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O QUE É CONHECIMENTO FILOSÓFICO? Pedro Menezes (Professor de Filosofia) O conhecimento filosófico é um conhecimento fundamentado na lógica e na construção ou definição de conceitos. É um conhecimento metódico que tem como objetivo encontrar explicações válidas para os diversos problemas propostos. O conhecimento originado pela filosofia é um modo de interpretação da realidade que diferencia-se de outras formas de conhecer. Deste modo, podemos também perceber o que é o conhecimento filosófico a partir de sua distinção das demais formas de saber. 1. Conhecimento filosófico não é mitologia Perseu com a cabeça da Medusa, escultura de Antonio Canova O conhecimento filosófico nasceu, justamente, como negação aos mitos. A mitologia trazia consigo uma gama de histórias fantásticas que davam alguma explicação para a realidade fundamentada na crença e sem nenhum comprometimento com a lógica. O conhecimento filosófico nasce do lógos (argumentação, lógica, pensamento racional). A razão aponta as contradições presentes nos mitos e traz a necessidade de um outro tipo de conhecimento, o conhecimento racional, filosófico. 2. Conhecimento filosófico não é senso comum O senso comum se refere ao saber do indivíduo comum. É um saber baseado nos costumes, não possui provas, demonstrações e, por vezes, não é lógico. O senso comum fundamenta diversos preconceitos que possuem suas raízes em questões culturais. Apresenta como justificativa o próprio hábito. O conhecimento filosófico, por sua vez, é um conhecimento lógico, possui um método e se sustenta por uma teoria. No Brasil, gatos pretos têm mais dificuldades de serem adotados por conta de uma crença do senso comum que os relaciona com a má sorte 3. Conhecimento filosófico não é religião O conhecimento religioso é sustentado por uma teoria ou um sistema teórico, assim como o conhecimento filosófico. Entretanto, por se tratar de religião, esse conhecimento está fundamentado na fé. O conhecimento religioso possui como fundamento alguns dogmas. Os dogmas são verdades indubitáveis (não se pode duvidar) reforçadas pela crença. O conhecimento filosófico possui a dúvida como método. O questionamento é a "pedra de toque" da filosofia. Tudo pode ser posto em causa, tudo é digno de discussão. Sendo assim, o conhecimento filosófico se diferencia do religioso por seu caráter questionador. 4. Conhecimento filosófico não é ciência Apesar da estreita relação entre ciência e filosofia, existem particularidades que exigem uma diferenciação. As ciências nascem com o mesmo intuito que a filosofia e historicamente caminharam juntas ou sendo identificadas como a mesma forma de conhecer. O fator decisivo para essa união ou diferenciação ocorre pela empiria (experiência). A experiência é o fundamento base das ciências. É a forma de comprovação ou de validação de uma teoria. É através da empiria ou do experimento que os cientistas encontram a verdade acerca de seu objeto de estudo. Para a filosofia, a experiência é parte do processo do conhecimento, mas pode estar presente ou não. Não há a necessidade de validação empírica de um conhecimento. No entanto, é completamente válido filosoficamente o desenvolvimento de uma teoria que não pode ser testada, mas uma abstração teórica validada pela lógica. Isso faz com que a filosofia possa dedicar-se a temas que não são passíveis de comprovação empírica. Quando a empiria é possível, filosofia e ciência caminham juntas. Serve como exemplo o mais importante título acadêmico dado a um indivíduo em diferentes áreas, o PhD. Ao produzir uma teoria e um conhecimento original, o estudante recebe o título de PhD, que significa Philosopiæ Doctor, que significa "doutor em filosofia". Ou seja, esse indivíduo conduzido pelo "amor ao conhecimento" (sentido original do termo "filosofia") tornou-se doutor, um profundo conhecedor de determinada área científica. CONHECIMENTO E ATITUDE FILOSÓFICA O conhecimento filosófico é o saber que parte do questionamento sobre toda a realidade. Esse questionamento é chamado de atitude filosófica. A atitude filosófica trata com estranhamento (admiração) o que há de mais comum e trivial no cotidiano. Tudo é compreendido como novo, como algo a ser descoberto, como algo a ser conhecido. INTERPRETAÇÃO DO MITO DA CAVERNA Juliana Bezerra Com o Mito da Caverna, Platão revela a importância da educação e da aquisição do conhecimento, sendo esse o instrumento que permite aos homens estar a par da verdade e estabelecer o pensamento crítico. O senso comum, que dispensa estudo e investigação, é representado pelas impressões aparentes vistas pelos homens através das sombras. O conhecimento científico, por sua vez, baseado em comprovações, é representado pela luz. Assim, tal como o prisioneiro liberto, as pessoas também podem ser confrontadas com novas experiências que ofereçam mais discernimento. O fato de passar a entender coisas pode, no entanto, ser chocante e esse fato inibidor para que continuem a buscar conhecimento. Isso porque a sociedade tem a tendência de nos moldar para aquilo que ela quer de nós, que é aceitar somente o que nos oferece