Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A CRIANÇA PARTICIPANTE DO PSICODIAGNÓSTICO INFANTIL GRUPAL Aíar/a PMg/ÍJí AÍM/:/:o2* O interesse peia área dc psicodiagnóstico infantii se faz presente desde o início de minhas atividades profissionais. Pesquisando as diferentes formas de atendimento, cheguei a conhecer o mode!o grupai numa aproximação fenomenoiógi- co-existenciai, que vinha ao encontro das necessidades que se apresentavam na instituição em que atuava como psicóioga ciínica. Este enfoque se ajustava à minha forma de trabathar na área hospitaiar, em que as pessoas vivem um momento de sofrimento físico e psíquico e precisam de compreensão e ajuda do profissionai que as atende. Compreensão, para que, juntos, possam conhecer o modo como o paciente está viven- ciando essas experiências. Ajuda, para que possam resgatar e atuaiizar os recursos próprios dessa pessoa, os quais permitirão amenizar ou sotucionar seus sofrimentos. Por outro )ado, con siderando os aspectos operacionais e práticos do meu trabaiho, este modeio me parecia propício por ser capaz de responder às dificuidades apresentadas nesta situação instituciona): * Doutoranda em Psicotogia Ctíniea peta PUC-SP. !79 * grande demanda de crianças com dificuídades de apren dizagem, alterações de condutas e psicossomatizações; * necessidade de tornar o atendimento mais eficaz em uma instituição de saúde e em um espaço de tempo pré-de- terminado. A abordagem fenomenológica-existencial parecia-me apro priada por ter como proposta básica a participação dos pais e desenvo!ver-se em grupo. Apoiei-me nesses aspectos por considerar que um caminho capaz de levar a mudanças sig nificativas consiste em permitir que o cüente se torne parti cipante ativo, co-operador do processo, por meio da partilha de pensamentos e reflexões sobre os signiHcados que ele atribui ao seu comportamento e ao dos filhos. Quando o trabalho é ' desenvolvido em grupo, o atendimento é mais eficaz, uma vez que permite que os pais reconheçam experiências próprias, pois, estando num mesmo estágio de ciclo vital, eles vivenciam, com seus filhos, problemas e dificuldades muito semelhantes. O atendimento grupai também permitiria que, num espaço de tempo delimitado, se respondesse de maneira mais eficaz às solicitações da demanda. Ao delinear a forma de atuação, procurei adequar os meus procedimentos aos princípios teóricos que embasavam a abordagem, procurando fazer com que as crianças se tornassem participantes ativas do processo e, assim, pudesse conhecer o que estava acontecendo com ela. O psicodiagnóstico na aproximação fenomeno!ógico-exis- tenciat Pesquisando o que havia a respeito de psicodiagnóstico na aproximação fenomenológico-existenciai, encontrei dois po sicionamentos distintos. Um deles considera a prática desne cessária, não o utiliza'. Rogers, um dos maiores defensores [. ROGERS, C. R. O íraM<ne;!M d /m eo tn a n y a p w ^ /ím a . SSo Pauto: M artins Fontes. )942. !80 desta idéia, diz que nenhuma descoberta em avaliações psico lógicas tem valor real se não for devidamente reconhecida pelo próprio cliente, como acontece nas sessões de aconselha mento ou em encontros terapêuticos. As avaliações <3 p r/c r / são, portanto, desnecessárias. Para Axline^ a atuação diagnóstica, antes do início do processo terapêutico, é considerada um empecilho à livre expressão do indivíduo, tomando-se uma "experiência bloqueadora". A segunda postura é a de alguns psicólogos fenomeno- lógico-existenciais que, interessados em repensar 0 processo diagnóstico psicológico, procuram desenvolver procedimentos que estejam de acordo com a orientação que adotam. F ischeP considera que esta modalidade de atuação se diferencia dos psicodiagnósticos tradicionais por não dar ênfase à limitação e à patologia, mas, ao contrário, valorizar "0 significado mais profundo do psicodiagnóstico que é conhecer amplamente a vida psicológica da pessoa". Vida