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EA D Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo 5 1. OBJETIVOS • Identificar a dimensão cósmica da pessoa e do Universo como questão escatológica. • Compreender os fundamentos da Escatologia cósmica no AT e NT. • Analisar o Reino de Deus em seu significado escatológico. • Conhecer a plenitude escatológica do Cosmo e do Univer- so como realização em Deus. 2. CONTEÚDOS • Princípios para uma Escatologia cósmica da pessoa e do universo. • A Escatologia do Antigo Testamento. • Escatologia do Novo Testamento: grandes linhas. © Escatologia110 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO • O Reino de Deus: uma processualidade. • Tensões escatológicas. • Novos termos de Escatologia. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Ao começar a estudar a unidade, leia os títulos e sub- títulos, procurando compreender e refletir sobre cada conteúdo. 2) Ao ler os textos, não se esqueça de anotar, os termos novos e desconhecidos. 3) Sublinhe os novos conceitos, no seu texto. E procure re- sumir o conteúdo dos diversos itens. 4) Tenha sempre presente os Conceitos-chave da disciplina (gráfico), para situar-se no estudo da unidade. 5) Não esqueça de aprofundar a temática por meio das referências bibliográficas indicadas. Escreva um texto sobre o que você entende sobre o "Reino de Deus", e compare, ao final, com as ideias que serão apresentadas nesta unidade. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE As quatro unidades anteriores propuseram a abordagem dos grandes e tradicionais temas da Escatologia que, especialmente, se impuseram na reflexão teológica, na doutrina da Igreja e na tra- dição popular. Dessa maneira, como ficou evidente, todos esses grandes termos (Céu, Inferno, Juízo) são, em geral, mantidos na reflexão ampla da Escatologia e, como é natural, com maior ou menor profundidade. Em geral, porém, são vistos, principalmente, em um contexto de Escatologia pessoal e/ou individualizante. 111© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo Nesta unidade e na unidade seguinte, queremos fazer uma abordagem mais ampla, enfocando as dimensões coletivas e cós- micas da questão escatológica. Para tanto, convidamos você a re- tomar alguns dos grandes princípios prévios da Escatologia a fim de fundamentar as novas concepções. Ao mesmo tempo, preste atenção ao esquema conceitual a seguir, como um roteiro de es- tudos. Bom estudo! 5. PRINCÍPIOS PARA UMA ESCATOLOGIA CÓSMICA DA PESSOA E DO UNIVERSO Veja a seguir os princípios para uma Escatologia cósmica da pessoa e do Universo: 1) É óbvia a distinção entre a salvação (o ato de Deus sal- var) e a história da salvação (como Deus vai salvando na história). 2) A salvação é um projeto que Deus vem executando des- de o início do mundo (da criação) e que ele só terminará na pátria celeste, quando a humanidade e o Cosmo fo- rem apresentados de modo definitivo por Cristo ao Pai (a Parúsia). 3) Deus quer a salvação de todos por meio de Jesus, a quem foi delegado esse processo (cf. Af 1,3-13). 4) A salvação, que consiste no aspecto positivo, na consu- mação do projeto divino, implica na realização plena dos seres humanos e do Cosmo todo. 5) Ela é uma ação escatológica, pois ultrapassa toda a his- tória terrena e humana mesmo que comece a acontecer nessa história. 6) A ressurreição de Jesus é a concentração humana-esca- tológica máxima, cuja revelação já nos foi dada e cuja promessa vai em curso na tensão do "já-mas-ainda- -não". A realização da promessa já aconteceu em Cristo ressuscitado como antecipação; mas nós, os herdeiros © Escatologia112 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO dessa promessa, ainda não participamos dela por ainda estarmos na história. 