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Resenha 1 - MAUSS, Marcel As tecnicas do corpo - Resenha

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O substancial instrumento: corpo
Matheus Fontebasso Ramiro Menin
Comumente nos deparamos com questões que, em suas superfícies, ou em determinadas localizações, são plausíveis de respostas breves e/ou genéricas, que não demandam grandes reflexões, pois estão nos limites do senso comum. No entanto, quando nos confrontamos com as mesmas em situações específicas, como por exemplo, nas produções de trabalhos científicos que, em sua essência, necessitam de profundidade filosófica e regras metodológicas para serem compreendidas, o quadro se torna mais complicado. Dessa maneira, perguntas como “o que é política? ”, “o que é sociedade”, “o que é cultura? ”, “o que é corpo? ”, “o que é técnica? “, podem ser respondidas com pressupostos sociais cristalizados, com simples gestos indicativos, assim como com descrições minuciosas e regradas.
São nesses termos que Marcel Mauss, em narrativa despreocupada com profundas elaborações textuais, apresenta, em conferência na Sociedade de Psicologia em 1934, “As técnicas do corpo” que foi transcrita e publicada no Journal de Psuchologie em 1935. Posteriormente, o texto compôs a coletânea de escritos do autor, intitulada Sociologia e Antropologia, lançada em 1950 que, inclusive, conta com longa introdução de Lévis-Strauss.
A conferência contém quatro tópicos maiores: 1. Noção de técnica do corpo; 2. Princípios de classificação das técnicas do corpo; 3. Enumeração biográfica das técnicas do corpo; 4. Considerações gerais. Vez ou outra, no interior dos tópicos, há subdivisões que, em sua maioria, servem como enumeração de possibilidades técnicas ou de dados que serão explicitadas a seguir.
Em seu primeiro tópico, Mauss já apresenta o que define como as técnicas do corpo: “maneiras pelas quais, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo. Em todo caso, convém prover do concreto ao abstrato, não inversamente” (MAUSS, 2006, p. 401). Logo após, discorre sobre o que julga ser “marco de ignorância”, a classificação como “diversos”, comum ao início do estudo científico de qualquer tema ou objeto, e afirma que é justamente nesse “local” que devemos penetrar em nossas pesquisas. O autor já possuía diversos materiais etnográficos autorais, assim como acesso a inúmeras etnografias de outras autorias (que são acionadas no texto em diferentes momentos) que descrevem diferentes maneiras rituais e tradicionais de agir. No entanto, não lhe bastava a ordem da percepção, que objetiva através da marcação de distinções, para descrever as diferentes maneiras de, por exemplo, nadar, andar, agachar etc, em diversas sociedades. Lhe é necessário constituir um modelo teórico que, como todos bem-sucedidos, se sustente em seus próprios termos, e possua certo rigor de comprovação e métodos. 
Com efeito, o autor desemboca na noção, apresentada brevemente, de “hábitus” (que foi imensamente reformulada, e ocupa espaço fundamental nas teorias sociais de Pierre Bourdieu), na qual se refere a faculdade do adquirido, que varia de sociedade para sociedade através de diversas maneiras de educação, e não somente através de processo de imitação (talvez, uma marcação de distinção para com a concepção do processo de socialização de Gabriel Tarde que privilegia a ideia de “imitação”), lançando mão, em outro momento, da máxima “tudo em nós é imposto” (ibid, p. 408), mas que, como pontua anteriormente e no decorrer da apresentação, se necessita para ter visão clara dos fatos, a tríplice formada pela união dos conhecimentos em Sociologia, Biologia e Psicologia. Ou seja, tudo nos é imposto socialmente, porém, existem fatores de ordem biológica que nos sãos intrínsecos, e também de ordem psíquica, que necessitam de considerações. Assim como na delimitação e conceituação do título que irá utilizar: técnicas do corpo: todo ato tradicional e eficaz (independentemente de sua ordem: mágico, religioso, simbólico etc).
Através dessa esquematização que concebe todas as técnicas tradicionais eficazes como técnicas do corpo, afirma que o corpo é “o primeiro e o mais natural instrumento do homem” (MAUSS, 2006, p. 407). No entanto, marca que o uso do corpo como instrumento não se dá de maneira natural e, sim, através de processos de educação. Dessa forma o autor transfere o objeto, da qualidade de “diversos”, para uma delimitação pontual.
