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Fátima Büchele Assis Fernanda Martinhago Larissa de Abreu Queiroz Atenção à saúde mental do homem UFSC 2018 Fátima Büchele Assis Fernanda Martinhago Larissa de Abreu Queiroz Atenção à saúde mental do homem Florianópolis UFSC 2018 Catalogação elaborada na Fonte. Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável: Rosiane Maria CRB 14/1544 U588a Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Curso de Atenção Integral à Saúde do Homem – Modalidade a Distância. Atenção à saúde mental do homem [recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina. Fátima Büchele Assis, Fernanda Martinhago, Larissa de Abreu Queiroz (Organizadoras). — Florianópolis : Universidade Federal de Santa Ca- tarina, 2016. 86 p. Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br Conteúdo do módulo: Aspectos socioculturais da saúde mental masculina. – Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina. - A saúde mental e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para a população masculina ISBN: 978-85-8267-082-8 1. Saúde do homem. 2. Saúde mental. 3. Cuidados de saúde. I. UFSC. II. Assis, Fátima Büchele. III. Martinhago, Larissa de Abreu. IV. Título. CDU: 613.9 5 5 5 Atenção à saúde mental do homem Créditos GOVERNO FEDERAL Presidente da República Ministro da Saúde Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Diretora do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) Coordenador Geral de Ações Estratégicas em Educação na Saúde Responsável Técnico pelo Projeto UNA-SUS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor Ubaldo Cesar Balthazar Vice-Reitora Alacoque Lorenzini Erdmann Pró-Reitor de Pós-graduação Hugo Moreira Soares Pró-Reitor de Pesquisa Sebastião Roberto Soares Pró-Reitor de Extensão Rogério Cid Bastos 6 6 6 Atenção à saúde mental do homem CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretor Celso Spada Vice-Diretor Fabrício de Souza Neves DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA Chefe do Departamento Fabrício Augusto Menegon Subchefe do Departamento Maria Cristina Marino Calvo EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Coordenador Francisco Norberto Moreira da Silva Coordenadora - substituta Renata Gomes Soares ASSESSORES TÉCNICOS Juliano Mattos Rodrigues Michelle Leite da Silva Kátia Maria Barreto Souto Caroline Ludmilla Bezerra Guerra Cícero Ayrton Brito Sampaio Patrícia Santana Santos Thiago Monteiro Pithon Créditos GRUPO GESTOR Coordenadora do Projeto Sheila Rubia Lindner Coordenadora do Curso Elza Berger Salema Coelho Coordenadora de Ensino Deise Warmling Coordenadora Executiva Gisélida Garcia da Silva Vieira Coordenadora de Tutoria Carolina Carvalho Bolsoni AUTORIA DO CURSO Fátima Büchele Assis Fernanda Martinhago Larissa de Abreu Queiroz REVISÃO DE CONTEÚDO Revisor Interno: Antonio Fernando Boing Revisores Externos: Helen Barbosa dos Santos Igor Claber 7 7 7 Atenção à saúde mental do homem Créditos ASSESSORIA PEDAGÓGICA Márcia Regina Luz ASSESSORIA DE MÍDIAS Marcelo Capillé DESIGN INSTRUCIONAL Soraya Falqueiro IDENTIDADE VISUAL E PROJETO GRÁFICO Pedro Paulo Delpino ESQUEMÁTICOS Tarik Assis Pinto DIAGRAMAÇÃO Laura Martins Rodrigues AJUSTES E FINALIZAÇÃO Adriano Schmidt Reibnitz REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA E ABNT Eduard Marquardt PRODUÇÃO DE MATERIAL ONLINE Dalvan Antônio de Campos Naiane Cristina Salvi Cristiana Pinho Tavares de Abreu Thiago Ângelo Gelaim Rodrigo Rodrigues Pires de Mello PRODUÇÃO TÉCNICA DE MATERIAL: Ana Lúcia Nogueira Cobra 8 8 8 Atenção à saúde mental do homem 9 9 9 Atenção à saúde mental do homem Olá, bem vindo a este curso do Curso Atenção Integral à Saúde do Homem, resultado de uma parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este curso apresenta os aspectos socioculturais da saúde mental masculina. Nele serão abordadas as masculinidades como fatores condicionantes dos sofrimentos psíquicos; as transformações das masculinidades no mundo contemporâneo; aspectos relacionados à cultura e sofrimento psíquico e, por último, o uso de álcool e outras drogas como expressão de masculinidades. Veremos que os homens têm uma maneira singular de expressar suas emoções, sofrimen- to psíquico, apresentando particularidades inclusive no que diz respeito à procura pelos serviços de saúde. Todos esses aspectos estão atrelados às masculinidades construídas social e cultural- mente que, de maneira geral, atribuem características aparentemente inatas do sexo mas- culino, tais como a virilidade, força, poder e o papel de provedor da família. O objetivo deste texto é identificar os principais agravos de saúde mental que acometem os homens e possíveis estratégias de prevenção e cuidado destes agravos. Portanto, nossa proposta é que você possa explorar esse conteúdo o máximo possível e aproveitar algumas dessas estratégias para a sua prática profissional. Aproveite esse novo aprendizado! Apresentação do curso 10 10 10 Atenção à saúde mental do homem Este curso aborda os principais aspectos socioculturais na saúde mental do homem e as principais informações epidemioló- gicas que nela influenciam, bem como o papel de Rede de Atenção Psicossocial na saúde do homem. Objetivos de aprendizagem para este curso Ao final deste curso, você poderá identificar os principais agravos de saúde mental que acometem os homens, bem como as pos- síveis estratégias de prevenção e cuidado destes agravos. Carga horária de estudo 30 horas Objetivos de aprendizagem e carga horária 11 11 11 Atenção à saúde mental do homem 12 12 12 Atenção à saúde mental do homem Unidade 1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina 14 1.1 As masculinidades como condicionante do sofrimento psíquico 16 1.2 As transformações das masculinidades no mundo contemporâneo 21 1.3 Cultura e sofrimento psíquico 26 1.4 O uso de álcool e outras drogas como expressão de masculinidades 27 1.5 Recomendação de leituras complementares 32 Unidade 2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina 33 2.1 Sofrimento psíquico 35 2.2 Transtorto Mental Comum – Tmc 37 2.3 Transtornos Mentais 41 2.4 Álcool e outras drogas 44 2.5 Suicídio em homens 50 2.6 Recomendação de leituras complementares 54 Unidade 3 A saúde mental e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para a população masculina 55 Sumário 13 13 13 Atenção à saúde mental do homem Sumário 3.1 A RAPS e a atenção aos homens em sofrimento psíquico 57 3.2 Estratégia de intervenção a partir da abordagem de gênero 63 3.3 Boas práticas – experiências exitosas 68 3.4 Recomendação de leituras complementares 74 Resumo do curso 75 Referências 77 Sobre os autores 85 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina 15 15 15 Atenção à saúde mental do homem 16 16 16 Atenção à saúde mental do homem 16 16 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Você já reparou como a condição dos ho- mens no mundo ocidental contemporâneo vem sendo discutida? Pergunte-se: “O que é ser homem?” “O que é ser mulher?” Figura 1 – O que é ser homem, o que é ser mulher? Fonte: Fotolia A lógica destas construções culturais está associada a um conjunto de ideias e práti- cas que baseiam essa identidade na virilida- de, na força e na própria constituição bioló- gica do homem. Nesse sentido, esta unidade traz à tona a discussão distribuída nos itens relaciona- dos a esse tema, fundamentais para você, profissional de saúde. Discutir certos conceitos ediscorrer sobre as mudanças sociais que estão ocorrendo ao longo da história é relevante para que você compreenda o momento atual, bem como alguns comportamentos e situações que você vivencia no seu dia a dia. 1.1 As masculinidades como condicionante do sofrimento psíquico As masculinidades e as feminilidades – ou seja, as identidades de gênero – se con- figuram como o conjunto de traços cons- truídos na esfera social e cultural por uma sociedade, os quais definem os gestos, comportamentos, atitudes, modos de se vestir, falar e agir tanto para homens quan- to para mulheres. Essas identidades ten- dem a estar em consonância com o sexo 17 17 17 Atenção à saúde mental do homem 17 17 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina biológico, mas não necessariamente es- tão compatíveis com ele. Na verdade, elas podem e estão continuamente se renovan- do, podendo ser moldadas novamente a cada momento, não sendo fixas e acaba- das (SILVA, 2006). O processo de definição dessas identidades ocasiona um impedimento das construções singulares, pois acaba moldando e prees- tabelecendo um comportamento comum a todos os indivíduos, de acordo com o seu sexo biológico. Além disso, este processo avalia determinadas ações como corretas e normais, transformando-as em modelo e referência para todos. O problema é que, na maioria das vezes, esse conjunto de norma- tivas não dá conta de toda a complexidade e subjetividade que envolve os indivíduos, aprisionando-os nessas “obrigações” (SIL- VA, 2006; LOPES, 2011). No caso dos homens, o modelo hegemô- nico de masculinidades ainda é muito presente na sociedade atual, embasado em valores patriarcais e na associação do masculino à virilidade, força e dominação (CRISTO, 2012). Esse modelo, embora he- gemônico, tem sofrido mudanças sociais nos tempos atuais. No esquemático a seguir, elaborado a partir das observações de Silva (2006), podemos, de maneira geral, perceber como a defini- ção do que é ser homem versa a partir de várias negativas, assim como de múltiplas exigências. Não chorar Não demonstrar seus sentimentos Não ser homossexual Não amar as mulheres Não ser fraco Não ser covarde Não ser perdedor Não ser passivo nas relações Ser pai Ser provedor Ser dominador Ser destemido Ser independente Ser agressivo Ser líder Ser detentor de dinheiro, emprego Ser mantedor de relações sexuais O que é ser homem? 