7) O definitivo, em termos escatológicos, é a completude de todo o projeto divino. Quer dizer: homens e mulheres novos, novos céus e nova terra (o Cosmo todo), por meio de Jesus, o Verbo de Deus, participarão, de modo defi- nitivo e irreversível, da glória de Deus. Essa realidade, a glória de Deus à qual tudo e todos são chamados, trans- cende à história e concretiza o anseio posto por Deus no coração de toda criatura em poder ver a Deus e viver face a face com ele, participando de sua glória, porque assemelhados a ele. 8) A grande realidade escatológica é a definitiva implanta- ção do Reino de Deus sobre tudo e todos. Por consequ- ência, a questão do Reino de Deus voltou a ser central na reflexão escatológica de hoje. Viver em Deus em sua glória e de sua glória: isto é o céu. Quer dizer: o céu é a plenitude de realização do projeto salvífico de Deus para os homens e para todas as criaturas visíveis e invisíveis. A perda dessa realidade é possível, mas não necessária, e nessa consistirá o inferno – a absoluta frustração da criatura. Portanto, é importante recordar que a encarnação do Verbo e a sua pregação tornam-se, para os cristãos, os pressupostos fun- dantes de sua fé e pressupõem, como compromisso, a vigilante es- perança e a positiva participação na construção do Reino de Deus aqui e agora segundo o ensino de Jesus, quer em suas parábolas, quer em sua mensagem direta: "Cumpriu-se o tempo. O reino de Deus já está próximo" (cf. Mc. 1,15). Isto posto, você deverá voltar os seus estudos para as ques- tões mais amplas da Escatologia comunitária e cósmica sem ig- norar os temas indicados nas quatro unidades anteriores, pois é somente no enquadramento amplo que aquelas questões escato- lógicas terão guarida e unidade. 113© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo 6. A ESCATOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO Retomemos alguns elementos bíblicos da história da salvação. E o Senhor disse desde a sarça ardente a Moisés: "Vi a aflição de meu povo e desci para salvá-los das mãos dos egípcios" (Ex 3,7). Esta é uma das mais radicais revelações de Deus e que, por primeiro, os hebreus vão conhecer: o Deus deles é o Deus que sal- va. Essa concepção precede a de que Deus é criador. Deus salvador é o mesmo Deus das alianças que mais processa, acompanha, sus- tenta e salva seu povo. O hebreu, sempre que reconta sua história, realça a presença divina como salvadora. Você deve recordar que, em geral, no AT, o ser humano sal- vo é a pessoa feliz. A Escatologia veterotestamentária tinha como grande centro de salvação questões bem terrenas e sem maiores preocupações com o além. Assim, um homem feliz era aquele que se sentia abençoado por Deus, podendo: 1) ter terra, pátria (desgraça e perdição era morrer e ser sepultado longe dos seus); 2) ter filhos, e de preferência, muitos filhos (por quem se prolongaria sua existência). Lembre-se do contexto da família patriarcal; ela que dava identidade pessoal a cada membro da família; 3) ter bens e propriedades (campo para plantar, gado para criar); 4) ter longevidade (é poder ter vida longa mesmo que, na evolução da história, já por influencia de outros povos, se fala do sem sentido da vida); 5) poder louvar a Deus em paz (Shalom) e, se possível, ir ao templo de Jerusalém (a morada do Senhor); 6) por fim, a questão da morte (dada as condições anterio- res) era até aceitável, pois recebera-se tantos benefícios de Deus, e ela era inexorável mesmo que se fosse viver no sheol. © Escatologia114 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO No passar do tempo e no contato com outros povos e, prin- cipalmente, pelas experiências de vida (seja como livre ou como escravo), o povo do AT fez evoluir seu modo de vida e sua compre- ensão diante da vida e do além. Nas questões de Escatologia, mesmo sem uma evolução crescente e uniforme, surgem preocupações com a imortalidade da alma, a