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52 Doenças do Coração e da Aorta Celmo Celeno Porto, Arnaldo Lemos Porto, Salvador Rossi, Paulo César Brandão Veiga Jardim e Wanderley Ribeiro Borges de Figueiredo ..,. Introdução As principais doenças do coração são: defeitos orovalva- res adquiridos, prolapso da valva mitral, anomalias congê- nitas, insuficiência coronária (angina de peito, infarto agudo do miocárdio, miocardiosclerose, entre outras), miocardites agudas, cardiomiopatias, endocardite infecciosa, cardiopatia hipertensiva, cor pulmonale crônico e pericardites. Independentemente destas afecções, conceituaremos a sín- drome de insuficiência cardíaca, a síndrome restritiva e a sín- drome de baixo débito. ..,. Insuficiência cardíaca Insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica complexa que se caracteriza por um distúrbio do desempenho miocár- dico e da ativação progressiva do sistema neuroendócrino que acarreta insuficiência circulatória e congestão. Com o avan- çar da idade da população, maior sobrevida dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) e menor mortalidade decorrente de outras doenças, a incidência de insuficiência cardíaca e o custo do manuseio de pacientes com insuficiência cardíaca continuam a aumentar. • Terminologia Com base no modelo hemodinâmico, a insuficiência cardíaca sistólica é estabelecida por um distúrbio da contrati- lidade do ventrículo esquerdo (VE), medida por meio da fra- ção de ejeção (FE). É reconhecido que essa classificação é um tanto arbitrária, embora a maioria dos ensaios clínicos tenha usado FE reduzida como critério de análise. Entretanto, exis- tem discordâncias entre a apresentação de sintomas e o grau de disfunção cardíaca. O principal processo fisiopatológico na progressão da insuficiência cardíaca é a remodelação com crescimento cavitário progressivo ao longo do tempo e redu- ção obrigatória da FE. O termo insuficiência cardíaca congestiva (ICC), muitas vezes, é usado exageradamente para descrever a insuficiên- cia cardíaca, mas nem todos os pacientes com insuficiência cardíaca apresentam sinais e sintomas de congestão. Em alguns casos, o termo insuficiência cardíaca direita ainda é aplicado para descrever pacientes com sinais e sinto- mas periféricos de insuficiência cardíaca (muitas vezes, pres- sões de enchimento elevadas no coração direito) sem evidên- cias de congestão pulmonar. Isso ocorre em razão do aumento das pressões venosas e de débito cardíaco inadequado, inde- pendentemente da insuficiência do VE. A descompensação aguda ou insuficiência cardíaca aguda costuma se referir a episódios de agravamento agudo ou subagudo dos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, em decorrência de inúmeros agentes precipitantes. As causas mais comuns incluem exageros alimentares, especialmente com relação ao sal, não seguimento das orientações médicas e arrit- mias, especialmente a fibrilação atrial. • Classificação As últimas diretrizes do American College of Cardiology/ American Heart Association (ACC/ AHA) classificaram a insuficiência cardíaca usando um novo sistema de estágios que enfatiza a evolução e a progressão da insuficiência cardíaca ao longo de um espectro contínuo: • Estágio A: pacientes com alto risco de desenvolver insuficiência cardíaca, sem cardiopatia estrutural • Estágio B: pacientes com cardiopatia estrutural que ainda não desenvolveram sintomas de insuficiência cardíaca • Estágio C: pacientes com sintomas passados ou presentes de insuficiência cardíaca associados a cardiopatia estrutu- ral subjacente • Estágio D: pacientes com insuficiência cardíaca em estágio final e que necessitam de tratamento avançado especiali- zado. Na prática, a insuficiência cardíaca é um diagnóstico de beira do leito, definido por meio de avaliação clínica. Alguns pacientes podem ter disfunção cardíaca (p. ex., fração de eje- ção baixa do VE) sem quaisquer sintomas, o que muitas vezes é referido como insuficiência cardíaca assintomática ou dis- função ventricular esquerda assintomática. Outros podem ter a função sistólica do VE preservada, mas exibem sinais e sintomas típicos de insuficiência cardíaca, o que é conhecido como insuficiência cardíaca com função de VE preservada. A Classificação Funcional da New York Heart Association (NYHA), embora um tanto vaga, permanece como padrão mais comumente usado (Quadro 52.1). Quadro52.1 Classe 11 111 IV Classificação funcional da New York Heart Association. Descrição Pacientes com doença cardíaca, mas sem limitações decorrentes de atividade física. A atividade física comum não causa fadiga indevida, palpitações, dispneia e nem dor anginosa Pacientes com doença cardíaca causando discreta limitação da atividade física. Eles se sentem confortáveis em repouso. A atividade física comum provoca fadiga, palpitações, dispneia ou dor anginosa Pacientes com doença cardíaca causando acentuada limitação da atividade física. Eles se sentem confortáveis em repouso. Atividade física aquém da comum causa fadiga, palpitação, dispneia ou dor . angmosa Pacientes com doença cardíaca causando incapacidade de executar qualquer atividade física sem desconforto. Sintomas de insuficiência cardíaca ou da síndrome anginosa podem ocorrer mesmo em repouso. Se qualquer atividade física for realizada, o desconforto aumenta 520 · Sinais e sintomas O espectro de sinais e sintomas na insuficiência cardíaca varia acentuadamente nos diferentes pacientes; até metade dos pacientes com disfunção sistólica do VE é assintomática. Passada a fase de disfunção ventricular esquerda assin- tomática, o sintoma inicial mais comum e mais precoce é a dispneia, em geral aos grandes esforços. A ortopneia (ou seja, dispneia de decúbito, geralmente descrita de acordo com o número de travesseiros usados durante o sono) é típica nos casos mais avançados de disfunção do VE ou na insuficiência cardíaca descompensada. À medida que evolui a descompen- sação, podem ocorrer dispneia paroxística noturna (DPN) e padrão respiratório de Cheyne-Stokes. Fadiga, astenia e má tolerância física aos esforços são quei- xas comuns de pacientes com insuficiência cardíaca. Tonturas podem ocorrer no quadro de distúrbio da perfu- são, mas são mais comumente iatrogênicas (ou seja, relaciona- das com uso de medicamentos para a insuficiência cardíaca). Casos de palpitações e síncope podem ocorrer em pacientes com arritmia subjacente e necessitam de avaliação imediata. Anorexia e dor abdominal são sintomas comuns de insuficiência cardíaca avançada, especialmente na insuficiên- cia cardíaca direita. Sintomas raramente levados em consideração (mas alta- mente prevalentes) incluem tosse, insônia e depressão do humor. O exame físico de um paciente com insuficiência cardíaca sistólica apreciável, mas bem compensada, pode não revelar anormalidade alguma. É necessário um alto nível de suspeita com base nos sintomas. Os sinais físicos comumente observa- dos na síndrome da insuficiência cardíaca variam de acordo com o grau de compensação, a cronicidade (aguda versus crô- nica) e o envolvimento cavitário (insuficiência cardíaca direita versus esquerda). O acúmulo de líquido ou de volume é a marca registrada da insuficiência cardíaca, em especial no quadro de descom- pensação aguda e insuficiência cardíaca direita. Os sinais físi- cos típicos de sobrecarga de volume na insuficiência cardíaca incluem os seguintes: • Estertores pulmonares, decorrentes do acúmulo de líquido no interstício e nos alvéolos pulmonares devido às altas pressões atriais esquerdas, são comumente descritos como edema pulmonar cardiogênico agudo (EPCA) • Macicez nas bases dos pulmões compatíveis com derrame pleural • Distensão venosa jugular (DVJ) pode ser observada com uma inclinação de 25°, embora, quando muito elevada, possa ficar aparente com o paciente sentado • Edema, ascite e hepatomegalia • Sopro sistólico de regurgitação mitral (RM) muitas vezes está presente no quadro de aumento do VE • Terceirabulha (galope de B3) é ouvida com mais preci- são com a campânula do estetoscópio na posição lateral esquerda, e significa pressão telediastólica do VE aumen- tada em pacientes com função de VE diminuída. Muitas vezes negligenciado, o sinal sutil da perfusão peri- férica (ou seja, cor, extremidades quentes ou frias, enchimento capilar) pode ser importante na avaliação da adequação da perfusão e da anemia em pacientes com insuficiência cardíaca avançada. Pulso alternante e pulso de amplitude baixa também estão associados a insuficiência cardíaca avançada. Parte 8 I Sistema Cardiovascular Muitas vezes, sinais vitais são importantes. Taquipneia, taquicardia e pressões de pulsos estreitas são, em geral, sinais de mau prognóstico e de doença avançada. O peso corporal costuma ser útil no monitoramento das condições compensa- tórias (Figura 52.1). .... Avaliação laboratorial • Exames de sangue Clinicamente, a avaliação sanguínea é usada para diagnos- ticar causas potencialmente reversíveis e problemas corrigíveis relacionados com a síndrome da insuficiência cardíaca para identificar comorbidades, monitorar e corrigir anormalidades antes ou no curso do tratamento e para avaliar a gravidade da doença de modo a prever o prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca. Peptídios natriuréticos, como o peptídio natriurético tipo B (BNP), estão disponíveis para uso clínico como auxiliares no diagnóstico da insuficiência cardíaca. Embora uma faixa normal (BNP > 100 pg/mf, se idade < 75 anos, e > 450 pg/ mf , se idade;;:: 75 anos) seja recomendada para «diagnosticar" insuficiência cardíaca, existe ampla variação que é determi- nada por sexo, terapia medicamentosa, índice de massa cor- poral, função renal, condições perioperatórias e doenças con- comitantes (p. ex., doença de tireoide) do paciente: • Estratégias para avaliar a insuficiência cardíaca: embora a disfunção cardíaca esteja