psicológica da qual fazem parte as percepções, os cuidados e certezas que cada um tem de seu corpo, de seu ambiente, da cultura e comunidade a que pertence. Conhecer a vida psicológica da pessoa é o objetivo principal dos psicólogos que utilizam este m odelo de psicodiagnóstico, embasando seus procedimentos nos princípios gerais que norteiam esta abordagem. Estes princípios básicos referem-se à compreensão do homem como ser-no-mundo, capaz de sofrer e promover mudanças, em suas relações com as coisas, com os outros e consigo próprio. Como estratégia clínica, procura privilegiar a experiência vivida, acima dos construtos teóricos, com 0 objetivo de reconhecer os sentidos dessas experiências, como diz Fischer^. "Nestas relações o indíviduo não é nunca um recipiente passivo, mas constitui 2. A X U N B , V. M. Í4áoMra/7t'a. Beto Horizonte: [ntertivros. t972. 3. FtSCHER, C. T . A Life-Centered A pproach to Psychodiagnostics: A ttending a L ifewortd, Ambiguity and Possibitity. f í r ío n -C ín íc r f í / Revttw, 4, 2, M ay, 1989. 4. FISCHER, C. T . tndividuatized A ssessm ent and Phcnomenotogicat P sychotogy. J o u rn a í o / Per.tonaMy AtzM.wwM, 43, 2, )979, pp. t!5 -2 ]2 . ]8 ! seus significados." Desta forma, a abordagem vatoriza o en contro como sendo o momento principa] da avaüação, que permite uma ação integrativa, compartühada, facititando ao ctiente uma methor compreensão de si. É essenciat que se desenvotva a "confiança [nútua" entre os participantes, suficiente para possibiiitar uma comunicação pe!o diátogo, com o uso de tinguagem corrente e descritiva. Os procedimentos específicos e instrumentos de avatiação escoihidos e utitizados são apresentados e ctarificados ao ctiente, exp!icando-se como são usados e a que objetivos se destinam. Esta forma de proceder teva o ciiente a estabeiecer suas metas de avatiação, tornando-se um "participante infor mado" desde o início do processo. Partiihar experiências semethantes permite que se com preenda, consensuatmente, a situação em que ctiente e psicótogo, membros constituintes da retação, participam com sua subje tividade, na busca "da obra da compreensão"^. Para Augras, "a objetividade do processo de diagnóstico ou compreensão do ctiente, se fundamenta na intersubjetividade existente na retação". E, compteta Fischer^, "engajando o ctiente como co-assessor, respeitando a intersubjetividade e a ambigüidade, poder-se-á exptorar não somente o que foi. r. p o J-.á vir ?. ?er" A aproximação propõe que as intervenções sejam cota- borativas, considerando as perspectivas de todos os participantes, que podem ser avatiadas e reconhecidas por meio do retorno contínuo às experiências. Estas perspectivas devem ser exam i nadas e ctarificadas, constantemente, petos participantes, para que etes possam reconhecer as condições vividas, e assim criar um campo propício para possíveis re-significações, a fim de "possibititar uma gama cada vez maior de escothas"? e "facititar 5. AUGRAS. M. O . w twn/vM n.üM . Fcnomcnotogia da s itu aç ío do psicodiagnóstico. Pctrópolis: Vozes. )986. 6. FtSCHER. C. T. A Life-Ccntered Approach to Psychodiagnostics, op. cit. 7. DANA. R. H. & LEECH. S. Existentiat A sscssment. Jou rna/ 38. )974. p. 43). [82 mudanças positivas"^, uma vez que o homem é compreendido, neste dado enfoque, como um ser-no-mundo com sua obra, sua história e suas possibiiidades de reaiizar mudanças. Estes objetivos, porém, somente serão atingidos se o profissiona! estiver interessado na compreensão da experiência ta) como e)a é vivida, na sua forma existenciai, reflexiva e comportamentai. Como sugere Fischer, convida-se o ctiente a crescer através da reflexão, ação e comunicação. Interessada em assim proceder, procurei o que havia a respeito das diretrizes básicas e procedimentos do psicodiag nóstico apresentado. Observei que muito se faia sobre a forma de atuar com aduitos, mas não encontrei referências