ressurreição, a retribuição, o julgamento, o sentido da morte, a volta do Senhor como juiz etc. 7. ESCATOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO: GRANDES LINHAS As ideias escatológicas do AT eram correntes no tempo de Jesus e dos apóstolos. Contudo, elas não eram,especificamente, as maiores preocupações de Jesus, mesmo que as reafirme. A centralidade da pregação de Jesus foi o amor incondicional de Deus por sua criatura e pelo Reino de Deus, que estava chegando e que ele também o esperava até o tempo de sua morte. Em torno das duas questões (o amor incondicional de Deus pelos seres humanos e o Reino de Deus), Jesus reorganiza e reo- rienta as questões pertinentes à Escatologia. Por um lado, ele rea- firma a divina vontade do Pai sobre a felicidade do ser humano na Terra. Por outro, indica sua plenitude na vida do Além. 8. O REINO DE DEUS (UMA PROCESSUALIDADE) O Reino de Deus A boa notícia que Jesus anunciou está centrada no dinâmico Senhorio de Deus ou no Reino de Deus. Mais que um reino, dever- -se-ia compreender essa expressão como o reinado de Deus ou o ato de Deus reinar. 115© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo Há várias referências de Jesus sobre a presença e o signifi- cado do Reino, mesmo que ele não faça uma abordagem acadê- mica ou que descreva para nossa mentalidade aquilo que ensinou no contexto semita e que todos entendiam o que ele queria dizer. Ele foi claro ao afirmar que seu Reino não era deste mundo; en- tretanto, foi para isto que ele viera ao mundo: para anunciá-lo e implantá-lo aqui, inclusive por meio de sua morte, se necessário fosse (cf. 5,15; Mt 4,17, 6,1; 13,43;26,29). O Reino de Deus não é deste mundo nem para este mun- do, mas antecipa-se neste mundo. Ele é sempre uma realidade de Deus e em Deus. Nele, estará realizado todo o projeto, o plano de Deus, em que, sem as tensões da história, estarão de modo defi- nitivo: 1) A glória de Deus, como no grande banquete escatológi- co indicado por Jesus e apresentado no Apocalipse. 2) A evidência de que Deus é o único Senhor de tudo quan- to existe não para marcar uma autocracia, mas para res- saltar que todo o criado é fruto do amor divino feito para participar desse amor, pois "Deus é amor e quem per- manece no amor, permanece em Deus" (1Jo 4,16). 3) No Senhorio de Deus, todas as coisas criadas, as visíveis e as invisíveis, estarão juntas na liturgia celeste. Cada uma delas participará em sua própria perfeição e com- pletude, e todas juntas, vendo a Deus e participando de sua glória, louvarão ao Senhor, o único Deus. 4) A realeza de Deus é libertadora de todos os males e de todas as opressões. Ela é a garantia de justiça aos opri- midos e excluídos. No reinado de Deus, não poderá ha- ver oprimidos nem opressores. Isaías, em suas parábolas assertivas, afirma que até os inimigos, incluídos os ani- mais, haverão de viver em paz e em harmonia: o lobo e o cordeiro; a criança e a serpente etc. São Paulo prevê que, em Cristo, no Reino, não haverá mais oposição en- tre judeus e gregos, entre homem e mulher, entre livre ou escravo etc. © Escatologia116 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 5) A realeza de Deus é criadora da fraternidade universal graças à filiação adotiva por meio de Cristo, de quem so- mos herdeiros. 