associada a níveis elevados de BNP, a sensibilidade é relativamente baixa em pacientes assintomáticos e depende altamente dos níveis de corte escolhidos. Estratégias para rastrear insuficiência cardíaca e disfunção cardíaca em pacientes assintomáticos, incorpo- rando medidas do BNP em várias situações (p. ex., pacien- tes com insuficiência cardíaca em estágio A ou B, como pós-IAM), estão em processo de desenvolvimento • Diagnóstico da insuficiência cardíaca: o uso primário do BNP se justifica para o diagnóstico da insuficiência cardíaca em pacientes sintomáticos com dispneia, fadiga ou edema. O alto valor negativo de previsão (de até 90%) nesse quadro possibilita que a determinação do BNP seja útil para afastar uma causa cardíaca dos sintomas. No entanto, os níveis de BNP no quadro de edema pulmonar cardiogênico agudo podem não aumentar a não ser algumas horas mais tarde • Monitoramento da terapia da insuficiência cardíaca: experiências preliminares sugerem que alterações do BNP variam paralelamente com mudanças nos sintomas e efei- tos do tratamento, mas esses dados são complementares à avaliação clínica e não devem substituir a avaliação feita à beira do leito ou hemodinâmica. Não deve ser utilizado um valor-alvo absoluto isolado de BNP; em geral, diuréti- cose medicamentos que inibem o sistema renina-angio- tensina-aldosterona (SRAA) diminuem o BNP, e a res- posta do BNP aos bloqueadores beta-adrenérgicos pode • var1ar • Determinação do prognóstico da insuficiência cardíaca: é geralmente aceito que os níveis de BNP se correlacionam intimamente com morbidades e medidas de desfecho de mortalidade em muitos quadros clínicos, talvez melhor que muitos testes prognósticos padrão. Um nível elevado de BNP, muitas vezes, estratifica o paciente em uma catego- ria de maior risco. 52 I Doenças do Coração e da Aorta Insuficiência ventricular esquerda Insônia -------""~--.;, lrritabilidade Dispneia de esforço Ortopneia Dispneia paroxística noturna Respiração de Cheyne-Stokes Tosse Asma cardíaca Insuficiência ventricular direita ~~~---- Insônia lrritabilidade e--+---'~--- Cianose Refluxo hepatojugular 521 Edema pulmonar agudo Sinais atribuíveis diretamente ao coração Cardiomegalia Taquicardia ' Noctúria Ritmo de galope Noctúria, oligúria Pulso altemante Hiperfonese de P2 Sopros sistólicos Arritmias Intolerância aos esforços Fadiga, astenia \._' '_! Evidência de hiperatividade \._' '_! adrenérgica Cianose e frialdade das extremidades Aumento da pressão diastólica Sudorese Arritmias +-----Edema -..vl-r---- Cianose Figura 52.1 Esquema do quadro clínico da insuficiência cardíaca. Testes sanguíneos são usados para diagnosticar causas reversíveis de insuficiência cardíaca: • Testes da função tireoidiana: são justificados em pacientes com doença de início recente • Teste para obter o nível sérico de hemoglobina: como a ane- mia é prevalente em pacientes com insuficiência cardíaca (até 15 a 25% de todos os pacientes com insuficiência cardíaca) e pode contribuir para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca de alto débito, o nível sérico de hemoglobina deve ser obtido para afastá-la como um fator tratável na síndrome de insuficiência cardíaca. A hemodi- luição decorrente de retenção hídrica também pode causar anemia e deve ser tratada com diuréticos. Deve ser feita uma avaliação cardiológica preventiva padrão, pois a doença arterial coronária permanece como causa predominante de insuficiência cardíaca. Em particular, é importante a avaliação de rotina quanto à dislipidemia e à intolerância à glicose ou ao diabetes melito. Eletrocardiograma O eletrocardiograma (ECG) pode oferecer informações diagnósticas sobre causa da insuficiência cardíaca É importante procurar por sinais de IAM prévio, aumento e hipertrofia de cavidades, bloqueio cardíaco, arritmias, der- rame pericárdico (voltagem < 5 mm nas derivações frontais e < 1 O mm nas precordiais) e amiloidose cardíaca (voltagem baixa e um padrão de pseudoinfarto nas derivações anterio- res). A compreensão recente do papel do distúrbio do sincro- nismo cardíaco na gênese da insuficiência cardíaca enfatiza a medida da duração e da morfologia do QRS para determi- nar os benefícios potenciais da terapia de ressincronização cardíaca (particularmente a morfologia de bloqueio de ramo esquerdo com QRS > 130 ms). A eletrocardiografia dinâmica (Holter) muitas vezes é útil na identificação de arritmias (p. ex., fibrilação atrial, taquicar- dia ventricular). • Radiografia do tórax Deve incluir o tamanho do coração e as condições do parênquima pulmonar; o aumento da silhueta cardíaca implica insuficiência VE ou biventricular. Pacientes com dis- função sistólica grave podem apresentar radiografia de tórax normal se a disfunção estiver compensada; silhueta cardíaca de tamanho normal não exclui disfunção sistólica ou diastó- lica. As anormalidades dos campos pulmonares podem variar desde um ingurgitamento suave dos vasos peri-hilares até der- 522 Parte 8 I Sistema Cardiovascular Figura 52.2 Insuficiência cardíaca (paciente monitorado, acompanhando os eletrodos). A. A radiografia do tórax evidencia cardiomegalia, congestão pulmonar e derrame pleural à direita. B. Após o tratamento, observam-se normalização da área cardíaca, desaparecimento da congestão pulmonar e do derrame pleural. rames pleurais bilaterais, linhas B de Kerley e edema pulmonar franco (Figura 52.2). Ecocardiograma É útil na avaliação da estrutura e função cardíacas e para a identificação de possíveis causas estruturais da insuficiên- cia cardíaca. Embora o conceito de fração de ejeção seja bem aceito como indicador de disfunção de bomba, anormalidades estruturais, como os graus de hipertrofia e dilatação cardía- cas, estão relacionadas mais intimamente com a fisiopatologia e o prognóstico. As medidas rotineiras do tamanho, da estru- tura e das funções sistólica e diastólica do coração devem fazer parte deste exame, fornecendo informações importantes parao diagnóstico, prognóstico e conduta médica. ~ Defeitos orovalvares adquiridos Os aparelhos valvares do coração podem sofrer alterações em suas diferentes estruturas que resultam em estenose ou insuficiência, sendo comum a associação de ambas as condi- ções. • Insuficiência aórtica Insuficiência aórtica é a incapacidade de fechamento das sigmoides aórticas, tomando possível o refluxo de certa quan- tidade de sangue para o ventrículo esquerdo durante a diás- tole. As principais causas são: moléstia reumática, lues, ateros- clerose, endocardite infecciosa e doença primária das valvas semilunares. A origem congênita é rara. O grau de insuficiência varia dentro de amplos limites, sendo a repercussão hemodinâmica e as manifestações clíni- cas diretamente proporcionais ao volume de sangue refluído. Quando é pequeno, não há alteração da função ventricular e o paciente tem condições de vida praticamente normal. Em con- trapartida, na insuficiência aórtica grave, a falência ventricular esquerda pode sobrevir no espaço de poucos anos. Além da dispneia e dos outros sintomas indicativos de insuficiência ventricular esquerda, pode ocorrer o quadro de angina de peito, devido ao "roubo" do fluxo coronariano - efeito Venturi - provocado pela rápida passagem do sangue da aorta para o ventrículo esquerdo durante a diástole. Em geral, a insuficiência aórtica apresenta abundantes dados ao exame físico, classicamente subdivididos em sinais periféricos e sinais no nível do coração. No coração, destacam-se as características do ictus cordis - deslocado para baixo e para a esquerda, tipo musculoso e amplo - indicativo da dilatação e da hipertrofia do ventrículo esquerdo, e o sopro diastólico, aspirativo, em decréscimo, audível no foco aórtico ou foco aórtico acessório com irra- diação para a ponta do coração. Nos casos graves, ausculta-se também um sopro sistólico, de ejeção, causado pelo hiperfluxo de sangue pela valva aórtica. Os sinais periféricos são decorrentes da grande pressão diferencial, tanto por aumento da pressão sistólica, devido ao maior volume de sangue ejetado, como por diminuição da pressão diastólica, decorrente da própria lesão da valva, regis- trando-se então valores em tomo de 160/60, 150/40 e 140/ zero. Daí surgem o pulso radial amplo e célere, as pulsações visíveis das carótidas (dança arterial), a ocorrência de pulso digital e pulso capilar e as oscilações da cabeça acompanhando os batimentos cardíacos (sinal de Musset), pulsação na base da língua (sinal de Minervini) e duplo sopro auscultado à com- pressão da artéria femoral (sinal de Duroziez) (Figura 52.3). O eletrocardiograma evidencia sobrecarga diastólica do ventrículo esquerdo, com ondas R altas e T pontiagudas nas precordiais esquerdas. Na radiografia simples do tórax, observa-se aumento da área cardíaca, a expensas de crescimento do ventrículo esquerdo e do átrio esquerdo. A aorta pode estar alongada, com botão aórtico proeminente. A ecodopplercardiografia possibilita definir aspectos ana- tômicos relativos à etiopatogenia da lesão. Estes dados, asso- ciados ao tamanho da cavidade ventricular esquerda e à fun- ção ventricular, ajudam a quantificar o grau da repercussão hemodinâmica da insuficiência aórtica de maneira não inva- siva. Com relação aos aspectos etiopatogênicos, o eco-Doppler pode identificar o caráter transvalvar propriamente dito (reu- mático, endocardite) ou extravalvar (dissecção aórtica, rup- tura do seio de Valsalva) e da insuficiência, de difícil definição clínica. Em pacientes assintomáticos com insuficiência aórtica, a utilização da ecodopplercardiografia de esforço para análise da 52 I Doenças do Coração e da Aorta Pressão diferencial - -ft:l) aumentada Pulso capilar - -vtA.J amplo --C> C> 0 ~-+- Pulsações carotídeas amplas (dança arterial) \...' '_) Figura 52.3 Sinais periféricos de insuficiência aórtica. função ventricular esquerda torna possível a identificação de diferentes grupos de pacientes pelo grau da reserva cardíaca. Esta avaliação é importante na escolha do momento ideal para encaminhar o paciente ao tratamento cirúrgico. Atualmente, com a utilização da ecocardiografia transeso- fágica, uma importante causa da insuficiência aórtica tem sido prontamente reconhecida: a dissecção aórtica aguda. • Estenose aórtica A estenose aórtica consiste na redução do orifício da valva aórtica e em alterações da via de saída do ventrículo esquerdo por malformação congênita, moléstia reumática ou degenera- ção senil com deposição de cálcio. A malformação congênita é representada por uma valva bicúspide que vai se tornando espessa, fibrótica e calcificada, com redução da mobilidade dos seus folhetos e diminuição da área orificial. Na moléstia reumática, o processo inflamatório determina espessamento dos folhetos da valva e fusão das comissuras, impedindo sua abertura normal. A degeneração senil com deposição de cálcio, mais fre- quente em pacientes acima de 60 anos, acompanha-se de alte- rações degenerativas e deposição de cálcio nos folhetos vai- vares. Quando a etiologia é reumática, valva mitral costuma ser comprometida; aliás, estenose aórtica isolada em pacientes jovens quase sempre não é de origem reumática, mas con- gênita. 