bibiio- gráficas, nem tampouco procedimentos sugeridos à atuação com crianças. Neste sentido, propus-me a experimentar,na concretude da prática com as crianças, o que tais estudos estavam me informando. Apresentação do processo de atendimento O psicodiagnóstico infantii grupa) com a participação do grupo de pais segue o modeto proposto por Ancona-Lopez^. Os grupos são formados e desenvotvidos em atendimentos simuRáiicos. A autora considera esse procedimento importante, pois a queixa sóbre as crianças sempre envoive uma queixa dos pais. São estes que, encontrando dificuldade para compreender o comportamento dos fiihos e re!acionar-se com eies, procuram um psicólogo. Aiém disso, as crianças não são totaimente capazes de decidir por si, e as mudanças decorrentes dos 8. F tSCH ER . C. T. The T estee as Co-Evaiuator. Ati/rnaí o/' CotMt.MÍtng !7, t970. p. 7 !. 9. ANCONA-LOPEZ, M. /t^n A m en ío a / la à no /7rr<cM.M /?.Hco</<agfMÁm'co fnjann/.' um e /cnom fno/ogíca. T ese de Doutorado, Psicologia CMnica. PUC/SP, 1987. 183 atendimentos irão afetar, diretamente, os pais, que, se não as estiverem compreendido e aceitado, não poderão colaborar. Limitar-me-ia a descrever apenas os procedimentos com as crianças, uma vez que os aspectos importantes relativos às participações dos pais serão abordados em outros textos O grupo é formado a partir da solicitação do cliente. A hora e o local são informados ao solicitante e somente os pais são convidados a comparecer para a entrevista de triagem, cujo objetivo é conhecer quais os motivos que os levaram a procurar o serviço de psicologia. Esse conhecimento permite avaliar e decidir, conjuntamente, qual a modalidade de aten dimento e a conduta mais adequada (individual ou grupai). ̂ Os pais de crianças de ambos os sexos, num mesmo estágio de desenvolvimento, com queixas semelhantes, são informados a respeito das condições e de como se processa o trabaiho em grupo. Com a aquiescência deles, estabelecemos um acordo e iniciamos as entrevistas grupais. Os pais comparecem às p r i n ^ a s entrevistas grupais em que procuram conhecer " explorar o que cada um traz como queixa de seu no decorrer de seu desenvolvimento biopsicomotor e procuro localizar esta queixa nas diferentes 'ytv;.;.^ p?!a criança. É somente na quarta sessão que entro em contato com as crianças, já tendo, contudo, uma idéia formada a respeito delas, adquirida através dos relatos dos pais e das informações enviadas pelos profissionais, professores e médicos que as encaminharam. Antes porém de conhecê-las, pessoalmente, procuro deixar claro, para mim mesma, o que espero encontrar, qua! a imagem formada a respeito de cada uma delas. Guardo essas imagens em minha memória e me disponho a conhecê-las tal como se apresentam, permitindo-me assim confrontar as expectativas anteriores com as informações obtidas naquele momento. )0. Ver neste tivro os textos de M arília A ncona-Lopez e Gohara Y vette Yehia. 184 Ao término deste primeiro encontro, procuro refletir sobre as diferenças e semethanças destas informações, o que considero dados importantes a serem discutidos com os pais, no encontro que se processa togo após a sessão com as crianças. Uma saia é preparada para a Hora Lúdica, com uma caixa aberta, cotocada no chão, ou sobre uma mesa, contendo brinquedos, jogos e matéria! gráfico. Procuro inicialmente es- tabeiecer um bom contato com cada criança, verbalmente, em [inguagem acessível a seu desenvolvimento maturaciona!. Sugiro que se apresentem umas às outras; propicio o reconhecimento do local; a familiarização com o motivo de terem sido enca minhadas à clínica. Converso sobre os objetivos do grupo; estabeleço os etcmentos do contrato, procurando deixar claro o que vamos fazer juntas e, finalmente, discuto com elas as condições de participação. Proponho que utilizem aquele espaço, tempo e matéria] da forma que desejarem. Digo que estarei ali com elas para nos conhecermos