6) As curas e os sinais (milagres) de Jesus são uma ante- cipação (localizada e provisória) da perfeição do Reino. Os indicativos de sua atividade curadora apontam para a saúde plena e para a saciedade, para a dignidade auferi- da e para a restituição da sociabilidade, bem como para a justiça e para a paz (shalom) entre todos. Jesus, o anunciador e o antecipador desse Senhorio dinâmi- co de Deus, indica algumas situações que devem já ir acontecendo neste mundo para a plenificação do Reino: • fazer sempre a vontade de Deus (amar-nos uns aos ou- tros, inclusive aos inimigos, e amar ao próprio Deus acima de tudo, pois o mais será dado de acréscimo); • já é necessária uma renovação da obra criada (incluindo os seres humanos), pois, por si só, sem Deus, ela se torna velha. A insistência na conversão (renovação) e na centra- lidade de Deus são constantes no discurso de Jesus, que colabora com o Pai nessa construção do Reino por meio de curas e sinais (milagres), da indicação do amor ao Pai e de seu pessoalmente pelos pobres, pecadores e exclu- ídos, da exigência e da efetivação do perdão, da garantia de justiça para todos; • a esperança do futuro em que se manifestará a realeza de Deus, que plenificará seus filhos, suas filhas e o Universo criado. A esperança, que olha pelo futuro, não está isenta já neste mundo da luta pelo pão de cada dia, pela justiça e pela dignidade. O Reino de Deus é uma questão holística, não uma situação a mais entre outros fatos, quer terrenos, quer celestes. Por isso, ele se torna único e o mesmo desde a história dos homens e de Deus. 117© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo Assim, o Reino tem, ao mesmo tempo, um caráter histórico e transcendente. É um acontecimento que "se aproxima" (Mc 1,15), que está próximo (Lc 21,31), que surpreende, conforme é narra- do em inúmeras parábolas (cf. Mc 4,26; 4,36; Mt. 13, 24.45.47; 18, 23; 20,1; 22,2; 25,1). Ele enche de esperança na libertação (cf. Mt 5,10) e dá plenitude de vida, simbolizado, por exemplo, nos banquetes messiânicos, especialmente (cf. Mc 14,25; Lc 14,15; 22,16; Mt 13,43). Ele é anunciado como salvação (cf. Mc 1,14-15; Mt 4,23; 9,35; 24, 14). No entanto, o Reino que Jesus chegou a pensar que seria im- plantado durante sua vida implica na paradoxidade de sua morte, antecipada na ceia, com o pão partido e o vinho (sangue) derrama- do. Surpreendentemente, implica no paradoxo da ressurreição do crucificado, que será entronizado, efetivamente, à direita do Pai, como soberano messiânico, senhor e juiz nosso sem deixar de ser um dos nossos (enquanto permanece um da Trindade). O Reino já está presente em Jesus, em sua vida, em suas obras, em sua morte e em sua ressurreição. Nele, o Reino com- pleta, antecipadamente, todo o seu caminho. Contudo, nós só o veremos quando estivermos já participando da vida de Deus. En- quanto isso, nós o aguardamos em esperança e suplicando: "Vem, Senhor Jesus" e ele responde, "sim, venho muito em breve!" (cf. Ap 22,20). Enquanto isso, o Reino anunciado por Jesus vai crescendo entre nós como é contado por meio de parábolas que, descreven- do o cotidiano de ser povo, remetem à compreensão para algo sempre maior. Veja, por exemplo: o Reino de Deus é como a se- mente que produz frutos, como a rede de pesca atirada ao lago, como um banquete, como o grão de mostarda, como um pai que junta tesouro antigos e novos. Mesmo que Jesus não tenha detalhado discursivamente em que consiste o Reino, seus ouvintes sabiam bem entender que a situação ideal não era a real, a histórica. Era preciso, então, supe- © Escatologia118 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO rar e transformar o presente, a história. Era necessária, porém, a superação plena, para que pudessem imperar, definitivamente, a igualdade entre todos, a fraternidade comum, a alegria de viver em Deus para sempre. Dessa maneira, Jesus estava convicto sobre a expansão do Reino na história até sua definitiva implantação. Esse legado nos deixou. Segui-lo é crer e colaborar na implantação desse reino. O amor incondicional de Deus Em diversas disciplinas de seu curso, você se defrontou com o tema do amor de Deus. Não vamos retomá-lo aqui, a não ser sob o viés escatológico. Você deve recordar-se sempre de que Deus nos criou por li- vre e espontânea vontade. Não tinha necessidade de nada do que existe. Bastava-lhe sua felicidade como Pai, Filho