523 As manifestações clínicas da estenose aórtica dependem basicamente da hipertrofia ventricular esquerda, que é o mecanismo de que dispõe o coração para vencer a obstrução e manter um débito cardíaco adequado. Entretanto, esta hiper- trofia somente é benéfica até certo limite, acima do qual ocorre hipoxemia da musculatura ventricular por não haver desen- volvimento proporcional da circulação coronária. A hipoxemia crônica provoca degeneração progressiva das miofibrilas, responsável pela falência funcional do ventrículo esquerdo. Além das manifestações de insuficiência ventricular esquerda, são frequentes os sintomas de insuficiência coro- nariana, tipo angina de peito, e fenômenos sincopais após esforço, os quais são explicados pela vasodilatação perifé- rica que "rouba" sangue da circulação cerebral, pelo fato de o débito cardíaco estar impossibilitado de aumentar durante o esforço físico. Deve ser salientado que a ocorrência de angina de peito e síncope indica que a estenose é grave. Ao exame físico, encontra-se um pulso radial de pequena amplitude ou anacrótico, quando a estenose é de grau mode- rado a intenso; ictus cordis intenso, pouco deslocado para baixo e para a esquerda, a indicar a hipertrofia ventricular esquerda; frêmito sistólico; sopro sistólico de ejeção, rude, localizado no foco aórtico com irradiação para cima, em dire- ção à face lateral direita do pescoço. Na estenose aórtica leve, pode ser ouvido um clique sistólico que antecede o sopro. Na estenose aórtica grave ocorre desdobramento invertido da 2a bulha cardíaca. O eletrocardiograma registra sobrecarga ventricular esquerda com onda T negativa em precordiais esquerdas nos casos de estenose grave. No exame radiológico do tórax não se observa, como na insuficiência aórtica, aumento do ventrículo esquerdo, a não ser nos pacientes que já apresentam falência ventricular esquerda. A ecodopplercardiografia define a localização da estenose aórtica: valvar, subvalvar ou supravalvar. Na estenose aórtica valvar, o número de cúspides pode ser facilmente definido. Fatores etiopatogênicos, assim como o grau de espessa- mento e calcificação, são reconhecidos e quantificados. A eco- dopplercardiografia possibilita ainda o cálculo do gradiente, da área valvar, do grau de hipertrofia ventricular e da função ventricular esquerda. Estes dados, juntamente com a clínica do paciente, tornam possível uma avaliação segura do estadia- mente da estenose aórtica, evitando, na maioria dos casos, o estudo hemodinâmico invasivo. • Insuficiência mitral A insuficiência mitral consiste no fechamento incompleto da valva mitral com refluxo de sangue para o átrio esquerdo durante a sístoleventricular. As principais causas são: moléstia reumática, prolapso valvar mitral e infarto agudo do miocárdio. As cardiomio- patias e a miocardiosclerose, com grande dilatação da cavi- dade ventricular esquerda, também são capazes de determinar insuficiência mitral. A história natural deste defeito valvar, bem como sua sin- tomatologia, depende basicamente do modo de sua instalação, que difere conforme a etiologia. No infarto agudo do miocárdio e na endocardite infecdosa, quando há insuficiência mitral, esta decorre de disfunção ou ruptura de músculo papilar, possibilitando a regurgitação de 524 sangue para um átrio de tamanho normal, sem tempo nem capacidade para adaptar-se ao maior volume sanguíneo que passa a receber. Em tais condições, há aumento da pressão intra-atrial, a qual se transmite imediatamente à rede capilar pulmonar, causando congestão pulmonar com edema intersti- cial ou transudação de líquido para os alvéolos, exteriorizada por dispneia intensa ou, nos casos mais graves, pelo quadro de edema pulmonar agudo. Ao exame físico do coração, constatam-se ventrículo esquerdo hipercinético, sem sinais de dilatação - ictus cordis não deslocado, mas de intensidade maior -, sopro sistólico de regurgitação no foco mitral com irradiação para a axila e uma 4Jl bulha originada pela contração vigorosa do átrio esquerdo. A insuficiência mitral de etiologia reumática é uma lesão de instalação gradativa e evolução crônica, pois o processo inflamatório evolui vagarosamente, ao longo de meses, o que possibilita ao átrio esquerdo ir se dilatando progressivamente. Nestas condições, há pequena elevação da pressão intra-atrial e, em consequência, a pressão venocapilar pulmo- nar pouco se altera. Os sinais de congestão pulmonar, princi- palmente a dispneia, só aparecem muitos anos depois. Na inspeção e na palpação do precórdio, encontram-se um ictus cordis com características de dilatação do ventrículo esquerdo e um frêmito sistólico no foco mitral. À ausculta, percebe-se uma 3a bulha cardíaca, sopro sistólico de regurgi- tação, localizado no foco mitral, com irradiação para a axila e que mascara a P bulha cardíaca. É possível ouvir um sopro diastólico, curto, de enchimento ventricular; em boa parte dos pacientes, o ritmo é irregular pela ocorrência de fibrilação atrial. A insuficiência mitral reumática com frequência está asso- ciada à estenose mitral, pois as lesões inflamatórias e suas sequelas - espessamento e fusão das bordas das cúspides e encurtamento das cordoalhas - dificultam a abertura e o fechamento das valvas. Quando a estenose mitral é importante, além da dilatação do átrio esquerdo, há aumento de pressão nesta cavidade, a qual se transmite para a circulação pulmonar, causando hiper- tensão pulmonar de intensidade variável. Nestes casos, podem predominar as manifestações clínicas da estenose mitral. Na insuficiência mitral que ocorre nas cardiomiopatias com grande aumento do coração, não há lesões do aparelho valvar, mas sim dilatação do anel da valva mitral acompanhando a dilatação da cavidade ventricular esquerda. A quantidade de sangue regurgitado é relativamente pequena, não havendo, portanto, grande dilatação do átrio esquerdo nem significativo aumento da pressão em seu interior, embora o sopro tenha as mesmas características descritas na insuficiência mitral reu- mática e no infarto agudo do miocárdio. Os sintomas e os sinais dependem da cardiomiopatia ou da miocardiosclerose. O eletrocardiograma evidencia sobrecarga ventricular e atrial esquerda, se houver também estenose mitral. Na radiografia simples do tórax, encontram-se crescimento destas cavidades e sinais de congestão pulmonar nos casos que apresentam hipertensão venocapilar. A ecodopplercardiografia possibilita identificar a causa da insuficiência mitral (reumática, prolapso de valva mitral, rup- tura de corda tendínea, isquemia de músculo papilar). Em situações de urgência, com insuficiência mitral aguda, causadora de edema agudo dos pulmões, o eco-Doppler pode ser realizado à beira do leito do paciente. Nestas situações, o exame hemo dinâmico não somente é dispensável como tam- bém é contraindicado, por agravar ainda mais o estado do Parte 8 I Sistema Cardiovascular paciente. A utilização do eco-Doppler possibilita quantificar o grau de insuficiência mitral. A ecocardiografia transesofágica representa grande avanço na investigação da causa e da repercussão hemodinâmica da insuficiência mitral por tornar possível melhor visualização da valva mitral e de seu aparelho de sustentação. • Estenose mitral A estenose mitral consiste no estreitamento do orifício atrioventricular esquerdo devido a espessamento e fibrose das cúspides valvares com fusão das suas comissuras (Figura 52.4). A causa principal é a moléstia reumática. Outras causas, porém muito raras, incluem síndrome carcinoide, artrite reu- matoide, lúpus eritematoso. Uma das características da estenose mitral é sua lenta progressão, transcorrendo cerca de 1 O anos após a agressão reumática para que haja redução de 50% da área do orifício atrioventricular, cujo valor normal é em torno de 5 cm2• Tomando-se por base a área do orifício atrioventricular, a estenose mitral pode ser classificada em leve, moderada e grave. Na estenose mitral leve, com área maior que 2,5 cm2, o paciente permanece assintomático, mesmo executando esfor- ços físicos. A única alteração hemodinâmica é um moderado aumento da pressão no átrio esquerdo, que, por si só, é capaz de manter o volume-minuto dentro dos limites normais. Nestes casos, os achados semióticos são hiperfonese da 1 a bulha cardíaca no foco mitral e sopro diastólico, restrito à parte pré-sistólica da diástole, que corresponde ao aumento do fluxo sanguíneo pela contração atrial. A rigidez dos folhe- tos da valva propicia o aparecimento do estalido de abertura mitral. Na estenose mitral moderada, a área orificial está reduzida a aproximadamente 