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CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 1 Aula Demonstrativa Olá, Concurseiros! A notícia de que o Executivo não deve fazer concursos neste ano foi um balde de água fria para muita gente. O governo Lula foi muito bom em termos de concursos e esperávamos que não houvesse uma mudança tão radical. Porém, isso não significa que vocês devem parar de estudar. Mesmo que não haja provas dentro de um período curto de tempo, é o estudo de longo prazo que traz mais resultados. Sei disso por experiência própria. Comecei a estudar para concursos em agosto de 2005 para Auditor da Receita Federal, cuja prova ocorreu em dezembro daquele ano. Não passei para auditor, mas passei para analista em janeiro de 2006. Não parei de estudar. Ainda em setembro de 2006 decidi mudar meu foco para o Tribunal de Contas da União, cuja prova veio a ocorrer somente em setembro de 2007, na qual consegui ser aprovado. Portanto, contando desde o início, foram dois anos estudando. A disciplina de Administração Pública ganhou bastante espaço nos concursos dos últimos anos. Concursos tradicionais passaram a cobrá-la de forma regular, inclusive em provas discursivas, o que tem exigido que vocês estudem uma disciplina com a qual muitos não tinham tido nenhum contato anterior. Trata-se de uma disciplina com conteúdo bastante extenso e que muitas vezes está longe de ser senso comum. Digo sempre que administração pública é uma disciplina “bombril” nos concursos, tem 1001 utilidades. Tudo aquilo que eles não sabem onde por, colocam em Administração Pública. Assim, ela aborda itens de ciência política, administração financeira e orçamentária, administração geral, direito administrativo e constitucional, etc. Decidi, então, lançar este curso de Administração Pública focado em concursos da ESAF, abrangendo os editais de AFRFB, AFT, APO-MPOG, EPPGG-MPOG, CGU e STN. As aulas são teóricas, mas também haverá uma lista de exercícios comentados. O curso será composto de 10 aulas, além desta demonstrativa, no seguinte cronograma: Aula Demonstrativa: Estado: conceito e evolução do Estado Moderno; Conceitos fundamentais do Direito Público e o funcionamento do Estado. Direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. A emergência da questão social como campo de intervenção do Estado. A crise do Estado contemporâneo. O Estado de Bem-estar social: evolução e crise. Transformações do papel do Estado nas sociedades contemporâneas e no Brasil. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 2 Aula 01 – 13/04: Modelos teóricos de Administração Pública: patrimonialista, burocrático e gerencial. Aula 02 – 20/04: Evolução da administração pública no Brasil. Experiências de reformas administrativas. O processo de modernização da Administração Pública. Aula 03 – 27/04: Organização do Estado e da Administração Pública. Desconcentração e descentralização administrativa. Estado unitário e Estado federativo. Relações entre esferas de governo e regime federativo. Sistemas de governo. Coordenação Executiva – problemas da articulação versus a fragmentação de ações governamentais. Dimensões da coordenação: intragovernamental, intergovernamental e governo-sociedade. Aula 04 – 04/05: Governabilidade e governança. Intermediação de interesses (clientelismo, corporativismo e neocorporativismo). Accountability. Governo eletrônico e transparência. Processos participativos de gestão pública. Aula 05 – 11/05: Ciclo de Gestão do Governo Federal. Controle da Administração Pública. Ética no exercício da função pública. Sistema de Planejamento e Orçamento do Governo Federal: gestão por programas; integração planejamento e orçamento; eficiência do gasto público; custos. Aula 06 – 18/05: Novas tecnologias gerenciais e organizacionais e sua aplicação na Administração Pública: planejamento estratégico, qualidade total, reengenharia, balanced scorecard. Qualidade na Administração Pública. Aula 07 – 25/05: Gestão pública empreendedora. Gestão da mudança organizacional: ferramentas e perspectivas de mudança organizacional. Desenvolvimento institucional. Gestão por competências; Comunicação na gestão pública e gestão de redes organizacionais Aula 08 – 01/06: Novas formas de gestão de serviços públicos: formas de supervisão e contratualização de resultados; horizontalização; pluralismo institucional; prestação de serviços públicos e novas tecnologias. Instrumentos gerenciais contemporâneos: avaliação de desempenho e resultados; sistemas de incentivos e responsabilização; flexibilidade organizacional; trabalho em equipe; mecanismos de rede. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 3 Aula 09 – 08/06: Teorias das organizações aplicadas à Administração Pública. Caracterização das organizações: tipos de estruturas organizacionais, aspectos comportamentais (motivação, clima e cultura). Aula 10 – 15/06: Políticas públicas: formação da agenda governamental, processos decisórios e problemas da implementação. Avaliação e mensuração do desempenho governamental. Conceitos de Eficiência, Eficácia e Efetividade aplicados à Administração Pública. As políticas públicas no Estado brasileiro contemporâneo. Política de combate à pobreza: possibilidades e limitações. Desigualdades socioeconômicas da população brasileira. Eu disponibilizei no final dessa aula o edital dos seis concursos e uma tabela correlacionando os itens dos editais com as aulas. Alguns itens tratados no curso fazem parte de outras disciplinas desses concursos, como administração geral e ciência política. Também relaciono esses itens com as aulas no final desta aula. As questões vistas nas aulas serão exclusivamente da ESAF. Tentarei colocar o máximo de questões possível, por isso vocês verão questões mais recentes e mais antigas. Vocês podem achar esta aula demonstrativa um pouco grande, mas a parte teórica não é extensa. Colocarei as questões na ordem cronológica, dos concursos mais recentes para os mais antigos. Sempre que vocês tiverem alguma dúvida, utilizem o fórum de perguntas, pois é uma ferramenta importante no estudo de vocês. Cada aula vai contar ainda com um resumo com os pontos mais importantes e uma indicação de textos que vocês encontram na internet para leitura complementar. Agora, vou me apresentar. Sou Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Já fui Analista Tributário da Receita Federal do Brasil e escriturário da Caixa Econômica Federal, além de ter trabalhado em outras instituições financeiras da iniciativa privada. Sou formado em jornalismo, graduando em economia e tenho especialização em Orçamento Público. Sou professor de disciplinas como Administração Pública, Ciências Políticas e Políticas Públicas, tendo dado aulas em cursinhos de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Cuiabá. Nesta aula demonstrativa, vocês poderão ter uma ideia de como será nosso curso. Espero que gostem e que possamos ter uma jornada proveitosa pela frente. Boa Aula! CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 4 SUMÁRIO 1 ESTADO........................................................................................................................................................ 5 1.1 CONCEITO DE ESTADO ............................................................................................................................................. 5 1.2 ORIGEM DO ESTADO ............................................................................................................................................... 7 1.3 ESTADO, GOVERNO E APARELHO DO ESTADO............................................................................................................. 11 1.4 EVOLUÇÃO DO ESTADOMODERNO ..........................................................................................................................15 2 DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS E SOCIAIS ......................................................................................................... 25 2.1 EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E EMERGÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL ............................................................................ 27 2.2 ESTADO DE BEM‐ESTAR SOCIAL............................................................................................................................... 32 3 CRISE DO ESTADO CONTEMPORÂNEO ........................................................................................................ 39 3.1 NEOLIBERALISMO ................................................................................................................................................. 42 3.2 NEOINSTITUCIONALISMO ECONÔMICO...................................................................................................................... 45 3.3 ESTADO REGULADOR............................................................................................................................................. 48 3.4 GOVERNANÇA PROGRESSISTA ................................................................................................................................. 50 4 QUESTÕES.................................................................................................................................................. 