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GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM AMBIENTES NÃO ESCOLARES – Miranda, n.a. José Carlos Libâneo, em sua obra de 2005 (Pedagogia e pedagogos, para quê?), o autor demonstra que a pedagogia investiga a natureza, a finalidade e as ações necessárias às práticas educativas, com o objetivo de propor a realização desses processos nos vários contextos em que essas práticas ocorrem. Assim, podemos afirmar que a pedagogia constitui um campo de conhecimento que possui objeto, problemáticas e métodos próprios de investigação, configurando‑se como ciência da educação. Partindo‑se do pressuposto de que o pedagogo deve apropriar‑se de um conceito mais ampliado de educação, Libâneo (2005) afirma que as práticas educativas não se restringem à escola ou à família. Elas ocorrem em todos os contextos e âmbitos da existência individual e social humana, de modo institucionalizado ou não, sob várias modalidades. Para esse autor, dentre essas práticas, além da formal, ou seja, institucionalizada, há as que acontecem de modo difuso e disperso. São as que ocorrem nos processos de aquisição de saberes e modos de ação de maneira não intencional e não institucionalizada, configurando a educação informal. Há, também, as práticas educativas realizadas em instituições não convencionais de educação, mas com certo nível de intencionalidade e sistematização, tais como as que se verificam nas organizações profissionais, nos meios de comunicação, nas agências formativas para grupos sociais específicos, caracterizando a educação não formal. Portanto, abordar a questão da gestão da educação em ambientes não escolares no curso de Pedagogia se faz necessário, na medida em que esses processos constituem seu objeto de estudo, demarcando‑lhe um campo próprio de investigação. Dizemos isso porque, neste curso, especificamente, estudamos as práticas educativas buscando explicitar suas finalidades, objetivos sociopolíticos e formas de intervenção pedagógica na educação. Gestão da educação além dos muros da escola A partir da década de 1970, com as dificuldades apresentadas por trabalhadores dentro das empresas, iniciou‑se o processo de formação profissional, já que houve uma crescente automação do processo de trabalho, de novas tecnologias e a classe trabalhadora encontrava‑se totalmente despreparada para o estágio de desenvolvimento industrial. As empresas começaram, então, a reclamar profissionalização dos trabalhadores para acompanhar as transformações tecnológicas. Com isso, os treinamentos começaram a ser desenvolvidos nas empresas com maior eficácia. A partir de então, a educação sofreu mudanças, deixando de ser restrita ao processo de ensino‑aprendizagem escolar formal para formar o trabalhador viável naquele momento. Nesse contexto, faz‑se necessário compreender como se dá a gestão da educação em ambientes diversos à escola, pois empresas, hospitais, ONGs, associações, igrejas, eventos, emissoras de transmissão (rádio e TV) e outros formam, hoje, um novo cenário de atuação do pedagogo, que transpõe os muros da escola para prestar seu serviço nesses locais, que eram espaços até então restritos a outros profissionais. Essa nova realidade quebra preconceitos e ideias de que o pedagogo está apto para exercer suas funções somente na sala de aula. Entende‑se que onde houver prática educativa, haverá ação pedagógica. Considerando‑se que o propósito deste texto é compreender a gestão da educação em ambientes não escolares, o que para muitos pode, a princípio, soar um tanto estranho, pois, em geral, tem‑se uma visão reducionista quanto ao campo de atuação do pedagogo, buscaremos mostrar que a educação está presente tanto em ambientes escolares quanto não escolares. Acreditamos que se houver esse estranhamento é porque reza o senso comum que a atuação do pedagogo se dá apenas em ambientes educativos, em especial, nas escolas. Isso acontece porque a maior parte dos formandos em pedagogia atua em instituições escolares. Embora a escola seja o espaço privilegiado para a formação de pessoas, temos observado que, como instituição social educativa, ela vem sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais do mundo contemporâneo. Segundo Libâneo et al. (2012), elas decorrem, sobretudo, dos avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e desenvolvimento, da compreensão do papel do Estado, das modificações nele operadas e das mudanças no sistema financeiro, na organização do trabalho e nos hábitos de consumo. Esse conjunto de transformações, segundo os autores, está sendo chamado, em geral, de globalização. Por