Já no segundo tópico, o autor expõe os seus princípios de classificação das técnicas do corpo, que se dividem e variam, principalmente, em função do sexo e da idade. Primeiramente, entre os sexos: sugere que há diferenças fundamentais na educação entre homens e mulheres “sociedade dos homens e das mulheres” (Mauss, 2006, p. 409), que acarretam em modos diferentes de se fazer usar os corpos: jeito de andar, de socar, de arremessar. Em relação às idades, afirma que há técnicas corporais comuns à infância que se perdem em determinados processos de educação, como no caso da educação francesa, que a técnica de se manter agachado apoiado nos calcanhares, comum às crianças, não está mais presente em adultos. Uma terceira classificação se dá em relação ao rendimento. Como já foi dito, todas pessoas são submetidas a algum hábitus que, cristalizado culturalmente, perpassará o processo de educação das sociedades. No entanto, como é de se esperar, também é possível desenvolver técnicas corporais com um segundo tipo de educação visando um fim específico. Finalmente, a forma com a qual as técnicas são transferidas, nesse ponto, o autor sugere que existem diversas nuances entre esse processo que podem ser analisadas com maior profundidade.
O próximo grande tópico apresenta diferentes dados etnográficos sobre práticas gerais que possuem, mais ou menos, finalidades em comuns, porém, com técnicas totalmente distintas, por exemplo, técnicas do nascimento, técnicas da infância, técnicas de consumo de alimentos entre outras. Por fim, o autor encerra com breves considerações teórico-metodológicas sobre a proposta de técnicas do corpo.
A proposta de análise das técnicas do corpo de Mauss é considerada pioneira por trazer uma perspectiva não totalmente biologizante de como se classificar as técnicas corporais e, com efeito, o corpo. No entanto, possuí alguns elementos que podem ser apontados como insuficientes e, não coincidentemente, foram desenvolvidos posteriormente por outras pessoas. Por exemplo, a ausência de profundidade na explicação que toca a constituição das técnicas de corpo divididas entre sexos, que se mantém no princípio generalizante da educação que, no entanto, não consegue esmiuçar as diferentes relações de sexos que, inclusive, podem as técnicas do corpo serem constitutivas das noções de divisão sexual. Seria, talvez, injusto abordar a problemática em tomar alguns conceitos como dados em função de uma episteme específica de sociologia, como “sexo”, “sociedade” e fases etárias da vida. Afinal, o esforço se dá justamente da proposição de construção de noção de corpo em oposição às epistemes hegemônicas das ciências naturais; ou seja, trazendo à tona os elementos sociais. Outro ponto que, em algumas perspectivas teóricas, foi deixado de lado por análises posteriores das noções em torno do corpo se dá no abandono do método que propõe partir do concreto para o abstrato de maneira comparativa. Ou seja, utilizar dados etnográficos oriundos de descrições, muitas vezes, ausentes dos saberes antropológicos e, posteriormente, propor as análises teóricas. Método totalmente distinto em função dos estudos fenomenológicos da constituição do corpo, ou das problemáticas em função da aceitação da descrição etnográfica como incorporada de saberes nativos autênticos.
No entanto, é perceptível o esforço do autor em conceber as diferenças sem julgamentos morais, desmistificando algumas noções sociais e científicas tidas como corretas e únicas, como por exemplo, as diferentes técnicas de parto, ou a noção de que sociedades que possuam, em comum, pessoas com pernas curvas, como arcos, são indícios de sociedades “pouco evoluídas”, quando, de acordo com o autor, a própria constituição docorpo enquanto matéria pode se dar através de técnicas corporais, no caso, argumenta com o modo de se manter agachado constantemente.
Dessa forma, pelo seu caráter pioneiro, apresentação de novos modelos teóricos para abordagem do corpo, prestígio construído com o nome do autor, texto tido como pressuposto nos estudos sociais sobre corpo, a apresentação de Mauss se tornou leitura um tanto quanto obrigatória para os estudos sociais sobre o corpo, assim como em outras áreas temáticas e disciplinas.

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