18 18 18 Atenção à saúde mental do homem 18 18 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina De modo amplo, o homem possui uma ima- gem de invulnerabilidade, como se danos sociais, físicos e mentais não o atingissem. Dessa forma, em tese, os homens não ne- cessitariam de programas de prevenção ou assistência à saúde. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, promulgada pelo Minis- tério da Saúde em 2008, aponta que essa população não acessa com regularidade o sistema de saúde pela Atenção Primária. Em geral, adentra pelos serviços de média e alta complexidade, buscando tratamento ou reabilitação para os agravos de saúde que já estão instalados (CRISTO, 2012). Perceba, então, que o mesmo ambiente cultu- ral que reproduz a superioridade do homem, acaba prejudicando-o quando o induz a des- cuidar de sua saúde e a negar riscos frente a qualquer falha na função de provedor, já que quando afetado por alguma doença, ele ten- de a se calar e a não buscar apoio. No esquemático abaixo você pode visuali- zar que homens e mulheres estabelecem diferentes maneiras de vivenciar o sofri- mento psíquico. Esse aspecto é apontado em estudo de San- tos (2008), o qual destaca que além de os homens não serem incentivados a lidar com seus sentimentos, o fato de estar doen- te significa fracasso social e acaba sendo uma condição não aceita tanto pelos fami- liares quanto socialmente. Já as mulheres tendem a se apegar às relações afetivas no seu meio social, o que acaba tendo efeito protetor, sem acarretar grandes malefícios. Os homens, quando frustrados diante da sua baixa qualidade de vida ou situação socioeconômica, tendem a serem levados pelo álcool como uma forma de fuga desses problemas, ficando suscetíveis a transtornos mentais e doenças mentais potencializadas. 19 19 19 Atenção à saúde mental do homem 19 19 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Isso tudo demonstra uma forma singular dos homens em sua reação frente a difi- culdades físicas ou psíquicas. Uma forma singular associada a uma certa imagem do masculino, cultural e socialmente falando. Pergunte-se: será possível perceber como essa identidade construída influencia diver- sas atitudes desses indivíduos? Além disso, esta construção identitária não influencia no modo como os homens enfrentam situações adversas, as quais podem acarretar sofrimen- to psíquico e outras consequências sociais? De modo sucinto, podemos lançar a hipóte- se de que aqueles que não se enquadram ou não se identificam com esses padrões impostos acabam mudando seus compor- tamentos e papéis sociais, em busca de aceitação, ou passando por grande sofri- mento psíquico (SILVA, 2006). Saiba que o sofrimento psíquico, apesar de envolver aparentemente apenas o âmbito individual, é na verdade construído social- mente e tem relação direta com valores e normas, sociais e históricas. Figura 2 – Identidade e sexo biológico. Fonte: Shutterstock Isso significa dizer que a vivência de cada indivíduo expressa regras que são molda- das por certa configuração social em deter- minada cultura e contexto. É algo que pode ser traduzido na dificuldade em realizar pla- nos, definir o sentido da vida e sentimento de impotência e vazio. Essas intercorrências podem incapacitar homens e mulheres a conviverem e intera- girem em sociedade, podendo levar inclu- sive à perda da sua condição de cidadãos (SANTOS, 2009). Para refletir a respeito das vivências do sofrimento ou do adoecimento psíquico dos homens, é importante refletir sobre os papéis centrais que o trabalho e a sexualidade desempenham nas prescri- ções sociais impostas sobre as mascu- linidades. 20 20 20 Atenção à saúde mental do homem 20 20 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Trabalho Sexualidade O trabalho parece ser constituinte das masculinidades, marca seu co- tidiano e é responsável pelas vivências e representações sociais dos homens. Ele promove independência financeira, status social e poder. A ausência de trabalho gerando um sentimento de não adequação, fracasso e desorientação nos homens. É como se estivessem aban- donados e não fossem reconhecidos sem a existência do trabalho. A sexualidade marca a virilidade do homem e sua consequente adequação ao modelo valo- rizado socialmente. Ao perder a identidade de tra- balhador, os homens, em re- lação às mulheres, enfrentam maiores dificuldades de rein- serção social e reconstrução da identidade anterior. Os homens são estimulados a conseguir mui- tas conquistas amorosas e estabelecer uma postura cada vez mais distante de passivida- de e submissão, com exercício ativo e cons- tante da sua sexualidade. Dessa forma, entendemos que o sofrimento psíquico masculino parece estar relaciona- do à inadequação ao paradigma do trabalho na sociedade contemporânea e também à privação do exercício da sexualidade, am- bos representando impedimentos para cum- prir com o papel social de provedor e chefe da família (SANTOS, 2008). No esquemático ao lado você visualiza as funções do traba- lho e da sexualidade sobre as masculidades. A identidade de gênero e sexual são proces-sos muito complexos que devem ser cuida- dosamente pensados para que possamos diminuir as pressões sociais sobre os indi- víduos de ambos os sexos, e, quem sabe, as complicações relacionadas à saúde mental, já que ainda há muitos estigmas no que se refere ao adoecimento psíquico masculino. A identidade de gênero e sexual são proces- sos muito complexos que devem ser cuida- dosamente pensados para que possamos 21 21 21 Atenção à saúde mental do homem 21 21 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina diminuir as pressões sociais sobre os indi- víduos de ambos os sexos, e, quem sabe, as complicações relacionadas à saúde mental, já que ainda há muitos estigmas no que se refere ao adoecimento psíquico masculino. Para saber mais sobre as transformações da masculinidade, leia: CONNELL, R. W. Políti- cas da masculinidade. Educação & Realidade, n. 20, v.2, p.185-206, 1995. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/ handle/123456789/1224/connel_politicas_ de_masculinidade.pdf?sequence=1&isAllow ed=y>. Acesso em: 25 jan. 2019. 1.2 As transformações das masculinidades no mundo contemporâneo As masculinidades dizem respeito à posi- ção dos homens nas relações de gênero, elaborada a partir do conceito de “mascu- linidades culturalmente hegemônicas”, o qual sintetizam papéis culturais, sociais e políticos a serem seguidos pelos homens em determinado contexto e momento his- tórico. Esse conceito se refere a uma con- figuração de gênero que legitima o patriar- cado e garante a posição dominante dos homens sobre as mulheres, constituindo- -se a partir dos modelos tradicionais e da personalidade distante emocionalmente, com características machistas, heterosse- xuais, agressivas e apresentação de com- portamentos de risco (SILVA, 2006). Perce- ba ao lado a descrição das masculidades hegemônicas. Essas colocações parecem retratar a ma- nutenção das masculidades pensadas, percebidas e vivenciadas como um dado concreto, inquestionável e não passível de reflexão. É como se todo homem possuís- se naturalmente a essência das masculi- nidades, nascendo e se percebendo como homem-macho desde os primeiros mo- mentos de vida, sendo definido apenas por seu sexo biológico (LOPES, 2011). • Baseia-se na configuração relacional das práticas de gênero que são aceitas socialmente, estabelecendo e assegurando as posições de dominantes e dominados, exemplificanda pela subordinação entre os sexos. • Não se refere a indivíduos poderosos, mas a um tipo de masculinidades tida por exemplar. • Possui espectro ideológico, pois naturaliza as diferenças entre os sexos. • Expressa uma posição sempre em disputa, não sendo um modelo fixo. Em outras palavras, por trás destas considera- ções reina a ideia de que os homens são prove- dores, enquanto as mulheres estariam na posição de providas. Embora haja exceções e muitas disputas, prevalece a ideia de masculidades que aceita estas diferenças como algo natural, da própria espécie. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1224/connel_politicas_de_masculinidade.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1224/connel_politicas_de_masculinidade.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1224/connel_politicas_de_masculinidade.