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O termo alergia alimentar muitas vezes é usado de maneira imprópria, é importante compreendê-lo corretamente, pois existem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas. A alergia alimentar é apenas um dos tipos de reações adversas a alimentos. Reação adversa é qualquer resposta anormal do organismo causada pela ingestão de um alimento. As reações adversas a alimentos são inicialmente divididas em tóxicas e não tóxicas. · As reações tóxicas dependem de fatores inerentes ao alimento, como as toxinas produzidas na deterioração, afetando qualquer indivíduo que ingira o alimento em quantidade suficiente para produzir sintomas. · As reações não tóxicas dependem da suscetibilidade individual e podem ser divididas em reações imunomediadas (alergia alimentar) e não imunomediadas (intolerância alimentar). Atualmente, tem sido sugerido o termo hipersensibilidade alimentar para abranger tanto as reações imunomediadas, chamadas hipersensibilidade alimentar alérgica, quanto as não imunomediadas, denominadas hipersensibilidade alimentar não alérgica. A intolerância alimentar pode decorrer de deficiências enzimáticas (intolerância a lactose), reatividade anormal a certas substâncias presentes nos alimentos (aditivos alimentares) ou mecanismos desconhecidos. A prevalência estimada de reações adversas a alimentos é de 12 a 20% em adultos. Entretanto, quando se considera apenas a prevalência das reações imunomediadas, ou seja, de alergia alimentar, a estimativa cai para aproximadamente 6 a 8% nos lactentes e até 4% nos adultos, sendo mais prevalente nos atópicos. No Brasil, as informações epidemiológicas são restritas, porém o crescente número de alergias alimentares é nitidamente percebido por especialistas da área. ETIOLOGIA Em tese, qualquer alimento pode ser causa de alergia alimentar, mas, apesar disso, um pequeno número de alimentos é responsável pela maioria das reações alérgicas induzidas por estes. Nos EUA, leite, ovo, soja, trigo e amendoim correspondem a 90% das reações de hipersensibilidade em crianças, enquanto peixe, crustáceos, amendoim e castanhas correspondem a 85% das reações de hipersensibilidade em adolescentes e adultos. No Brasil, dados sugerem um padrão de sensibilidade semelhante ao norte-americano, porém com a inclusão do milho e menor ação do amendoim. Tem sido observado aumento nas reações alérgicas a frutas e a sementes, como o gergelim. As proteínas alergênicas de muitos alimentos têm sido identificadas, isoladas, sequenciadas e clonadas. Com a identificação de muitas semelhanças em nível molecular de certas proteínas alergênicas, foi possível compreender porque certos pacientes alérgicos a pólen apresentavam sintomas orais quando ingeriam determinadas frutas e vegetais, conhecida como síndrome de alergia oral. Outro exemplo de reação cruzada ocorre entre o látex e certas frutas ou vegetais, pois pacientes alérgicos a látex podem apresentar sintomas quando ingerem banana, abacate, mamão, manga, kiwi, batata ou tomate. Em algumas pessoas, aditivos alimentares podem causar uma reação que se assemelha a uma reação alérgica, sem o ser. Por exemplo, alguns conservantes (como metabissulfito) e corantes (como tartrazina, um corante amarelo utilizado nos doces, refrigerantes e outros alimentos) podem provocar sintomas, como asma e urticária. Da mesma maneira, a ingestão de certos alimentos, como queijo, vinho e chocolate, desencadeia enxaquecas em algumas pessoas. FISIOPATOLOGIA A alergia alimentar pode envolver um mecanismo IgE mediado, não IgE mediado ou mais que um mecanismo imunológico pode estar envolvido. ♥ MECANISMO IGE MEDIADO (HIPERSENSIBILIDADE IMEDIATA): Em pacientes geneticamente predispostos, a falha no desenvolvimento ou a quebra do mecanismo de tolerância oral resulta em produção excessiva de anticorpos IgE específicos para determinado alimento. Após a sensibilização com formação da IgE específica, este anticorpo circula pelo organismo e liga-se a receptores de alta afinidade em mastócitos e basófilos. Nos próximos contatos com o alérgeno, este anticorpo se unirá a IgE que se ligou aos mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de mediadores como histamina, prostaglandinas e leucotrienos, que são os responsáveis pelas manifestações clínicas. Estas reações geralmente ocorrem dentro de minutos ou até 2 horas após a ingestão do alimento. As reações mediadas por IgE a alérgenos de carboidratos em carnes, um tipo de reação relatada principalmente em adultos, representam uma exceção a esse padrão temporal, uma vez que essas reações começam quatro a seis horas após a ingestão. Picadas repetidas de carrapatos ou picadas de água-viva podem causar sensibilização a carnes vermelhas e certos produtos de soja. Tem um início agudo, geralmente se desenvolve durante a infância e ocorre mais frequentemente em pessoas com forte história familiar de atopia. ♥ MECANISMO NÃO IGE MEDIADO: As alergias alimentares não mediadas por IgE apresentam-se