1,5 cm2, aparecendo, então, dispneia e palpitações após esforços, que traduzem a congestão na circu- lação pulmonar. Nesta fase, o gradiente de pressão entre o átrio e o ven- trículo esquerdo determina o aparecimento de um conjunto de fenômenos estetoacústicos que são típicos da estenose mitral: 1 ª bulha cardíaca hiperfonética no foco mitral, esta- lido de abertura mitral, sopro diastólico com características de ruflar, com reforço pré-sistólico, e 2ª bulha cardíaca hiperfoné- tica no foco pulmonar. Quando a área valvar for menor que 1 cm2, a estenose mitral é grave, com intensificação da dispneia, que pode ocorrer aos mínimos esforços e na posição deitada, dispneia paroxística noturna, tosse seca e hemoptise. À ausculta, constata-se que o estalido de abertura torna-se mais precoce e o sopro diastólico, mais duradouro. A pressão elevada no átrio esquerdo transmite-se pelas veias pulmonares aos capilares dos pulmões com 2 conse- quências: a primeira, responsável pela sintomatologia de con- gestão pulmonar, é o edema intersticial e a transudação de líquido para o interior dos alvéolos; a segunda é a hipertensão pulmonar, responsável pela hipertrofia do ventrículo direito, que pode ser avaliada clinicamente pela intensidade do com- ponente pulmonar da 2ª bulha cardíaca. Aproximadamente 30% dos pacientes apresentam mani- festação reativa de hipertensão pulmonar, desencadeada pela própria congestão venocapilar. Chama-se reativa porque há constrição ativa dos vasos pulmonares. Nestes casos, os sinais de hipertensão pulmonar preponderam sobre os demais, com 52 I Doenças do Coração e da Aorta 525 • • Figura 52.4 Estenose mitral. A. Radiografia do tórax em PA e perfil mostrando uma silhueta tipo mitral com arco médio abaulado, pela dilatação da artéria pulmonar e da auriculeta esquerda, e crescimento ventricular direito. No perfil, chama a atenção a compressão do esôfago pela dilatação do átrio esquerdo (setas}. B. Orifício mitral estreitado em decorrênciade moléstia reumática. C. Ecocardiograma bidimensional demonstrando comprometimento reumá- tico típico da valva mitral (VM} com espessamento de ambas as cúspides e redução da abertura valvar (estenose}. Observe a abertura em domo, típica da cúspide anterior (seta} e aumento acentuado do átrio esquerdo (AE}. VE =ventrículo esquerdo; AO= átrio direito; VD =ventrículo direito; AO= aorta. desaparecimento quase total dos sinais originados na própria valva estenosada. Os principais dados semióticos são: Na ectoscopia, pode-se encontrar cianose nas mãos e no rosto. A inspeção do tórax, quando há hipertensão pulmonar grave, pode ocorrer abaulamento paraesternal esquerdo. Na palpação, o ictus cordis é impalpável ou de pequena intensidade, a indicar que o ventrículo esquerdo está normal, podendo-se observar, em alguns pacientes, uma retração sis- tólica apical, levantamento em massa do precórdio e pulsação epigástrica, sinais indicativos de hipertrofia ventricular direita. A 1 a bulha, no foco mitral, e a 2a bulha, no foco pulmonar, são palpáveis. Percebe-se, também, um frêmito diastólico no foco mitral. A ausculta, encontram-se hiperfonese da 1ª bulha no foco mitral e da 2a bulha no foco pulmonar, estalido de abertura mitral e sopro (ruflar) diastólico com reforço pré-sistólico na área mitral. Este sopro é mais audível com o paciente em decúbito lateral esquerdo e após um pequeno exercício que aumente a frequência cardíaca. Ao eletrocardiograma, observa-se sobrecarga atrial esquerda e, quando há hipertensão pulmonar, também sobrecarga ven- tricular direita. A radiografia simples do tórax demonstra aumento do átrio esquerdo, dilatação da artéria pulmonar e crescimento do ven- trículo direito se houver hipertensão pulmonar. A congestão pulmonar é denunciada pelos sinais de edema intersticial. Na estenose mitral, a ecodopplercardiografia pode visualizar tromba intra-atrial, grau de flexibilidade valvar e calcificação das cúspides, anel e estruturas subvalvares. A utilização do recurso Doppler possibilita medir a área valvar, o gradiente diastólico transvalvar mitral e a pressão sistólica do ventrículo direito e da artéria pulmonar. Mais recentemente, a ecodopplercardiografia transesofá- gica ampliou o espectro da ecocardiografia por tornar possí- vel a obtenção de imagens de alta resolução da valva mitral, aparelho subvalvar e átrio esquerdo, auxiliando na avaliação hemodinâmica precisa quando o ecocardiograma transtorá- cico mostra dados inconclusivos. Estes fatos tornam o estudo hemodinãmico invasivo indicado apenas nos casos nos quais é imprescindível conhecer a anatomia coronariana. • Insuficiência tricúspide A insuficiência tricúspide, analogamente à insuficiência mitral, decorre do incompleto fechamento da valva tricúspide, com regurgitação de sangue para o átrio direito, durante a sís- tole ventricular. Pode ser orgânica, quando, então, está invariavelmente associada à estenose tricúspide, ou funcional, o que é mais fre- quente, em consequência de insuficiência ventricular direita 526 em virtude da hipertensão pulmonar. A dilatação do anel tri- cúspide pode ser secundária a infarto do ventrículo direito, por coaptação incompleta dos folhetos. Os sinais físicos são ventrículo direito hipertrofiado e sopro holossistólico de alta frequência, audível na área tricús- pide, que aumenta com a inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvallo). Se a insuficiência for grave, pode ocorrer pulsação hepática sistólica. Os dados semióticos que caracterizam a insuficiência tri- cúspide funcional são: (1) o sopro holossistólico diminui ou desaparece após a compensação do paciente (2) há evidência clara de hipertensão pulmonar (3) os sintomas de insuficiência cardíaca aparecem tardia- mente na evolução de um paciente com estenose mitral. A radiografia do tórax apresenta evidências de aumento do átrio direito associado à dilatação do ventrículo direito. Ao eletrocardiograma, encontram-se sinais de sobrecarga atrial e ventricular direitas. Fibrilação atrial ocorre frequen- temente. .... Pro lapso da valva mitral A síndrome do prolapso da valva mitral caracteriza-se pela protrusão de uma ou ambas as cúspides valvares para dentro do átrio esquerdo durante a sístole ventricular (Figura 52.5). Alteração mixomatosa das valvas seria a causa mais comum, mas, em muitos casos, o exame histológico nada revela de anormal. O prolapso da valva mitral vem sendo considerado o tipo mais comum de disfunção mitral em adultos jovens, principal- mente mulheres. A sintomatologia é muito variável, predominando o apare- cimento de arritmias e dor precordial sem as características da dor de isquemia miocárdica. O dado mais importante para o reconhecimento do pro- lapso da valva mitral é a ocorrência de um clique mesossistó- lico na área mitral, podendo estar acompanhado ou não de um sopro mesotelessistólico. O clique do prolapso da valva mitral deve ser diferenciado dos estalidos protossistólicos que aparecem em crianças com cardiopatias congênitas associadas à dilatação do tronco da artéria pulmonar e da aorta. VE AE VE A Parte 8 I Sistema Cardiovascular O diagnóstico é feito pelo ecocardiograma, que mostra a protrusão da(s) cúspide(s) formando uma concavidade supe- rior (Figura 52.5 C). O prolapso da valva mitral (PVM) é um dos diagnósticos ecocardiográficos mais frequentes. Contudo, está bastante sujeito a erros de interpretação. O clínico, diante de caso admitido com o PVM, necessita caracterizá-lo como primário ou secundário, com insuficiência mitral ou não e com redun- dância valvar associada à ruptura de cordoalha tendínea. Estes fatores são importantes para se decidir sobre a profilaxia da endocardite infecciosa. .... Cardiopatias congênitas As cardiopatias congênitas consistem em defeitos estru- turais presentes desde o nascimento. As causas são várias - infecções, uso de medicamentos, agentes físicos ou químicos -, mas, na maioria dos casos, não se consegue estabelecer uma firme correlação entre o defeito congênito e sua possível causa. Há cerca de 40 tipos de defeitos anatômicos, porém mais de 90% dos pacientes apresentam uma das seguintes anomalias: comunicação interatrial, comunicação interventricular, per- sistência do canal arterial, estenose pulmonar e tetralogia de Fallot. • Comunicação interatrial A comunicação interatrial (CIA) é o segundo defeito cardíaco congênito mais frequente. Pode ter diferentes forma- tos anatômicas, sendo mais comum o tipo ostium secundum, que é representado por um orifício localizado na fossa oval (Figura 52.6). A característica hemodinâmica principal é o hiperfluxo pulmonar devido ao desvio de sangue do átrio esquerdo para o direito, por meio da comunicação entre estas cavidades. Os portadores de CIA só apresentam sintomas na vida adulta, em geral na terceira década, exceto quando a comu- nicação é muito ampla, a qual determina um grande desvio de sangue. Nestas condições, a criança apresenta dispneia de esforço e, com bastante frequência, bronquites de repetição. À inspeção e à palpação do precórdio, observa-se bati- mento ventricular direito hipercinético. Figura 52.5 Prolapso da valva mitral. A. Representação esquemática do prolapso da valva mitral com e sem insuficiência mitral. 8. Ventriculografia mos- trando o prolapso com insuficiência mitral. C. Ecocardiograma trasesofágico demonstrando prolapso da valva mitral de ambas as cúspides, sendo mais acentuado na cúspide posterior (CP). AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo; AD =átrio direito; VD =ventrículo direito; CA = cúspide anterior. 52 I Doenças do Coração e da Aorta 527 J\JV CIA AO A - - . - ~ ~~ • ~~ t- ~ ·:; oc v . . .. .. .. . : . ' I ., .. IJ . . ' . . . . ' . . . . . • •• o .. .. ' . . . . ... .. . . .... . ... . .. ' 2 3 oVR oVL oVF :;o·,. . . . . ;: ,.. I• :: • ri i. •; : ; I'· '" :i! . ; •• ~-'l"~ 1.1 •• .1\""" !