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1224/connel_politicas_de_masculinidade.pdf?sequence=1&isAllowed=y 22 22 22 Atenção à saúde mental do homem 22 22 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina A partir do final da década de 1960, o mo- vimento feminista parece ter tido como re- flexo a crise das masculinidades contempo- râneas, levando alguns homens a buscarem um modelo que melhor conseguisse des- crever suas subjetividades, já que o modelo tradicional não conseguia mais se susten- tar frente às mudanças ocorridas no campo do trabalho, das relações afetivas, sociais e sexuais. Foi apresentada uma redefinição do papel de pai do homem contemporâneo, chamada de “nova paternidade”, concomi- tante à entrada das mulheres no mercado de trabalho e na vida pública (SILVA, 2006). O modelo de masculinidades para esse “novo homem” estaria sustentado pela sua capacidade e liberdade de demonstrar seus sentimentos, de executar tarefas domésti- cas, participar ativamente na educação dos filhos e, inclusive, exercer profissões antes consideradas femininas. Pode inclusive ga- nhar menos do que sua companheira sem que isso seja um incômodo para ele. No cam- po da sexualidade, a possibilidade de falhas seria aceitável e compreensível, podendo o homem admitir ser dominado. As identida- des sexuais alternativas (homossexual, bis- sexual e transexual) também são permitidas e fazem parte das subjetividades masculinas contemporâneas. Teoricamente, o machis- mo perderia o sentido e as relações entre ho- mens e mulheres tenderiam a melhorar. Figura 3 – Novos modelos de masculinidade: tarefas do- mésticas Fonte: Fotolia Trazendo um contraponto, Kimmel (1998) re- fere que as masculinidades são socialmente construídas, e não uma propriedade biológica ou social cristalizada. Dessa forma, variam de cultura para cultura, dentro da mesma cultu- ra no decorrer de certo tempo, e em qualquer cultura por meio de um conjunto de variáveis, no transcorrer da vida de qualquer homem. Importante! Segundo Kimmel (1998), a mas- culinidade não é natural, intrínseca e que aqui- lo que está posto como o universal masculino, que aparentemente parece pronto e acabado, é, na verdade, uma invenção histórica. Mesmo assim, percebe-se ainda uma insis- tência em associar a imagem do masculino à força, resistência, competição, virilidade, racionalidade e até violência e sexo. Trata-se de enquadrar todos numa normalidade mas- culina heterossexuada, como se esta fosse a forma natural e tivesse que ser seguida como uma linha de conduta (LOPES, 2011). 23 23 23 Atenção à saúde mental do homem 23 23 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Porém, a sociedade de consumo se propôs a participar das reflexões com a introdução da figura do metrossexual, criada para dar conta desse “novo homem”. Figura 4 – Novos modelos de masculinidade: participação ativa na educação dos filhos Fonte: Shutterstock Construiu-se a ideia de que todo homem po- deria ter uma preocupação estética consi- go, semelhante ao que fazem as mulheres. A diferença é que agora ele não perderia sua identidade e sua preferência sexual ou, me- lhor, heterossexual (SILVA, 2006). Importante! O metrossexual caracteriza-se por ser vaidoso, preocupado com sua aparência, frequentador de espaços que em outro mo- mento eram exclusividade das mulheres (como o salão de beleza, por exemplo) e por ser atento às novidades da moda. Ele é um personagem da sociedade baseada no consumo, integrado ao sistema de produção capitalista e centrado no culto à imagem e ao corpo, colocado a servi- ço das necessidades do mercado e aprisionan- do-o em mais uma identidade (SILVA, 2006). A construção de identidades incorrem no risco de fragmentar os modos de exercer masculinidades, visto que os homens per- formam modos de ser homem que reiteram normas mas que também as subvertem. Assim as masculinidades estão em cons- tante fluidez. Embora aparente uma possibilidade de mu- dança cultural, o que parece alimentar essa nova forma é o fator econômico, já que o capitalismo contemporâneo produz neces- sidades fúteis, estimulando o consumismo exacerbado e agora atingindo um novo pú- blico-alvo: o narcisismo masculino. Figura 5 – Novos modelos de masculinidadeFonte: Fotolia Os indivíduos passam a acreditar, então, na norma social de que o sucesso e a felicida- de dependeriam da sua aparência física, 24 24 24 Atenção à saúde mental do homem 24 24 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina sua imagem, acabando por se enquadrar na busca do padrão estético hegemônico para serem aceitos socialmente. Evidentemente, nem todos na sociedade têm essa possibili- dade de consumo, de atender a essa deman- da. Dessa forma, o discurso sobre o homem metrossexual e toda a polêmica a respeito da nova forma de masculinidade está atrelada à formação discursiva da pós-modernidade, em que as grandes lutas da humanidade são substituídas por pequenas (GODOI, 2006). Figura 6 – O masculino como novo alvo do consumismo Fonte: Fotolia Aparentemente, os homens da atualidade estão vivendo uma pressão muito semelhan- te à enfrentada pelas mulheres, há décadas, para se enquadrar no padrão de beleza he- gemônico, não bastando ao homem burguês apenas ser proprietário de bens, adquiri-los e ostentá-los. Ele precisa também ter um corpo “sarado”, conhecer as tendências da moda, usar roupas e acessórios de grife e frequen- tar clínicas de estética (GODOI, 2006). De fato, observamos que no Brasil da con- temporaneidade há um número cada vez maior de homens que usam cabelos com- pridos, unhas e sobrancelhas bem cuida- das, acessórios de cabelos, brincos e outros adereços que não causam mais vergonha ou constrangimento. Uma parte significativa da população pare- ce querer seguir esse novo estilo de vida, com vaidade igualada ou maior que a das mulheres, demonstrando o poder desse novo discurso em influenciar na ação social (GODOI, 2006). Figura 7 – O metrossexual Fonte: Fotolia Na contemporaneidade então, parecem surgir novas relações e, talvez, um enfra- quecimento das relações de poder e domi- nação com a entrada dessas novas formas de masculinidades. Homens estão sendo, de certo modo, desvirilizados, frequentan- do “espaços de mulheres”, assumindo rela- ções homoafetivas – enfim, estão surgindo masculinidades plurais. Isso pode significar uma nova condição, conquista de novas possibilidades, versões e formas de mascu- linidades (LOPES, 2011). 25 25 25 Atenção à saúde mental do homem 25 25 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Se a masculinidade não é natural, mas um pro- duto de encontros e relações, historicamente construída, ela pode ser muito mais do que os estereótipos e modelos que fazem tentativas, algumas vezes opressoras, de definir, cercar e cristalizar. Pode ser um universo amplo de imagens, símbolos, aliado às subjetividades e singularidades, em vez de generalizável e iden- tificável (LOPES, 2011). O que você pensa? A tentativa de descrever todos os homens a partir do viés da identidade sexual e de gê- nero não consegue dar conta da maioria das singularidades, pois nem todos conseguem se encaixar e se perceber no modelo tradicio- nal, e mesmo no modelo contemporâneo de masculinidades. Se vemos apenas a iden- tidade sexual ou de gênero do indivíduo, ou se tentamos enquadrá-lo em algum dos mo- delos de masculinidades criados, acabamos por deixar de lado o essencial. Acreditamos que é possível construir masculinidades ou feminilidades sem hegemonias, sem tanto rigor ou identidades fechadas (SILVA, 2006). Sem dúvida as transformações das mascu- linidades no mundo contemporâneo vieram questionar o modelo patriarcal de domina- ção masculina, com desmistificação de al- guns valores impostos socialmente e, com isso, construíram-se novas possibilidades e novas interações. As mudanças do mundo contemporâneo es- tão contribuindo para que os homens pos- sam falar de seus sentimentos, expor seus problemas e identificar novos modelos de masculinidades pautados na sensibilidade, no companheirismo, na afetividade, enfim, em novos propósitos de papéis políticos, sociais e também psicológicos. Todo esse processo vem se construindo a partir da evolução histórica e cultural, pro- duzida em diferentes sociedades e épocas, com espaços que devem ser conquistados e ocupados por homens e mulheres. No entanto, ressalta-se mais uma vez que não é reconstruindo uma nova iden- tidade masculina o que tornará possível promover mudanças a respeito do que é ser homem na nossa sociedade; ao con- trário, é necessário desconstruir a identi- dade masculina, patriarcal, machista que está cristalizada, e assim promover ou- tros acordos e outras relações, sem que se crie imediatamente uma substituição que envolva novamente os indivíduos em normas e padrões engessados que não abarcam as subjetividades e singularida- des de cada um. Este tema é novo e gostaríamos que você complementasse seu estudo com esta leitu- ra: LOPES, F. H. Masculinidade(s): reflexões em torno de seus aspectos históricos, sociais e culturais. Revista de Artes e Humanidades, n. 8, maio/out. 2011. Disponível em: <http:// www.revistacontemporaneos.com.br/n8/ dossie/masculinidadesreflexoes.PDF>. Aces- so em: 25 jab. 2019. http://www.revistacontemporaneos.com.br/n8/dossie/masculinidadesreflexoes.PDF http://www.revistacontemporaneos.com.br/n8/dossie/masculinidadesreflexoes.PDF http://www.revistacontemporaneos.com.br/n8/dossie/masculinidadesreflexoes.PDF 26 26 26 Atenção à saúde mental do homem 26 26 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina 1.3 Cultura e sofrimento psíquico Abordar a questão da cultura e do sofrimen- to psíquico significa analisar a interação das condições de vida social com a trajetó- ria específica do indivíduo e sua estrutura psíquica, sem deixar de lado a realização pessoal do sujeito em todos os aspectos de seu contexto de vida. Os grandes transtor- nos apresentados na contemporaneidade, tais como a toxicomania, anorexia, estresse, depressão, nos