melhor e verificarmos, juntas, como lidam com as dificuldades que estão vivenciando. A proposta de apresentar às crianças as pessoas com quem irão trabalhar, o que estas irão fazer, como também c:^!arecer os motivos que levaram seus pais a solicitarem o atendimento, possibilita a criação de um campo menos tenso, facilitador dos coníútcs iniciais, o que permite que as crianças utilizem, mais livremente os próprios recursos e ajam de forma mais natural. Podem expor o que representa para elas a presença na clínica, o significado existente em relação às próprias vivências e em relação às expectativas de mudança. São conteúdos que emergem com freqüência nesses primeiros con tatos, expressos verbalmente, corporalmente, ou através das atividades. Situar as crianças em relação ao contrato de trabalho, esc!arecendo-as quanto aos objetivos a alcançar, posicioná-las diante das variáveis tempo e espaço, criar condições para que e!as se organizem diante da ansiedade inicia) que situações como essas, novas, desconhecidas, freqüentemente despertam, 185 permite reconhecer os tipos de comportamentos que utilizam para interargir em situações semelhantes. Detenho-me em observar as crianças de forma global desde o primeiro momento de nosso contato, procurando centrar minha atenção em três direções distintas: como entram em relação com o ambiente, com outras pessoas e com elas mesmas, o que me permite verificar o aspecto relacionai de cada uma delas com o mundo, com o outro e consigo própria. Observo seu nível de desenvolvimento bio-psico-social, se suas condutas estão de acordo com o que se espera para a sua idade cronológica. Os aspectos relacionais criança-mundo são observados através da sua integração grupa], capacidade de realizar tarefas '* em conjunto, ievando em conta comportamentos de liderança, *'ompetição, cotaboração, disputa, participação, passividade, cria- tiviu.l^e e iniciativa. Tais instrumentais permitem-me reconhecer os recurs-'" que cada criança utiliza em suas vivências grupais, que sentido e'^s dão ao mundo em que vivem e como se permitem e x p e r i e n c t á - M . Se o fazem de forma atuante, autô noma, experimentando modificações, ou se o fazem de forma apática, distante, desinteressadas & (]'Je se passa a seu redor. O modo como entram em contato com C outro pode ser percebido através de como interagem comigo, com os ciementos do grupo e com os materiais. Observo, por exemplo, se ficam isoladas num canto, com medo de interagir, ou se estão absortas na tarefa; se são capazes de manter contatos variados e mútuos, ou apenas dois a dois; se procuram se impor falando somente de si, ou se enxergam e ouvem o outro. Volto a minha atenção para perceber como se aproximam do material, se o escolhem ou o evitam; de que forma utilizam o tempo e espaço disponíveis para suas brincadeiras; como reagem aos limites e regras, se as respeitam, as ignoram ou tentam modificá-las. São dados importantes que refletem suas vivências diárias. Ao procurar conhecer como cada criança se relaciona consigo mesma, observo quat o padrão que repete ao entrar em contato com as informações dadas, se apresenta alto nível !86 de ansiedade, inibição, dependência e insegurança, ou, por outro iado, se demonstra ser capaz de criar safdas alternativas aos desafios que se apresentam em situações como estas, nas quais predominam fatores desconhecidos e uma diversidade de estímulos. A)ém dos aspectos levantados, me proponho a constatar, neste trabalho grupat, qual o nível de desenvolvimento mentat, ffsico e social de cada criança, pois estou tendo a oportunidade de vê-las em grupo e compará-las umas com as outras, da mesma faixa etária, o que funciona como parâmetro, elemento de ajuda na avaliação dc cada uma delas. Ao finalizar a Hora Lúdica, solicito às crianças que me ajudem a guardar os brinquedos e nos sentamos para conversar. Devolvo o que pude captar sobre elas, em conjunto, e