através da informação transmitida em meios de comunicação e não só. Desde a Antiguidade, Platão quer mostrar a importância da investigação para que sejam encontrados meios de combate ao sistema, o qual limita ações de mudança. O MITO E A FILOSOFIA Mito, do grego mýthos, é uma narrativa tradicional cujo objetivo é explicar a origem e existência das coisas. Origem do Mito Esse foi o recurso utilizado durante anos para explicar tudo o que existe no Universo. Desta forma, foram criados mitos para explicar a origem dos homens, dos sentimentos, dos fenômenos naturais, entre outros. O mito era considerado uma história sagrada, narrada pelo rapsodo - que supostamente era a pessoa escolhida pelos deuses para transmitir oralmente as narrativas. O fato de o narrador advir de uma escolha divina, atribuía ao mito o caráter de incontestabilidade, pois os deuses eram inquestionáveis. Importa referir que, além de explicar as origens, a mitologia - o conjunto dessas histórias fantásticas - desempenhavam um papel moral. Esse tipo de narrativa era pertinente para responder aos questionamentos até que, a partir do século VII a.C. as explicações oriundas dessas histórias iam deixando de satisfazer os primeiros filósofos gregos - os pré-socráticos. Assim, o mundo começava a ser investigado através da razão, priorizando o natural em detrimento do sobrenatural. Começando a fazer uso da razão, os filósofos não acreditavam nos mitos e exigiam comprovações. Surgimento da Filosofia O surgimento da Filosofia se deu na Grécia, mais precisamente com a formação da pólis - cidade-Estado grega. Lá, os cidadãos discutiam política em público, tentando chegar à melhor forma de organização da sociedade. Isso motivava o uso do raciocínio, da reflexão e a chamada "atitude filosófica". Com o tempo, as pessoas não discutiam apenas política, mas se indagavam acerca de vários aspectos, o que levou ao crescimento da investigação. Desta forma, a transição entre o pensamento mítico e o pensamento racional aconteceu de forma progressiva. Os filósofos pré-socráticos buscaram nos elementos da natureza a resposta sobre as origens. O que Mito e Filosofia têm em comum? Ambos buscam explicar as origens, sendo basicamente essa a característica que os aproxima. Vejamos, entretanto, quais as suas diferenças. A ORIGEM DA FILOSOFIA Pedro Menezes A filosofia nasceu na Grécia antiga, no início do século VI a.C. Tales de Mileto é reconhecido como o primeiro filósofo, apesar disso, foi outro filósofo, Pitágoras, que cunhou o termo "filosofia", uma junção das palavras "philos" (amor) e "sophia" (conhecimento), que significa "amor ao conhecimento". Desde então, a filosofia é a atividade que se dedica a compreender, identificar e comunicar a realidade através de conceitos lógico-racionais. Ela surgiu do abandono gradativo das explicações dadas pela mitologia (desmitificação) e a busca por um conhecimento seguro. DA CONSCIÊNCIAMÍTICA À CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA Michelangelo - A Criação de Adão (estreita ligação entre os homens e os deuses) A consciência mítica era caracterizada pelas explicações tradicionais encontradas nas histórias mitológicas. A mitologia grega, por se tratar de uma crença politeísta, é composta por uma série de entidades, entre deuses, titãs e outros seres que se relacionavam, faziam surgir e davam sentido ao universo. Essas explicações possuíam um caráter fantasioso, fabuloso, e suas histórias eram compostas por muitas imagens, construindo uma cultura popular transmitida a partir de uma tradição oral. Essas histórias eram contadas pelos poetas-rapsodos. Durante muito tempo, essas histórias constituíram a explicação sobre a cultura grega e sobre a origem de todas as coisas. Não havia uma distinção entre religião e outras atividades. Todos os aspectos da vida humana estavam diretamente relacionados com os deuses e outras divindades que regiam o universo. Aos poucos, essa mentalidade foi se transformando. Alguns fatores fizeram com que algumas pessoas na Grécia antiga passassem a relativizar este conhecimento e pensar em novas possibilidades de explicação. Dessa relativização, nasce a necessidade de encontrar explicações cada vez melhores para todas as coisas. A crença vai dando lugar à argumentação, à capacidade de convencer e dar explicações baseadas na razão, o lógos. O lógos é identificado como a fala objetiva, clara e ordenada. Assim, o pensamento grego foi abandonando à crença (consciência mítica) para assumir o que "faz sentido" o que possui uma lógica, o que é capaz de ser explicado pelo ser humano (consciência filosófica). CONDIÇÕES HISTÓRICAS PARA O SURGIMENTO DA FILOSOFIA Grécia Antiga, geografia acidentada exigiu o domínio do mar Muitas vezes conhecido como "milagre grego", o surgimento da filosofia não dependeu de um milagre. Foram uma série de fatores que conduziram à relativização do pensamento, à descrença (desmitificação) e à busca de melhores explicações sobre a realidade. Dentre esses fatores encontram-se: 1. O comércio, as navegações e a diversidade cultural Por conta de sua construção e localização geográfica, a sociedade grega tornou-se um importante centro de comércio e uma potência marítima. Isso fez com que os gregos tivessem contatos com outras culturas. O contato com essa diversidade fez com que eles, a partir da descrença e relativização das culturas alheias, acabasse por relativizar a sua própria. 