51 4.1 CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO DO ESTADOMODERNO ............................................................................................ 51 4.2 DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS E SOCIAIS ......................................................................................................................... 79 4.3 CRISE DO ESTADO CONTEMPORÂNEO ....................................................................................................................... 95 4.4 GABARITO......................................................................................................................................................... 108 4.5 LISTA DAS QUESTÕES........................................................................................................................................... 109 5 RESUMO .................................................................................................................................................. 128 6 LEITURA SUGERIDA .................................................................................................................................. 130 7 EDITAIS .................................................................................................................................................... 130 7.1 ITENS DOS EDITAIS X AULAS .................................................................................................................................. 133 7.2 OUTRAS DISCIPLINAS COBERTAS PELO CONTEÚDO DO CURSO ....................................................................................... 133 8 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 136 Esta aula demonstrativa não aborda diretamente itens do edital de AFRFB e AFT, mas ela é importante porque dá a base para o estudo dos modelos teóricos de administração pública. Veremos aqui a evolução do Estado Moderno, passando pelo liberalismo, pelo Estado de Bem-Estar e pelo Neoliberalismo, evolução essa que está muito ligada à evolução da administração pública. Não dá estudar a passagem do patrimonialismo para a burocracia e desta para o gerencialismo sem conhecer a passagem do Estado de Bem-Estar para o Neoliberalismo. Por isso, sugiro que vocês estudem pelo menos a parte da crise do Estado contemporâneo. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 5 1 Estado Vamos começar vendo o conceito de Estado e sua evolução. Uma vez que nosso curso é voltado para a ESAF, é importante que saibamos como ela formula suas questões. E uma coisa que ela faz muito é copiar de textos de autores consagrados (muitas vezes nem tanto), por isso as aulas terão diversas citações de autores como Norberto Bobbio, Luis Carlos Bresser Pereira, Maria das Graças Rua, Dalmo Dallari, entre outros, que são autores bastante usados pela ESAF. Assim vocês poderão se familiarizar com a forma como eles escrevem, que acaba sendo a mesma usada nas questões. 1.1 Conceito de Estado Dalmo Dallari afirma que a palavra “Estado” apareceu pela primeira vez em “O Príncipe“, de Maquiavel, escrito em 1513. Já Norberto Bobbio coloca que tal palavra se impôs pela difusão e prestígio de “O Príncipe”, mas isso não quer dizer que ela foi introduzida por Maquiavel. Ela já devia ser de uso corrente à época, tanto que o autor a usou logo na primeira frase do livro: “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Não faz muito sentido saber se Maquiavel foi o primeiro ou não a usar o termo Estado, certo? Vocês devem achar que eu estou viajando na maionese, mas a ESAF já cobrou isso. Na prova para Gestor do MPOG de 2005, a banca deu como errada a seguinte alternativa: “O Termo ‘Estado’ foi criado por Maquiavel”. Não foi a única vez que eles cobraram algo desse tipo. Na última prova de EPPGG, uma questão cobrava a origem do termo “política”, e uma das alternativas dizia que ele foi criado por Maquiavel. Mais uma vez a questão está errada. Eles insistem em colocar Maquiavel como o criador dessas palavras porque ele foi o primeiro grande cientista político moderno. Ele viveu entre 1469 e 1527, período dentro do Renascimento. Antes de Maquiavel, analisava-se a política tentando-se superpor a teoria à prática. Prevalecia uma visão normativa, em que se pensava a política em como ela deveria ser, e não como ela de fato é. É nesse mesmo período que surge o que se convencionou chamar de Estado Moderno, que é o Estado como conhecemos hoje, composto por seu território, seu povo e sua soberania. E é por meio de seus elementos essenciais que muitos autores conceituam o termo “Estado”, como faz Duguit: Renascimento: período da história europeia, entre os séculos XIV e XVII, que marcou o final da Idade Média e o início da Idade Moderna e foi caracterizado pela redescoberta dos calores culturais, políticos e CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 6 Grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade. Nesta definição, podemos observar três elementos constitutivos: povo, território e poder político. Mas e esta questão que fala em quatro elementos essenciais? 1. (ESAF/MPOG/2002) Um Estado é caracterizado por quatro elementos: povo, território, governo e independência. A questão é certa. Na realidade, existe uma grande diversidade de opiniões a respeito. Dalmo Dallari afirma que a maioria dos autores indica três elementos, embora divirjam quanto a eles. De maneira geral, costuma-se mencionar a existência de dois elementos materiais, o território e o povo, havendo grande variedade de opiniões sobre o terceiro elemento, que muitos denominam formal. O mais comum é a identificação desse terceiro elemento como o poder ou alguma de suas expressões, como autoridade, governo ou soberania. Dallari decidiu trabalhar com quatro elementos: a soberania, o povo, o território e a finalidade. Vamos ver os elementos do Estado: Território: espaço geográfico em que o Estado exerce a sua soberania, com a exclusão da soberania de qualquer outro Estado. Povo: conjunto de cidadãos que se subordinam ao mesmo poder soberano e possuem direitos iguais perante a lei; Soberania: poder mais alto que existe dentro do território com relação ao seu povo, e frente a outros Estados. Expressa-se como ordenamento jurídico impositivo.Governo: núcleo decisório do Estado, formado por membros da elite política, e encarregado da gestão da coisa pública. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório porque, ao menos nas democracias, os que ocupam os cargos governamentais devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as preferências da sociedade. Segundo o Programa Nacional de Educação Fiscal, elaborado pela ESAF: Pode-se conceituar Estado como uma instituição que tem por objetivo organizar a vontade do povo politicamente constituído, dentro de um território definido, tendo como uma de suas características o exercício do poder coercitivo sobre os membros da sociedade. É, portanto, a CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 7 organização político-jurídica de uma coletividade, objetivando o bem comum. Podemos observar aqui quatro elementos: povo, território, poder e finalidade (bem comum). Além das definições de Estado que consideram seus elementos essenciais, existem outros tipos, filosóficas, jurídicas, econômicas, etc. Entre as definições jurídicas, podemos citar a de Kant: “reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito”. Del Vechio critica esta definição, dizendo que ela poderia ser aplicada tanto a um município quanto a uma penitenciária, mas ele mesmo não vai muito além, definindo Estado como “o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo”. As definições sociológicas partem para o lado da força, da dominação de um grupo sobre outro. É o caso da definição de Max Weber: “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”. Marx, como não poderia deixar de ser, pensa de forma parecida: “o poder organizado de uma classe para opressão de outra”. O conceito de Estado repousa, por conseguinte, na organização ou institucionalização da violência. Para Trotsky, “todo Estado se fundamenta na força”. PARA GUARDAR Elementos essenciais do Estado: povo, território e poder – ou suas variáveis: soberania, independência, autoridade, finalidade. 1.2 Origem do Estado Segundo Darcy Azambuja, existem três modos pelos quais historicamente se formam os Estados: Originário: em que a formação é inteiramente nova, nasce diretamente da população e do país, sem derivar de outro Estado preexistente. É decorrência natural da evolução das sociedades humanas. Secundários: quando vários Estados se unem para formar um novo Estado, ou quando um se fraciona para formar outros. Derivados: quando a formação se produz por influências exteriores, de outros Estados. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 8 O modo originário se daria quando, sobre um território que não pertence a nenhum Estado, uma população se organizasse politicamente, por impulso espontâneo de suas forças sociais e psicológicas. Um exemplo é a França. No mundo atual, toda a superfície do globo está dividida pelos diversos Estados existentes, sendo praticamente impossível que surja um Estado pelo modo originário. O modo secundário pode ser dividido em dois aspectos: ou um Estado se fraciona para formar outros, ou vários Estados se unem para formar um novo Estado. Vimos recentemente, em 1993, a Tchecoslováquia se dividir em dois Estados, a República Tcheca e a Eslováquia. Entre os modos derivados, a colonização é o mais geral e importante. Temos o caso dos Estados nas Américas, que se formaram a partir da colonização europeia. Há também os casos de guerras, como a Alemanha que foi dividida em dois Estados. Israel nasceu de uma convenção nas Nações Unidas. Dalmo Dallari não trabalha com esta classificação. Ele divide as causas do aparecimento dos Estados em formação originária e formação derivada. Na primeira, partiríamos de agrupamentos humanos ainda não integrados em qualquer Estado; e na segunda a formação de novos Estados ocorre a partir de outros preexistentes. Portanto, o que Azambuja considera como secundário, para Dallari seria derivado. Examinando as principais teorias que procuram explicar a formação ORIGINÁRIA do Estado, Dallari afirma que se chega a uma primeira classificação, com dois grandes grupos: 1. Teorias que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado, não havendo entre elas uma coincidência quanto à causa, mas tendo todas em comum a afirmação de que o Estado se formou naturalmente, não por um ato puramente voluntário; 2. Teorias que sustentam a formação contratual dos Estados, apresentando em comum, apesar de também divergirem quanto às causas, a crença em que foi a vontade de alguns homens, ou então de todos os homens, que levou à criação do Estado. Já Azambuja divide as teorias sobre a origem da autoridade nas doutrinas teocráticas e doutrinas democráticas. As primeiras defendiam que o poder e a autoridade vêm de Deus. Estas teorias surgiram durante a Idade Média com os pensadores ligados à Igreja e passaram a ser usadas pelas famílias reais europeias como forma de se manterem no poder: foi Deus quem escolheu determinada família para reinar. Já as doutrinas democráticas defendem que a soberania, ou o poder político, reside no povo. As teorias contratualistas seriam as democráticas. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 9 Dalmo Dallari agrupa as teorias não contratualistas da seguinte forma: Origem familiar ou patriarcal: as teorias situam o núcleo social fundamental na família. Segundo essa explicação, cada família primitiva se ampliou e deu origem a um Estado; Origem em atos de força, de violência ou conquista: essas teorias sustentam que a superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais fraco; Origem em causas econômicas: o Estado teria se formado para se aproveitarem os benefícios da divisão do trabalho, suprir as necessidades de trocas dos indivíduos, integrando-se as diferentes atividades profissionais; Origem no desenvolvimento interno da sociedade: segundo essas teorias, o estado é um germe, uma potencialidade, em todas as sociedades humanas, as quais, entretanto, prescindem dele enquanto se mantêm simples e pouco desenvolvidas. Mas aquelas sociedades que atingem maior grau de desenvolvimento e alcançam uma forma mais complexa têm absoluta necessidade do Estado, então ele se constitui. Já as teorias contratualistas afirmam que o Estado não surge naturamente, mas sim de um ato racional, uma escolha de um grupo humano que decidiu estabelecer um poder político como forma de instituir a ordem. Assim, decidiram, por meio de um contrato, ceder parte de sua liberdade, criando um poder político uno com soberania sobre todos os demais. Antes do contrato, havia o que eles convencionaram chamar de “estado de natureza”, período em que as pessoas se relacionavam, mas não havia um poder instituído para garantir a ordem. Os contratualistas são também jusnaturalistas porque defendem a existência de direitos anteriores ao Estado. Todos os autores contratualistas concordam com a existência desse momento anterior, mas irão divergir quanto ao grau de desordem existente. Os contratualistas mais importantes são três: Hobbes, Locke e Rousseau. Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filósofo inglês e defensor do absolutismo. Ele foi o primeiro grande teórico contratualista, partindo da convicção de que o homem, em épocas primitivas, vivia fora da sociedade, sendo todos os homens iguais e Jusnaturalismo: defende a existência de um direito cujo conteúdo é estabelecido naturalmente, existente independente de uma ordem jurídica, e, portanto, válido em qualquer lugar. O “Direito Natural” seria superior ao direito positivo, aquele estabelecido no papel. Este direito natural tem validade em si,é anterior e superior ao direito positivo e, em caso de conflito, é ele que deve prevalecer. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 10 essencialmente egoístas, tendo todos os mesmos direitos naturais e não existindo nenhuma autoridade ou lei. O estado de natureza foi uma época de anarquia e violência. Para pôr termo a este período de violenta anarquia, os homens criaram, por um contrato, a sociedade política e cederam seus direitos naturais a um poder comum, a que se submetem por soberania e que disciplina seus atos em benefício de todos. O contrato que criou o poder, ou o Estado, não pode ser rescindido jamais, porque isso importaria em a humanidade voltar à anarquia do estado de natureza. Segundo Hobbes, o Estado é um Leviatã, monstro alado, que sob suas asas abriga e prende para sempre o homem. John Locke (1632-1704) também foi um filósofo inglês, mas, ao contrário de Hobbes, era defensor do Liberalismo. Ele parte também da existência de um estado de natureza, mas diverge de Hobbes ao afirmar que nesta época primitiva havia sim ordem e razão. O problema era que a ausência de leis fundamentais, de uma autoridade que dirimisse os litígios e defendesse o homem contra a injustiça dos mais fortes, determina uma situação de instabilidade e incerteza, e por isso é criada a sociedade política, por um contrato. A propriedade é um conceito central na teoria de Locke, para quem a finalidade do estado civil é a preservação da propriedade. Dentro deste conceito não se coloca apenas os bens ou posses do indivíduo, mas também sua vida e sua liberdade. O Estado teria sido criado para interpretar a lei natural, manter a ordem e a harmonia entre os homens e garantir o direito de propriedade. As pessoas, porém, não cedem, não alienam seus direitos em favor do Estado, que neles deve respeitar os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade. Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, é outro autor contratualista. Ele admitia ainda mais explicitamente a existência do estado de natureza, uma época primitiva em que o homem vivia feliz e livre fora da sociedade. Segundo o autor, o homem nasceu livre, feliz e bom; a sociedade o tornou escravo, mau e desgraçado. A época de ouro do estado de natureza terminou devido ao progresso da civilização. A desgraça da humanidade teria começado quando a primeira pessoa cercou um pedaço de terra e afirmou que era seu. Nesse momento começou a injustiça, com a sobreposição dos mais fortes em relação aos mais fracos. Para manter a ordem e evitar maiores desigualdades, os homens criaram a sociedade política, a autoridade e o Estado, mediante um contrato. Por esse contrato o homem cede ao Estado parte de seus direitos naturais, criando assim uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral. Mas dentro dessa organização, cada indivíduo possui uma parcela de poder, e, portanto, recupera a liberdade perdida em conseqüência do contrato social. O quadro abaixo faz um resumo da visão desses três autores: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 11 Hobbes Locke Rousseau 1) Defensor do absolutismo; 2) Via o estado de natureza como um período de caos e violência; 3) O contrato social representaria a abdicação da liberdade e não poderia se rescindido jamais; 4) Os homens cediam seus direitos em benefício do Estado. 1) Defensor do liberalismo; 2) Via o estado de natureza de uma forma melhor, mas a falta de uma ordem política poderia traz violações ao direito de propriedade; 3) Os homens não cedem seus direitos em favor do Estado. 1) Teórico iluminista, suas ideias influenciaram a revolução francesa; 2) No estado de natureza, primeiro, o homem era livre, vivia só e era feliz; quando foi criada a propriedade, surgiu a desgraça do homem. 4) O Estado representa a vontade geral e cada indivíduo mantém uma parcela de poder. 1.3 Estado, Governo e Aparelho do Estado Como falei no início da aula, as definições usadas pelas bancas normalmente não são criadas por elas mesmas, mas copiadas de outros autores. Vamos ver uma questão da ESAF: 2. (ESAF/MPOG/2003) O governo é o grupo legítimo que mantém o poder, sendo o Estado a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada. No caso das democracias liberais, o Estado tem que manter a legitimidade desse grupo atendendo de forma diferenciada ao seu público de apoio: Essa questão foi tirada do glossário de um curso da ENAP: Governo: Grupo legítimo que mantém o poder, sendo o Estado a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada. É formado por todos os poderes e funções da autoridade pública. Dessa forma, temos que entender que esta parte da alternativa está correta, já que é cópia. É um tanto vago dizer que o Estado é a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada, mas também não podemos dizer que isto esteja errado. A questão é errada porque, nas democracias liberais, o Estado não deve atender determinados grupos de forma diferenciada. Ele deve obedecer ao princípio do universalismo de procedimentos. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 12 Como a alternativa fala em democracias liberais, temos que analisar a questão sob a ótica do Estado democrático, a inclusão das demais classes sociais na política. O Estado contemporâneo é visto como uma organização que está sob a influência de três tipos de agentes sociais: a burocracia operando no seu interior; as classes ou elites dirigentes, formadas pelos grandes empresários, pelos intelectuais, pelos políticos, pelos líderes corporativos; e, finalmente, a sociedade civil como um todo, que engloba os dois primeiros, mas é mais ampla que os mesmos. Segundo Maria das Graças Rua: Esta tensão entre o ideal e o mundo real da política, entre o bem público e o interesse particular, tem sido objeto da reflexão política e do esforço de construção de mecanismos institucionais que configuram o que hoje conhecemos como democracia liberal: a regra da maioria, a separação e independência dos poderes, o mandato representativo limitado, as eleições livres e regulares, e outras. A ação do Estado não é apenas a expressão da vontade das classes dominantes, nem é o resultado da autonomia da burocracia pública. Em contrapartida, também não é a manifestação de interesses gerais. Ao invés disso, essa ação é o resultado contraditório e sempre em mudança das coalizões de classe que se formam na sociedade civil e da autonomia relativa do Estado garantida por sua burocracia interna. Portanto, a legitimidade do governo, nas democracias liberais, não é mantida atendendo-se de forma diferenciada ao seu público de apoio, mas sim uma relação como diversos atores, inclusive a sociedade como um todo. Bobbio conceitua governo como: O conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade. É preciso, porém, acrescentar que o poder de Governo, sendo habitualmente institucionalizado, sobretudo na sociedade moderna, está normalmente associado à noção de Estado. Existe uma segunda acepção do termo Governo, mais própria da realidade do Estado moderno, a qual não indica apenas o conjunto de pessoas que detêm o poder de Governo, mas o complexo dos órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder. Neste sentido, o Governo constitui um aspecto do Estado. Segundo Maria das Graças Rua: O Governo, por sua vez, é o núcleo decisório do Estado, formado por membros da elite política, e encarregado da gestão da coisa pública. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório porque, ao menos nas democracias, os que ocupam os cargos governamentais CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAELENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 13 devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as preferências da sociedade. Hely Lopes Meirelles traz o conceito de Governo: Governo – Em sentido formal, é o conjunto de poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos. Podemos perceber que o governo é aquele que exerce a soberania. É importante destacar que esta pertence ao povo, como afirma a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Portanto, como já afirmava Rousseau, o poder tem origem no povo, é nele que reside a soberania. Porém, apesar de pertencer ao povo, ela é exercida por seus representantes, que formam o governo. Meirelles diferencia governo de Administração Pública. Administração Pública – Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessária aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. Neste conceito de administração pública temos o que chamamos de aparelho de Estado. Este corresponde à estrutura do Estado encarregada de colocar os serviços públicos em prática. No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a definição é a seguinte: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 14 Entende-se por aparelho do Estado a administração pública em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do Estado, em seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e três níveis (União, Estados-membros e Municípios). O aparelho do Estado é constituído pelo governo, isto é, pela cúpula dirigente nos Três Poderes, por um corpo de funcionários, e pela força militar. O Estado, por sua vez, é mais abrangente que o aparelho, porque compreende adicionalmente o sistema constitucional-legal, que regula a população nos limites de um território. O Estado é a organização burocrática que tem o monopólio da violência legal, é o aparelho que tem o poder de legislar e tributar a população de um determinado território. Com base nesta distinção entre Estado e Aparelho do Estado, o plano justifica porque se chama Reforma do Aparelho do Estado e não Reforma do Estado. A segunda seria um projeto amplo que diz respeito às varias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da sociedade brasileira; enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania. Quando se quer reformar o Estado, o objetivo é melhorar a governabilidade; quando se quer reformar o aparelho do Estado, o objetivo é melhorar a governança, conceitos que estudaremos na Aula 04. A governabilidade pode ser entendida como a capacidade de governar, envolve ao relacionamento do Estado com a sociedade, sua legitimidade. Já a governança pode ser entendida como a capacidade de gestão, a capacidade técnica, financeira e gerencial de implementar as políticas públicas. Segundo Maria das Graças Rua: O que hoje entendemos como “Administração Pública” consiste em um conjunto de agências e de servidores profissionais, mantidos com recursos públicos e encarregados da decisão e implementação das normas necessárias ao bem-estar social e das ações necessárias à gestão da coisa pública. Na ótica marxista, o Estado é um aparelho repressivo, isto é, o Estado é uma máquina, um aparato técnico que garante à classe dominante seu poder sobre as classes dominadas. O Estado é, antes de tudo, composto de aparelhos repressivos, que são a O Plano Diretor é um documento do Governo FHC, de 1995, e que trazia a base da reforma gerencial que seria promovida. Veremos ele na Aula 02, mas ele é bem importante, vale à pena vocês darem uma lida. Está disponível no site: http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 15 política, os tribunais, as prisões, a polícias, o exército, o Governo. Estes aparelhos trabalham a serviço das classes dominantes perpetuando sua dominação através da força. Existem ainda os aparelhos ideológicos do Estado, que são usados para que o capitalismo possa se reproduzir, como a escola, a igreja, a família, sindicatos, o direito e outros. 1.4 Evolução do Estado Moderno Vou colocar primeiro um resumo da evolução do Estado, para depois estudarmos cada etapa de forma mais detalhada. Nele, farei uma associação com os direitos civis, políticos e sociais, que veremos mais à frente nessa aula. O Estado Moderno tem origem com o absolutismo (século XIV), quando o monarca centraliza o poder político dentro de um determinado território. Até então, na Idade Média, o poder estava distribuído entre vários “feudos”, cada um mandando em seu pedaço de chão. Nesse período, o Rei concentra todo o poder, administrando o Estado de forma arbitrária. Começam a surgir movimentos contestando esse poder absoluto, que se fortaleceram principalmente com a independência dos EUA e a revolução francesa, em fins do século XVIII. São impostos limites ao soberano, principalmente com o surgimento dos direitos civis, ligados à liberdade e à propriedade. Num segundo momento são criados os direitos políticos, o que irá resultar no desenvolvimento das democracias liberais. Os direitos sociais aparecem em meados do Século XIX, o que irá provocar uma ampliação da atuação do Estado. A crise de 1929 irá fazer com que aumente sua intervenção na economia, como forma de tirar os países da recessão, e na década de 1940 surge o Estado de Bem-Estar Social, considerando um direito de todo cidadão que o Estado lhe garanta condições mínimas de subsistência por meio das políticas sociais. O pós-Segunda Guerra Mundial foi um período de prosperidade do capitalismo, em que tanto o 1º quanto o 2º e o 3º mundos cresciam a taxas elevadas. Com efeito, foi possível financiar essa ampliação da atuação estatal. Porém, com as crises do petróleo na década de 1970 e a elevação das taxas de juros, o financiamento externo se torna escasso, interrompendo a “era de ouro do capitalismo”. Os países entram em crise fiscal, sem capacidade de financiar suas políticas sociais, enquanto as demandas da sociedade só cresciam. Como resposta a essa crise, no início da década de 1980, surgem governos conservadores nos EUA e na Inglaterra, defendendo a redução do tamanho do Estado por meio do neoliberalismo. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 16 1.4.1 Antes do Estado Moderno O Estado Moderno – aquele composto por um território, um povo e uma soberania – surgiu com o absolutismo. Porém, isso não significa que não existiu nenhuma forma de Estado anteriormente. Segundo Dalmo Dallari, com pequenas variações, os autores que tratam da evolução do Estado adotaram uma sequênciacronológica que compreende as seguintes fases: Estado Antigo: com a designação de Estado Antigo, Oriental ou Teocrático, os autores se referem às formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas começavam a definir-se entre as antigas civilizações do Oriente propriamente dito ou do Mediterrâneo. A família, a religião, o Estado, a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem distinção aparente. Há duas marcas fundamentais do Estado deste período: a natureza unitária e a religiosidade. O Estado Antigo aparece como uma unidade geral, não admitindo qualquer divisão interior, nem territorial, nem de funções. A influência predominante foi religiosa, afirmando-se a autoridade dos governantes e as normas de comportamento como expressões da vontade de um poder divino; Estado Grego: na realidade não havia um Estado único, envolvendo toda a civilização helênica, mas várias cidades-Estado, que apresentavam características comuns. O ideal visado era a autossuficiência, a formação de uma cidade completa, com todos os meios de se abastecer por si. No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar: há uma elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado. Estado Romano: uma das peculiaridades mais importantes do Estado Romano é a base familiar da organização, razão pela qual se concediam privilégios especiais aos membros das famílias patrícias, compostas pelos descendentes dos fundadores do Estado. Assim como no Estado Grego, durante muitos séculos, o povo participava diretamente do governo, mas aqui também devemos considerar apenas uma faixa restrita da população. Os diversos povos conquistados possuíam um status inferior aos romanos. Somente no final do Império, quando Constantino assegurou a liberdade religiosa do Império, é que desapareceu, por influência do Cristianismo, a noção de superioridade dos romanos. Estado Medieval: surge com as diversas invasões bárbaras e o esfacelamento do Estado Romano. O cristianismo vai representar a base da aspiração à universalidade. Afirma-se desde logo a unidade da Igreja, num momento em que não se via claramente uma unidade política. Motivos religiosos e pragmáticos levaram a conclusão de que todos os cristãos deveriam ser integrados numa só sociedade política. Por outro lado, as invasões bárbaras introduziam novos costumes e estimulavam as próprias regiões invadidas a se afirmarem como unidades políticas independentes. Apesar da presença do Imperador, havia uma pluralidade sem definição hierárquica de poderes menores e a CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 17 variedade imensa de ordens jurídicas, que formavam um quadro de instabilidade, gerando o germe de criação do Estado Moderno. 1.4.2 Estado Moderno As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno. A necessidade de restaurar a unidade do Estado romano fez despertar a consciência para a busca da unidade, que afinal se concretizaria com a afirmação de um poder soberano, no sentido de supremo, o mais alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial. A burguesia ascendente necessitava da ordem para ter segurança em suas rotas comerciais e da unidade para ter uma moeda comum que permitisse o comércio em maior escala. Por isso patrocinou a ascensão da primeira versão do Estado Moderno, o Estado Absolutista. O Estado Moderno tem como marco a Paz de Westfália, que foi uma série de tratados de paz na metade do século XVII que inaugurou o moderno Sistema Internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado- Nação. O Estado Moderno, no que tange à sua organização, constituiu-se na passagem dos meios reais de autoridade e administração, que eram de domínio privado, para a propriedade pública; e o poder de mando, que vinha sendo exercido como um direito do indivíduo, fosse expropriado – primeiro, em benefício do príncipe absoluto e, depois, do Estado. Segundo Bobbio: A história do surgimento do Estado moderno é a história dessa tensão: do sistema policêntrico e complexo dos senhorios de origem feudal se chega ao Estado territorial concentrado e unitário por meio da chamada racionalização da gestão do poder e da própria organização política imposta pela evolução das condições históricas materiais. Para Weber, as características essenciais do Estado Moderno são: a ordem legal, a burocracia, a jurisdição compulsória sobre um território a monopolização do uso legítimo da força De acordo com Max Weber, o Estado moderno, ao se constituir, foi retirando dos diversos elementos da sociedade o direito de uso da força e da violência que antes era exercido por várias instâncias sociais, e foi concentrando para si este direito, utilizando-o CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 18 apenas de conformidade com as leis vigentes. Hoje, o Estado moderno reivindica para si "o monopólio da violência física legítima", exercendo-o como o seu único detentor. E o uso da força e da violência pelo Estado é legítimo porque está fundado em lei socialmente reconhecida. Só o Estado detém a autoridade e o poder de prender, de sustar o direito de ir e vir e de algemar e punir o cidadão de várias formas. Para Habermas: O Estado moderno tem duas marcas constitutivas: a soberania do poder estatal, corporificada no príncipe, e a diferenciação do Estado em relação à sociedade, ainda que, de maneira paternalista, se tenha reservado às pessoas em particular um teor essencial de liberdade subjetiva. Para Weber, uma característica do Estado Moderno é dominação racional-legal, ou o modelo burocrático, que estudaremos na próxima aula. Contudo, temos que lembrar que, como falamos acima, a primeira versão do Estado Moderno é o absolutismo, ainda marcado pela dominação tradicional e pelo patrimonialismo. No modelo racional-legal temos uma ordem jurídica impositiva, isto porque o conjunto das normas e leis se exerce imperativamente. O Estado é a única organização cujo poder regulador ultrapassa os seus próprios limites organizacionais e se estende sobre a sociedade como um todo, sendo, por isso, chamado de “poder extroverso”. Em razão disso, o Estado é dotado de soberania. Segundo Weber: O Estado moderno possui as seguintes características, primeiramente formais: uma autoridade administrativa e judicial sujeita à mudança de estatutos, e à qual a atividade do quadro administrativo, também sujeito à mudança de estatutos, se orienta. Este sistema de autoridade reivindica validade não apenas para membros da associação, a maioria dos quais a ela pertencem por nascimento, mas também, numa grande extensão, para toda conduta que ocorre dentro da área de sua jurisdição; é, portanto, uma associação compulsória com uma base territorial. Além disso, considera-se o uso da força hoje como legítimo, apenas na medida em que é permitido pelo Estado ou prescrito por ele. Esta reivindicação do Estado moderno de monopolizar o uso da força é uma marca distintiva tão essencial a ele com o seu aspecto de jurisdição compulsória e de organização contínua. Falando da necessidade do Estado Moderno para a burguesia, Bobbio afirma que: É fácil de entender, nesse processo, o papel desenvolvido pelas chamadas premissas necessárias para o nascimento da nova forma de CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 19 organização do poder. A unidade de comando, a territorialidade do mesmo, o seu exercício através de um corpo qualificado de auxiliares “técnicos” são exigências de segurança e eficiência para os extratos de população que de uma parte não conseguem desenvolver suas relações sociais e econômicas no esquema das antigas estruturas organizacionais. Podemosver aqui três características que ele chama de “necessárias”: unidade de comando, territorialidade e corpo técnico. A primeira função do Estado é a manter a ordem e a segurança interna, além da garantia da defesa externa. É com base nesta função que o aparato de segurança pública, o exército permanente, se torna um componente fundamental do Estado. É com base nisso também que o Estado é definido como a instituição que exerce o monopólio legítimo do uso da força ou da coerção organizada. Contudo, a manutenção da ordem pelo Estado exige regras estabelecidas, um ordenamento jurídico impositivo. Portanto, outra função do Estado é a de regulamentação jurídica, de estabelecer o direito. O Estado precisa ser financiado, principalmente por tributos cobrados junto à sociedade. Por esses motivos que outro componente fundamental do Estado é o quadro administrativo ou administração pública, que tem como atribuição decidir, instituir e aplicar as normas necessárias à coesão social e à gestão da coisa pública. Essas são funções clássicas do Estado, presentes mesmo nas concepções do Estado mínimo, originalmente características do capitalismo competitivo, quando predominava aquilo que hoje denominamos Estado Liberal. 1.4.3 Etapas Vamos ver agora a classificação proposta por Norberto Bobbio para a evolução do Estado, que já foi usada pela ESAF em questões. Para o autor, teríamos a seguinte sequência de formas de Estado consagradas junto aos historiadores: 1. Estado feudal 2. Estado estamental 3. Estado absoluto 4. Estado representativo. Vamos ver as definições de Bobbio para cada um deles. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 20 O Estado feudal é caracterizado pelo exercício acumulativo das diversas funções diretivas por parte das mesmas pessoas e pela fragmentação do poder central em pequenos agregados sociais. No Estado feudal há uma fragmentação do poder. É só lembrarmos que no feudalismo os nobres possuidores de terra detinham um elevado poder sobre seus feudos. Ele está se referindo ao período anterior ao Estado Moderno, na Idade Média. Ainda antes do Estado Moderno, antes do absolutismo, ele fala em Estado Estamental: Por Estado estamental entende-se a organização política na qual se foram formando órgãos colegiados que reúnem indivíduos possuidores da mesma posição social, precisamente os estamentos, e enquanto tais fruidores de direitos e privilégios que fazem valer contra o detentor do poder soberano através das assembléias deliberantes como os parlamentos. Estamento, segundo o Dicionário Houaiss, significa: “grupo de indivíduos com análoga função social ou com influência em determinado campo de atividade”. Uma sociedade estamental é uma “ordem de status” baseada em “prestígio social” para qualificar positiva ou negativamente os grupos sociais. Uma sociedade dividida em estamentos diferencia-se de uma sociedade dividida em classes sociais porque, nesta, o critério de separação das classes é econômico, é a posse ou não de riqueza, de um bem. Já nos estamentos, o critério é status, é o pertencimento a determinado grupo. A pessoa é nobre porque nasceu com “sangue azul”. Por mais que um burguês viesse a adquirir riqueza, não faria parte da nobreza. Os grupos positivamente qualificados costumam manter um estilo de vida que desvalora o trabalho físico, o esforço premeditado e contínuo, o interesse lucrativo, e buscam, através de monopólios sociais e econômicos, a manutenção de um modus vivendi exclusivo, diferenciado, traduzido em privilégios de consumo. A razão de ser dos estamentos, portanto, é a desigualdade calcada na diferenciação da honra pessoal, no exclusivismo social e na ostentação do consumo. Enquanto a mobilidade social numa sociedade dividida em classes é possível, pois basta uma pessoa adquirir riqueza para mudar de classe, na sociedade estamental quase não há mobilidade, pois as pessoas já nascem dentro de determinado estamento. Um exemplo próximo são as castas, na Índia. Bobbio diferencia a evolução do Estado Moderno em duas fases: sociedade por camadas e moderna sociedade civil. A primeira era caracterizada pela presença de uma articulação social por camadas (baseadas no reconhecimento jurídico dos "direitos" e das "liberdades" tradicionais e no prestígio da posição social adquirida). Já a segunda, CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 21 uma configuração contemporânea, constitui um modo diferente de articulação social, horizontal e não vertical, fundada sobre a posição de classes no confronto das relações de produção capitalista. Ou seja, num primeiro momento as relações sociais tinham um caráter muito mais estamental, baseadas no prestígio, enquanto no segundo, o capitalismo havia transformado essas relações para algo mais próximo das classes sociais, baseado na posição econômica dos indivíduos. Podemos dizer que esta sociedade por camadas era caracterizada pela força dos antigos grupos feudais, os nobres, que ainda detinham muito poder e limitavam a atuação do príncipe, já que este, num primeiro momento, dependia das categorias ou camadas sociais para criar e manter o quadro administrativo e um exército permanente. Segundo Bobbio: A origem "senhoril" do poder monárquico foi na verdade de tal maneira marcada que depressa condicionou o processo de formação do aparelho estatal por causa da absoluta insuficiência das entradas privadas do príncipe para a instauração de uma administração eficiente e, sobretudo, para a criação de um exército estável. Daí resultou a absoluta necessidade do príncipe de recorrer à ajuda do "país", por meio de suas expressões políticas e sociais: as categorias sociais reunidas em assembléia. A ajuda financeira era subordinada a um prévio “conselho” por parte das próprias camadas sociais, em torno dos fins para os quais o príncipe tinha sido obrigado a solicitar sua ajuda financeira. Junte-se a isso o fato de a posição de força ocupada por essas camadas sociais, que detinham participação nos mais altos cargos administrativos e políticos que paulatinamente iam surgindo para acompanhar o crescimento da dimensão estatal. Isso constituía um aspecto contraditório em relação à tendência centralizadora do Estado Moderno, uma tendência para a gestão monopolista do poder por parte de uma instância unitária e monocrática. O desenvolvimento constitucional do Estado moderno devia desenvolver-se contra as categorias sociais, em razão da eliminação do seu poder político e administrativo. Pouco a pouco, o príncipe superou a dependência de financiamento junto a estas camadas e eliminou o "direito de aprovação dos impostos" dos grupos sociais, inventando modos e canais de arrecadação das contribuições controladas e administradas diretamente por ele. O principie ganhou poder, em detrimento das camadas sociais. Segundo Bobbio: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 22 Esse processo foi possível, conforme se acentuou, graças à progressiva conquista, por parte do príncipe e de seu aparelho administrativo, da esfera financeira, à qual estava intimamente ligada a esfera econômica do país. Isso pode acontecer, em primeiro lugar, graças ao apoio que o príncipe facilmente encontrou, na sua luta contra os privilégios, até fiscais, da mais importante das categorias sociais: a nobreza. Esse apoio veio da parte dos estratos mais empenhados da população e particularmente da burguesia urbana, na mira de uma distribuição dos encargos fiscais mais justa entre as várias forças do país e, também, de uma ativa política de defesa, de sustentação e de estímulo do príncipe em relação à atividade. O principie ganha o apoio da burguesia na luta contra o poder da nobreza, principalmente contra os privilégios dessa classe, buscandouma tributação mais justa. Além disso, buscava-se uma delimitação de um espaço das relações sociais. Bobbio afirma que: O Estado moderno significava precisamente a negação de tudo isso: a instauração de um nível diferente da vida social, a delimitação de uma esfera rigidamente separada de relações sociais, gerenciada exclusivamente de uma forma política. A negação a que o autor se refere é a estrutura da sociedade de camadas sociais, em que não havia uma separação entre o social e o político e persistia uma articulação policêntrica, com base na prevalência senhorial ou "pessoal" do poder. Portanto, o Estado Moderno surge como uma forma de diferenciação do Estado e da sociedade civil. A gestão do Estado deverá se dar de forma exclusivamente política, excluindo-se a influência das categorias sociais. Outra separação importante que ocorreu se deu em relação à Igreja. Para Bobbio: A distinção entre o espiritual e o mundano, inicialmente introduzida pelos papas para fundamentar o primado da Igreja, desencadeou agora sua força na direção do primado e da supremacia da política. A burguesia não lutava apenas contra a nobreza, mas também contra o clero. A Igreja havia colocado de forma bem distintas o plano terreno, mundano, e o espiritual, com o objetivo de se colocar como representante de Deus na Terra e fundamentar seu poder junto à sociedade. No entanto, esta distinção foi usada depois pelo Estado moderno justamente para instaurar o Estado laico, o Estado em que prevalece a política e não a religião. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 23 O Estado Moderno nasceu da passagem do feudalismo para a Idade Moderna, possuindo como característica marcante a centralização e a personalização na figura do monarca que detinha o poder com exclusividade. A unidade dos Estados Nacionais convergia para o soberano, que era o elemento de integração, consolidação e poder. Nascia a primeira versão do Estado Moderno, o Estado Absolutista. A formação do Estado absoluto ocorre através de um duplo processo paralelo de concentração e de centralização do poder num determinado território. Por concentração, entende-se aquele processo pelo qual os poderes através dos quais se exerce a soberania – o poder de ditar leis válidas para toda a coletividade, o poder jurisdicional, o poder de usar a força no interior e no exterior com exclusividade, enfim o poder de impor tributos – são atribuídos de direito ao soberano pelos legistas e exercidos de fato pelo rei e pelos funcionários dele diretamente dependentes. Por centralização, entende-se o processo de eliminação ou de exautoração de ordenamentos jurídicos inferiores, como as cidades, as corporações, as sociedades particulares, que apenas sobrevivem não mais como ordenamentos originários e autônomos, mas como ordenamentos derivados de uma autorização ou da tolerância do poder central. Percebam que o autor fala em concentração e centralização do poder. A primeira corresponde ao fato de somente o Rei poderia exercer o poder, ele seria o único poder dentro do território. Exercendo a soberania. A centralização corresponde ao fato de as cidades e outras formas de associação perderem sua autonomia. Quando o Estado (monarca) se tornou monopolista na esfera política, os interlocutores diretos deixaram de ser as categorias, passando a ser os indivíduos, instalando o princípio do individualismo, um dos marcos do Estado Moderno Liberal. A excessiva centralização de poder nas mãos do rei, cujo poder era ilimitado e arbitrário, passou a se tornar um empecilho para a classe burguesa. O Estado Absoluto, de incentivador da burguesia, passou a ser seu obstrutor. No início, havia o apoio a uma política mercantilista na qual a burguesia comercial era privilegiada com uma estreita regulamentação das atividades econômicas, o que era