e Espírito. Em sua decisão de repartir seu amor infinito, criou o Universo cósmico e, nele, o ser humano, para partilhar, ainda que limitadamente, seu amor. O ser humano tornou-se o especial herdeiro desse amor por ser sua imagem, que, um dia, teria a possibilidade de ser sua se- melhança na Parúsia. O Pai amou-nos tanto que tudo fez por meio de seu Filho; nele, fomos criados para ser santos e perfeitos. Para confirmar, na história, esse amor divino nos deu seu próprio e único Filho. O Fi- lho que, sem levar em conta suadivindade, se fez, em tudo, igual a nós, nascendo da carne humana. Passou pelo mundo fazendo o bem. Entretanto, como insiste São João Evangelista, deu a vida por nós, em amor. Por amor a ele, o Pai o ressuscitou; na ressurreição do Filho, o Pai antecipou, de modo escatológico, todo seu amor por nós, a quem nos haverá de ressuscitar. Só pela ressurreição, haveremos de tornar-nos "autentica- mente humanos", capazes de ver a Deus e de viver com ele "face a face". Esse amor incondicional de Deus é extensivo a todo ser humano, sem exceção. Conforme ensina a Igreja, Deus é tão oni- 119© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo potente que é capaz de aceitar a frustrante recusa de alguém que quis construir sua perdição. Detalhes na pregação de Jesus sobre questões do Reino A pregação de Jesus, no quadro do Reino de Deus, aprofun- da certas particularidades escatológicas. A partir dos sinóticos, pode-se constatar: 1) A frequência e a visibilidade que Jesus dá às questões da vida bem-aventurada ao utilizar parábolas e imagens que falam de realidades experimentadas, mas que car- regam um significado muito maior, como, por exemplo, a do banquete messiânico ou a do convite para as festas de núpcias, a vida na Nova Jerusalém, a rede cheia de peixes, a colheita abundante, a semeadura do trigo e do joio etc. 2) Enfatiza as exigências para se ver (e viver) em Deus: as bem-aventuranças, a vigilância, a simplicidade da crian- ça etc. 3) Os milagres e as curas que antecipam a vontade de Deus para um mundo que chegue à sua perfeição, sem cegos, coxos, aleijados, surdos, mudos, pecadores, pobres, es- trangeiros etc. 4) utiliza a linguagem apocalíptica falando, especialmente, da vinda do Filho do homem, do Juízo Final, das coisas que acontecerão antes do fim. 5) Indica a vida eterna e feliz acima de certos objetivos bem terrenos. Por exemplo: "É melhor para ti entrar na vida eterna tendo um só olho..." (cf. Mc 9,43-45). O conselho dado ao jovem rico indica a vida eterna como o conheci- mento do verdadeiro Deus e de seu enviado (cf. Jo 17,3) – o que as epístolas joaninas vão explicitar, como o viver em Deus, o estar em comunhão com ele, o permanecer nele etc. 6) Da absoluta frustração de vida dos condenados ao fogo do inferno, onde haverá choro e ranger de dentes, onde moram o demônio e seus anjos. © Escatologia120 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 7) Renova a interpretação da retribuição e de sua presen- ça, como na parábola do rico e do pobre Lázaro, do julga- mento final, dos convidados aos banquetes, das virgens loucas e prudentes, do "bom ladrão" na cruz etc. 8) A grande preocupação escatológica de Jesus com a im- plantação do Reino indica o gratuito e misericordioso senhorio de Deus, que tudo criou para participar de sua glória. Ao indicar esses vários elementos escatológicos transmitidos por Jesus, reafirmando a essência doutrinária já do AT, é preciso recordar: Jesus não transfere a salvação para o Além. Antes, ele a indica em sua concretude passando pela história. Por isso, os cegos são curados, os coxos andam, os surdos ouvem, os excluídos são reintegrados; ele come com pecadores, põe-se junto às crian- ças e às mulheres, chama discípulos e discípulas, propõe um modo de vida fraterna no qual só o Senhor é mestre e todos são iguais, recupera a dignidade do ofendido e/ou do perdido etc. Jesus, em atitudes concretas, faz ver que o Reino já começa aqui, mas sem aqui se esgotar. Essa tensão se revela bem em seus milagres, suas curas e seus ensinamentos. Veja, por exemplo, a oração do Pai-Nosso sob esse prisma. 