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SEÇÃO 5 FUNGOS COM CARACTERíSTICAS PARTICULARES Micetomas Eumicóticos22 Ligia Rangel Barboza Ruiz INTRODUÇÃO Micetoma é infecção crônica de pele e tecido subcutâneo, causada pela inoculação direta do agente por trauma. Clinicamente, carac- teriza-se pela tríade aumento de volume do membro ou região afetada, formação de fís- tulas e drenagem de grãos. Os agentes etio- lógicos dos micetomas são os actinomicetos (actinomicetomas) e os fungos (micetomas eumicóticos ou eumicetomasj.l-ê O micetona eumicótico é infecção em que predominam fi- brose e fistulização, com escassa drenagem de pus. Meta mais os pés, e não há comprometi- mento do estado geral. HISTÓRICO Em 1842, John Gill descreveu clinicamente o "pé de Madura" na região de Madura, Índia. O termo micetoma foi utilizado pela primei- ra vez em 1860, por Vandyke Carter.ê para denominar tumores produzidos por fungos. Somente em 1913 Pinoy'' fez a diferenciação entre etiologia bacteriana (actinomicetomas) e fúngica (eumicetomas). ECOLOGIA Os fungos que causam eumicetomas estão amplamente distribuídos na natureza como sapróbios ou patógenos de plantas. Diversas espécies são encontradas em espinhos de acá- cia, lodo e solos arenosos. No entanto, a in- cidência da doença é rara. O maior número dos casos ocorre em áreas de clima tropical e subtropical, mais precisamente próximo ao trópico de Câncer, entre as latitudes 15°S e 300N.5 Nessas regiões, há período de chu- vas de outubro a março, seguido de frio seco de março a junho. Já no período de junho a outubro, o clima é quente e seco. Essa área corresponde às regiões com maior endemici- dade: África (Sudão, Senegal, Somália), Índia e América do Sul. A infecção parece ocorrer pela exposição continuada aos agentes (traumas), associada a condições precárias de higiene e nutrição. Micetomas Eumicóticos Os eurnicetomas são mais frequentes em ho- mens (3:1) na faixa etária de 20 a 45 anos.1,5 A formação do grão no eumicetoma seria decor- rente da capacidade do fungo de desenvolver- se em temperaturas elevadas e, sob determi- nadas circunstâncias, adaptar-se ao tecido do hospedeiro. ETIOLOGIA Cerca de 23 espécies de fungos estão impli- cadas na etiologia dos eumicetomas. O grão eumicótico mede de 0,5 a 2 um e é visualizado a olho nu. É constituído por filamentos mice- lianos entrelaçados e clamidosporos. A cor do grão varia, dependendo da espécie, e pode ser branca, amarelada ou preta1,2,5 (Fig. 22.1). Agentes etiológicos de eumícetomas! Grãos de Coloração Preta: Madurella gri- sea, Madurella mycetomatis, Leptosphaeria senegalensis, Exophiala jeanselmei, Phia- lophora verrucosa, Curvularia geniculata, Curvularia lunata, Pyrenochaeta romeroi, Pyrenochaeta mackinnonii, Corynespora cas- 207 siicola, Cochliobolus spicifer, Chaetosphae- roneina larense, Leptosphaeria tompkinsii, Pseudochaetosphaeronema larense. Grãos de Coloração Branca: Acremonium kiliense, Acremonium falciforme, Acremo- nium recitei, Pseudallescheria boydii, Fu- sarium oxysporum, Fusarium moniliforme, Fusarium solani, Neotestudina rosatii, As- pergillus nidulans, Aspergillus fumigatus, Aspergillus amstelodami, Neotestudina rosa- tii, Polycytella hominis. Morfologia da cultura e microcultura dos agentes etiológicos mais frequentes Acremonium recifep,2 • Cultura - Ágar Sabouraud-dextrose 25°C. Colônia filamentosa branca ou ró- sea. • Microcultura - Hifas septadas hialinas. Conídios claviformes sem septos no ápice do conidióforo, unidos por substância mu- coide (Fig. 22.2). Fig. 22.1 A e B. Aspecto microscópico de grão eumicótico a fresco. C1areamento com KOH a 20% + DMSO. (400x e 1.000x) 208 Fig. 22.2 Acremonium recifei. Aspecto macroscópico da cultura (40 dias). Madurella mycetomctís'« • Cultura - Ágar Sabouraud-dextrose 25°C. Colônia coriácea branca, amarelada ou ocre, com micélio aéreo curto cinza. Pos- teriormente, torna-se marrom filamentosa. • Microcultura - Tem dois tipos de esporu- lação: (a) conidióforos simples ou ramifi- cados, conídios ovais ou piriformes (3,5 a 5 um); (b) conídios globosos (3 um) produzi- dos por fiálides em forma de botija. Madurella grisea1,2 • Cultura - Ágar Sabouraud-dextrose - 25°C. Crescimento lento. Aspecto coriáceo cinza, posteriormente há formação do mi- célio aéreo cinza (Fig. 22.3). Micetomas Eumicóticos Fig. 22.3 Madurella grisea. Aspecto macroscópico da cul- tura (40 dias). • Microcultura - Hifas largas acastanhadas estéreis. Podem produzir picnídeo em meio pobre em nutrientes. Raros clamidosporos. Pseudallescheria boydjj1,2 • Cultura - Ágar Sabouraud-dextrose - 30 a 37°C. Crescimento rápido. Micélio aé- reo abundante, castanho-acinzentado (Fig. 22.4A). • Microcultura - Hifas hialinas septadas, conidióforos simples, conídios unicelulares piriformes. Aglomerado de hifas formando estrutura denominada corênio (sinêmio) (Fig. 22.4B). Fig. 22.4 Pseudallescheria boydii. A. Cultura em ágar Sabouraud (40 dias). B. Microcultivo. Micetomas Eumicóticos QUADRO CLíNICO o eumicetoma é infecção crônica e fibrosante de longa evolução, predominantemente unila- teral e localizada nos pés (70 a 80%), mãos (12%), pernas e joelhos.v" Nas fases iniciais, é importante a diferenciação com actinomice- toma, que é mais inflamatório e supurativo. A partir da inoculação do fungo, ocorrem ede- ma, eritema e posterior fistulização. Pelo ca- ráter indolente, a dor é pequena, e a inflama- ção evolui com invasão do tecido subcutâneo ao longo dos meses. Como consequência, há aumento importante do volume do membro, levando a deformidades e limitação funcional. Devido à fibrose, a área é dura à palpação, com elevações mamelonadas e saída de pouca secreção pelas fístulas (Figs. 22.5 e 22.6). Quando a evolução é mais longa (anos), há comprometimento ósseo, com osteosclerose 209 e osteólise, podendo evoluir para a completa destruição óssea." A disseminação da doença primária para outras áreas é extremamente rara. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 1,2 Exame microscópico direto: os grãos são vi- sualizados a fresco, clareados com KOR. Ca- racterizam-se por filamentos micelianos de parede dupla, clamidosporos abundantes e ausência de clavas. Cultura: em ágar Sabouraud-dextrose, em temperatura adequada, a identificação ma- croscópica do fungo pode ser feita após 3 a 4 semanas. Microcultura: permite identificar o fungo através de sua micromorfologia, quando não é possível a identificação pela macroscopia. Fig. 22.5 Micetoma eumicótico. A. Aumento de volumedo pé, fístulas e grãos. B. Fístu- Ias que drenam secreção e grãos pretos. Fig. 22.6 Micetoma eumicótico em mão por P. boydii. Aumento de volume da mão, fístulas que drenam secreção e grãos brancos. 210 Histopatologia Na fase aguda, há um processo inflamatório supurativo ao redor do grão. Com a evolução, há hiperplasia pseudoepiteliomatosa, células gigantes e formação de granulomas. Na peri- feria, há intensa fibrose. As colorações utili- zadas são HE, PAS ou Gomori'' (Figs. 22.7 e 22.8). DIAGNÓSTICO RADIOLÓGICO Nas fases iniciais da doença, o raio-X mostra aumento de partes moles. Com a evolução, ocorrem reação periosteal, erosões ósseas e figo 22.7 Aspecto em vida parasitária. Anatomopatológico de pele corado pelo HE. Grão preto. (lOOx) Fig. 22.8 Aspecto em vida parasitária. Anatomopatológico de pele corado pelo PAS.Grão preto. (lOOx) Micetomas Eumicóticos Fig. 22.9 Aspecto radiológico de micetoma eumicótico. Comprometimento ósseo com osteosclerose e osteólise, evoluindo para a completa destruição óssea. múltiplas cavidades." A ressonância nuclear magnética pode detectar as lesões ósseas mais precocemente que o raio-X e tem se mostrado uma técnica diagnóstica mais sensível e espe- cífica. Ultrassom é outro método bastante útil para o diagnóstico de micetoma, pois permite visualizar os grãos e delimitar a extensão da infecção (Fig. 22.9). TRATAMENTO A resposta terapêutica em casos de eumiceto- ma é desapontadora. A falha no tratamento se deve, em grande parte, à reação tecidual do hospedeiro, em que a fibrose dificulta a che- gadadas drogas em concentração adequada. Os melhores resultados têm sido obtidos com a anfotericina B, principalmente nos casos de M. grisea e M. mycetomatisê Há relatos de melhora com cetoconazol (400 mg/dia) e itraconazol (400 mg/dial.f Os novos derivados triazólicos (voriconazol e posaconazol), ainda pouco utilizados devido ao alto custo, são dro- gas promissoras no tratamento dos eumiceto- mas.? A maioria dos autores concorda que o tratamento cirúrgico é a melhor opção, tanto nas fases iniciais como nas tardias. Sempre que possível, deve-se fazer a exérese total da lesão, com margens. O índice de cura aumen- Micetomas Eumicóticos ta com a associação dos tratamentos clínico e cirúrgico. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lacaz CS, Porto E, Martins, JEC. Eumicetomas. ln: Micologia Médica. 9ª ed. São Paulo: Sarvier, 2002. p. 387-99. 2. Kwon Chung KJ, Bennett JE. Mycetomas. ln: Medical Mycology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1992. p. 560-93. 3. Carter HV. 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