uma necessidade para a consolidação e o acúmulo de capitais. Porém, o Estado Absolutista passou a ser considerado um empecilho ao desenvolvimento das atividades econômicas quando houve a necessidade de expansão do capital para além das fronteiras nacionais. Com a Revolução Francesa, em 1789, uma nova fase do Estado Moderno tem início. Sob os auspícios de Rousseau e tendo como propulsor o desejo da burguesia de ir além do poder econômico que já possuía, tomando para si o poder político que era privilégio CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 24 da aristocracia, nasce o Estado Liberal. Se durante o regime absolutista havia a concentração do poder nas mãos do monarca, no Estado Liberal o poder foi transferido ao povo. A determinação da política econômica era no sentido de não intervenção nos negócios privados, deixando-os fluir ao sabor do mercado. Segundo Mário Lúcio Quintão Soares: O liberalismo deve ser compreendido como movimento econômico- político, tendo como base social a classe burguesa, propugnando, na esfera econômica, o princípio do absenteísmo estatal e, na esfera política, sufrágio, câmaras representativas, respeito à oposição e separação de poderes. Em relação ao Estado Representativo, Bobbio afirma que ele surgiu “sob a forma de monarquia constitucional e depois parlamentar, na Inglaterra após a ‘grande rebelião’, no resto da Europa após a revolução francesa, e sob a forma de república presidencial nos Estados Unidos da América após a revolta das treze colônias contra a pátria-mãe”. O que diferencia o Estado representativo dos demais é a presença de representantes do “povo” (por povo entendendo-se, ao menos num primeiro momento, a classe burguesa), reconhecendo-se direitos políticos aos indivíduos. No Estado representativo os sujeitos soberanos não são mais o príncipe investido por Deus, nem o povo como sujeito coletivo e indiferenciado. É o cidadão, que possui direitos naturais, direitos que cada indivíduo tem por natureza e por lei e que, precisamente porque originários e não adquiridos, podem fazer valer contra o Estado, inclusive recorrendo ao remédio extremo da desobediência civil e da resistência. Vimos acima que Bobbio colocou uma sequência reconhecida pela doutrina que contém quatro tipos de Estado: feudal, estamental, absolutista e representativo. Mas o autor afirma que a última fase da sequencia histórica não exaure certamente a variedade de estados hoje existentes. Os Estados que escapam da fase dos Estados representativos são os Estados socialistas (Bobbio escreve ainda na época da URSS). Contudo, não é fácil dizer qual é a forma de Estado que eles representam, sendo muito amplo o contraste entre os princípios constitucionais oficialmente proclamados e a realidade de fato. Um traço marcante que diferencia os Estados socialistas, em contraste com as democracias representativas é que, nestas, nós temos sistemas multipartidários e, naqueles, monopartidários. É só lembrarmos-nos da China, que até hoje mantém um sistema de partido único. Segundo Bobbio: O domínio de um partido único reintroduz no sistema político o princípio monocrático dos governos monárquicos do passado e talvez constitua CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 25 o verdadeiro elemento característico dos Estados socialistas de inspiração leninista direta ou indireta, em confronto com os sistemas poliárquicos das democracias ocidentais. Vimos como foi a evolução do Estado Moderno até o Estado Representativo, até a formação das democracias liberais. Veremos a continuação, com a formação do Estado de Bem-Estar Social e o Neoliberalismo mais a frente. 2 Direitos Civis, Políticos e Sociais Segundo Marshall, podemos distinguir na história política das sociedades industriais três fases: 1. A primeira, ao redor do século XVIII, é dominada pela luta pela conquista dos direitos civis, como liberdade de pensamento, de expressão,etc. 2. A fase seguinte, ao redor do século XIX, tem como centro a reivindicação dos direitos políticos, como o de organização, de propaganda, de voto, etc., e culmina na conquista do sufrágio universal; 3. É precisamente o desenvolvimento da democracia e o aumento do poder político das organizações operárias que dão origem à terceira fase, caracterizada pelo problema dos direitos sociais, cujo acatamento é considerado como pré-requisito para a consecução da plena participação política. Resumindo, temos que os direitos civis são da primeira fase, os políticos da segunda e os sociais da terceira. Essa classificação é muito parecida com uma outra usada bastante aqui no Brasil: 1. Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos civis e políticos. Correspondem às liberdades clássicas, e têm por fundamento o princípio da liberdade. 2. Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais, e têm por fulcro o princípio da igualdade. 3. Os direitos fundamentais de terceira geração são os direitos vinculados ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, e têm por lastro o ideal da fraternidade. Durante a evolução do Estado Moderno, até o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, ocorreram três fases que se distinguem pelos direitos que foram privilegiados. A CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 26 primeira fase foi a dos direitos civis, que obrigam o Estado a uma atitude de não intervenção, de abstenção. O liberalismo defendia a retirada do Estado da vida privada dos cidadãos, prevendo uma série de direitos como liberdade de pensamento, de associação, de expressão, etc. Já a segunda fase trouxe os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais), que estão ligados a formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado. Já a terceira fase fortaleceu os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados pelas novas exigências da sociedade industrial e que implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza. Muitos defendem que os direitos sociais surgiram como uma forma de acalmar as massas, para evitar que ideias socialistas ganhassem espaço e os trabalhadores se revoltassem. Para Marshall, se o Estado provia as necessidades do trabalhador, não era como portador de qualquer direito à assistência, mas como tendentemente perigoso para a ordem pública e para a ordem da coletividade. Era uma situação de oposição entre os direitos civis e políticos de um lado e, de outro, os direitos sociais, já que estes surgiam em contradição àqueles. Aqueles que recebiam a assistência social do Estado perdiam sua condição de cidadão. Um exemplo é a Lei dos Pobres da Inglaterra, aprovada em 1834, pela qual a pessoa obtinha seu mantimento a expensas da coletividade, e em troca da renunciava à própria liberdade pessoal. A “Poor Law” não tratava as reivindicações dos pobres como direito de cidadania, mas ao contrário, como reivindicações que só poderiam ser atendidas se eles deixassem de ser cidadãos, pois os indigentes abriam mão dos direitos civis. Somente em meados do século XX que surgem medidas assistenciais que não só não estão em contradição com os direitos civis e políticos das classes desfavorecidas, mas constituem, de algum modo, seu desenvolvimento. É essa a principal característica do Estado de Bem-Estar Social: a atuação do Estado passa a ser considerada como um direito do cidadão. Segundo Bobbio: A “questão social”, surgida como efeito da Revolução Industrial, representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado, e não permitiu que a unidade da formação econômica-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento autônomo da sociedade, com a simples garantia de intervenção política de “polícia”. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 27 Bobbio fala em “concepção orgânica da sociedade e do Estado”. O termo orgânico aqui está ligado a uma acepção que usamos em nossos cotidianos. Quando vamos à feira em busca de vegetais, nos deparamos com uma escolha: produtos comuns ou orgânicos. Podemos escolher entre produtos com agrotóxicos ou sem. Os vegetais orgânicos possuem como característica a não intervenção do homem em seu desenvolvimento, ou seja, trata-se de um desenvolvimento natural, autônomo. O mesmo acontece com as sociedades e o Estado. A concepção orgânica significa que, no Estado liberal, não haveria uma intervenção de cima, a sociedade e os indivíduos poderiam se desenvolver naturalmente, sem ingerências do Estado. Com o surgimento da questão social, faz-se necessária uma atuação positiva do Estado para concretizar estes direitos. 