9. TENSÕES ESCATOLÓGICAS Da pregação de Jesus, há outro elemento fundamental: a tensão escatológica entre o presente (o já) e o futuro (o ainda não) que se aproxima por meio de sua pessoa. Daí decorre seu perma- nente alerta "Estar vigilantes". Já se afirmou, muitas vezes, que a mensagem de Jesus e do Cristianismo, sem perder sua incidência histórica, tem um funda- mento escatológico. 121© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Essa realidade é percebida no plano de Deus, revelado na história como uma história de salvação, cuja fonte máxima da revelação está na encarnação do Verbo e cuja realização máxima já aconteceu, antecipadamente, na ressurreição do Verbo. No final dos tempos, todos participarão da vida nova como homens e como transformados, definitivamente, em homens novos, em novo Céu e nova Terra. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Assim, a chamada Escatologia coletiva e cósmica está fun- dida na vontade salvífica de Jesus, cuja realização acontece como missão do Verbo, assistida pela "outra mão" de Deus: o Espírito Divino. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Você pode recorrer ao texto de Ef 13-14 e perceber não apenas as seis bênçãos realçadas pelas diversas notas respectivas da Bíblia de Jerusalém, mas, espe- cialmente, aprofundar os três estágios do plano de Deus: • O primeiro você encontrará entre os versículos 3-6. • O segundo, entre os versículos 7 e 10. • O terceiro, entre os versículos 11 e 14. O primeiro refere-se à criação; o segundo, ao papel histórico-cósmico de Cristo; e o terceiro, a consumação do plano. Note que há uma unidade, não momen- tos estanques que se iniciam com a criação até a consumação. Tanto a criação quanto a revelação de Cristo são contínuas até à conclusão do projeto divino. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Lembre-se de que toda a criação, desde o início até sua con- sumação, faz parte do plano salvífico de Deus. Deus tudo criou para que todo o criado participe de modo definitivo (na vida eter- na) de sua glória. Toda a criação vive, na história, uma real provisoriedade. Não temos aqui morada permanente rumo ao definitivo no Além. Viver em provisoriedade é, em si, um modo de viver real, objetivo. O ser humano, na condição de individualidade e coletivida- de, influi e modifica positiva e negativamente, a história, por causa de sua liberdade, sob a graça ou a recusa da graça de Deus. © Escatologia122 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A vida eterna, dom de Deus, será da competência não do ser hu- mano, mas de Deus. Nela, Deus fará que tudo e todos atinjam a plenitude sonhada e querida por ele, desde toda a eternidade e para toda a eternidade. A presença do Reino de Deus não só é anunciada, mas tam- bém é acionada por Jesus para a história, pois Ele é o "fermento" que vai levedando o mundo definitivamente. A obra criação já vai vivendo sua páscoa (passagem) para o definitivo, que transcende. O surgimento do "novo" implica na morte do "velho mundo". Essa morte (tanto de cada um como de todos os seres humanos e do Cosmo todo) é, na realidade, a passagem (páscoa). Sem a graça benfazeja da morte, não surge o mundo novo. A morte não tem sentido quando olhada para dentro de nosso mundo. Porém, seu significado está em ser a ocasião crítica de pas- sagem para o mundo (escatológico, porque definitivo) de Deus. Ela implica na transformação radical. Ou como disse Jesus: "se a se- mente não morre, não produz fruto". S. Paulo afirma o mesmo com outras palavras: é de dentro do