convidam a pensar sobre maneiras de atender as pessoas com sofri- mento psíquico, principalmente os homens, que procuram atenção aos seus sofrimen- tos de forma tão singela. Importante! Os sintomas que se formam do sofrimento psíquico masculino, longe de apon- tar uma discussão estrutural de onde o sujeito fala, indica que é de extrema importância uma escuta que possa acompanhar tanto a origem quanto a posição para onde ele se dirige com essa fala (CARNEIRO, 2004). A cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna, relacionadas aos processos de desenvolvimento do meio ambiente, aos re- cursos econômicos e materiais. As trocas culturais têm se expandido por meio das tecnologias e da revolução dos meios de comunicação, das informações aceleradas, dos recursos humanos, materiais e tecnoló- gicos no mundo inteiro. O sofrimento ao longo da história recebeu diferentes significações e destinos. De sím- bolo do pecado judaico-cristão à patologia da ciência moderna, o sofrimento sempre exigiu do homem uma explicação lógica quanto mais estranheza a sua manifestação provocava na comunidade (BRANT, 2004). As mudanças culturais globais estão esta- belecendo também, de certa forma, uma rápida mudança social, provocando deslo- camentos culturais que têm consequências positivas e outras nem tanto, como o sofri- mento psíquico, por exemplo. Do ponto de vista dos conceitos de dor e sofrimento, é possível dizer que eles não se confundem, mas também não se distin- guem com facilidade. Todavia, isso não nos autoriza afirmar a existência de uma relação de complementaridade entre eles. Existe um estreito e tênue limite entre os dois ter- mos, relacionado a um sentido etimológico e semântico. Dessa forma, a transformaçãodo sofrimento em adoecimento pode ser compreendida por um longo percurso, aper- feiçoado como uma nova técnica de gestão dos homens (MARQUEZ, 2004). Na gestão do trabalho pós-industrial, por exemplo, a disciplina como técnica de exer- cício do poder tem por função não mais 27 27 27 Atenção à saúde mental do homem 27 27 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina controlar os gestos e os corpos, mas o pen- samento, a criação e as manifestações do sofrimento (FOUCAULT, 1979). Até então, o sofrimento é representado como essencialmente negativo, mas, para Dejours (1994), a existência dele resultaria em luta entre o sujeito e as forças ligadas à organização do trabalho, o que o levaria ao adoecimento psíquico. Nesse sentido, o sofrimento poderia significar um processo criativo, uma tentativa de mudança e recu- peração, sendo mais do que simplesmente elementos patogênicos. Dessa forma, Rodrigues (1992, p. 141) refe- re que: þþ Cada cultura modela ou fabrica à sua maneira um corpo humano. Toda sociedade se preocupa em im- primir no corpo, fisicamente, deter- minadas transformações, median- te o qual o cultural se inscreve [...] o homem não tem um corpo único ao qual esteja para sempre confina- do. Esse corpo é muito mais do que algo intrinsecamente ordenado; ele faz parte do universo convencional como qualquer outro objeto vivido ou concebido por humanos. Diante dessas reflexões, é importante res- saltar que uma saída mais justa, mais ética, mais humana para não infringirmos no indiví- duo quaisquer tipos de sofrimentos psíquicos, construídos na sua diversidade histórica, social e cultural, é todos nos respeitarmos como su- jeitos, e também respeitar nossas construções singulares, indiferente se somos homens ou mulheres, independente das nossas particu- laridades, dos nossos desejos afetivos ou até mesmo do papel social que exercemos no nos- so dia a dia. O que você pensa a respeito disso? 1.4 O uso de álcool e outras drogas como expressão de masculinidades O uso de drogas se fez presente em toda a história da humanidade, em diferentes cultu- ras, contextos e com diferentes objetivos e motivações. Este consumo pode incluir a in- gestão de bebidas alcoólicas, medicamentos e a utilização de outras substâncias ilícitas, como a cocaína e a maconha, em diversos locais, como festas, na rua, em grupo ou indi- vidualmente. Pode ser realizado por homens e mulheres de diferentes faixas etárias, cultu- ras e níveis de escolaridade (MORAES, 2011). Figura 8 – O uso de drogas é uma constante na História, em homens e mulheres das mais diversas idades Fonte: Fotolia Atualmente, o consumo dessas substâncias está presente em todos os países do mundo e suas consequências e complicações são conhecidas e consideradas um problema 28 28 28 Atenção à saúde mental do homem 28 28 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina de saúde pública. Apesar de ser uma pro- blemática comum em diversos grupos na sociedade, há uma diferença visível entre a forma que o uso de álcool e outras drogas é percebido, vivido e como adquire significa- do para homens e mulheres, com marcante reprodução das questões de gênero. De maneira geral, em nossa sociedade es- pera-se, a partir do ideal de masculinida- des, que o homem construa a sua identida- de de homem, a qual é criada por meio de sanções culturais, rituais ou provas de ha- bilidade e força (CONNELL, 1995). Há uma expectativa social sobre essa população, a qual foi educada para ter força e coragem, sinônimos das masculinidades heterosse- xuais. E são justamente essas referências e cobranças sociais que levam os homens a correrem mais riscos associados ao uso de drogas, quando comparados às mulheres, e a desenvolverem diversos comportamentos violentos (MORAES, 2011). A consequência da associação entre álcool e masculinidades pode ser observada em dados do Ministério da Saúde, que indicam que 89,1% dos óbitos entre 2000 e 2006 resultantes do consumo de bebidas alcoó- licas no Brasil foram de homens (BRASIL, 2009). De maneira geral, comportamentos não saudáveis são entendidos, pelos próprios homens, como característicos da condição masculina, resultando na chamada “vul- nerabilidade de gênero” (KNAUTH et al., 2005). O álcool é uma droga amplamente consumida no mundo, observe no esque- mático abaixo. Essa vulnerabilidade tem sido reconheci- da como produto de uma socialização em que as masculinidades do homem está No Brasil, o consumo total estimado equivale a 8,7 litros por pessoa, sendo superior à média mundial. Estima-se que o consumo entre os homens equivale a 13,6 litros por ano; já, entre mulheres, o índice é de 4,2 litros por ano. Estima-se que indivíduos de 15 anos ou mais consumiram em torno de 6,2 litros de álcool puro em 2010, equivalendo a 13,5g por dia. 0 3 6 9 12 15 29 29 29 Atenção à saúde mental do homem 29 29 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina sempre à prova, vigiada inclusive por ou- tros homens, necessitando se opor às re- ferências feminina e homossexual (ROSA; NASCIMENTO, 2015). Envoltos por todas essas regras e expec- tativas a que são submetidos, os homens acabam se sujeitando a situações de risco ou malefício à sua integridade física, que são justamente as ações conectadas a es- sas exigências sociais (ROSA; NASCIMENTO, 2015). Isso significa dizer que a maneira pela qual são construídas socialmente as masculi- nidades influencia diretamente no fato de os homens ou meninos se exporem mais a situações arriscadas do que a população feminina. Para os homens, o consumo de substâncias psicoativas pode representar uma forma de expressar as suas masculi- nidades, visto que as crenças construídas socialmente valorizam a exposição e su- peração de riscos no sexo masculino, bem como a imagem de provedor da família. Conforme já foi mencionado, a expressão do poder por meio da violência também é um aspecto importante nesse sentido, já que algumas vezes esses atos são vistos como elementos próprios do “ser homem”. Desse modo, muitas situações de violência estão associadas ao uso de substâncias psicoativas, trazendo uma demanda bem específica aos serviços de saúde com rela- ção a essa população (MORAES, 2011). Os problemas de saúde que mais atingem os homens jovens são decorrentes do uso de álcool e outras drogas, sendo o consumo dessas substâncias comumente associado à socialização masculina, seja como passa- gem da adolescência à vida adulta ou como afirmação da masculinidade ao longo da vida (BRASIL, 2010). Figura 9 – Álcool e sociabilidade Fonte: Fotolia Consumir bebidas alcóolicas, por exemplo, é visto socialmente como um privilégio do sexo masculino, uma maneira de diverti- mento entre amigos, que inclui até o orgulho e compartilhamento de conquistas amoro- sas ou de outros tipos. Esse padrão de com- portamento entre homens, considerando to- das as mudanças sociais e culturais vem se expandindo também entre as mulheres. Todos esses aspectos fazem parte de uma tentativa de expressar as masculinidades 30 30 30 Atenção à saúde mental do homem 30 30 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina de acordo com o que é exigido socialmente, muitas vezes de maneira implícita. Para saber mais sobre o uso de álcool e suas representações sociais com relação à mascu- linidade, leia: ROSA, L. F. A.; NASCIMENTO, A. R. A. Representações sociais de bebidas al- coólicas para homens universitários. Arquivos Brasileiros de Psicologia. Rio de Janeiro, v. 67, n. 1, p. 3-19. Disponível em: <http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/do- wnload/881/918>. Acesso em: 25 jan. 2019. A fase da adolescência, período de grandes transformações, identificações