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Teorias da comunicação Aula 9: Jürgen Habermas: o agir comunicativo e a ideia de esfera pública Apresentação Nesta aula, você conhecerá Habermas, que é considerado um autor da segunda geração de Frankfurt, tendo sido, inclusive, assistente de pesquisa de Theodor Adorno. No entanto, a partir da Teoria do Agir Comunicativo, o alemão procurava uma brecha para o sistema de dominação capitalista, relativizando as premissas frankfurtianas. A comunicação, para o autor, tinha um papel central não de mero instrumento de dominação, mas como instância que permite um espaço de debate e decisão coletiva. Objetivos Explicar por que Habermas supera a perspectiva da Teoria Crítica, apesar de in�uenciado pela escola; Diferenciar os conceitos de agir estratégico e ação comunicativa; Descrever a ideia de esfera pública, localizando na história seu surgimento e a sua função como espaço de discussão e deliberação. Habermas como sucessor de Frankfurt Filósofo e sociólogo alemão, Jürgen Habermas nasceu em 1929, na Alemanha. A ideia de esfera pública e a Teoria do Agir Comunicacional são o centro da elaboração teórica do autor, cuja preocupação essencial era resgatar o papel da comunicação em processos sociais deliberativos. O pesquisador é um expoente da segunda geração da Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt, que você conheceu em aulas anteriores. Habermas trabalhou inclusive com Theodor Adorno, tendo sido seu assistente de pesquisa, mas construiu uma carreira própria, contribuindo com uma extensa e rica produção de livros e artigos, o que o levou a ser um dos grandes pensadores da atualidade. Jürgen Habermas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCrgen_Habermas#/media/Ficheiro:JuergenHabermas.jpg. Acesso em: 23 set. 2019. Diferentemente dos autores de Frankfurt, Habermas perseguiu soluções para enfrentar os problemas da sociedade capitalista, buscando reverter a agenda negativa. Ele reconhecia o caráter sistêmico do mundo, que tenta engendrar a lógica do consumo e da manipulação em diversas esferas da vida, mas também percebia que muitas relações podiam ser pautadas por honestidade e justiça. Ou seja, o capital não converte a tudo e a todos em objetos e sujeitos objeti�cados, pois ainda há espaço para o diálogo e a deliberação democrática. A visão de Habermas sobre a formação social capitalista é mais otimista do que a de seus antecessores. Rüdiger (2010, p.140) lembra que os frankfurtianos da primeira geração se ocuparam sobretudo com os fatores econômicos de formação e o signi�cado sociológico da Indústria Cultural, pontos esses presentes nos primeiros trabalhos de Habermas. "A percepção de que a cultura de mercado, embora pretenda ser apolítica, representa ela mesma, uma forma de controle social ou mando organizacional não é um dos pontos de menor interesse de seu pensamento, como fica patente nos primeiros escritos de Habermas. " - RÜDIGER, 2010, p.140. Torna-se importante atentar para o período no qual Habermas escreve, pois, apesar de próximo ao de seus colegas frankfurtianos, oferece uma explicação plausível de o porquê o autor não ser tão pessimista. Suas ideias foram formuladas: "(...) após o pós-guerra, ao longo da reconstituição dos estado nação e da efetivação de instrumentos de deliberação a partir da Organização das Nações Unidas e suas agências multilaterais constitutivas." - CABRAL FILHO e CABRAL, 2017, p.246. Sendo assim, era um cenário de reconstrução e abertura de diálogo, conhecido inclusive como o “bem-estar do pós-guerra”, divergindo da barbárie, perseguição e guerra experimentados pelos frankfurtianos. Investigar a possibilidade de emancipação humana Clique no botão acima. Investigar a possibilidade de emancipação humana O tema prioritário do pesquisador girava em torno de investigar a possibilidade de emancipação humana representada, especialmente, pela realização de interesses públicos. O estudioso acredita que a comunicação serve como forma de auxiliar a reconstrução da vida social, ao organizar seus fundamentos e ajudar no desenvolvimento da sociedade, ou seja, ele foge da visão pessimista dos frankfurtianos, a partir da aceitação do projeto de realização humana de uma sociedade. O diagnóstico sobre a situação social e a história criada por esta situação é o ponto de partida para explicar a crise da vida política que ocorre em nossas sociedades. Para Habermas, a crescente apatia ou desinteresse da população com a ação política têm relação com a destruição da cultura na era de sua conversão em mercadoria. As