- ,. " '\ ... •• c o E Figura52.6 Comunicação interatrial (CIA). A. Representação esquemática da comunicação interatrial (a seta indica a direção do fluxo sanguíneo de AE para AO). 8. Angiografia mostrando passagem do cateter pela comunicação entre os átrios. O contraste injetado no átrio esquerdo alcançou o átrio direito. C. Eletrocardiograma mostrando aspecto de bloqueio do ramo direito. D. A radiografia do tórax evidencia hiperfluxo pulmonar do tipo arterial com abaulamento do arco médio e dilatação das cavidades direitas. E. Ecocardiograma trasesofágico com diagnóstico de comunicação interatrial (CIA) do tipo ostium secundum. Demonstra-se descontinuidade em região de fossa oval, medindo 1,25 em. AE =átrio esquerdo; AO= átrio direito; AP =artéria pulmonar; Ao= aorta; VE =ventrículo esquerdo; VD =ventrículo direito; AAD =apêndice atrial direito. Na ausculta, o achado principal é o desdobramento cons- tante e fixo da 2ª bulha cardíaca no foco pulmonar, tendo igual intensidade os componentes aórtico e pulmonar. Percebe-se, também, sopro sistólico, de ejeção, de pequena intensidade, localizado na área pulmonar. Em geral, este sopro não se acompanha de frêmito. No eletrocardiograma, em 90% dos casos, encontra-se o padrão de bloqueio incompleto ou completo do ramo direito e aumento do intervalo PR. A radiografia simples do tórax evidencia dilatação do átrio e do ventrículo direito, abaulamento do arco médio e sinais de hiperfluxo pulmonar. O ecocardiograma módulo M caracteriza-se por sinais de sobrecarga volumétrica do ventrículo e átrio direitos. Ao eco bidimensional, o diagnóstico é feito pela visualização direta da falha do septo interatrial no corte subxifoide. A avaliação da importância hemodinâmica da CIA é auxi- liada pelo eco-Doppler, analisando-se o volume sistólico pul- monar e o sistêmico. Em paciente adulto, há dificuldades técnicas para diagnos- ticar CIA, decorrentes, sobretudo, da distância do transdutor ao septo interatrial. Entretanto, esta dificuldade pode ser supe- rada com a utilização da técnica transesofágica, que possibilita o diagnóstico deste defeito em adulto sem grandes dificulda- des (Figura 52.6 E). • Comunicação interventricular Trata-se da cardiopatia congênita mais frequente. Na maioria das vezes, o defeito do septo interventricular que estabelece a comunicação entre os ventrículos situa-se na porção membranosa do septo, logo abaixo da valva aórtica (Figura 52.7). Aproximadamente 1/3 das comunicações interventricu- lares se fecha espontaneamente no decorrer do primeiro ano de vida; nestes casos, o defeito é pequeno, mas pode ocor- rer fechamento de orifícios de tamanho mediano ou mesmo grandes. O fenômeno hemodinâmico principal é a passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o direito durante a sís- tole ventricular, o que resulta em hiperfluxo pulmonar com aumento do retorno sanguíneo ao átrio esquerdo, elevando sua pressão e causando, em consequência, hipertensão veno- capilar pulmonar. As manifestações clínicas vão depender da magnitude do orifício no septo interventricular. Quando pequeno, há pouca repercussão hemodinâmica e o paciente é assintomático, sem atraso do desenvolvimento físico. Nas comunicações de porte mediano, a criança apresenta dispneia ao mamar (levando muito mais tempo para fazê-lo), ganha peso vagarosamente e está propensa a contrair infecções respiratórias. Nas gran- des comunicações, a criança apresenta-se gravemente enferma logo após o nascimento, com desenvolvimento precoce de insuficiência cardíaca. Na inspeção e na palpação do precórdio, encontram -se impulsão ventricular direita e esquerda, simultaneamente, com características hipercinéticas, e frêmito sistólico mais intenso na região mesocardíaca. Na ausculta, constata-se hiperfonese da 2a bulha cardíaca no foco pulmonar, indicando hipertensão na artéria pulmo- nar, sopro holossistólico de regurgitação, mais intenso no 4° e no 5º- espaço intercostal esquerdo, entre os focos mitral e tri- 528 Parte 8 I Sistema Cardiovascular J\.)V AO A B c Figura 52.7 Comunicação interventricular (CIV). A. Desenho esquemático da CIV. B. Angiografia com injeção de contraste em VE, evidenciando sua pas- sagem para VD (setas). C. Radiografia do tórax mostrando hiperfluxo pulmonar do tipo arterial, abaulamento do arco médio e aumento das cavidades esquerdas. Ao= aorta; AD =átrio direito; AE =átrio esquerdo; AP =artéria pulmonar; VD =ventrículo direito; VE =ventrículo esquerdo. cúspide, irradiando-se na direção do hemitórax direito. Pode ser ouvido, também, um sopro mesodiastólico no foco mitral, devido ao hiperfluxo pela valva mitral, e que precede uma 3a bulha cardíaca. O ECG revela sobrecarga atrial esquerda e sobrecarga biventricular. A radiografia simples de tórax evidencia aumento da circu- lação pulmonar e crescimento dos ventrículos. O ecocardiograma módulo M mostra dilatação das cavidades esquerdas nos casos de CIV com repercussão hemodinâmica importante. O eco bidimensional visualiza diretamente o defeito, tornando possível, inclusive, a determinação do seu tamanho. O Doppler auxilia na localização e viabiliza a medida do gradiente interventricular, consequentemente, da pressão da AD A B o artéria pulmonar, elementos importantes na avaliação hemo- dinâmica da CIV. • Persistência do canal arterial O canal arterial é um conduto que conecta a artéria pul- monar à aorta durante a vida fetal, fechando-se nas primeiras 24 h após o nascimento. Quando permanece aberto, constitui o defeito congênito denominado persistência do canal arterial, possibilitando a passagem de sangue da aorta para a artéria pulmonar (Figura 52.8). É mais frequente no sexo feminino e tem maior inci- dência em crianças cujas mães tiveram rubéola durante a gravidez. c Figura 52.8 Persistência do canal arterial (PCA). A. Desenho esquemático do PCA. B. Angiografia mostrando o trajeto do cateter que passou pela veia cava superior, átrio direito (AD), ventrículo direito (VD) e artéria pulmonar (AP), penetrou no canal persistente e alcançou a aorta (Ao). C. Aortogra- fia demonstrando a contrastação concomitante da artéria pulmonar em consequência da conexão entre a aorta e a pulmonar. O. Ecocardiograma transtorácico com mapeamento de fluxo em cores demonstrando fluxo turbulento em mosaico (setas) para o interior da artéria pulmonar esquerda a partir da aorta, compatível com persistência do canal arterial. AE =átrio esquerdo; VE =ventrículo esquerdo. 52 I Doenças do Coração e da Aorta A história natural desta anomalia depende do tamanho do canal e das alterações na circulação pulmonar decorrentes do aumento do fluxo sanguíneo. No recém-nascido, dada a elevada resistência pulmonar, é quase nulo o fluxo de sangue pelo canal, não se auscul- tando sopro nestas crianças. Com o desenvolvimento da criança, há uma queda na resistência arterial pulmonar, formando um gradiente de pressão entre a aorta e a arté- ria pulmonar, passando a existir, então, um fluxo sanguíneo durante a sístole e a diástole, pois tanto a pressão sistólica como a diastólica são maiores na aorta comparando-se com a artéria pulmonar. Ao exame físico do coração, encontram -se sinais de sobre- carga ventricular esquerda, 3a bulha cardíaca e, o que é carac- terístico, um sopro contínuo, mais audível no 1° e no 2º espaço intercostal esquerdo. Este sopro, chamado "sopro em maqui- naria~ acentua-se no momento da 2a bulha cardíaca e diminui à inspiração. Pode-se ouvir, também, um sopro mesodiastólico no foco mitral, devido ao hiperfluxo sanguíneo através da valva mitral. Os sinais periféricos da persistência do canal arterial, semelhantes aos observados na insuficiência aórtica, são pulso célere, pulsações arteriais amplas no pescoço e aumento da pressão diferencial. No eletrocardiograma, nota-se sobrecarga atrial e ventricu- lar esquerda. Na radiografia do tórax, observam-se dilatação do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo, abaulamento da artériapulmonar e aumento da circulação pulmonar. O ecocardiograma módulo M na persistência do canal arte- rial fornece achados semelhantes aos de uma comunicação interventricular, ou seja, crescimento das cavidades esquerdas. O eco bidimensional possibilita localizar o defeito e determi- nar o seu tamanho; o Doppler é extremamente útil para iden- tificar o defeito e medir o gradiente entre a aorta e a artéria pulmonar. • Estenose pulmonar A estenose pulmonar valvar, responsável por 10% dos casos de cardiopatia congênita, caracteriza-se pela ocorrência de valvas semilunares malformadas, com aspecto em cúpula, B 529 com um orifício central ou próximo ao centro, que impossibi- lita a abertura normal da valva (Figura 52.9). Como consequência desta obstrução, há hipertrofia do ventrículo direito, cuja intensidade varia com a gravidade da estenose da valva. A estenose pulmonar é considerada leve quando o gra- diente pressórico entre a artéria pulmonar e o ventrículo direito é de 25 a 50 mmHg; moderada, de 50 a 100 mmHg; e grave, quando maior que 100 mmHg. Os casos de estenose leve ou moderada são praticamente assintomáticos; no entanto, quando o defeito é grave, advém insuficiência ventricular direita, com os clássicos sinais de hipertensão venosa. Os dados semióticos variam conforme o grau da estenose. Na estenose pulmonar leve, ouve-se um clique de ejeção precoce, mais intenso à expiração- o clique origina-se da dila- tação pós-estenótica da artéria pulmonar-, bem como desdo- bramento da 2a bulha cardíaca, sendo o componente pulmo- nar igual ao componente aórtico - o desdobramento aumenta na inspiração -, e sopro sistólico de ejeção, na área pulmonar, rude, de pequena ou média intensidade, com irradiação na direção da região infraclavicular esquerda. Na estenose pulmonar moderada, já se observa batimento ventricular direito, mas apenas raramente percebe-se clique; o desdobramento da 2~ bulha cardíaca é mais amplo, sendo o componente pulmonar