outro lado, tem‑se tornado cada vez mais evidente o fato de que, na sociedade global, a instituição escolar já não é considerada o único meio ou o meio mais eficiente e ágil de socialização do conhecimento técnico‑científico, de desenvolvimento de habilidades cognitivas e de competências sociais requeridas para a vida prática. Não obstante, isso não significa o fim da escola como instituição social educativa ou o início de um processo de “desescolarização” da sociedade. Indica, antes, o início de um processo de reestruturação dos sistemas educativos e da instituição tal como a conhecemos. Nestes termos, concordamos com Libâneo et al. (2003) para quem a escola de hoje precisa não apenas conviver com outras modalidades de educação não formal, informal e profissional, mas também articular‑se e integrar‑se a elas, a fim de formar cidadãos mais preparados e qualificados para um novo tempo. Por outro lado, sabemos que isso ainda não é uma realidade, pois, apesar dos esforços observados a partir das políticas públicas de educação no que tange à inclusão de todos os alunos (quer estejam na idade própria ou não) nos sistemas de ensino, não temos observado resultados satisfatórios, principalmente quando analisamos as exigências de mercado ou quando nos submetemos a testes. O PISA é um programa internacional de avaliação comparada, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. Apesar de os problemas com a qualidade do ensino não serem o objetivo precípuo de discussão deste texto, devem ser mencionados, pois há muitas críticas quanto ao fato de que as escolas não têm cumprido seu papel de formadora de capital humano, conforme as necessidades de mercado. Esse ponto de vista está fundamentado na premissa de que a escola deve atender às necessidades da sociedade, com o objetivo de: formar indivíduos capazes de pensar e de aprender permanentemente em um contexto de avanço das tecnologias de produção, de modificação da organização do trabalho, das relações contratuais, capital trabalho e dos tipos de emprego; prover formação global que constitua um patamar para atender à necessidade de maior e melhor qualificação profissional, de preparação tecnológica e de desenvolvimento de atitudes e disposições para a vida numa sociedade técnico‑informacional. desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo e crítico da cidadania; formar cidadãos éticos e solidários. Como se vê, são muitas as exigências atribuídas à escola que, apesar dos esforços, não tem dado conta de todas. Nesse contexto, questiona‑se: quem perde com isso? Entendemos que todos, pois os prejuízos são percebidos especialmente pelos egressos das redes públicas de educação básica que, em decorrência da baixa qualificação, encontram problemas de inserção no mercado de trabalho. Um estudo realizado, em 2007, pelo Banco Mundial verificou que, no Brasil, a taxa de analfabetismo é de 13% e o tempo médio que o brasileiro passa na sala de aula é de cinco anos. Diante disso, indaga‑se: em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado como é o de hoje, como as empresas lidam com isso? E mais, o que fazer para minimizar o problema? Sabemos que a educação é responsabilidade do Estado, porém,em certa medida, o rumo foi perdido e as empresas sofrem diretamente a carência da educação no Brasil. O estudo sinaliza que o baixo nível de escolaridade da mão de obra impacta diretamente na produtividade das empresas. O trabalhador do século XXI precisa ter a capacidade de interpretar e ter raciocínio rápido, pois ele terá de lidar com tecnologia, procedimentos e normas. O mesmo estudo aponta que quase trinta milhões de trabalhadores com carteira assinada frequentaram até o ensino fundamental e com isso se acredita que a baixa escolaridade está devidamente ligada à taxa de desemprego no Brasil. Vale dizer que, há alguns anos, os processos de recrutamento eram mais simples, pois bastava um anúncio em jornal ou uma placa na entrada da empresa e se contratavam os primeiros candidatos. Atualmente, o candidato precisa ter um perfil diferente, pois terá que ser produtivo, trabalhar com segurança e, para isso, é necessário efetivamente saber ler e interpretar, e não apenas apresentar um certificado de conclusão do Ensino Fundamental. Portanto, buscando incrementar o processo de recrutamento de empregados, muitas empresas fazem testes de escolaridade que atestam se o candidato realmente sabe ler, escrever e realizar operações matemáticas. Estudos recentes mostram que, embora o número de analfabetos tenha diminuído de 2009 para 2011 no Brasil, o percentual de pessoas consideradas analfabetas funcionais