissional medianamente diligente – por exemplo, a utilização de uma técnica não indicada para o caso.9 Aspectos das denúncias, processos disciplinares e das principais infrações éticas de tocoginecologistas Baseado em levantamento de cerca de 12 mil denúncias registradas en- tre janeiro de 1996 e janeiro de 2002 pelo Cremesp, a especialidade que mais aparece é a Tocoginecologia, respondendo