de menor intensidade que o aórtico, e o sopro é mais intenso, acompanhando-se de frêmito. Na estenose pulmonar acentuada, os batimentos do ven- trículo direito são intensos, não há clique, o componente pul- monar da 2ª bulha cardíaca torna-se inaudível, aparece ritmo de galope atrial e o sopro é sempre de grande intensidade, com manifestação em crescendo, tardio e com frêmito. O pulso radial tem amplitude diminuída. O eletrocardiograma evidencia sobrecarga sistólica do ven- trículo direito, com ondas R altas e ondas T invertidas nas derivações precordiais direitas. O ecocardiograma módulo M evidencia graus variáveis de hipertrofia ventricular direita; o eco bidimensional, por visualizar diretamente a valva, pode demonstrar sua abertura diminuída durante a sístole. Ao medir o gradiente entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar, o Doppler torna possível avaliar o grau de repercus- são hemodinâmica. c Figura 52.9 Estenose pulmonar (EP). A. Desenho esquemático da EP. 8. Angiografia: a injeção do contraste em VD, que tem aspecto hipertrófico, evi- dencia o espessamento valvar com estreitamento do seu orifício e a dilatação pós-estenótica. C. Radiografia do tórax mostrando hipofluxo pulmonar, abaulamento do arco médio (dilatação pós-estenótica) e hipertrofia ventricular direita. Ao= aorta; AD = átrio esquerdo; AP = artéria pulmonar; VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo. 530 • Tetralogia de Fallot A tetralogia de Fallot é a cardiopatia congênita cianótica mais frequente, sendo constituída de 4 defeitos anatômicos (daí a sua denominação): comunicação interventricular, este- nose pulmonar infundibulovalvar, dextroposição da aorta e hipertrofia do ventrículo direito. A gravidade da tetralogia de Fallot depende do grau da estenose infundibulovalvar. Quando a estenose é pronun- ciada, grande parte do sangue insaturado que chega ao ven- trículo direito passa diretamente para a aorta, por meio da comunicação interventricular; nesses casos, a cianose é per- manente e intensa. Em contrapartida, se a obstrução na via de saída do ventrículo direito não for grave, boa parte do sangue que chega a esta cavidade consegue alcançar os pulmões, em que será oxigenado, de tal modo que a cianose só aparecerá durante a execução de esforço físico. Muitas vezes, a criança com este defeito não apresenta cia- nose logo ao nascer, a qual só vai se manifestar após alguns meses de vida. Estes pacientes estão sujeitos a "crises de hipoxia': que ocorrem após algum esforço e se caracterizam por aumento da cianose, taquipneia e perda da consciência. A causa dessas crises é o espasmo do infundíbulo do ventrículo direito. É uma situação grave, com alta mortalidade. Nas crianças de mais idade, é possível observar a "posi- ção de cócoras" que elas adotam intuitivamente, após esforço físico, para aliviar seus sintomas. Admite-se que, nesta posição, haja aumento da resistência arterial periférica que se transmite à raiz da aorta e ao ventrículo esquerdo, redundando em dimi- nuição do shunt direita-esquerda e consequente aumento do fluxo pulmonar (Figura 52. 10). À inspeção do tórax, pode-se encontrar um abaulamento precordial, indicativo da hipertrofia ventricular direita. Figura 52.1 O Criança portadora da tetralogia de Fallot na "posição de có- coras" após esforço físico. Parte 8 I Sistema Cardiovascular À ausculta, encontra-se uma 2~ bulha cardíaca única- for- mada exclusivamente pelo fechamento da valva aórtica que está anteriorizada, pela sua dextroposição -, de alta intensi- dade e de qualidade metálica, mais audível no foco tricúspide, diminuindo no foco mitral e, mais ainda, no foco pulmonar. Além disso, ouve-se um sopro sistólico de ejeção, locali- zado na área pulmonar, que termina sempre antes do compo- nente aórtico da 2ª bulha cardíaca. O eletrocardiograma evidencia hipertrofia do ventrículo direito. A radiografia do tórax mostra um coração de tamanho nor- mal ou hipertrofia do ventrículo direito, além da diminuição da circulação pulmonar (Figura 52.11). ..,. Hipertensão arterial A hipertensão arterial é uma síndrome caracterizada basi- camente por aumento dos níveis pressóricos, tanto sistólico quanto diastólico. A hipertensão arterial é uma das mais importantes enfer- midades do mundo moderno, pois, além de ser muito fre- quente - 10 a 20% da população adulta são portadores de hipertensão arterial -, ela é a causa direta ou indireta de ele- vado número de óbitos, decorrentes de acidentes vasculares cerebrais, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e infarto agudo do miocárdio. A confirmação diagnóstica deve ser efetuada com mais de uma tomada de pressão em várias ocasiões. Os valores dos níveis sistólico e diastólico são importantes fatores de risco para o aparelho cardiovascular. São considerados portadores de hipertensão arterial aque- les indivíduos que apresentem pressão diastólica acima de 90 mmHg e sistólica acima de 140 mmHg (acima de 18 anos) (Quadro 52.2). Por outro lado, são considerados portadores de hiperten- são arterial sistólica isolada aqueles que apresentam níveis de pressão diastólica abaixo de 90 mmHg e pressão sistólica igual ou superior a 140 mmHg. Em determinadas pessoas, os níveis pressóricos sofrem grandes variações, para mais ou para menos, em curto período de tempo, às vezes alcançando cifras acima dos valores nor- mais. Impactos emocionais podem ser responsáveis, mas, em muitas ocasiões, isso ocorre sem que haja qualquer fator desencadeante. Em alguns pacientes, basta fazer 2 mensura- ções da pressão arterial, com intervalo de poucos minutos entre uma e outra, para se comprovarem diferenças signi- ficativas. Em uma primeira medida, encontra-se, por exem- plo, 160/100 mmHg; em outra, feita logo a seguir, registra-se 140/90 mmHg. A esta condição, denomina-se hipertensão arteriallábil. Seguramente, a regulação da pressão arterial des- ses pacientes é diferente da dos que não apresentam tais varia- çõestensionais, mas não se pode rotulá-los de hipertensos. A conduta correta do ponto de vista diagnóstico é fazer avalia- ções periódicas, pois, com frequência, esses pacientes acabam desenvolvendo hipertensão arterial. Denomina-se crise hipertensiva a elevação repentina da pressão arterial em geral, pressão diastólica acima de 120 mmHg acompanhada de cefaleia, tonturas, palpitações e perturbações visuais. Uma crise hipertensiva pode aco- meter uma pessoa normotensa ou hipertensa. Típicas crises hipertensivas são observadas no feocromocitoma pela des- carga periódica de catecolaminas. Além disso, ocorrem com 52 I Doenças do Coração e da Aorta Fallot Ao ,..._... AD A 531 8 c D Figura 52.1 1 Tetralogia de Fallot. A. Representação esquemática dos 4 defeitos anatômicos que constituem esta cardiopatia: comunicação interven- tricular, estenose pulmonar infundibular, dextroposição da aorta e hipertrofia ventricular direita. B. Ventriculografia direita evidenciando a estenose pulmonar infundibulovalvar. C. Ventriculografia esquerda mostrando a dextroposição da aorta, a qual cavalga o septo e a comunicação interventricular. D. Radiografia do tórax mostrando hipofluxo pulmonar, arco aórtico à direita, arco médio deprimido e hipertrofia ventricular direita. Ao= aorta; AD = átrio direito; AE =átrio esquerdo; AP =artéria pulmonar; VD =ventrículo direito; VE =ventrículo esquerdo. frequência em pacientes com hipertensão arterial essencial, podendo estar relacionadas com distúrbios emocionais, inges- tão de bebidas alcoólicas ou alimentos excessivamente salga- dos e supressão súbita de alguns medicamentos anti-hiperten- sivos. Neste último caso, denomina-se fenômeno de rebote. Convém salientar que, para valorizar as alterações dos níveis tensionais, especialmente quando estão próximos dos valores normais, é necessário que o médico tenha obedecido a todas as recomendações estudadas no item sobre determina- ção da pressão arterial. É de uso corrente a classificação com base em níveis pressó- ricos (hipertensão leve, moderada ou grave); entretanto, esta deve ser desestimulada, sendo mais útil usar uma classificação que leva em conta a ocorrência ou não de dano em órgãos-alvo, em particular a hipertrofia ventricular esquerda. Assim, tere- mos, como mostra o Quadro 52.2, estágio 1, estágio 2, estágio 3, com complicação ou não por lesão em órgão-alvo. Quanto à evolução, a hipertensão arterial pode ser benigna ou maligna. O tipo benigno da hipertensão arterial evolui len- aassificação da pressão arterial (maiores de 18 anos) (VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2010). Classificação Pressão sistólica Pressão diastólica Ótima < 120mmHg < 80mmHg Normal < 130mmHg <85mmHg limítrofe 130 a 139 mmHg 85 a89mmHg Hipertensão (estágio 1) 140 a 159 mmHg 90a99mmHg Hipertensão (estágio 2) 160 a 179 mmHg 100 a 109 mmHg Hipertensão (estágio 3) > 180mmHg >110mmHg Hipertensão sistólica > 140mmHg <90mmHg isolada tamente, com níveis pressóricos não muito elevados, e sem causar importantes lesões ao nível dos rins, do coração e do leito arteriolar. Em contrapartida, a hipertensão arterial maligna apresenta evolução rápida, com cifras tensionais muito elevadas - fre- quentemente a pressão diastólica está acima de 140 mmHg -, havendo grave comprometimento dos rins, coração, cérebro e olhos. No nível das arteríolas, pode haver necrose fibrinoide. É importante ressaltar que o valor prognóstico dos níveis tensionais é pequeno, sendo mais importantes a evolução e a ocorrência de lesão em órgãos-alvo. Em crianças e jovens, a definição de hipertensão se baseia atualmente no relatório da 2a Força-tarefa Americana, Causas de hipertensão arterial • Primária ou essencial: é assim chamada quando não se consegue caracte- rizar sua etiologia, sendo dependente de diversos fatores, tais como traço hereditário, ingestão excessiva de sal, obesidade, estresse, uso de bebidas alcoólicas, dentre outros • Secundária: o Doenças renais: glomerulonefrite aguda e crônica, insuficiência renal, pielonefrite, rim policístico, uropatia obstrutiva, amiloidose, hidrone- frose o Doenças endócrinas: doença de Cushing, hiperaldosteronismo primá- rio, feocromocitoma, acromegalia o Doenças vasculares: coarctação da aorta, estenose da artéria renal o Toxemia gravídica o Medicamentos: anticoncepcionais hormonais, anti-inflamatórios este- roides e não esteroides, descongestionantes nasais, anorexígenos, anti depressivos tricíclicos, ciclosporina o Outras causas: hipertensão intracraniana, intoxicação por chumbo, intoxicação por tálio, ingestão de grande quantidade de alcaçuz, neo- plasias do ovário, do testículo e do cérebro. 