permaneceu o mesmo no período. Segundo Klix (2012), 20,4% dos brasileiros com mais de 15 anos, não conseguem participar de todas as atividades em que a alfabetização é necessária. Sendo que esse é o mesmo índice observado em 2009 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos novos dados foram divulgados em 2012. Para calcular o analfabetismo funcional, o IBGE utiliza o número de pessoas com menos de quatro anos de estudo, pois são consideradas analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolarização que não possuam as habilidades de leitura, escrita e cálculo para fazer face às necessidades da vida social e profissional dos nossos tempos (MOREIRA, 2003). Esse é um mal do qual o Brasil não tem conseguido se curar. Para se ter uma ideia, em 2011, 30,5 milhões de brasileiros estavam nessa condição. A maioria desses analfabetos funcionais está no Norte e Nordeste, onde 25,3% e 30,9% da população faz parte desse grupo, respectivamente. A região Sudeste é a que apresenta o melhor cenário em relação ao índice, com 14,9% de analfabetos funcionais, seguida pela Sul (15,7%) e Centro‑Oeste (18,2%). Apesar das críticas de educadores e sociólogos, defendemos a tese de que o nível educacional está diretamente ligado à produtividade, mas a educação no Brasil, conforme mencionado, ainda é um processo deficiente que precisa ser aprimorado. É preciso que ela se volte para as necessidades de jovens e adolescentes, bem como de adultos, que não concluíram sequer o Ensino Fundamental e que precisam ter uma escolaridade mínima para trabalhar. Com isso, acreditamos que o papel das empresas neste processo pode ser muito significativo. A escassez de estudos sobre o assunto pode suscitar dúvidas sobre essa possibilidade, mas, se for empreendida uma pesquisa mais detalhada dos números de programas de qualificação das maiores empresas brasileiras, é provável que muitas secretarias de educação fiquem surpreendidas. Afinal de contas, o mercado de trabalho é muito dinâmico e as pessoas precisam adaptar‑se a ele, e ninguém sabe ao certo até quando este ciclo irá durar, nem quais serão as futuras demandas. O fato é que a educação é o motor do crescimento e desenvolvimento e isso não pode ser ignorado. Gestão do conhecimento nos ambientes não escolares Com o surgimento da sociedade do conhecimento, as organizações passam por um processo de mudança cada vez mais rápido, demandando um aumento na capacitação profissional. Não obstante, tendo em vista o quadro observado nas instituições educacionais, é prudente dizer que essa demanda especializada, técnica, em muitos casos não é encontrada em instituições de ensino tradicionais. Diante disso, surge a real necessidade de desenvolver multiplicadores do conhecimento técnico na organização. Há necessidade de valorização da gestão do conhecimento que, em muitos casos, culmina na criação de universidades corporativas que têm a missão de capacitar equipes de colaboradores, usando ferramentas de treinamento e desenvolvimento humano, surgindo, assim, a figura do pedagogo empresarial. Segundo Burnham et. al. (2005), só recentemente as organizações perceberam a importância de gerenciar o conhecimento organizacional para que ele possa ser compartilhado pelos seus membros. Com isso, as empresas se tornam mais competitivas no mercado e, consequentemente, aumentam a sua rentabilidade. Nesses termos, entendemos que a aprendizagem organizacional é importante, na medida em que se observa que a aquisição, a troca e a aplicação do conhecimento por toda a organização formam, segundo Mayo (2003), o que é conhecido como administração do conhecimento. Essa é uma parte essencial da cultura de uma organização de aprendizagem e, portanto, vital para o crescimento do capital humano. Considerando o exposto, cabem aqui alguns questionamentos: o que está por trás da gestão do conhecimento? Qual é sua concepção? Tomando como referência as contribuições de educadores, em especial, do professor Paulo Freire (2006) podemos afirmar que, tradicionalmente, a educação para a formação profissional foi compreendida como uma etapa de instrumentalização para o exercício da profissão. Na atualidade, esse paradigma, amplamente dominante, gerou outra visão, que concebe a educação como um processo de construção com e para a autonomia, centrado em valores humanos, na formação do cidadão, na visão crítica e criativa. Assim, a dinâmica do conhecimento é compreendida em seu sentido mais amplo e o educador como mediador deste processo. Trata‑se de organizar a assimilação produtiva de um conjunto de instrumentos e conhecimentos que só poderão funcionar