e significa- ções, tem peculiaridades relacionadas ao be- ber e à expressão e afirmação das masculini- dades. Os jovens parecem ter aprendido que o consumo do álcool é um ato próprio do ho- mem nos ritos proporcionados pelos grupos de referência, utilizando-o muitas vezes como meio para manter a coesão, o sentido de per- tença, de continuidade, de tradição familiar. É como se fosse um hábito, uma norma. Como se fosse ensinado que esta é a pos- tura e a reação esperada de todos os ho- mens (MENDOZA, 2004). Em estudo sobre uso de álcool em adoles- centes, Mendoza (2004) aponta a relação entre o consumo de álcool e as masculini- dades, evidenciando que essa substância está presente como uma forma de expres- são do “ser homem”. Segundo Mendoza (2004), inicialmente este comportamento é muitas vezes refor- çado pelo grupo familiar, e, posteriormen- te, pelo grupo de amigos. O álcool, além de um elemento facilitador da interação nos espaços sociais, ainda mostra-se um importante instrumento de afirmação e reconhecimento social desses indivíduos (MENDOZA, 2004). Figura 10 – Consumo de álcool: uma tradição milenar? Fonte: Fotolia Além disso, ainda com relação aos adoles- centes, comumente esses jovens têm di- ficuldade de pedir apoio diante de alguma dificuldade por terem medo de parecer vul- neráveis ou femininos. A repressão dessas emoções, algumas vezes, faz com que tam- bém seja favorecido o consumo de drogas, sobretudo de álcool (BRASIL, 2010). http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/download/881/918 http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/download/881/918 http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/download/881/918 31 31 31 Atenção à saúde mental do homem 31 31 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina Nesse sentido, é visível que o processo de socialização dos homens interfere em como esses indivíduos cuidam da sua saúde. Nos serviços de Saúde Mental, como os Centros de Atenção Psicossocial – álcool e outras drogas (CAPS-AD), diferentemente de ou- tros serviços de saúde pública, os homens são a maioria da população atendida. De maneira geral, eles buscam ajuda ape- nas quando se deparam com situações de gravidade maior, as quais não podem ser solucionadas de outra forma, mostrando o quanto é arraigada a crença de que devem superar os limites de seus corpos. Isso ocorre porque ao longo dos anos as mascu- linidades vem sendo associadas a fatores como independência, autonomia e autocon- fiança (MORAES, 2011; JABLONSKI, 1995). Quando consegue chegar até os serviços de saúde, é comum a essa população – ho- mens usuários de álcool e outras drogas – se deparar com preconceito e rotulações, os quais equivocadamente ainda baseiam intervenções de profissionais visando à ma- nutenção da abstinência. Ao se depararem com recaídas, o dependen- te passa a ser visto como fraco, irresponsá- vel, havendo uma ideia implícita de fracas- so e de que o indivíduo é incapaz de tomar suas próprias decisões (MORAES, 2011). Importante! Problematizar aspectos relacio- nados às masculinidades é fundamental, bus- cando descobrir de que modo influenciam na saúde mental dos homens e no cruzamento de diversas problemáticas que podem surgir nos atendimentos dos serviços. Dentre elas, entendemos que é necessário eliminar a lógica punitiva, restritiva ou cul- pabilizante diante do uso de álcool e outras drogas, abrindo espaço para a responsabi- lização e o resgate da autonomia desses sujeitos. Figura 11 – Rotulações prévias podem comprometer o atendimento em saúde Fonte: Fotolia Para tanto, o olhar profissional, especial- mente, deve ser voltado às estratégias de Redução de Danos, construção de Projeto Terapêutico Singular, uma escuta qualifica- da e um acolhimento isento de julgamentos, 32 32 32 Atenção à saúde mental do homem 32 32 UN1 Aspectos socioculturais da saúde mental masculina que ajudam a garantir os princípios da cida- dania e dos direitos humanos. Há uma grande demanda de discussão ge- rada a partir dessas problemáticas, já que o questionamento e reflexão sobre a vulnera- bilidade dos homens nesse contexto relacio- nado ao uso de álcool e outras drogas ainda não está muito presente no cotidiano das práticas de cuidado em saúde. Há ainda muitos estigmas sobre o proble- ma, tanto em homens como em mulheres, e muita desatenção para as peculiaridades e complexidades que envolvem as questões de gênero. 1.5 Recomendação de leituras complementares Para complementar o que você estudou nesta unidade, leia: SILVA, S. G. A crise da masculinidade: uma crí- tica à identidade de gênero e à literatura mas- culinista. Psicologia Ciência e Profissão, n. 26, v. 1, 2006, p. 118-131. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/pcp/v26n1/v26n1a11. pdf>. Acesso em: 25 jan. 2019. MORAES, M.; CASTRO, R.; PETUCO, D. (Orgs). Gênero e drogas: contribuições para uma atenção integral à saúde. Recife: Instituto PA- PAI, 2011. (Série Homens e PolíticasPúblicas). Disponível em: <http://psicologiasocial.uab. es/fic/es/webfm_send/523>. Acesso em: 25 jan. 2019. http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n1/v26n1a11.pdf http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n1/v26n1a11.pdf http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n1/v26n1a11.pdf http://psicologiasocial.uab.es/fic/es/webfm_send/523 http://psicologiasocial.uab.es/fic/es/webfm_send/523 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina 34 34 34 Atenção à saúde mental do homem 35 35 35 Atenção à saúde mental do homem 35 35 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Esta unidade tem como objetivos abordar primeiramente os aspectos epidemiológi- cos da saúde mental masculina relaciona- dos ao sofrimento psíquico. Na sequência, veremos o Transtorno Mental Comum, os transtornos mentais masculinos, a questão do álcool e outras drogas e, por fim, o suicí- dio em homens. 2.1 Sofrimento psíquico A vivência de um intenso sofrimento psíqui- co é chamada, na psiquiatria, de transtorno mental, sendo compreendida como a ma- nifestação de características psíquicas na vida de um indivíduo. As doenças mentais são constituídas por diversos aspectos: neurológicos, fisiológi- cos, sociais, culturais, religiosos, filosóficos e econômicos. Essas manifestações cau- sam aos indivíduos muito sofrimento psí- quico e repercutem na vida pessoal, familiar e relacional. Apesar do intenso sofrimento, há sempre a existência da possibilidade de construções de recursos de enfrentamento das problemáticas decorrentes do proces- so a partir das subjetividades de cada um (DALMOLIN; VASCONCELLOS, 2008). O adoecimento psíquico é um problema de saúde pública em âmbito mundial, já que afeta pessoas em diversos países e regiões, localizadas em diferentes contextos socioe- conômicos e culturais. Em geral, as pessoas nessa condição que procuram o sistema de saúde apresentam problemas agudos de ansiedade e depres- são, com sintomas menos graves, os quais estão associados a eventos estressantes da vida, com predomínio de sintomas somá- ticos em relação aos sintomas psicológicos (FORTES; VILLANO; LOPES, 2008). 36 36 36 Atenção à saúde mental do homem 36 36 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Figura 12 – Aspectos culturais estão relacionados às doen- ças mentais Fonte: Fotolia Uma pesquisa realizada nos serviços de Atenção Primária, em São Paulo, com ho- mens de 18 a60 anos, mostrou que 29,4% dos indivíduos atendidos eram casos que apresentavam sofrimento mental, sendo a prevalência maior em homens solteiros ou naqueles que consumiam algum tipo de Percebe-se, então, que relacionar papéis so- ciais, gênero, sofrimento psíquico, bem como as desordens psiquiátricas, é algo muito complexo e influenciado por vários aspectos. A assistência psiquiátrica no Brasil vem passando por grandes transformações nas últimas décadas, principalmente após o mo- vimento de Reforma Psiquiátrica, que pro- pôs outras práticas de promoção de saúde mental, fora dos regimes de internações fechadas, como é o caso dos manicômios. Para isso, atualmente a atenção a essa po- pulação tem sido realizada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com o obje- tivo de oferecer atendimento à população em um modelo que prioriza a reabilitação e a reintegração psicossocial do indivíduo pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços fa- miliares e comunitários. substância psicoativa. Além disso, 87,9% dos prontuários com queixa psicológica (depressão, ansiedade, raiva, insônia, dis- túrbios de sono, entre outros) eram de ho- mens que relataram alguma forma de vio- lência frequente, principalmente física ou sexual (ALBUQUERQUE; BARROS; SCHREI- BER, 2013). Outro estudo, realizado por Sachs-Ericsson et al. (2000), correlaciona gênero, papéis so- ciais e desordens psiquiátricas, mostrando, ao encontro de outras pesquisas, que não existem diferenças significativas de gêne- ro nas perturbações psiquiátricas, sendo 15,3% para homens e 17,3% para as mulhe- res. Em patologias específicas como de- pressão, distimia, ansiedade generalizada, pânico e fobia, as mulheres tiveram taxas mais elevadas. Já os homens lideraram no abuso de drogas ilícitas e álcool. 