532 constituída pelo Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos (1987). A hipertensão foi definida quando a pressão arterial se situa acima do percentil 95 em pelo menos 3 determinações em ocasiões diferentes, e utili- zando-se equipamento adequado (Quadro 52.3). • Hipertensão arterial essencial A hipertensão arterial essencial corresponde a mais de 90% dos pacientes. Sua etiologia é desconhecida, invocando-se vários mecanismos para explicar a elevação dos níveis pres- sóricos, tais como hereditariedade, reatividade vascular anor- mal, alta ingestão de sódio na alimentação, uso de bebidas alcoólicas, disfunção do sistema renina-angiotensina e distúr- bios emocionais (estresse) de duração prolongada. Na verdade, a hipertensão é uma enfermidade de origem multicausal e multifatorial, resultante da superposição e inte- ração de vários fatores que foram surgindo junto com mo di- ficações na maneira de viver do homem moderno, dentre os quais sobressaem, particularmente nos grandes aglomerados urbanos, a competição desenfreada, o consumismo insaciá- vel, a pressa para tudo, a perda de valores espirituais, a inse- gurança permanente, o ruído excessivo, as longas jornadas de trabalho, a falta de transporte e a falta de lazer. A hipertensão arterial seria uma "adaptação" do organismo humano às con- dições desfavoráveis de vida. Independentemente da causa, a enfermidade caracteriza-se por elevação da resistência vascular periférica. De início, há apenas alterações funcionais das arteríolas, mas, com o pas- sar do tempo, ocorre espessamento da camada muscular des- ses vasos, que provoca aumento do trabalho do ventrículo esquerdo. Classificação da hipertensão arterial em aianças e jovens (adaptado de Second Task Force on Blood Pressure Control in Children, 198n. Grupo etário ~ 95 percentil ~ 99 percentil Recém-nascidos (dias) 7 (PAS) ~ 96 ~ 106 8 a 30 (PAS) ~ 104 ~ 110 lactentes (s 2 anos) PAS ~ 112 ~ 118 PAD ~74 ~82 Crianças (3 a 5 anos) PAS ~ 116 ~ 124 PAD ~ 76 ~84 Crianças (6 a 9 anos) PAS ~ 122 ~130 PAD ~78 ~86 Crianças (10 a 12 anos) PAS ~ 126 ~134 PAD ~82 ~90 Crianças (13 a 15 anos) PAS ~ 136 ~144 PAD ~86 ~92 Adolescentes (16 a 18 anos) PAS ~ 142 ~ 150 PAD ~92 ~98 PAS =pressão arterial sistólica; PAO =pressão arterial diastólica. Parte 8 I Sistema Cardiovascular As manifestações clínicas da hipertensão arterial são varia- das e dependem, até certo ponto, da gravidade e do tipo evo- lutivo da doença. Deve ser ressaltado que os hipertensos são, em grande parte, completamente assintomáticos. Assim, o único modo de diagnosticar a hipertensão é ao medir a pressão arterial. Pode-se suspeitar de hipertensão quando o paciente relata cefaleia - frequentemente de localização occipital, podendo predominar de madrugada ou pela manhã -, zumbido no ouvido, fatigabilidade, palpitações, tontura e sensação de peso ou pressão na cabeça. Ao exame físico do paciente com hipertensão arterial, é possível encontrar pulsações da crossa aórtica na fúrcula estemal, hiperfonese da 2ª bulha cardíaca no foco aórtico e aumento da intensidade de ictus cordis (Figura 52.12). Quando há hipertrofia ventricular esquerda, o ictus cordis torna-se propulsivo e deslocado para forae para baixo. Pode surgir uma 4a bulha cardíaca indicativa da diminuição da complacência ventricular. Outro grupo de sintomas depende do surgimento de com- plicações no coração (cardiopatia hipertensiva), nos rins (nefropatia hipertensiva) ou no cérebro ( encefalopatia hiper- tensiva). Por fim, cumpre assinalar a alta frequência da associação de hipertensão arterial com doença das artérias coronárias. Aliás, a hipertensão arterial constitui um importante fator de risco para o surgimento de aterosclerose coronária e cumpre res- saltar que aparece isoladamente em apenas 30% dos casos, ou seja, na maioria das vezes, está associada a outras condições, denominadas fatores de risco, como dislipidemia, obesidade, sedentarismo e diabetes. Nesses casos, a hipertensão arte- rial, em consequência da sobrecarga que impõe ao ventrículo esquerdo, pode ser o fator desencadeante de crises anginosas (ver Capítulo 56, Doenças das Artérias). Na cardiopatia hipertensiva, além das palpitações, decor- rentes do aumento da força de contração do ventrículo esquerdo, a manifestação mais precoce é a dispneia de esforço. Com o passar do tempo, instala-se o quadro de insuficiência cardíaca. O comprometimento dos rins só se exterioriza clinica- mente quando ocorre insuficiência renal, cujos sintomas mais precoces são noctúria e poliúria. Nos tipos avançados, surgem as manifestações próprias da retenção de escórias azotadas, síndrome classicamente denominada "uremiâ: As manifestações encefálicas podem ser subdivididas em 2 grupos: encefalopatia hipertensiva, na qual predominam cefaleia, tonturas, confusão mental, alterações visuais e pare- sias localizadas e transitórias. O outro grupo é constituído de Figura 52.12 Cardiopatia hipertensiva. Observa-se acentuada hipertrofia das paredes do ventrículo esquerdo. 52 I Doenças do Coração e da Aorta hemorragia cerebral por ruptura vascular, que se traduz cli- nicamente pelas síndromes neurológicas indicativas de aci- dente vascular cerebral (ver Capítulo 178, Doenças do Sistema Nervoso). As manifestações oculares ocorrem isoladamente e podem independer da encefalopatia hipertensiva, sendo constituídas de escotomas e distúrbios da visão. Decorrem quase sempre de hemorragias retinianas. O exame do fundo do olho é de grande importância diag- nóstica na hipertensão arterial, pois a visualização direta das artérias e vênulas possibilita o reconhecimento clínico das alterações do leito arteriolar (ver Capítulo 20, Exames Complementares). • Hipertensão arterial secundária Em menos de 10% dos pacientes com hipertensão arterial, é possível evidenciar uma causa responsável. Nos jovens, a proporção se modifica, havendo maior número de casos de hipertensão secundária. Nas crianças, a proporção de casos secundários é ainda maior. Assim, a investigação diagnóstica nas crianças e nos jovens deve partir da premissa de que pode haver um fator etiológico responsável pela hipertensão. As manifestações clínicas diretamente relacionadas com o aumento dos níveis pressóricos são as mesmas da hiperten- são arterial primária; a elas se somam os sintomas próprios da doença renal, endócrina ou vascular. As doenças renais são as causas mais frequentes de hiper- tensão arterial secundária, destacando-se a glomerulonefrite aguda ou crônica, a insuficiência renal, a pielonefrite, o rim policístico e a hidronefrose (uropatia obstrutiva). As enfermidades endócrinas que podem acompanhar-se de aumento da pressão arterial são a doença de Cushing, o hipe- raldosteronismo primário, o feocromocitoma e a acromegalia. Roteiro para investigação diagn6stica na hipertensão arterial O diagnóstico da hipertensão arterial não pode ser o resultado de uma simples e isolada medida dos níveis tensionais de uma pessoa. ~necessário estar atento à facilidade com que muitas vezes se faz este diagnóstico, que induz a prescri- ção de terapêutica desnecessária ou até prejudicial aos pacientes. Propomos que se siga o seguinte roteiro: 1. Obedeça sempre às normas e às recomendações quanto à posição do paciente e ao tipo de manguito, realizando sempre 2 mensurações da pres- são arterial com intervalo mínimo de 5 min entre uma e outra. Se houver diferença significativa nesta avaliação inicial, repita as mensurações 1 ou 2 dias após. 2. Sempre que possível, coloque o paciente em dieta hipossódica e sem a ingestão de medicamentos anti-hipertensivos durante 1 semana para a avaliação correta do grau da hipertensão (leve, moderada ou grave ou está- gio 1, 2 ou 3) e o tipo evolutivo (benigno ou maligno). 3. Com os dados clínicos - sexo, idade, sintomas e sinais e evolução - com- plementados por exames laboratoriais simples- exame de urina, dosagem de eletrólitos, creatinina e glicose -, procure indícios de enfermidade renal, endócrina ou vascular que possam ser a causa de hipertensão arterial. 4. Avalie as condições dos órgãos-alvo (coração, rins e cérebro), caracterizando a ocorrência ou não de complicações. S. Feito o diagnóstico de hipertensão arterial, o médico deve interpretá-la, compreendendo o paciente como um todo, ou seja, jamais fique restrito às cifras tensionais, considerando que elas sintetizam tudo o que ocorre com o paciente. 