obras Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, e Teoria da Ação Comunicativa, de 1981, são centrais para entendermos as propostas de Habermas no campo comunicacional. Dessa maneira, primeiro você conhecerá melhor a ideia de esfera pública, para, depois, entender melhor a Teoria do Agir Comunicativo. A esfera pública A obra Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, é um estudo sobre a formação e o declínio da esfera pública burguesa. Mostra que uma parcela importante das conquistas e liberdades que desfrutamos hoje se deveu à formação de uma esfera pública, em que sujeitos livres se reuniram para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns. Basta lembrar que no período das monarquias as articulações políticas dos dominados resultavam comumente na morte dos insurgentes. Comentário Habermas explica que esse movimento burguês de discussão começou em cafés e saraus, nos quais a burguesia conversava, em um primeiro momento, assuntos relacionados à vida cultural, como peças de teatro, óperas, livros e shows. Com o passar dos anos, os burgueses começaram também a dialogar sobre a política e a vida pública dos cidadãos. A imprensa, no século XVIII, ajuda, substancialmente, na formação dessa esfera pública burguesa, para Habermas. Portanto, o conceito de esfera pública se refere a dois termos: 1 O espaço público 2 A opinião pública Atenção Conclui-se, então, que a esfera pública é o conjunto de espaços, no qual ocorrem os debates e discussões sociais, com a �nalidade de se estabelecer um consenso. A imprensa ajudou não só fazendo com que a informação circulasse, mas também contribuiu para a formação da própria esfera pública, ou seja, do espaço para o debate, propriamente. Essa discussão acontece, portanto, em meio ao livre trânsito de informações e ideias promovidas pelos veículos de comunicação. Isso permitiu à burguesia desenvolver uma consciência crítica em relação às autoridades tradicionais, encarnadas no Estado e na Igreja. As formas de sociabilidade típicas da monarquia são redesenhadas, a partir da expansão do aparelho de estado e do poder econômico, no qual o papel da mídia é transformado, no sentido de permitir uma circulação mais livre da informação. Fatores que contribuíram para a formação da esfera pública Clique no botão acima. Fatores que contribuíram para a formação da esfera pública Veja os fatores que ajudam a explicar a formação da esfera pública burguesa: 1. Arena da vida pública organizada em centros de sociabilidade (casas de encontros, teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes). 2. Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa). 3. Surgimento de público leitor por meio de sociedades de leitura e bibliotecas e processo de alfabetização crescente. 4. Transportes melhorados, o que permitiu mais mobilidade urbana. Além da reprodução em larga escala que permitiu a circulação de ideias, alterando a relação do homem com o conhecimento, o surgimento da esfera pública estava ligado a um governo representativo, a uma constituição liberal e a amplas liberdades civis básicas perante a lei (liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, de associação e de julgamento justo). Atividade 1. A esfera pública burguesa tem sua origem explicada pelo surgimento de um governo representativo democrático e uma constituição liberal. Leia as alternativas abaixo e marque aquela que não in�uenciou no processo de consolidação de uma esfera pública burguesa, na qual sujeitoslivres podiam discutir seus interesses comuns. A) A arena da vida pública foi organizada em centros de sociabilidade (casas de encontros, teatros, museus, livrarias, tavernas, cafeterias, clubes). B) Crescimento da comunicação social (editoras, imprensa). C) Surgimento de público leitor por meio de sociedades de leitura e bibliotecas e processo de alfabetização crescente. D) Transportes melhorados, que permitiu mais mobilidade urbana. E) Aliança entre monarcas e burgueses, já que os primeiros tinham prestígio e os burgueses detinham o capital. Apesar do conteúdo crítico que essa esfera, de início, possuía, ela se viu forçada a ceder terreno e assistir ao surgimento de novas realidades. O cidadão deu lugar ao consumidor e contribuinte. Daí a esfera pública ser colonizada pelo consumismo promovido pelos interesses mercantis e pela manipulação da propaganda dos partidos políticos e dos estados pós-liberais, como nazifascismo e regimes democráticos de massa. Nesse ponto �ca evidente a ligação do autor com a Escola de Frankfurt, apesar de, como ressaltado, Habermas não enxergar apenas dominação e �nalidade de lucro. A mesma