37 37 37 Atenção à saúde mental do homem 37 37 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Reforma Psiquiátrica > A Reforma Psiquiátrica brasileira é um movimento social que surgiu no final dos anos 1970, durante a crise do mo- delo de assistência em saúde mental centrado no hospital psiquiátrico. Inicialmente, os profissionais de saúde mental e os familiares das pessoas com transtornos começam a denunciar os manicômios como locais de violência, propondo, em seguida, a construção de uma rede de serviços com atua- ção territorial e comunitária, sem isolar os in- divíduos da sociedade. Em 1990 o Brasil assina a Declaração de Cara- cas, a qual propõe a reestruturação da assis- tência psiquiátrica, e em 2001 é aprovada a Lei 10.216, que dispõe sobre o direito das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecio- na o modelo de atenção em saúde mental. Da aprovação da lei origina-se a Política de Saúde Mental, que tem como objetivo garan- tir o cuidado desses indivíduos nos serviços substitutivos, como os CAPS e hospitais ge- rais, superando a lógica das internações fe- chadas e de longa permanência. Nesse sentido, os estudos epidemiológicos são de grande importância para determinar a magnitude das questões em saúde men- tal, causadoras de muito sofrimento psí- quico, sendo muito úteis e relevantes nas decisões e no planejamento de políticas públicas de saúde mental, bem como na or- ganização dos serviços e nas estratégias de prevenção e tratamento. 2.2 Transtorto Mental Comum – TMC Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência e o impacto dos trans- tornos mentais, assim como os problemas de saúde mental de maneira geral, foram durante muito tempo subestimados, sendo frequentemente tratados de maneira inade- quada e mal diagnosticados (WHO, 2001). Atualmente, essa questão desperta cada vez mais o interesse da sociedade e do po- der público, fazendo com que muitos paí- ses construam políticas de saúde mental comprometidas com o desenvolvimento de novas formas de cuidado, com a melhoria da qualidade de vida, garantia dos direi- tos de cidadania e combate às formas de violência, exclusão e estigma de que são alvo as pessoas com transtornos mentais (AMARANTE, 1995). Quadro 1 – Transtornos Mentais Comuns: sintomas Os Transtornos Mentais Comuns (TMC) caracterizam-se por um conjunto de sintomas Irritabilidade Fadiga Insônia Nervosismo Dificuldade de concentração Esquecimento Ansiedade Depressão Dores de cabeça Queixas somáticas inespecíficas (sintomas psiquiátri- cos não-psicóticos) Fonte: Goldberg (1992) 38 38 38 Atenção à saúde mental do homem 38 38 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Cerca de 90% das manifestações psiquiá- tricas se referem a esse tipo de transtorno, principalmente a depressão e ansiedade, as quais constituem as duas grandes dimen- sões desse tipo de transtorno (WHO, 2001). Segundo Santos (2002), Transtorno Mental Comum se refere à situação de saúde de uma população que não preenche os crité- rios formais para diagnósticos de depressão ou ansiedade segundo as classificações DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Fourth Edition) e CID- 10 (Classificação Internacional de Doenças – 10ª Revisão). Apesar de não preencherem os referidos critérios, apresentam sintomas que acarretam algum comprometimento na sua vida pessoal e profissional. De maneira geral, esse quadro clínico não faz os indiví- duos procurarem a assistência necessária, e muitas vezes, ao procurarem, são sub- diagnosticados e acabam não recebendo o tratamento adequado. Estudo realizado por Coutinho (1999) apon- tou que nas grandes capitais Porto Alegre e São Paulo, cerca de 50% das pessoas que procuram a Atenção Primária em Saúde são consideradas portadores de transtornos mentais não-psicóticos. Já no Rio de Janei- ro esse quadro aparece em cerca de um ter- ço dos pacientes em um ambulatório geral universitário (COUTINHO, 1999). Em outro estudo, realizado em 2002, no Re- cife, evidenciou-se prevalência de 35% de TMC (LUDERMIR; MELO FILHO, 2002). No que diz respeito às diferenças entre gêne- ros, estudo transversal realizado em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 2004 e 2005, apre- sentou resultados consistentes com estudos prévios. A prevalência de transtornos mentais comuns na população geral foi 28,0%, sendo 32,8% entre mulheres e 23,5% dos homens. O estudo apontou que a chance de falsos-nega- tivos entre os homens é maior quando se re- Estudos epidemiológicos mostram que milhões de pessoas sofrem algum tipo de transtorno mental no mundo e este número vem aumentando progressivamente, espe- cialmente nos países em desenvolvimento. Alguns estudos populacionais realizados no Brasil estimaram a prevalência de TMC em adolescentes e adultos, os quais verifi- caram 36,0% no Nordeste (COSTA; LUDER- MIR, 2005) e 17,0% no Sudeste (MARIAN- -LEON et al., 2007). Já na região Sul do país, na cidade de Pelotas, 28,8% de adolescen- tes apresentaram TMC; 28,5% de adultos e 22,7% de indivíduos com 15 anos ou mais (LIMA; SOARES; MARI, 1999). Como os TMC se expressam principalmen- te por meio de queixas somáticas inespe- cíficas, é alta a sua prevalência na Atenção Básica, já que é a primeira entrada dos servi- ços de saúde (FONSECA; GUIMARÃES; VAS- CONCELOS, 2008). 39 39 39 Atenção à saúde mental do homem 39 39 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina fere à triagem em saúde mental. Isso ocorre porque os homens, além de usualmente asso- ciar doença à fraqueza, tendem a demonstrar menos suas ansiedades e os sentimentos de tristeza quando comparados às mulheres, inclusive tendo dificuldade de relatar seus sintomas emocionais para entrevistadores (ANSELMI et al., 2008). Observe no mapa o panoramado Transtorno Mental Comum. “Transtornos mentais são a terceira causa de afastamento do trabalho”. Assista em: <https:// www.youtube.com/watch?v=-Xj8OLgVRjM>. Acesso em: 25 jan. 2019 Dados de outro estudo, cujo objetivo era ve- rificar a prevalência de casos suspeitos de TMC em uma população assistida por uma equipe do Programa Saúde da Família (PSF), mostraram também que o gênero feminino apresentou uma taxa de prevalência signifi- cativamente mais elevada de TMC (48,37%), quando comparado ao gênero masculino (34,41%) (MOREIRA, 2010). No Recife, foi encontrada a prevalência de 35% de TMC, em 2002 (LUDERMIR; MELO FILHO, 2002). Segundo Coutinho (1999), em Porto Alegre e São Paulo cerca de 50% das pessoas que procuram a Atenção Básica são portadores de transtornos mentais não-psicóticos. No Rio de Janeiro, cerca de um terço dos pacientes em um ambulatório geral universitário apresentavam esse quadro. Em Pelotas, a prevalência de TMC na população geral foi 28,0%, sendo 32,8% entre mulheres e 23,5% dos homens. O estudo apontou que a chance de falsos-negativos entre os homens é maior que para as mulheres. Ao associar doença à fraqueza, os homens acabam por demonstrar menos suas ansiedades e sentimentos de tristeza, ou seja, têm dificuldade em relatar seus sintomas emocionais para entrevistadores (ANSELMI et al., 2008). 40 40 40 Atenção à saúde mental do homem 40 40 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Destaca-se que, de maneira geral, as mu- lheres apresentam maior risco e maior prevalência para os transtornos não-psi- cóticos ou transtornos mentais comuns, podendo estar relacionados com fatores biológicos e hormonais, derivados do ciclo menstrual, do pós-parto (WHO, 2001) ou também às questões de gênero. Importante! Você sabia que os transtornos re- lacionados ao uso de substâncias psicoativas são mais prevalentes na população mascu- lina? Isso acontece porque as mulheres têm maior facilidade de identificar os sintomas, admiti-los e buscar ajuda, enquanto os ho- mens tendem a buscar nas drogas lícitas e ilícitas uma maneira de aliviar seu sofrimento psíquico ou angústia (SANTOS, 2010). Com relação ao tratamento dos Transtor- nos Mentais Comuns, ainda existe uma grande dificuldade em relação ao aces- so e à procura pelos serviços de saúde. As barreiras são inúmeras: culturais, fi- nanceiras e estruturais, ou seja, os servi- ços não estão preparados para atender e diagnosticar esses casos, com pouca disponibilidade e falta de treinamento das equipes de atenção básica para fazerem o acolhimento e encaminhamento dessas pessoas. Além disso, um aspecto muito importante a respeito dessa condição re- fere-se ao estigma sobre o adoecimento psíquico, ainda existente nas práticas de saúde, que dificulta ainda mais a procura e a eficácia dos atendimentos e das ações de cuidado. Diante disso, um desafio que se coloca é formar profissionais aptos a diagnosticar e tratar adequadamente os Transtornos Men- tais Comuns, especialmente aqueles mais prevalentes, como é o caso da ansiedade e da depressão. Figura 13 – TMC: ansiedade e depressão Fonte: Fotolia De maneira geral, os estudos realizados no Brasil e em países com economia seme- lhante, apontam que há alta taxa de preva- lência de TMC na Atenção Primária e na co- munidade, bem como falta de capacitação adequada para as equipes de saúde, que possibilite aos profissionais compreende- rem como lidar com essas formas de sofri- mento, as quais não estão classificadas nos manuais de diagnóstico (FONSECA; GUIMA- RÃES; VASCONCELOS, 2008). 