efetivamente com a mudança cultural. A transformação é de forma e de conteúdo. A relação ensino‑aprendizagem é orientada, de certa forma, pela demanda, o que torna as pessoas sujeitos da sua própria formação. Não se trata mais de gerar o currículo adequado a partir de instâncias “superiores”, mas de corresponder às necessidades efetivas dos sujeitos e sua interação com o mundo. Trata‑se de associar o processo educacional de uma comunidade com o conjunto dos seus esforços de modernização, desenvolvimento, cidadania e humanização. O foco não é questionar o universo formal de conhecimentos, e sim de integrá‑lo com o processo real de transformação do cotidiano que os sujeitos demandam e onde veem sentido e significado. Em outros termos, trata‑se menos de oferecer um “pacote” fechado de informações, e mais de colocar a educação a serviço de uma comunidade, que moldará o universo de conhecimentos de que necessita, segundo os momentos e a dinâmica concreta do seu desenvolvimento. Acreditamos que se faz cada vez mais necessário o gerenciamento e o compartilhamento do conhecimento nas empresas. De acordo com Mayo (2003), partilhar informações traz por si só a inovação, na medida em que ideias são estimuladas por meio da interação. A gestão sistemática do conhecimento, portanto, ajuda tanto na questão da lucratividade como na criação de novo capital humano, acrescenta o autor. Para compreender melhor o exposto, apresentamos a seguir algumas propostas acerca da gestão e compartilhamento do conhecimento, se é que podemos assim dizer, pois, em tese, a gestão já pressupõe o compartilhar. O que deveria ser compartilhado? Segundo Mayo (2003), não precisamos ser bombardeados com novos conhecimentos adquiridos por um indivíduo todos os dias, mesmo que isso fosse viável. Aliás, temos observado que os novos conhecimentos não são tantos, mas, sim, em grande parte, redundantes, pois observamosuma repetição exagerada principalmente pelas diferentes mídias. Nós precisamos de algum tipo de arquitetura para aquilo que realmente precisa ser compartilhado (MAYO, 2003), pois os indivíduos acham o seu próprio modo de registrar ou relembrar o que é importante para eles, e cada grupo precisa fazer o mesmo. No nível da organização como um todo, deve haver relativamente pouco que seja de interesse para todo funcionário, além da informação compartilhada sobre a infraestrutura e informações da empresa. No entanto, de acordo com o mesmo autor, as estruturas centrais, as competências e os processos da organização serão sustentados pelo que poderia ser chamado de “ativos do conhecimento estratégico”. Tais ativos deveriam, segundo o autor, estar sob a guarda e serem mantidos por pessoas indicadas, que são as pessoas que garantem que todos aqueles que os utilizam saibam o que deveria ser compartilhado ou não para o benefício geral. Essa pessoa seria, a nosso ver, o pedagogo empresarial, pois entendemos que ele carrega consigo o conjunto de competências necessárias para fazer o compartilhamento dessas informações. Nosso ponto de vista é fundamentado em Libâneo (1990), que nos sinaliza que, sendo formado num campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa determinada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivíduos tendo em vista prepará‑los para as tarefas da vida social, o pedagogo, além do estudo dos ramos próprios da Pedagogia, como a teoria da educação, a didática, a organização e o planejamento escolar e a história da educação e da pedagogia, busca em outras ciências os conhecimentos teóricos e práticos que auxiliam no entendimento do seu objeto: o fenômeno educativo, que, por sua vez, está presente tanto na escola quanto no ambiente corporativo (afinal, a escola e a universidade não são espaços exclusivos para o fenômeno educativo, mas sim privilegiados). Ademais, o pedagogo tem em sua formação acadêmica toda uma bagagem necessária para transformar a prática educativa, onde quer que ela aconteça, em uma atividade intencional e eficaz. Ele pode orientar essa prática e criar um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá‑la, não só para alcançar os objetivos organizacionais, mas, sobretudo, para as finalidades sociais e políticas da educação. AMORIM, M. A. Por uma história da educação para além da escola. In: CONGRESSO DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS, 2., 2003, Uberlândia. Anais... Uberlândia: [s.n.], 2003. BEMFICA, J. C.; BORGES, M. E. N. Aprendizagem organizacional e informação. Rev. Ciência Informação, Brasília, v. 28, n. 3, p. 233‑240, s MAYO, A. O valor humano da empresa. São Paulo: Prentice Hall, 2003. et./dez. 1999.