imprensa que ajudou a criar uma esfera pública, ou seja, um espaço democrático de debate e circulação de ideias, também auxiliou para que a busca do consenso político pelo livre uso da razão individual retrocedesse. É a partir disso que podemos entender o duplo papel dos meios de comunicação para Habermas, já que: Atuam a serviço da razão de estado e à conversão da atividade política em objeto de espetáculo, com a �nalidade do lucro e da dominação típicos da Esfera Sistêmica (conceito que você conhecerá adiante) Alimentam as conversas corriqueiras das interações do Mundo da Vida (também objeto de análise da próximo tópico) Teoria da Ação Comunicativa Na obra de 1981, Teoria da Ação Comunicativa, Habermas defende a razão comunicativa como parte que integra a racionalidade humana, sendo a comunicação uma ação que constrói a vida social e facilita a interação, compreensão e entendimento mútuo entre as pessoas. A comunicação é apresentada como nosso processo mais básico de socialização, pois entramos no Mundo da Vida a partir da linguagem, o que nos leva a conquistar uma competência comunicativa. As ideias de Mundo da Vida e Esfera Sistêmica são importantes para que compreendamos melhor o autor. Ele denomina Mundo da Vida as reservas de padrões de interpretação, que são organizados linguisticamente e transmitidos culturalmente. Sua compreensão de cultura não se alinha à de seus colegas frankfurtianos, pois entende cultura enquanto uma reserva de saber, conjunto dos valores, formas de expressão, perspectivas que servem como fontes para o entendimento entre os participantes de uma interação. É a partir da cultura que os participantes da comunicação podem interpretar quando tentam se entender sobre algo. O agir comunicativo é um tipo ideal de comunicação e os homens deveriam se esforçar para exercê-la, pois a mesma envolve: a) A veracidade do que eu falo. b) O signi�cado de que meus sentimentos são expressos de modo sincero. c) O fato de subentender que a ação nos encontros ou normas que o regulam são justas. Comentário Para Habermas era preciso focar nas estruturas e regras que tornam possíveis as interações entre sujeitos apoiados em seu reconhecimento mútuo. Com um contexto que garantiria um espaço igualitário de fala, entraria em cena a aptidão discursiva e comunicativa dos atores sociais, ou seja, sua competência interativa. Não em um sentido de convencimento para o benefício próprio, mas de um diálogo que ajudaria na construção do bem coletivo. Para que a comunicação possa acontecer de forma adequada, Habermas parte da noção de que a linguagem seja utilizada de forma clara, o que garantiria o entendimento. Além da ação comunicativa, outra ideia importante do autor é a de ação estratégica, inerente à Esfera Sistêmica, que envolve o sucesso individual, em vez de o entendimento mútuo, como na ação comunicativa. A lógica do mercado e do capital é a da esfera sistêmica. Sendo assim, os pressupostos de verdade, sinceridade e justiça são secundários nas relações interpessoais orientadas pela ação estratégica. A Esfera Sistêmica objetiva colonizar as outras esferas do Mundo da Vida, na direção que visa poder e dinheiro. Fonte: imagem feita pela autora: CAMPOS, 2019. Mais próximos do agir comunicativo do que do agir estratégico Clique no botão acima. Mais próximos do agir comunicativo do que do agir estratégico Habermas preconiza que tentemos estar mais próximos do agir comunicativo do que do agir estratégico. Nesse novo âmbito, os atores procuram harmonizar seus interesses e planos de ação, por meio de um processo de discussão, buscando um consenso. Na ação estratégica não há a intenção de ouvir os argumentos dos outros, enquanto no agir comunicativo há um espaço de diálogo, em que se pensa em conjunto sobre quais devem ser os melhores objetivos a serem buscados por um grupo social. O entendimento mútuo, do agir comunicativo, será um importante facilitador da coordenação de ações, e servirá de base para a defesa da democracia no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que não propiciam o diálogo dentro da sociedade. Maar (2014, p.19) pontua que na Teoria da Ação Comunicativa, o importante era mostrar o que seriam, conforme Habermas, as tendências de desenvolvimento social e as possibilidades de intervenção que nele se abrem, privilegiando processos de emancipação na formação de sujeitos coletivos. Vale lembrar que, em sociedades complexas como a nossa, há toda uma tendência de a Esfera Sistêmica colonizar o Mundo da Vida. Portanto, essas classi�cações feitas por Habermas não são “puras” e é possível pensarmos em