a respeito de cada uma, individualmente, enfatizando a com preensão dc "como" se encontram naquele momento de vida. Conto-lhes minhas impressões, facilitando o entendimentoatra vés de analogias relativas às situações vividas no seu dia-a-dia. Relato os eventos em seus contextos, especificando minhas perspectivas, o que, segundo Fischer, "evita a pretensão de precisão e deixa o caminho aberto para o desenvolvimento de múltiplos entendim entos"". Faço perguntas sobre o que estou contando c aguardo suas respostas, procurando sempre estabe lecer uma conversa, um diálogo esclarecedor. Este é um momento importante, porque não só permite verificar como estou sendo entendida pelas crianças, como também ouvir suas respostas que são, muitas vezes, longas histórias, que confirmam, infirmam ou negam minhas observações, criando possibilidades para novos entendimentos. No final do encontro, digo que em seguida, estarei com seus pais, deixando claro que não irei me referir ao que foi falado ou feito aíi, entre nós. mas que iremos conversar sobre as queixas que trouxeram e o que eu pude entender a respeito t l . FtSCHER. C. T. A Life-Ccntcred Approachto to Psychodiagnostics, op. ciL )87 deias, elemento de ajuda e compreensão dos problemas que os fez procurar a ctfnica, para o atendimento. Despedimo-nos, combinando novo encontro para a semana seguinte. Nas sessões seguintes (5*, 6 ' e 7°) continuo atendendo a criança, utiüzando os recursos que considero necessários para chegar a conhecer os aspectos que me interessam, e que são importantes para a compreensão diagnostica. Procuro escolher estratégias que se adaptam a esse propósito. Utilizo, em geral, testes para avaliação da inteligência, uma vez que, freqüente mente, a demanda se refere a problemas de aprendizagem. Os testes mais utilizados são a Escala Wechster para Crianças, para Pré-Escolares ou Escala de Maturidade Mental Columbia; testes projetivos, como o Teste do Desenho: Casa, Árvore, Pessoa; o Procedimento de Desenhos-Histórias de W alter Trinca; o Teste de Apercepção Temática para Crianças (CAT-A). Lanço mão de testes psicomotores. ha evidências de problemas nesta área. então a Prova Grafoperceptivo- motora de L. B e^j^r e o Teste de Ritmos de M. Stamba^k. Substituo ^ testes por outras estratégias, como jogos dramáticos C le completar histórias, de acordo com as condições e a tdade üo grupo, e/ou a necessidade de verificar outros aspectos. Ao iniciar qualquer testagem, converso com as crianças, conto-lhes o que vamos fazer e o que estamos pretendendo chegar a conhecer. No caso do W I S C, por exemplo, digo qual a proposta como um todo, ou seja, verificar sua capacidade de perceber e aprender coisas novas. Informo a respeito das habilidades que estão sendo verificadas nas diferentes áreas (execução e verbal). Conto-lhes que vamos ver juntas como aproveitam os conhecimentos adquiridos; como está sendo desenvolvida sua aptidão em planejar e executar tarefas com as mãos, como as desempenham e o tempo que levam para fazê-las. Com os testes projetivos, o procedimento é o mesmo. Antes de dar as instruções do próprio teste, falo da atividade que vamos desenvolver juntas e o que pretendo reconhecer e !88 avatiar através das tarefas propostas. Digo que estou querendo conhecer como cada uma detas se encontra em retação a s: própria, como vivenciam seus sentimentos c emoções, quat a maneira de reagir a etes; como se retacionam com as pessoas mais próximas, como se sentem em seu reduto famitiar, em sua escota, com seus companheiros e professores, enfim como está se processando seu desenvotvimento afetivo-emocionat. Atuo da mesma forma ao apticar outros tipos de testes. Por exempto, ao avatiar aspectos psicomotores, digo que quero conheccr como cada uma* detas percebe, capta atgo e, depois, é capaz de reproduzir o que viu, o que ouviu, o que ocorre à sua votta, de que forma e em que espaço de tempo. No fina) da