2. O surgimento da escrita alfabética O alfabeto ("alfa" e "beta", duas primeiras letras gregas) foi uma importante tecnologia da época. A escrita através de ideogramas e símbolos está ancorada em ideias que fazem parte da cultura e do inconsciente coletivo. Já a escrita alfabética, exige um grau de abstração maior por estar relacionada com os fonemas. É perceber que as palavras são construídas por sons que podem ser codificados e reproduzidos. Assim, eles abandonam a aura mítica presente nos ideogramas. 3. O surgimento da moeda A moeda exige de seus usuários algum grau de abstração. O comércio realizado a partir de trocas diretas entre produtos (exemplo: galinhas por trigo) exigem muito pouco grau de imaginação. As trocas mediadas pela moeda fazem com que o usuário tenha que perceber que uma quantidade de produtos é equivalente a uma quantidade específica de moeda. 4. A invenção do calendário Outro importante fator para a desmitificação da realidade é a do calendário. Seu uso, faz-se perceber, a regularidade de alguns eventos da natureza, como as estações do ano. A organização gerada pela percepção dessa regularidade retira dos deuses a responsabilidade de controlar o clima, que passa a estar relacionada à capacidade dos matemáticos e astrônomos em fazer previsões baseadas em cálculos. 5. O surgimento da vida pública (a política) Com o desenvolvimento da pólis, há uma intensificação a vida pública. Mais habitantes dividem um mesmo espaço (público) e, com isso, suas atenções se voltam para a organização desse espaço (atividade própria da pólis, política). As interações entre as pessoas fazem com que a relação com os deuses e divindades seja relegada a um segundo plano. 6. O surgimento da razão A população grega passou a necessitar de explicações melhores que estivessem em conformidade com seu grau de abstração e desmitificação. Com isso, o cidadão grego que, segundo a tradição, não deveria trabalhar (o trabalho era entendido como uma atividade menor, responsabilidade de escravos e estrangeiros), dedicou-se ao ócio contemplativo. Contemplou a natureza e buscou estabelecer relações de causalidade (causa e efeito, "o que causa o que?") e ordenação. A natureza, antes entendida como caos, agora, encontrava-se ordenada pela razão humana. O Nascimento da Filosofia É nesse contexto que surge a filosofia. A investigação sobre a natureza fez com que os filósofos produzissem conhecimento. Inicialmente, a filosofia era uma cosmologia, um estudo sobre o cosmo (universo) tendo como base a razão (lógos). Essa perspectiva de pensamento se contrasta com a anterior, que era compreendida como uma cosmogonia, explicação do cosmo a partir das relações que fizeram nascer (gonos) as coisas. A mesma distinção ocorre entre a teologia (estudo sobre os deuses) e a teogonia (histórias sobre o nascimento dos deuses). Para compreender melhor essa distinção entre a mitologia e a filosofia, confira a tabela abaixo: Mitologia Filosofia Crença (Mitos) Razão (Lógos) Cosmogonia / Teogonia Cosmologia / Teologia Explicações fabulosas e fantasiosas Explicações racionais e fundamentadas Rapsodos Filósofos Os Primeiros Filósofos Os primeiros filósofos buscaram encontrar uma ordem na physis (natureza) Os primeiros filósofos, conhecidos como filósofos pré-socráticos, a partir do final do século VII a. C., dedicaram-se à investigação sobre a natureza (physis). Buscaram estabelecer princípios lógicos para a formação do mundo. A natureza desmitificada (sem o auxílio das explicações míticas) era o objeto de estudo. Sendo o principal objetivo, encontrar o elemento primordial (arché) que teria dado origem a tudo o que existe. Período Antropológico e o Estabelecimento da Filosofia Leonardo Da Vinci (1452-1519) - Homem Vitruviano e outras invenções. (centralidade na humanidade, ser humano pensado como criatura e criador), essa concepção só foi possível a partir do legado grego Com o amadurecimento do pensamento filosófico e a complexificação da vida pública, a investigação dos filósofos abandonou gradativamente as questões relacionadas à natureza e voltou-se para as atividades humanas. Este novo período da filosofia é chamado de Período Antropológico e tem como marco o filósofo Sócrates (469 a.C.-399 a. C.). Ele é compreendido como o "pai da filosofia". Mesmo não sendo o primeiro filósofo, Sócrates foi responsável por desenvolver a chamada "atitude filosófica". Sócrates e, seu discípulo, Platão (c. 428 a. C.-348 a. C.) foram responsáveis por construir as bases da busca pelo conhecimento que influenciou todo o pensamento ocidental até os dias de hoje. Em seguida, Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, desenvolveu um vasto trabalho filosófico. Foi professor do Imperador Alexandre, o Grande e responsável pela popularização do pensamento grego, concretizando o legado da filosofia grega.
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