momentos, em um mesmo diálogo, em que haja deslizamentos, ou seja, partes nas quais realmente há sinceridade e busca de consenso e partes nas quais aquele que fala apenas tenta persuadir o outro. Por isso, o autor diz que nós precisamos buscar a ação comunicativa mais do que a estratégica. Atividade 2. (Uem 2011) - Jürgen Habermas (1929) pertenceu inicialmente à escola de Frankfurt, também conhecida como Teoria Crítica, antes de fazer seu próprio caminho de investigação �losó�ca. Sobre o pensamento de Jürgen Habermas, assinale o que for correto. a) Ao afastar-se da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas abandona, ao mesmo tempo, a teoria crítica da sociedade e a crítica da razão instrumental. b) Ao contrário de Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Walter Benjamin, Jürgen Habermas continua fiel ao materialismo histórico, ou seja, à ortodoxia marxista. c) A relação posta pela Filosofia positivista entre o objeto da investigação científica e o sujeito que investiga é, para Jürgen Habermas, o caminho a ser adotado por uma racionalidade que deseja a emancipação humana. d) A racionalidade comunicativa, contida na Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, elabora-se na interação intersubjetiva, mediatizada pela linguagem de sujeitos que desejam alcançar, por meio do entendimento, um consenso autêntico. 3. Habermas defende, como proposta para a sociedade, que transitemos progressivamente da ação estratégica para a ação comunicativa. Porque: I - Na ação comunicativa, a orientação deixa de ser exclusivamente para o sucesso individual, e passa a se denominar como orientação para o entendimento mútuo, através de um processo de discussão, buscando um consenso. II - Na ação comunicativa, os elementos estruturantes da comunicação são planejados, o que levaria a uma mensagem mais clara, sem ruídos, já que a ação comunicativa é um segundo estágio de evolução no processo comunicativo, que não abriria mão da questão estratégica. III - O entendimento mútuo, do agir comunicativo, será um importante facilitador da coordenação de ações, e servirá de base para a defesa da democracia no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que não propiciam o diálogo dentro da sociedade.a) Apenas a I está correta. b) A I e II estão corretas. c) A I e a III estão corretas. d) Todas estão corretas. e) Apenas a III está correta. 4. Para Habermas, a cultura é uma reserva de saber, conjunto dos valores, formas de expressão, perspectivas que servem como fontes para o entendimento entre os participantes de uma interação. “A partir dela, participantes da comunicação extraem interpretações quando tentam se entender sobre algo no mundo”. Baseado nessas premissas e nos seus conhecimentos acerca de Habermas, assinale a alternativa que mais se aproxima da ideia que o autor alemão tem da comunicação. a) Comunicação como nosso processo mais básico de socialização, pois entramos no Mundo da Vida a partir da linguagem, o que leva à competência comunicativa. b) A comunicação é o que permite o processo de dominação e alienação da classe trabalhadora. Não há espaço para o raciocínio crítico. c) A comunicação ocorre por meio de estímulos emitidos pelos meios de comunicação de massa, que geram determinadas respostas no público. d) A comunicação não é um fenômeno imediato do meio de comunicação de massa para o público, pois há a figura do líder de opinião, que filtra a informação e a leva para o seu grupo social. e) A natureza do meio de comunicação utiliza ajuda a dar contorno à própria mensagem, pois cada meio possui uma gramática distinta. Referências CABRAL FILHO, Adilson Vaz; CABRAL, Eula Dantas Taveira. Jürgen Habermas (1939). In: AGUIAR, Leonel; BARSOTTI, Adriana. Clássicos da Comunicação: os teóricos. Petrópolis: Vozes, 2017, p.241-255. CITELLI, Adilson e outros (Org.). Dicionário de Comunicação – escolas, teorias e outros. São Paulo: Contexto, 2014. HABERMAS, Jürgen. The Structural Transformation of the Public Sphere. Cambridge: Polity Press, 1962. MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2014 RUDIGGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. In: HOLFELDT, Antônio e outros (Orgs.). Teorias da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2010, p.131-150. Próxima aula Os Estudos de Recepção e como surgiram; Jesus Martín-Barbero e sua teoria das mediações; A herança dos estudos de recepção na América Latina. Explore mais Con�ra o vídeo Cinco pensadores para entender o mundo contemporâneo: Habermas | Luís Mauro Sá Martino. javascript:void(0);
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