apticação, fato à cada criança como foi o seu desempenho no que se refere a estar comigo e em retação à tarefa pedida. Deixo as observações sobre habitidades espe cíficas para serem comentados nas sessões seguintes, quando terei a avatiação de cada teste já conctuída. No momento, nos sentamos à vontade e conversamos de maneira informat, sobre o que pude obter de conhecimento a respeito detas. Esctarecer as crianças sobre o que fazemos juntas, o que pretendo rm hecer, faz com que se sintam respeitadas e soli citadas a partictpár do processo. Dessa forma etas se permitem estar mais à vontade em reiação ao trabatho, se aproximam, se expõem com mais tranqüilidade e mostram como agem no seu dia-a-dia. Nas discussões dos resuttados, posso contar com sua participação e respostas, o que me possibitita detinear o caminho que estou perseguindo, redefini-to ou não. Procuro desenvolver as testagens em grupo, tançando mão de estratégias que viabitizem esse uso, como os testes gráficos ou de desenhos e histórias, que podem ser executados com as crianças acomodadas em mesinhas distribuídas peta sata, com o psicótogo se movimentando entre etas, se aproximando de cada criança, conversando sobre o que fizeram. Em atguns casos, quando não há condições de atuar em grupo, como em atguns testes de nívet mentat, os aptico individuatmente. A )89 devolução dos resuttados, porém, é feita sempre em conjunto, com a participação de todos, de forma natura) e amistosa. Somente quando estou convicta de que os aspectos im portantes a respeito do estudo foram discutidos e devidamente esclarecidos, proponho a sessão fina), na qua! será tido e discutido o retatório, que está sendo etaborado desde o primeiro encontro: entrevista de triagem. Inicio com as crianças, numa entrevista grupa), na qua) conversamos novamente a respeito de como se encontram naque)e momento de vida, como cada uma de!as atua ao re)acionar-se com outras pessoas, de que meios se utiüza para se aproximar dos outros e da tarefa que )he é proposta, quais sentimentos surgem nestes momentos e cofro reagem a e)es, enfocando os aspectos afetivo-emocionais. Fa)o sU^re as dificuldades e/ou facilidades em aprender coisas novas, sobr^ as atividades que desempenham, como as fazem e em qual deia^ encontram maior ou menor dificuldades, referindo-me aos aspectü? intelectuais e psicomotores observa dos. Pergunto-lhes como se sen tram durante o nosso trabalho, se houve mudanças em suas formas Je pensar, agir e sentir, se houve algum ganho no decorrer do atendimento, enfatizando sempre o exercício de escolha e a coragem de enfrentar mudanças. Deste encontro participam somente as crianças, o que facitita a comunicação em tinguagem coloquia), acessíve) ao seu estágio de desenvolvimento e capacidade de entendi mento, e promove a oportunidade de se posicionarem de forma mais amadurecida e independente, tanto como grupo, quanto individuatmente, uma vez que as estou respeitando como pessoas, dando-lhes responsabilidades para atuar. A atitude de contar às crianças o que pude obter no processo de psicodiagnóstico está embasada na crença de que a criança não só é capaz de receber e entender as informações a seu respeito, como tem o "direito" de saber o que está acontecendo com e)a, uma vez que foi )evada a um profissionat para ser avatiada, sendo considerada petos pais ou por quem as encaminhou como portadora de atgum "probtema". [90 Às crianças que têm indicação para outros atendimentos, cujos pais concordaram cm seguir a orientação, conto a respeito do que está sendo proposto, procurando deixar claro com o e onde será feito e de que forma se dará a sua participação. Discutimos sobre o que significa para elas participar destes atendimentos e se gostariam de ir. Comentários sobre os conteúdos observados Já nos primeiros encontros percebo atitudes bastante par ticipativas de algumas crianças, umas mais, outras menos, mas todas muito presentes