41 41 41 Atenção à saúde mental do homem 41 41 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina 2.3 Transtornos Mentais Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada quatro pessoas sofrerão algum transtorno mental ou com- portamental em um dado momento da vida. Estimou-se que, em 2001, aproximadamen- te 450 milhões de pessoas no mundo apre- sentavam algum tipo de transtorno neuro- biológico ou psicossocial, com 5% a 10% dos trabalhadores sendo acometidos por transtornos mentais graves (WHO, 2001). A OMS também estimou que em 2020 te- remos no mundo 154 milhões de pessoas com depressão, 25 milhões com esquizo- frenia, 91 milhões com problemas de al- coolismo e 15 milhões com uso de drogas (WHO, 2011). Na população geral, em estudo com mais de 60 mil adultos de 14 países, a OMS re- gistrou que a presença de algum transtorno psíquico presente no DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Fourth Edition) variou de 4% em Xangai, na China, a 26% nos Estados Unidos (WHO, 2004). Dessa forma, os transtornos psi- quiátricos merecem atenção da sociedade, dos serviços de saúde e também do meio científico. É importante pontuar que no caso dessas pesquisas, existem limitações metodoló- gicas para quantificar essa questão em amostras populacionais, tendo-se em vis- ta a diversidade de instrumentos, contex- tos sociais e patologias. Mesmo assim, os dados epidemiológicos têm sido con- fiáveis para estimar a magnitude dessa problemática. São poucos os estudos existentes que mos- tram prevalência de transtornos psiquiátri- cos em adultos. Kohn et al. (2005) reuniram publicações da América Latina e do Caribe entre 1980 e 2004, verificando que as psi- coses afetivas e a esquizofrenia foram ob- servadas em 1,4% da população em algum momento da vida, sem diferenças significa- tivas entre os sexos. Um estudo realizado em São Paulo, Porto Alegre e Brasília mostrou que os índices de transtorno mental na vida foram de 30%, 43% e 51% respectivamente. Entre as mu- lheres, as prevalências foram maiores em Porto Alegre (50%) e Brasília (54%), enquan- to que em homens foi maior em São Paulo (33%). Os diagnósticos específicos para os trans- tornos delirantes, como esquizofrenias, manias e quadros psicóticos atingiu preva- lências que variaram entre 1% e 4% (ALMEI- DA-FILHO et al., 1997). 42 42 42 Atenção à saúde mental do homem 42 42 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Figura 14 – Índices de Transtornos mentais na vida em grandes cidades. TM São Paulo 30% Brasília 51% Porto Alegre 43% Fonte: Almeida-Filho et al (1997) No Brasil, estudo realizado com adultos mostrou que a prevalência de indivíduos com pelo menos um diagnóstico do DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual of Men- tal Disorders – Third Edition), encontrou 61% em Brasília, 35% em São Paulo e 52% em Porto Alegre (SANTOS; SIQUEIRA, 2010). Em transtornos mentais específicos, a es- quizofrenia situa-se em torno de 1% na po- pulação em geral (PÁDUA et al., 2005), e os transtornos bipolares atingem de 3% a 6% da população (SHANSIS; CORDIOLI, 2005). Em estudo da Universidade de Harvard e da Organização Mundial de Saúde (OMS), das 10 principais causas de incapacitação em todo o mundo, cinco delas estavam asso- ciadas aos TM, dentre as quais a depressão (13%), a ingestão de álcool (7,1%), os trans- tornos afetivos bipolares (3,3%), a esquizo- frenia (4%) e os distúrbios obsessivo-com- pulsivos (2,8%). Outro aspecto relevante sobre os agravos de saúde, e especialmente sobre a saúde mental, é a violência. Homens envolvidos em situações de violência têm sua saúde muito impactada, e muitas vezes essas si- tuações são negligenciadas pelos serviços de saúde. O impacto da violência sofrida pela população masculina é demonstrado em estudos nos quais há associação entre episódios de agressão a sintomas de so- frimento mental e transtornos mentais co- muns e graves. As agressões se referem à violência doméstica e violência urbana (AL-BUQUERQUE; BARROS; SCHRAIBER, 2013). Gráfico 1 – Cinco dentre as principais causas mundiais de incapacitação 0% 3% 6% 9% 12% 15% Depressão 13% Alcoolismo 7,1% Transtornos Afetivos Bipolares 3,3% Esquizofrenia 4% Distúrbios obsessivo-compulsivos 2,8% Fonte: Albuquerque; Barros; Schraiber (2013) 43 43 43 Atenção à saúde mental do homem 43 43 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Importante! Homens que sofreram violência por parceiro íntimo são mais propensos a apre- sentarem sintomas de depressão, fazerem uso de medicação psiquiátrica e desenvolver doen- ça mental crônica, além de terem a percepção de que sua saúde é frágil (COKER et al., 2002). Essa população foi estudada por Rhodes et al. (2009), mais especificamente homens aten- didos em hospital dos Estados Unidos. Estes apresentaram taxas mais altas de problemas psiquiátricos em comparação aos não envol- vidos em situações de violência, com 18,4% e 3,3%, respectivamente. Mostraram sintomas de depressão grave ou moderada, e também observou-se prevalência de transtorno pós- -traumático em 10,3% dos homens envolvi- dos, e 1,1% entre os não envolvidos. Dentre os homens que relataram sofrer de ansiedade ou nervosismo (registro mais prevalente), 89,6% referiram ter sofrido si- tuações de violência recorrente, em espe- cial física ou sexual. Dos homens que apre- sentaram algum tipo de sofrimento mental (com queixa, diagnóstico ou utilização do serviço de Saúde Mental), 45,7% foram sub- metidos a situações de violência física ou sexual mais de uma vez, além de 25,7%, que relataram sofrer uma vez (ALBUQUERQUE; BARROS; SCHRAIBER, 2013). Dados do Ministério da Saúde apontam que 3% da população geral brasileira sofre com transtornos mentais graves e persistentes; 6% com transtornos psiquiátricos graves de- correntes do uso de álcool e outras drogas, e 12% necessitam de algum atendimento, seja ele contínuo ou esporádico. Fonte: Brasil (2007) Gráfico 2 – Transtornos mentais graves e persistentes na população (geral) brasileira. Necessitam de algum atendimento 12% Sofrem de transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas 6% Sofrem de transtornos mentais graves e persistentes 3% 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 44 44 44 Atenção à saúde mental do homem 44 44 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Além desses dados, foi revelado que o ín- dice de utilização dos serviços de saúde ainda é baixo, cerca de 13% (BRASIL, 2007). Isso significa que a maioria das pessoas com algum transtorno mental não procura atendimento em saúde mental, o que pare- ce estar relacionado ao preconceito, desco- nhecimento da doença e também à falta de treinamento das equipes de saúde. No que se refere às diferenças entre gêne- ros, no caso do transtorno de humor bipolar, estudos referem que não há diferença sig- nificativa entre homens e mulheres. Kessler et al. (1994) estimaram que a prevalência de mania na vida é de 1,7% para mulheres e 1,8% para os homens. Formas mais leves do transtorno elevariam os números para 3,5% a 5% (AKISKAL et al., 2000). De maneira geral, as prevalências de trans- tornos psiquiátricos não diferem signifi- cativamente entre os sexos, sendo 26,4% para os homens e 24,7% para as mulheres. Destaca-se a predominância do alcoolis- mo nos homens e também o transtorno antissocial. Já no sexo feminino predomi- nam as psicoses. A esquizofrenia fica em torno de 0,98% para ambos os sexos. As internações psiquiátricas parecem seguir o mesmo padrão quando realizadas compa- rações entre gênero: 0,5% foi a taxa da pri- meira internação para as mulheres e 0,7% para os homens (MORGADO; COUTINHO, 1985). Importante! Os transtornos psiquiátricos são observados em ambos os sexos, mas os ho- mens, por sua dificuldade em falar sobre suas angústias e problemas, devem receber um olhar que considere esse aspecto. Além dis- so, há muitas outras diferenciações entre os gêneros que podem influenciar tanto no trata- mento quanto nas origens desses transtornos, os quais estão associados aos papéis sociais que os homens exercem e as cobranças refe- rentes à sua masculinidade. Para ampliar seu conhecimento sobre transtor- nos mentais, você pode pesquisar no livro: DS- M-V-TRTM: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Art- med, 2014. Disponível em: <https://aempreen dedora.com.br/wp-content/uploads/2017/04/ Manual-Diagn%C 3%B 3s t ico-e-E s tat% C3%ADstico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5. pdf> Acesso em: 25 jan. 2019 2.4 Álcool e outras drogas No ano de 2011, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) es- timou que de 167 a 315 milhões de pessoas no mundo, com idade entre 15 e 64 anos, fi- zeram uso de alguma substância ilícita no último ano. Esse dado corresponde a 3,6% e 6,9% da população mundial adulta. Em com- paração com o ano de 2008, houve aumen- to de 18% no número total de pessoas que consumiram drogas ilícitas no último ano, o que reflete um aumento na população mun- dial e também da prevalência do uso desse tipo de substâncias (UNODC, 2011). 