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termos jurídicos; (ii) porque não se pode interpretar a lei penal descrimina- lizadora de modo restritivo, desconsiderando-se a realidade e o fato de que, em 1940, quando redigido o Código Penal, era impossível prever as anomalias fetais, ao passo que, atualmente, a anencefalia é diagnosticável com 100% de certeza por ultrassonografia; (iii) por- que obrigar a mulher a manter a gestação de anencéfalo, contra sua vontade, é submetê-la à tortura psicológica, violando sua saúde físi- ca e mental e afrontando seus direitos fundamentais, protegidos pe- la Constituição Federal, como: dignidade da pessoa humana, saúde, privacidade, liberdade e autonomia da vontade.14 Neste caso, se a mulher optar pela interrupção da gestação ou antecipa- ção terapêutica do parto, os serviços de saúde têm o dever de realizar o pro- cedimento, dando toda a assistência a ela. Recomendações éticas diante de uma gestação por anomalia fetal grave e incompatível com a vida extrauterina Em primeiro lugar, o diploma legal estabelece, no “Capítulo V – Relação com pacientes e familiares”, que é vedado ao médico: Art. 34 – “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prog- nóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a co- municação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.13 Dessa forma, é dever do médico dar todas as informações necessárias à mulher ou ao casal diante de um diagnóstico tão ominoso para ela. Através de boa interação e acolhimento, com informações claras e precisas, auxilia- se na tomada de decisões por parte da paciente e do casal. Verificou-se que a decisão pela interrupção da gravidez se dá a partir do desejo de minimizar o Ética em Ginecologia e Obstetrícia210 sofrimento, quando a opção é tomada de forma consciente, por meio de re- flexão e revisão de crenças e valores.10 O Comitê para Assuntos Éticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher, instituído pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO),15 concluiu que: o parto de um feto portador de severas malformações pode acarre- tar prejuízos físicos e mentais à mulher e à família. O comitê con- siderou como antiético negar ao casal progenitor a possibilidade de evitar essa situação, e recomendou que, nos países onde essa práti- ca é legalmente aceitável, deve ser oferecida a antecipação terapêu- tica do parto sempre que uma malformação congênita incompatí- vel com a vida seja identificada durante a avaliação pré-natal.15 Já a norma técnica “Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos”, do Ministério da Saúde,14 estabeleceu que: cabe aos profissionais da Saúde, e aos médicos em especial, no âm- bito de seus deveres éticos: a) Respeitar o direito à autodetermi- nação de todos os pacientes, homens ou mulheres, como dispõe a “Declaração da Associação Médica Mundial sobre os Direitos do Paciente”, adotada na 34º Assembleia Médica Mundial (Portugal), e emendada na 47º Assembleia Geral, no ano de 1995, (Indonésia); b) Respeitar o direito à autonomia dos pacientes e das pacientes, nos termos do artigo 7º da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990), que dispõe que “as ações e serviços pú- blicos de saúde e os serviços contratados ou conveniados que in- tegram o SUS, são desenvolvidos de acordo com as diretrizes pre- vistas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: (...) III – Preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral”; c) Atuar sem- pre em benefício do paciente, seja homem ou mulher, respeitando a sua dignidade, a sua autodeterminação e a sua autonomia (CEM Princípios Fundamentais, Capítulo I, itens V, VI e XVII e Capítulo IV, art. 28); e d) Respeitar o direito de decidir dos pacientes e das pacientes sobre a sua pessoa ou seu bem-estar, sendo defeso exer- cer a sua autoridade para limitar esse direito ou criar qualquer di- ficuldade para o seu exercício (CEM art. 24, Capítulo IV). Ética em Ginecologia e Obstetrícia 211 Capítulo I – Princípios Fundamentais13 I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atu- ará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignida- de e integridade. Capítulo IV – Direitos Humanos13 É vedado ao médico: Art. 24 – Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Art. 28 – Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade. O egrégio Conselho Federal de Medicina aprovou a resolução nº 1989/2012,16 que “dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto e dá outras providências”. A referida resolução foi motiva- da pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente em abril de 2012 a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54,3 e de- clarou a constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de gestação de feto anencéfalo – o que não caracteriza o aborto tipificado nos ar- tigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, nem se confunde com ele. A resolução do CFM,16 publicada em 10 maio de 2012, diz: Art. 1º – Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia, o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado, interromper a gravidez. Art. 2º – O diagnóstico de anencefalia é feito por exame ultrassono- gráfico realizado a partir da 12ª (décima segunda) semana de gesta- ção e deve conter: I – duas fotografias, identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calo- ta craniana e de parênquima cerebral identificável; II – laudo assina- do por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico. Ética em Ginecologia e Obstetrícia212 Art. 3º – Concluído o diagnóstico de anencefalia, o médico deve prestar à gestante todos os esclarecimentos que lhe forem solicita- dos, garantindo a ela o direito de decidir livremente sobre a condu- ta a ser adotada, sem impor sua autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão ou para limitá-la naquilo que decidir: §1º – É direito da gestante solicitar a realização de junta médica ou buscar outra opinião sobre o diagnóstico. §2º – Ante o diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de: I – manter a gravidez; II – interromper imediatamente a gravi- dez, independentemente do tempo de gestação, ou adiar essa deci- são para outro momento. §3º – Qualquer que seja a decisão da gestante, o médico deve infor- má-la das consequências, incluindo os riscos decorrentes ou asso- ciados de cada uma. §4º – Se a gestante optar pela manutenção da gravidez, ser-lhe-á assegurada assistência médica pré-natal compatível com o diag- nóstico. §5º – Tanto a gestante que optar pela manutenção da gra- videz quanto a que optar por sua interrupção receberão, se assim o desejarem, assistência de equipe multiprofissional nos locais onde houver disponibilidade. §6º – A antecipação terapêutica do parto pode ser realizada apenas em hospital que disponha de estrutura adequada ao tratamento de complicações eventuais, inerentes aos respectivos procedimentos. Art. 4º – Será lavrada ata da antecipação terapêutica do parto, na qual deve constar o consentimento da gestante e/ou, se for o caso, de seu representante legal. Parágrafo único – A ata, as fotografias e o laudo do exame referido no artigo 2º desta resolução integrarão o prontuário da paciente. Art. 5º – Realizada a antecipação terapêutica do parto, o médico deve informar à paciente dos riscos de recorrência