na relação grupai, não só entre eles, companheiros de grupo, como também comigo. Com o desen volvimento do trabalho, as diferenças vão se evidenciando. Algumas se mostram mais tocadas, envolvidas e conscientes do processo, falandode si mais espontaneamente do que outras. A partir desta observação, procurando não perder de vista as diferenças individuais, posso perceber que as crianças mais participantes são aquelas que têm maior conhecimento do que é um atendimento psicológico e qual o motivo de estarem ali. Estas mostram interesse em se conhecer, como ocorreu com Luís Francisco (L. F.), um menino de 9 anos, participante de um grupo diagnóstico, que pediu para tornar mais fácil e compreensível o que eu dizia. Assim falou sobre o que estava querendo saber. Psicólogo (P.) — E você L. F., quer contar alguma coisa? L. F. — Ah, eu não sei mesmo. Dá pra falar alguma coisa mais fácil? P. — Dá, sim, L. F., pode dizer o que você quiser. L. F. — Eu vim aqui pra saber como eu tô, como eu vou ficar. Ao se sentirem atendidas e aceitas como pessoas únicas e importantes, capazes e competentes de se tornar cônscias de si, das experiências de seu mundo, as crianças se mostram !9 ! confiantes, confirmadas como seres no mundo, não somente no que se percebem ser, com dificuldades e capacidades, como também em suas potencialidades. Essa é uma forma saudável de ser criança. Ao se permitirem seguir sua curiosidade e senso de aventura, expressam sua coragem perante as mudanças. Presencio algumas mudanças ocorrendo, a partir de minhas observações, ou em conversas entre as crianças, nos momentos em que elas, percebendo os próprios sentimentos e analisando os seus comportamentos em relação aos familiares, professores e amigos, chegam a modificar, de forma apreciável, o conceito de si próprias. Algumas crianças, durante o processo, revelam a percepção de mudanças, ao notarem o que há de diferente em sua maneira de pensar, ou em relação a seus sentimentos, como se deu com Fernanda (F.), uma menina de 8 anos. e L. F. nestes exemplos. P. — ... enquanto a professora está ensinando atguma tição nova. vocc pensa em seu gatinho, na bicicteta, no priminho, noutras coisas e acaba esquecendo aquilo que a professora falou. Acontece isso? F. — Às vezes, só que agora isso não acontece mais, depois que eu vim aqui, eu fico pensando na minha professora e no que e)a pede. Agora eu quero passar de ano. P. — No ano passado você não queria passar de ano? F. — Eu queria, meu pai falou que ia me dá a bicicleta, mas depois eu nem liguei. Agora eu quero. Ou: P. — Nestas horas você começa a se comparar com os outros e pensa: "Tem horas que eu sou melhor e tem horas que sou pior"? L. F. — Às vezes a gente fica bravo, às vezes a gente mais bravo, às vezes a gente abraça e fica amigo. P. — Sabe L. F., eu percebo que você entende o que está acontecendo com você. Entende sim e faz força para methorar. [92 L. F. — Depois que eu falei com você, eu fico pensando no que você fatou, até esqueço da vida, às vezes não. Outras mudanças são notadas e comentadas pelos pais, ao relatarem os fatos ocorridos com a criança, durante a semana, em casa e na escola. Não são todas as crianças, em todos os momentos, que participam e que se permitem explorar seus sentimentos e atitudes, falando sobre eles. As crianças demonstram dificuldade em ouvir ou responder com coerência alguns assuntos abordados ou aspectos levantados, o que evidencia o gMan/tm: de ansiedade, medo e insegurança que é mobilizado ao se tocar certos pontos que representam ameaça de perda de valores importantes como prestígio, poder, amor e aceitação. Outros aspectos apontados facilitam a expressão de sentimentos, quando algumas crianças se mostram até aliviadas ao compartilhar o que as incomoda. Como ocorre com Luís Francisco: L. F. — ... só que tem uma coisinha que eu não te disse. P. — Pode contar. L. F. — Que eu não vou nunca namorar. P. — É, L. F., 