533 Dentre as doenças vasculares, destacam-se a coarctação da aorta e a estenose das artérias renais. Para a estenose da artéria renal, consagrou-se a deno- minação hipertensão renovascular, em que o mecanismo patogênico é bem conhecido, sendo consequência direta da isquemia renal, a qual põe em ação o sistema renina-angioten- sina-aldosterona, responsável pela regulação do fluxo arterial pelos rins. A busca de lesões da artéria renal deve ser feita em pacientes jovens, nos quais não se constatou a ocorrência de doença dos rins e das glândulas endócrinas, e nos pacientes idosos que se tornaram hipertensos de maneira inesperada e rápida. Nos jovens, a lesão mais frequente é a displasia fibro- muscular e, nos idosos, as placas ateromatosas. Em ambos os casos, o diagnóstico final é feito pela arteriografia renal, mas, à ausculta do abdome, é possível detectar um sopro sistólico que se origina no local da obstrução da artéria renal. A toxemia gravídica acompanha-se com frequência de hipertensão arterial cujo mecanismo patogênico ainda não está bem esclarecido, admitindo-se, contudo, que seja impor- tante a participação de alterações renais. Os anticoncepcionais ativam o sistema renina-angioten- sina e elevam a produção de aldosterona, provocando hiper- tensão arterial em mulheres jovens. Doses altas de corticoides elevam a pressão arterial pelo mesmo mecanismo da síndrome de Cushing. ...,. Hipotensão arterial Níveis pressóricos abaixo do normal são chamados de hipotensão arterial. O difícil é definir quais seriam os níveis mínimos considerados normais. Com frequência, admitem-se os valores mínimos de 80 a 90 mmHg para a pressão sistó- lica. A hipotensão arterial só caracteriza um problema clínico quando indica diminuição do débito cardíaco, da volernia e/ou da resistência periférica. Essas alterações ocorrem em várias circunstâncias, como insuficiência cardíaca, síndrome de baixo débito, tamponamento cardíaco, desidratação, hemor- ragias, septicemias. Nessas condições, o paciente apresenta-se com níveis pressóricos baixos acompanhados de diminuição da amplitude (pulso filiforme) ou desaparecimento dos pulsos periféricos, taquicardia e sinais de má perfusão tecidual. Outra situação em que ocorre hipotensão arterial e que representa um problema médico importante, principalmente entre os idosos, é o que se chama hipotensão ortostática ou hipotensão postura!. Ao assumirmos a posição supina, o organismo utiliza vários mecanismos para manter os níveis pressóricos e garan- tir a perfusão cerebral. A redução do retorno venoso serve de estímulo para que os barorreceptores, localizados nas artérias carótidas e arco aórtico, desencadeiem aumento da atividade simpática e reduçãoda parassimpática, ocasionando constri- ção arteriolar e venosa e aumento do tônus muscular e da fre- quência cardíaca. Outros importantes mecanismos são a ativa- ção do sistema renina-angiotensina-aldosterona e a liberação de vasopressina, prostaglandinas, bradicininas, histamina e peptídio natriurético atrial. A falha nesses mecanismos pro- voca queda da pressão arterial e pode ter como consequência hipoperfusão cerebral, que manifesta-se com tonturas, sín- cope, quedas e acidente vascular cerebral. O envelhecimento altera os mecanismos de controle da homeostase e pode predispor os indivíduos à hipotensão pos- tura!. 534 Os fatores que predispõem à hipotensão postura! em idosos são: • Diminuição da sensibilidade dos barorreceptores • Diminuição da capacidade de conservar sal • Baixos níveis de renina e aldosterona • Aumento do peptídio natriurético atrial • Diminuição da resposta de elevação da frequência cardíaca com queda da pressão arterial • Diminuição do enchimento ventricular. Hipotensão postura! é diagnosticada quando ocorre queda de 20 mmHg ou mais na pressão sistólica e/ou 10 mmHg ou mais na diastólica, ao passar-se da posição deitada para a posi- ção de pé. Para detectá-la, é preciso obedecer à seguinte técnica: (1) determinar a pressão arterial do paciente em decúbito dorsal, depois de 2 a 3 min de repouso; (2) em seguida, com o paciente sentado e após ficar de pé, com intervalo de 1 e 3 min (se a sus- peita de hipotensão postura! for grande, pode-se medir nova- mente depois que o paciente der alguns passos). É importante tomar o pulso e contar a frequência durante todas as etapas da pesquisa de hipotensão postura!, pois este pode ser um dado muito importante no diagnóstico etioló- gico. Em indivíduos normais, ela se eleva de 6 a 12 bpm na posição ereta. Quando há queda de pressão arterial, a falta de elevação da frequência de pulso indica falha do sistema ner- voso autônomo. O acentuado aumento na frequência de pulso (maior que 20 bpm), na posição supina, sugere hipovolemia. As principais causas de hipotensão ortostática são: • Comuns o Anemia o Perda de sangue o Repouso prolongado o Desidratação, desnutrição o Hipopotassemia o ~edicamentos • ~eurológicas o AVC o Doença de Parkinson o Tumor cerebral o Doenças que causam disautonomia o ~europatia periférica o Simpatectomia • Cardiovasculares o Estenose aórtica o Cardiomiopatia hipertrófica o Insuficiência cardíaca o Infarto agudo do miocárdio o Grandes veias varicosas • Endócrinas o Insuficiência suprarrenal o Diabetes insípido o Hipoaldosteronismo • Incomuns o Destruição dos barorreceptores por radiação ou cirurgia o Atrofia multissistêmica (síndrome de Shy-Drager) o Associação a tumores (carcinoides). Quando o clima está muito quente, aumenta a probabili- dade de ocorrer hipotensão postural, principalmente nos ido- sos, pois há maior represamento de sangue no sistema venoso dos membros inferiores. Outra condição clínica de hipotensão arterial que pode ter consequências graves é a hipotensão pós-prandial, importante Parte 8 I Sistema Cardiovascular causa de hipotensão entre os idosos, mesmo sadios. Assim como a hipotensão ortostática, é definida quando ocorre queda de 20 mmHg ou mais na pressão sistólica, mas até 2 h após o iní- cio de uma refeição. Além disso, pode causar hipoperfusão cere- bral e síncope. Seu mecanismo ainda não é bem explicado, mas a hipótese mais aceita é uma grande vasodilatação com repre- samento de sangue na área esplâncnica durante a refeição, oca- sionando redução da resistência periférica e do retomo venoso. .,... Doença arterial coronariana É possível definir a insuficiência coronária como uma des- proporção entre a oferta e o consumo de oxigênio no nível da fibra miocárdica, seja por diminuição da oferta ou por aumento de consumo. Em qualquer uma dessas condições, o fenômeno fisiopatológico essencial é a isquemia miocárdica (ver Arteriosclerose, no Capítulo 56). Podemos equacionar a oxigenação miocárdica com a seguinte fórmula: O . _ . , d. Oferta de 0 2 xtgenaçao mwcar 1ca = C d 0 onsumo e 2 O principal fator responsável pela pressão média na raiz da aorta é o débito cardíaco e sempre que houver diminuição dele, ocorrerá redução de 0 2 para as fibras miocárdicas. Os fatores responsáveis pelo aumento da resistência coro- nária estão relacionados com a perviedade das artérias que irrigam o coração, podendo ser anatômicos ( aterosclerose e trombose) ou funcionais (espasmo). Assim, sempre que hou- ver placas ateroscleróticas ou trombos diminuindo o lúmen de uma artéria coronária, ocorrerá diminuição do fluxo sanguí- neo com redução de oferta de 0 2 para a fibra miocárdica. Isso também ocorrerá quando a artéria sofrer um espasmo; aliás, admite-se que o espasmo quase sempre aparece nos vasos que já tenham alguma lesão aterosclerótica. De outra parte, haverá aumento do consumo de 0 2 quando a contratilidade, a frequência cardíaca, a pré-carga ou a pós-carga sofrerem elevação. ~ão é raro o encontro de si- tuações clínicas nas quais os 2 mecanismos - diminuição da oferta e aumento do consumo - estejam associados em um mesmo paciente, cujo exemplo mais frequente é a concomi- tância da aterosclerose coronária com a hipertensão arterial. Como é possível notar, a isquemia miocárdica é o fenô- meno principal na doença arterial coronariana; sua maneira de instalação, intensidade e as características evolutivas vão definir as manifestações clínicas desta enfermidade, reconhe- cendo-se 3 tipos clínicos bem definidos: a angina de peito, o infarto agudo do miocárdio e a cardiomiopatia isquêmica (miocardiosclerose). A cardiopatia isquêmica apresenta um grande espectro de manifestações, sendo possível escaloná-las da seguinte . maneira: ... lsquemia silenciosa. Caracterizada pela comprovação eletrocar- diográfica de isquemia miocárdica em pacientes sem manifes- tações clínicas. ... Angina estável. É uma síndrome causada por obstrução fixa de uma artéria coronária e caracterizada por dor torácica, em geral retroestemal, desencadeada por esforço físico, refeições volumosas ou estresse emocional, com duração de 30 segun- dos a 15 min, sendo aliviada pelo repouso ou uso de nitra- to sublingual sem alterar suas características por pelo menos 2 meses. 52 I Doenças do Coração e da Aorta .,.. Angina instável. É uma síndrome situada no meio do espec- tro clínico da cardiopatia isquêmica, incluindo desde a an- gina de peito de início recente até dor intensa e prolongada em repouso, às vezes indistinguível clinicamente do infarto agudo do miocárdio. Daí as denominações de «infarto agu- do do miocárdio sem onda Q" e «síndrome isquêmica aguda sem elevação do segmento ST". Em geral, a duração da dor ultrapassa 20 min. A angina instável relaciona-se com a fissura ou ruptura de uma placa ateromatosa, local em que se instala trombose, acompanhada quase sempre de espasmo coronário (Figura 52.13). .,.. Angina de Prinzmetal. Este tipo de angina caracteriza-se por epi- sódios frequentes de dor de aparecimento recente, ocorrendo vários no mesmo dia ou com intervalos de um ou poucos dias entre eles, simulando angina instável. Sua causa é o espasmo associado à obstrução de uma artéria coronária. A principal característica desta manifestação clínica da cardiopatia is- quêmica é o supradesnivelamento do segmento ST no ECG, indicando isquemia subendocárdica. .,.. Miocárdio atordoado ou disfunção contrátil isquêmica. Significa uma alteração funcional do miocárdio relacionada com insuficien- te fluxo para uma área ventricular, sem que haja sinais de ne- crose tecidual. .. - - í Trombo Retração com oclusão inicial do total trombo Reoclusão total I~ .. .. v - - Placa Fissura ateromatosa ou .. B ruptura Trombo mural (oclusão parcial) Use parcial Placa do trombo fibromuscular com semioclusão Figura 52.13 A. Aterosclerose coronária vendo-se ruptura e fissura de uma placa
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