corpo mortal que surge por ocasião da morte – a vida incorruptível, ressuscitada (cf. 1 Cor. 15). A utopia cristã (o mundo novo, com tudo o que ele implica) torna-se "topia" em Deus. Lembre-se de que utopia significa o que não existe em lugar nenhum e topia o que existe em algum lugar. Sugerimos que você lei a belíssima página sobre a relevância da ressurreição de Jesus como realização da utopia humana em BOFF (1972), p. 134ss; capítulo VI, nas edições mais recentes. A esperança sobre a promessa de Deus acerca do futuro é nossa utopia. Entretanto, Deus já demonstra seu cumprimento por meio da ressurreição de Jesus. Pela ressurreição, Jesus já é o ser humano novo e definitivo. Nele, a utopia já se tornou topia; Jesus éo novo e definitivo ser humano porque concretiza a realidade es- catológica que nós vivemos em esperança, pois é o que Deus nos prometeu ao estabelecer seu plano salvífico. 123© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo Todas as coisas, especialmente nós, os humanos, não foram feitas prontas e acabadas. Todo o Universo é processual, desenvol- ve-se até sua plenitude, seu acabamento ou sua consumação. 10. NOVOS TERMOS DE ESCATOLOGIA Aqui, introduzimos os termos novos da Escatologia: "ple- nitude", "acabamento" e "consumação". Poder-se-ia acrescentar, também, "fim do mundo". Tais termos têm um significado teoló- gico para além da linguagem cotidiana e comum. Nesta, normal- mente, tais termos indicam que as coisas chegaram ao seu fim. Fim, no sentido de acabado e pronto. Deixariam de existir. Deram o que deviam dar. Na Teologia, eles significam que aquilo que esta- va sendo, existindo, ia caminhando para sua perfeição. Algo como se fosse uma semente que deve germinar até seu acabamento (fim) de semente, para, então, tornar-se uma planta. Ou como um ovo no choco, que se acaba enquanto ovo para dar origem a uma nova vida: a da ave. "Fim", "acabamento", "plenitude" e "consumação" são termos que têm o significado escatológico de que todo o criado chegou ao final do processo provisório e agora está pronto para ser o que se queria desde o início. Em outros exemplos: 1) um namoro acaba ou porque se descobriu que um não é feito para o outro ou porque, após a caminhada dos dois, eles "acabaram" casando; deixam de ser namorados, porque se transformaram em casados. Eles namoraram para casar e, no casamento, atingiram seu fim; consu- mou-se o namoro, acabou-se e não é mais necessário esse período prévio para viver felizes como casados; 2) ninguém estuda só para ser estudante; quando o estudo acaba, tem-se o profissional que sempre se quis ser; © Escatologia124 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3) na tradição cristã e mesmo na tradição bíblica, frequen- temente, o fim foi dado como algo catastrófico, como uma destruição da realidade; 4) aqui, o conceito deve ser visto em sentido contrário: esgotou-se a fase provisória de passagem, pois se passa ao definitivo. A morte (em sua dimensão escatológica) é, pois, a passagem bendita para Deus em que continua a vida daquela mesma pessoa que agora viverá ressus- citada. Nesse aspecto, morte não é o contrário de vida nem significa que tudo (catastrófica ou placidamente) acabou para sempre. Ela é a passagem de uma vida provisória, cheia de contradições, para uma vida definitiva e feliz, a ser vivida eternamente em Deus. O que vem, pois, a ser o mundo consumado e acabado? O que vem a ser o ser humano em plenitude? O ser humano em plenitude é quem deverá estar habilitado a viver diante de Deus de modo definitivo, podendo participar da vida divina de modo irreversível. O ser humano que atingiu o fim do projeto de Deus é ser verdadeiro e completamente humano, sem sombras nem provisoriedade. Ele passará a ser "autentica- mente humano", como o é Jesus. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Na história das ideias da Teologia, muitos deram como sinônimo a esta expres- são "autenticamente humano" as expressões "ser santo", "ser divinizado", ser "deificado" ou até "justificado". Nós sabemos: Deus nos fez humanos para atingir toda a densidade humana, sem nos transformar em algo que nos fizesse "divinizados" ou "deificados". A preferência nossa e da grande maioria dos teólogos de hoje que refletem as questões humanas é valorizar nossa realidade humana, e, por isso, usam a ex- pressão "autentica ou plenamente humano", como Jesus, o que, por primeiro, se tornou "plenamente humano" pela ressurreição. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O ser humano, na plenitude escatológica, conserva sua iden- tidade histórica, agora acrescida de todos os "sonhos" de Deus, 125© Escatologia Cósmica da Pessoa e do Universo quando o chamou à vida, a fim de que ele viva a vida em plenitu- de, como glória que glorifica a Deus e é por Deus glorificado, por ter efetivado o projeto divino. Viver assim é viver inimaginável por nós, similar à união de dois gametas (um masculino e outro femi- nino) capazes de gerar um ser humano, algo que é tão normal e natural pra nós tão somente porque conhecemos essa realidade. Neles dois repousa o mistério inaudito da vida. É assim que a transformação e a ressurreição do Cosmo e do ser humano, em realidades consumadas, cimentarão a plenitude do Reino de Deus. 11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu de- sempenho no estudo desta unidade: 1) Escreva resumidamente cinco grandes ideias desta unidade. 2) Como justificar a esperança, do ponto de vista, da escatologia cósmica? 3) Que distinções você estabelece entre a escatologia do Antigo e do Novo Tes- tamentos? 4) É possível justificar o Reino de Deus como um processo escatológico? 5) Para Jesus, Escatologia e Apocalíptica são sinônimos? 6) Mundo acabado, consumado ou fim do mundo são expressões escatológicas que quase se equivalem. O que você entende por elas? 12. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, você fez o percurso dos pressupostos da Es- catologia pessoal ao significado do plano de Deus, que se inicia com a criação contínua até sua consumação na Parúsia. O parâ- metro dessa delicada bondade divina é o Reino de Deus, que Jesus anunciou e antecipou na história de modo particular ao ser ressus- citado pelo Pai. © Escatologia126 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO O Reino de Deus, que não é deste mundo (cf Jo 18,36) mas que passa por ele, indica que Deus quer salvar a todos individual e coletivamente como obra de Cristo (seu corpo) sem omitir a reden- ção cósmica. Escatologicamente, tudo já nos é antecipado, como se afirmou, pela concretude cósmica da ressurreição de Cristo. Na próxima unidade, você terá a oportunidade de compre- ender algumas tensões entre a história e a Parúsia, entremeadas pela esperança da realização das promessas divinas feitas desde antes da criação do mundo: sermos santos e perfeitos, em Cristo, por ele e para ele (cf. Ef. 1, 3-14). Até lá! 13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVIAR, J. J. Escatologia. Pamplona: Eunsa, 2004. BOFF, L. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972. FORTE, B. Teologia da história: ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995. LADARIA, L. F. O fim do homem e o fim dos tempos. In: SESBOÜE, B. O homem e sua salvação II. São Paulo: Loyola, 2003. TAMOYO-ACOSTA, J. J. Para comprender la escatologia Cristiana. Estella (Navarra): Verbo divino, 2000. TORNOS, A. Escatologia II. Madrid: Universidade Pontificia: Comillas, 1991. TORRES, Q. A. Recuperar a salvação: para uma interpretação libertadora da experiência cristã. São Paulo: Paulus, 1999. VIDAL, S. Jesus, o Galileu. São Paulo: Loyola, 2009.
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