6 aiguma coisa que está te assustando? L. F. — É, eu não gosto de namorar. P. — V ocê tem curiosidade, você quer saber o que acontece quando se namora? L. F. — Não gosto e não vou gostar. Agora tô melhor, te contei o segredo. Em um dos grupos, uma das crianças aparentemente atravessa todo o processo sem ser sensibilizada, a não ser em alguns momentos em que demonstra estar acompanhando o que seus companheiros fazem, conversam, ou respondem às minhas observações. Ao me dirigir a ela, recebo respostas curtas, ou monossilábicas, que demonstram pouco interesse e disposição em participar. Este dado me faz pensar sobre até que ponto eu tenho o direito de impor a esta criança estar presente, segundo o desejo dos pais. Por outro lado, ela 193 apresenta prob!emas e dificuldades de re!acionamento, que evidenciam a necessidade de uma ajuda psicológica. Este é um ponto bastante controvertido na área clínica, que merece ser abordado mais deta!hadamente. A minha conduta, nestas situações, é observar a criança, respeitá-la, no que e!a puder responder ou participar, entendendo como importante a sua presença nas sessões, pois há a possibilidade de se criar um campo propício para que um novo modo de existência se instale e venha a germinar posteriormente. Nestas ocorrências, deübero sobre cada caso e a respectiva atitude a tomar, experimentando alternativas, sempre que pos sível efetuadas em trocas com o cliente. É ele quem confirma ou rejeita a escolha feita. O mom ento mais rico deste trabalho tem sido aquele em que me é possível penetrar no mundo das crianças, colocando-me em seu lugar, sentindo o que sentem. Parp isso, é necessário sair do papel interpretativo, lib e ra a mente das suposições teóricas que me levam, frequentemente, e aos profissionais da área. a .... -jj-crAes através da ótica dos dogmas e sistemas '^ ricam en te conhecidos. É preciso procurar, disciplinadamente, experienciar os fenômenos como se apresentam. Essa tem sido a única form a possível de entrar numa relação vivência! com as crianças. Esta tarefa de anaüsar continuamente as pressu posições que limitam e estreitam a percepção do fenômeno que pretendo conhecer, nem sempre é fáci!, uma vez que as limitações humanas são inevitáveis. Apesar das dificutdades inerentes a esta postura, ela foi, sem dúvida, o ponto de partida encontrado por mim, para poder me aproximar e compreender o fenômeno que pretendia pesquisar. As crianças participam do processo de psicodiagnóstico infantil grupai, o nível de participação depende das caracte rísticas individuais e das emoções mobilizadas. Há uma maior participação quando me refiro a aspectos mais próximos do seu dia-a-dia, de suas vivências e de seu entendimento. Em vista disso, procuro atentamente fazer uso de ünguagem ciara e simptes, traduzindo o que quero dizer em mensagens aces )94 síveis, muitas vezes repetindo a mesma idéia de várias formas, por meio de diferentes frases, com a preocupação de manter um diá!ogo entre nós. Deste modo, assumindo uma atitude flexível e ouvindo as próprias crianças, os esclarecimentos que fornecem, posso chegar mais perto dos sentidos de suas ex periências, comunicadas não somente por meio de palavras, mas através dos gestos, expressões faciais e movimentos dc aproximação, ou distanciamento, manifestando sentimentos que elas não conseguem verbalizar. São mensagens ricas e impor tantes, que, permitem reconhecer como as crianças reagem ao que se diz a elas, como acompanham e entendem as verbali zações, modificando ou legitimando minha compreensão a respeito delas. Baseando-me nestas considerações, informo aos psicólogos interessados em trabalhar com esta modalidade de atendimento que devem, como eu, ter o cuidado de verificar o "como", o "quando" e o "quanto" falar a cada criança. Esta questão, muito discutida quando se trata de psicoterapia, não foi ainda considerada no atendimento psicodiagnóstico. !93
Compartilhar