2.1 Evolução do papel do Estado e emergência da questão social Norberto Bobbio diferencia os momentos da evolução do Estado de acordo com a alternância entre a prevalência do privado ou do público, da autonomia da sociedade o da intervenção estatal. Segundo o autor, durante séculos o direito privado foi o direito por excelência. O primado do direito privado se afirmou com a difusão e recepção no Ocidente do direito romano, cujos institutos principais são a família, a propriedade, o contrato e os testamentos. O direito público como corpo sistemático de normas nasce bem mais tarde, apenas na formação do Estado Moderno. Com a dissolução do Estado antigo e com a formação das monarquias germânicas, as relações políticas sofreram uma transformação tão profunda e surgiram na sociedade medieval problemas tão diversos – como aqueles das relações entre Estado e Igreja, entre o Império e os reinos, entre os reinos e as cidades – que o direito romano passou a oferecer poucos instrumentos de interpretação e análise. No Estado Liberal manteve-se o primado do privado sobre o público, defendendo a não intervenção do Estado na esfera privada. É com o surgimento dos direitos sociais que assistimos ao fortalecimento do direito público. Segundo Bobbio: O primado do público assumiu várias formas segundo os vários modos através dos quais se manifestou, sobretudo no último século, a reação contra a concepção liberal do Estado e se configurou a derrota histórica, embora não definitiva, do Estado Mínimo. Ele se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação, até a eventual supressão, do segundo ao CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 28 primeiro, bem como a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais, e, portanto sobre a crítica de uma das teses mais correntes do utilitarismo elementar. O primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos da sociedade. Com efeito, segue o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil em relação ao Estado, emancipação que fora uma das consequências históricas do nascimento, crescimento e hegemonia da classe burguesa. O primado do público sobre o privado representa também o primado da política sobre a economia, ou seja, da ordem dirigida do alto em relação à ordem espontânea, da organização vertical da sociedade em relação à organização horizontal. O processo de intervenção dos poderes públicos na regulação da economia é também designado como processo de “publicização do privado”. Contudo, esse processo é apenas uma das faces do processo de transformação das sociedades industriais mais avançadas. Ele é acompanhado e complicado por um processo inverso que Bobbio chama de “privatização do público”. O Estado Modernoé caracterizado por uma sociedade civil constituída por grupos organizados cada vez mais fortes e atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente. Estes grupos são considerados como organizações semissoberanas, como as grandes empresas, as associações sindicais, os partidos, dotadas de grande poder de influência nos rumos do Estado. Assim, a publicização do privado representa o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade, representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil. Já a privatização do público é caracterizada pela revanche dos interesses privados através da formação de grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. Com o surgimento do Estado Liberal e o fortalecimento dos direitos políticos, se desenvolve também a primeira noção de Estado de Direito. Exigia-se que fossem estabelecidas regras estáveis e formais que impusessem limites a atuação estatal, ganhando força o movimento político do Constitucionalismo, que tinha como objetivo estabelecer em toda parte regimes constitucionais, governos limitados em seus poderes, submetidos a constituições escritas. Este movimento confunde-se, no plano político, com o liberalismo e, como este, sua marcha no século XIX e nas três primeiras décadas do século XX foi triunfal. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 29 Uma das principais inovações do Estado Moderno foi a separação da esfera pública da privada. Vimos que o Estado Moderno surge como uma forma de diferenciação do Estado e da sociedade civil. Segundo Bobbio: Através da concepção liberal do Estado tornam-se finalmente conhecidas e constitucionalizadas, isto é, fixadas em regras fundamentais, a contraposição e a linha de demarcação entre o Estado e o não-Estado, por não-Estado entendendo-se a sociedade religiosa e em geral a vida intelectual e moral dos indivíduos e dos grupos. Bobbio, para melhor conceituar o Estado de Direito, faz uma distinção entre a limitação dos poderes do Estado e a limitação das funções do Estado: O liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Estado mínimo. Enquanto o Estado de direito se contrapõe ao Estado absoluto, o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo: deve-se, então, dizer que o Estado liberal se afirma na luta contra o Estado absoluto em defesa do Estado de direito e contra o Estado máximo em defesa do Estado mínimo, ainda que nem sempre os dois movimentos de emancipação coincidam histórica e praticamente. Podemos afirmar que os principais elementos do Estado de Direito são: a submissão do império a lei, a separação dos poderes a definição de direitos e garantias individuais. A submissão ao império da lei se dá com o estabelecimento das primeiras Constituições escritas, a sujeição do poder estatal ao ordenamento jurídico. Os liberais se enquadram na teoria jusnaturalista, defendendo que há uma série de direitos que precedem o Estado e que este deve obedecê-los. O Estado de Direito é aquele em que apenas as leis podem definir qual é o Direito que competirá ao governante aplicar. Em relação à separação de poderes, Montesquieu ganhou notoriedade com a criação da teoria da colaboração de funções, apontando a existência de três formas: o Legislativo, que fazia e corrigia as leis; o Executivo das coisas que dependem dos direitos das gentes que promovia a paz ou a guerra e ações ligadas a outros Estados; e, por último, o Executivo das coisas que dependem do Direito civil, ou seja, aquele que possui o CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 30 poder de julgar porque punia os crimes e julgava os litígios entre os indivíduos, dando este último origem ao Poder Judiciário. Por fim, a enunciação dos direitos fundamentais refere-se justamente ao reconhecimento dos direitos que devem ser obedecidos pelo Estado. O objetivo das primeiras constituições liberais era assegurar à sociedade certos direitos e garantias mínimos, destinados a lhes conferir um espaço de liberdade perante o Estado. Foram previstos, então, os direitos à liberdade de locomoção, de reunião, de manifestação do pensamento, o direito à vida e à propriedade, entre outros, bem como garantias relacionadas a estes direitos, a exemplo do habeas-corpus, remédio constitucional destinado a assegurar o direito à liberdade de locomoção. Estes direitos e garantias correspondem ao que chamamos de direitos fundamentais de primeira geração. Sua característica principal é que exigem uma não ação do Estado, no sentido de respeitar as esferas jurídicas por eles protegidas. Por isso que estas Constituições eram conhecidas também como negativas, dando ênfase ao objetivo construir um espaço de liberdade individual sem intervenção estatal. Com o surgimento do Estado Representativo, assistiu-se ao surgimento do Estado Democrático de Direito, que reúne os princípios do Estado Democrático e o do Estado de Direito. Apesar de as primeiras constituições preverem a participação popular por meio do voto, esta participação era ainda restrita. Segundo Darcy Azambuja: As primeiras Constituições escritas e leis que se lhes seguiram, ainda que inspiradas nas ideias igualitárias das doutrinas do Contrato Social, não deram o direito de voto a todos os membros da sociedade. A primeira grande exclusão foi das mulheres, até bem recentemente ainda. Os legisladores da Revolução Francesa, em contradição com as ideias de igualdade que pregavam, partiram do axioma de que sociedade deve ser dirigida pelos mais sensatos, mais inteligentes, mais capazes, pelos melhores, por uma elite enfim. É o que se denomina sufrágio restrito. Para descobrir essa elite dois critérios foram adotados: 1º) são mais capazes os indivíduos que possuem bens de fortuna; 2º) são mais capazes os que possuem mais instrução. É o sistema do senso alto, do voto restrito pelas condições de fortuna ou de instrução. Além disso, o termo democrático não significa apenas que há uma maior participação da sociedade por meio do voto. O Estado de Direito durante o início do Estado Liberal teve como consequência a distorção do princípio da legalidade. Restringiu-se o exame da validade de uma lei aos seus aspectos meramente formais, permitindo a subsistência no CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 31 ordenamento jurídico estatal de qualquer regra posta em vigor, desde que houvesse sido observado o procedimento próprio para sua instituição. Por causa disso, o Estado de Direito evoluiu em direção ao Estado Democrático de Direito, no qual se considera a lei não só pelo ângulo formal, mas também pelo material, reconhecendo-se a legitimidade tão somente daquelas que apresentarem conteúdo democrático, em conformidade com os interesses e aspirações do povo. Segundo Macpherson, a expressão “democracia liberal” também apresenta esta dualidade de conceitos. Num primeiro sentido, ela pode ser considerada como a democracia de uma sociedade de mercado capitalista, onde a liberdade é um valor de suma importância. Num segundo sentido, ela expressa uma sociedade empenhada em garantir que todos os seus membros sejam igualmente livres para concretizar suas capacidades, ou seja, ao lado da liberdade, a igualdade torna-se um valor imprescindível. Segundo o autor: “Liberal” pode significar a liberdade do mais forte para derrubar o mais fraco de acordo com regras do mercado; ou pode significar de fato igual liberdade para todos empregarem e desenvolverem suas capacidades. Esta última definição é contraditória em relação à primeira.
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