45 45 45 Atenção à saúde mental do homem 45 45 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina O VI Levantamento sobre o Consumo de Drogas em Estudantes de 12 a 18 anos das 27 capitais brasileiras, realizado pelo Cen- tro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), em 2010, mostrou que 25,5% dos estudantes referiram uso na vida de alguma droga (com exceção de ál- cool e tabaco), 10,6% uso no último ano e 5,5% uso no último mês. Fazendo comparações entre os gêneros mas- culino e feminino, esse mesmo levantamen- to aponta que os homens usam mais drogas como cocaína (3,6% e 1,5%), solventes (9,4% e 8,1%), maconha (7,2% e 4,3%) e esteroides (2,3% e 0,5%) (CARLINI et al., 2010). Os dados apontados corroboram com o II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Dro- gas Psicotrópicas no Brasil (2005), o qual mostrou que os indivíduos do sexo masculi- no, comparados com o sexo feminino, apre- sentam maior prevalência de uso na vida de álcool, tabaco, maconha, solventes, cocaína, alucinógenos, crack, merla e esteroides. Já as mulheres, por sua vez, apresentam maio- res usos de estimulantes, benzodiazepínicos, orexígenos e opiáceos (CARLINI et al., 2007). Detalhando um pouco mais alguns tipos de substâncias psicoativas que apresentaram resultados relevantes nessa pesquisa, o uso de tabaco ao longo da vida está presente em 50,5% dos homens, enquanto que, entre mulheres, o índice é de 39,2%. Essa diferença entre gêneros também é vi- sível em relação aos dependentes dessa substância, sendo 11,3% no sexo masculino e 9,0% no feminino. Quadro 2 – O consumo de drogas em estudantes de 12 a 18 anos nas capitais brasileiras, 2010 No Brasil, levantamento sobre o consumo de drogas em estudantes de 12 a 18 anos nas capitais no ano de 2010 mostrou que: 25,5% dos estudantes re- feriram uso na vida de al- guma droga (com exceção de álcool e tabaco) 10,6% uso no último ano 5,5% uso no último mês Comparando gêneros masculino e femi- nino, este mesmo levantamento revela quais são as drogas de uso frequente: Tipo de droga Uso por homens Uso por mulheres Cocaína 3,6% 1,5% Solventes 9,4% 8,1% Maconha 7,2% 4,3% Esteroides 2,3% 0,5% Fonte: Carlini et al. (2010). 46 46 46 Atenção à saúde mental do homem 46 46 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Apesar de a prevalência ser maior entre os homens, esse dado mostra que a relação entre uso e dependência aparenta padrão semelhante entre os sexos, sendo quepara cada quatro homens ou mulheres que fa- zem uso de tabaco, um se torna dependente (CARLINI et al., 2007). Com relação à maconha, o uso na vida é em média três vezes maior para o sexo mas- culino do que para o feminino, em todas as faixas etárias, totalizando 14,3% e 5,1%, res- pectivamente. A dependência de maconha foi aproximadamente cinco vezes maior entre os homens (2,41%) do que entre mu- lheres (0,54%). A cocaína apresenta padrão semelhante, com prevalência de uso na vida entre 5,4% dos homens e 1,2% das mulhe- res, com maior diferença entre os gêneros a partir dos 35 anos (com 4,5% de homens e 0,6% de mulheres). Já o uso de solventes na vida ficou com 10,3% para o sexo masculino e 3,3% para o feminino. Os dependentes so- pode ser relevante para explicar o consumo ampliado de drogas para o sexo masculino é a prevalência do oferecimento de drogas aos indivíduos. Entre os homens, 8,6% referiram que já lhe foi oferecido algum tipo de droga, sendo que entre as mulheres esse número cai para 2,8% (CARLINI et al., 2007). No que se refere às consequências do uso de substâncias psicoativas, cerca de 87% mam 0,27% e 0,20%, respectivamente (CAR- LINI et al., 2007). Além desses importantes dados, o estudo mostra que a percepção de risco grave do uso de álcool, maconha e cocaína ou crack é maior nas mulheres do que nos homens, o que de certa forma explica o consumo mais frequente e mais intenso dessas substâncias pelo sexo masculino. Outro dado que também Quadro 3 – Tipos de drogas e seus usos entre homens e mulheres Tipo de droga Homens Mulheres Maconha Uso 14,3% Uso 5,1% Dependência 2,41% Dependência 0,54% Cocaína Uso 5,4% Uso 1,2% Solventes Uso 10,3% Uso 3,3% Dependência 0,27% Dependência 0,20% Fonte: Carlini et al. (2007). 47 47 47 Atenção à saúde mental do homem 47 47 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina das mortes associadas com essa questão ocorrem com os homens, mostrando que as taxas de mortalidade são bem maiores para esse público específico. Os acidentes de trânsito após o consumo de drogas, es- pecialmente, têm prevalência de 4,1% para o sexo masculino e 0,6% para o feminino (CARLINI et al., 2007). O álcool, por ser uma droga lícita ampla- mente consumida ao redor do mundo, merece atenção especial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima existirem cerca de dois bilhões de pessoas no mun- do que consomem essa substância, sendo que, dentre os usuários, 76,3 milhões apre- sentam problemas com o uso de bebidas alcoólicas, o que constitui um índice alar- mante (WHO, 2004). No Brasil, dados de- mográficos apontam que o consumo do álcool determina mais de 10% de toda a morbidade e mortalidade ocorrida no país, o que representa um dos problemas de saú- de pública mais graves da atualidade (ME- LONI; LARANJEIRA, 2004). Quando comparamos os dados epidemio- lógicos do consumo de álcool entre ho- mens e mulheres, vemos situações bem distintas. De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas realizado no ano de 2012, 62% dos homens entrevista- dos e 39% das mulheres afirmaram ter con- sumido álcool no último ano. Já o hábito de beber regularmente, mais especificamente uma vez na semana ou mais, mostrou-se similar ao anterior, estando presente em 64% dos homens e 39% das mulheres. Por fim, o beber em binge, que corresponde à ingestão de quatro a cinco doses de álcool no período de duas horas, foi relatado por 66% dos homens e 49% das mulheres en- trevistadas. Esses dados mostram a inges- tão pesada entre homens e mulheres; mas fica evidente que os homens bebem mais quando fazemos essa comparação. Da mesma forma, com relação à dependência de álcool na população brasileira, o levan- tamento mostra que o consumo regular e abusivo do álcool está presente em 6,8% da população, sendo 10,5% homens e 3,6% mulheres, com visíveis diferenças entre gê- nero (LENAD, 2013). Quadro 4 – Consumo de álcool entre homens e mulheres De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas realizado no ano de 2012 62% dos homens entrevistados e 39% das mulheres afirmaram ter consumido álcool no último ano. Destes, 66% dos homens e 49% das mulheres destacaram o beber em binge (ingestão de quatro a cinco doses de álcool no período de duas horas). Fonte: Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (2013) 48 48 48 Atenção à saúde mental do homem 48 48 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina Em 2005 o II Levantamento Domiciliar so- bre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, os homens também apresentam maior pre- valência de uso na vida de álcool em todas as faixas etárias e regiões do Brasil, com 83,5% e 68,3% das mulheres. Com relação à dependência do álcool, o sexo masculino apresenta porcentagem três vezes maior do que a do feminino no total (19,5% e 6,9%) e especificamente acima dos 24 anos (23,2% e 7,7%). Isso significa que de cada quatro pessoas do sexo masculino que fazem uso na vida de álcool, uma delas torna-se depen- dente. A proporção para o sexo feminino foi de 10:1 (CARLINI et al., 2007). Estudo de Borini et al. (1994) sobre o uso de álcool entre os estudantes de medicina de duas faculdades apontou que 11,8% dos estudantes do sexo masculino e 1,3% do feminino foram classificados como bebe- dores-problema, e 4,2% do sexo masculino e 0,8% do feminino como sendo dependen- tes do álcool. Importante! O I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, em 2010, também apontou que o álcool é a droga mais consumida entre os jovens universitários, com alta prevalência de uso entre os estudan- tes do sexo masculino (BRASIL, 2010). No que se refere aos comportamentos de risco após a ingesta de bebidas alcoólicas, os homens também saem na frente, com 27,3%, ficando as mulheres com 7,1%. É importante apontar que em comparação a 2010, a quantidade de homens que apresen- tavam esse comportamento diminuiu 6,4% (LENAD, 2013). Carlini et al. (2007) mostram também que 12,2% dos homens entrevis- tados se expuseram a riscos físicos asso- ciados ao beber (por exemplo: dirigir, usar máquinas, nadar), sendo que nas mulheres ocorreu com 3,7%. Outro apontamento relevante com relação ao uso de álcool é que quase dois terços dos homens jovens que fazem consumo abusi- vo de álcool já se envolveram em briga com agressão física no último ano (LENAD, 2013). Nesse sentido, o álcool ou a sua associação com outras drogas pode frequentemente representar um fator gerador de violência. Dessa forma, esse risco da associação do álcool com a violência ocorre para além dos consumidores regulares de álcool, mas também entre os moderados ou eventuais (RABELLO; CALDAS JUNIOR, 2007). Dentre as mulheres que sofrem violência e procuram ajuda, o uso de álcool pelo parcei- ro está presente em 70% dos casos, verifi- cando-se também associação direta entre o 49 49 49 Atenção à saúde mental do homem 49 49 UN2 Aspectos epidemiológicos na saúde mental masculina uso dessa substância e agressão aos filhos (ADEODATO et al., 2005). A pesquisa nacional realizada por Galduroz et al. (2009) constatou que em 49,8% dos casos de violência dentro de casa o autor havia consumido bebida alcoólica. Verifica- -se, então, que dentre as substâncias psi- coativas, o álcool é a mais prejudicial para o funcionamento familiar. Em 2004, outra pesquisa com 3872 ado- lescentes de ambos os sexos mostrou que aqueles que tinham consumido álcool mais de vinte vezes na vida tinham duas vezes maior probabilidade de ter comportamentos violentos em comparação aos que nunca ti- nham
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