como sintomas mais subagudos e / ou crônicos que são tipicamente isolados no trato gastrointestinal e / ou pele. São diagnosticadas geralmente pela boa resposta à eliminação do alérgeno da dieta e algumas doenças necessitam de biópsia. Evidências sugerem que estas reações sejam mediadas por células (reações de hipersensibilidade tipo IV). Embora raras, reações de hipersensibilidades tipos II e III também já foram descritas. Se manifesta gradualmente e é crônica; ela é mais comum em bebês e crianças. Os distúrbios alérgicos alimentares não mediados por IgE exclusivos incluem principalmente: · Síndrome de enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES; todo o trato gastrointestinal) · Enteropatia induzida por proteína alimentar (intestino delgado) · Proctite e proctocolite induzida por proteína alimentar (reto e cólon) · Hemossiderose pulmonar induzida por alimentos (síndrome de Heiner) Pacientes alérgicos a bétulas podem desenvolver coceira nos lábios ou boca ao comer maçã fresca, pêra, cereja, cenoura, aipo ou manusear batata crua. ♥ MECANISMO MISTO: As alergias mediadas tanto por IgE quanto por linfócitos T (p. ex., dermatite atópica, gastroenteropatia eosinofílica) tendem a ser de início tardio ou crônicas. Os distúrbios mistos incluem principalmente: Dermatite atópica, Esofagite eosinofílica (EoE) e Gastroenterite eosinofílica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ♥ CUTÂNEAS: São as mais comuns, principalmente prurido, urticária e angioedema, que ocorrem geralmente até 2 horas após a ingestão ou contato com o alimento. Embora seja comum, a ausência de sintomas cutâneos não exclui a hipótese de um alimento estar induzindo anafilaxia. A exacerbação da dermatite atópica (DA) grave também é comum, embora a relação causa-efeito não seja tão clara, porque a DA é uma doença crônica e a reação pode ocorrer mais tardiamente. ♥ GASTROINTESTINAIS: Aparecem em segundo lugar em frequência nas manifestações de alergia alimentar. São comuns náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. Estes sintomas podem ocorrer isoladamente. Na síndrome de alergia oral, ocorre prurido com ou sem angioedema de lábios, língua e palato. Esofagite e gastroenterite eosinofílica podem ter mecanismo IgE mediado, não IgE mediado ou ambos e são caracterizadas pela infiltração da parede do esôfago, estômago ou intestino por eosinófilos, e frequentemente, eosinofilia periférica. A incidência de esofagite eosinofílica parece estar aumentando nos últimos anos em crianças e adultos. Os sintomas são semelhantes aos da doença do refluxo gastroesofágico, mas estes pacientes não respondem ao tratamento convencional de tal doença. Os alimentos mais envolvidos são leite, ovo, soja e trigo. Enteropatias induzidas por proteína acometem principalmente lactentes, manifestando-se na maioria das vezes por diarreia, com ou sem muco e sangue, anemia e déficit de crescimento. Estes sinais e sintomas geralmente desaparecem até o 2º ano de vida, e o principal alimento envolvido é o leite de vaca. Síndrome de enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES – food protein-induced enterocolitissyndrome) caracteriza-se por hipersensibilidade alimentar gastrointestinal não IgE mediada manifestada por vômitos profusos e repetitivos, às vezes acompanhados por diarreia, com possível evolução para desidratação e letargia de forma aguda (cerca de 2 a 6 horas após exposição); outra forma de apresentação clínica pode ser perda de peso e dificuldade no crescimento nas formas crônicas. A FPIES afeta principalmente crianças. Os principais alimentos envolvidos nesta doença são leite de vaca e soja, embora outros alimentos possam atuar como desencadeantes da síndrome. ♥ RESPIRATÓRIAS: Sintomas respiratórios isolados como manifestação de alergia alimentar são raros. Os sintomas incluem coriza, prurido nasal, broncoespasmo e edema de laringe. ♥ ANAFILAXIA: Os alimentos são causas comuns de anafilaxia. Os pacientes podem apresentar manifestações cutâneas, respiratórias, gastrointestinais ou cardiovasculares, como hipotensão, síncope, arritmias e choque. Anafilaxia induzida por alimento dependente de exercício é uma síndrome em que os sintomas somente ocorrem se determinado alimento for ingerido 2 a 6 horas antes do exercício físico. O alimento isolado ou o exercício físico sem a ingestão do alimento não causam anafilaxia nestes pacientes. Além do exercício, outros cofatores podem aumentar o risco de um alérgeno alimentar provocar anafilaxia em vez de uma reação leve, incluindo menstruação, antiinflamatórios não esteroidais (AINEs), álcool, temperatura corporal elevada, infecções agudas e antiácidos FONTES: Clínica médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas e parasitárias. – 2. ed. – Barueri, SP: Manole, 2016. – (Clínica médica). Peter J. Delves. Alergia alimentar. Manuais MSD, 2018. Wesley Burks, MD. Manifestações clínicas de alergia alimentar: uma visão geral. Setembro, 2020.
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