Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Há direitos autorais sobre este material, portanto é proibida a sua distribuição em qualquer meio de comunicação. 1 G a b r i e l a G o m e s d a S i l v a | P s i c o l o g i a | 6 º p e r í o d o | @ p s i c o m g a b i RESUMO PSICOLOGIA ESCOLAR QUEIXA ESCOLAR São os encaminhamentos que chegam da escola para a Psicologia e retratam as dificuldades vividas no processo de escolarização. A queixa escolar é constituída a partir do conjunto de relações individuais, sociais e institucionais. Essa concepção busca romper com o modelo clássico tradicional no sentido de diagnóstico e intervenção, pois o foco da análise é o processo de escolarização, buscando uma compreensão sistêmica do funcionamento escolar. FATORES QUE CONSTITUEM O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO Políticas educacionais; Relações institucionais; Relações escolares; Aspectos pedagógicos; É promovida, nesse sentido, a escuta ao aluno e família e a leitura da escola sobre o caso. COMO INTERPRETAR O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO Através da compreensão dos fenômenos psicológicos, pedagógicos e sociais como produtos do processo de escolarização, da interpretação dos processos de aprendizagem e desenvolvimento como fenômenos interdependentes, e do olhar para o desenvolvimento do aluno e para as situações de aprendizagem. Os processos de avaliação da escolarização devem expressar a complexidade da vida escolar. Levamos em consideração o conjunto de fenômenos que permeiam a relação da criança com a escola. A pergunta “por que a criança não aprende?” muda para “o que acontece no processo de escolarização que faz com que a criança não se beneficie da escola?”. Existem funcionamentos adoecidos e adoecedores na escola, que geram o fracasso e vitimizam todas as pessoas que compõem esse sistema. É o funcionamento institucional que é patológico, não a criança ou a família, portanto a queixa escolar é um sintoma, não uma doença. Vygotsky destaca o nível de desenvolvimento real: o que a criança já sabe fazer; e o nível de desenvolvimento potencial: o sujeito ainda não tem o conhecimento ou precisa de ajuda para fazer. Entre os dois níveis está a zona de desenvolvimento proximal e é nessa parte que atuamos enquanto psicólogos. Nós ajudamos o sujeito a reconhecer aquilo que ele já internalizou e construímos uma rede para elaborar estratégias. CASO “GABRIELA NÃO LHE FICA” Segunda série, repetente, trocou de escola 4x, não sabe ler e escrever; Em 4 anos tem três psicodiagnósticos, fez o WISC pelo menos seis vezes; Família de imigrantes, quatro filhos, sendo Gabriela a mais nova, nas mulheres havia problemas patológicos, nos homens não; Atitude desqualificada e desvalorização da mãe em relação à Gabriela; O problema começou na segunda série, em que Gabriela não conseguia formar frases; A mudança constante de escola a impediu de criar qualquer vínculo; a psicoterapia colocou a criança na condição de incapaz, quando devia ser um instrumento de mediação para introduzir à língua. Nossa intervenção se pauta a partir da visão de que o problema não está nela, e sim no sistema que o produziu. A partir daí, identificamos suas potências, quais conhecimentos estão internalizados nela e em nível real. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA ESCOLA Resolução nº 9, de 25 de abril de 2018 - CFP Art. 1º - Avaliação Psicológica é definida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, com base em demandas, condições e finalidades específicas. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DENTRO DA ESCOLA Para determinadas queixas, a avaliação tradicional é necessária. Mas quando a queixa é escolar, o modo de avaliação deve ser crítico, pois na perspectiva clássica o olhar recai para o sujeito; na crítica o olhar contempla toda a rede de relações que produz a queixa. No modelo clássico/tradicional, a criança é o objeto de análise, e busca-se compreender "qual o problema dela", investigando a criança e a relação com a família. O não aprender é uma denúncia de que algo não está bem na escola Muitas vezes a criança se sente atacada na escola, e começa a agir agressivamente. Aí entra a medicalização por ser “hiperativa”. Há direitos autorais sobre este material, portanto é proibida a sua distribuição em qualquer meio de comunicação. 2 G a b r i e l a G o m e s d a S i l v a | P s i c o l o g i a | 6 º p e r í o d o | @ p s i c o m g a b i A avaliação é feita através de anamnese, entrevistas, sessão lúdica, sessão com os pais, aplicação de testes e encaminhamento. O resultado final é a elaboração de um laudo que atesta alguma patologia e a criança é encaminhada para tratamento com o objetivo de adaptá-la ao funcionamento da escola. Laudos são reducionistas; Numa avaliação crítica, o objetivo é mudar as práticas e processos de escolarização que facilitem o processo de aprendizagem; Quando a queixa não é escolar, os testes são muito importantes. CRÍTICAS DE PATTO AOS TESTES PSICOLÓGICOS Técnico demais, impossibilitando uma intervenção criativa na aplicação; Testes não correspondem à realidade da condição brasileira, sobretudo de crianças pobres; Avaliação pautada na aptidão e quantificação, e esse número concretiza o lugar que a criança ocupa; Rapidez da resposta como definição de inteligência; Uso exclusivo de psicólogos. O QUE OS LAUDOS NÃO DIZEM Os laudos não dizem o quanto o Estado defende os interesses das classes dominantes e nem que o poder público sempre tratou a educação com descaso, promovendo o sucateamento da rede pública; não demonstram a insatisfação dos professores diante das más condições de trabalho; que a escola é produtora de exclusão; que os resultados dos testes dependem e muito do processo de escolarização. Ou seja, os testes psicológicos resultam em um psicologismo que deposita no sujeito a causa das suas dificuldades escolares. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA SOB A PERSPECTIVA CRÍTICA Primeiro de tudo, é necessária uma reinvenção da avaliação psicológica. Na perspectiva da Psicologia escolar crítica, a avaliação psicológica deve investigar a rede de relações que produz a queixa, não tão somente o sujeito. Se a queixa é produzida coletivamente, a intervenção deve se pautar nas relações escolares, potencializando todos os envolvidos. ATENDIMENTO PSICOLÓGICO À QUEIXA ESCOLAR Na perspectiva clássica, após o psicodiagnóstico é produzido um laudo (que muitas vezes legitima uma doença que a criança não tem), e a escola procede a partir desse laudo (encaminha para a terapia; coloca em educação especial; educação compensatória; estimulação precoce). Na perspectiva crítica, não se faz psicodiagnóstico. O olhar do psicólogo vai para a rede que produz a queixa, sendo o aluno apenas um dos elementos; vai para as políticas públicas implantadas na escola e como elas interferem no processo de escolarização; quais as relações institucionais; aspectos pedagógicos para tentar entender o que acontece na sala de aula que produz a queixa. Aprendizagem e desenvolvimento são inseparáveis. Devem existir situações de aprendizagem que possibilitem que o sujeito internalize o conhecimento. Os processos de avaliação da escolarização incluem toda a rede de relações, então se observa toda a complexidade da vida escolar. Existe uma ação reducionista que leva a uma conduta de medicalização: Reducionismo biológico; Tratamento medicamentoso; Diagnósticos classificatórios e não explicativos; Não considerar questões intraescolares, pedagógicas, sociais e econômicas; Não considerar o que acontece dentro da escola. Na crítica a esse processo, se propõe um olhar crítico, a análise do processo de escolarização e condução a partir deuma abordagem histórico-cultural. Dialogar com a escola e inclui-la na investigação e na intervenção é fundamental; potencializar e fortalecer recursos internos do aluno e do professor; considerar o funcionamento das relações escolares; enfim – entender como um problema coletivo e não individual. A psicologia escolar vê a importância de se investir em ações de melhoria para a escola, em que os processos de escolarização fossem mais bem-sucedidos e diminuísse a tendência de encaminhamentos médicos. Os psicólogos vêm ampliando as intervenções com o intuito de problematizar e reverter funcionamentos produtores de fracasso escolar. LACUNAS NA AÇÃO DO PSICÓLOGO É preciso: Rever o atendimento tradicional às queixas; Desenvolver uma abordagem que supere as dificuldades das práticas tradicionais; Incluir a escola na investigação e intervenção. A escola é parceira na compreensão da queixa e estratégias de enfrentamento; Fazer perguntas como: » Em que tipo de classe ele está? » Quantas professoras teve esse ano? » Onde o aluno se senta na classe? » Com que frequência ocorrem faltas de professores? Há direitos autorais sobre este material, portanto é proibida a sua distribuição em qualquer meio de comunicação. 3 G a b r i e l a G o m e s d a S i l v a | P s i c o l o g i a | 6 º p e r í o d o | @ p s i c o m g a b i » Em que momento da trajetória escolar surgiu a queixa? Criar uma interlocução com a escola; Investigar as pertenças sociais do indivíduo (camada socioeconômica, grupo étnico, religião) e seus desdobramentos. ALGUNS FUNCIONAMENTOS DO SISTEMA ESCOLAR QUE PRODUZEM SOFRIMENTO Dos órgãos centrais que regimentam o funcionamento da escola Burocracia que cria problema no cotidiano da escola (ex: professor às vésperas de se aposentar, sai a aposentaria em maio e aí ele vai embora); Políticas públicas implantadas de maneira autoritária e desorganizada que na verdade deveriam ser implementadas. Das unidades escolares Ausência de espaços sistemáticos de reflexão, falta de diálogo; Ausência de um projeto político-pedagógico; Falta de apoio e orientação aos professores e gestores; Saberes desconsiderados; Da relação escola-pais Exclusão de decisões sobre os filhos; Alvo de mitos e preconceitos; Tratados como usuários de favores. Da sala de aula Homogeneidade (todo mundo aprendendo na mesma hora, do mesmo jeito); Pedagogia repetitiva e desinteressante; Encaminhamentos a especialistas. ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR Os psicólogos devem: Olhar o processo de escolarização e todos os fatores que influenciam a queixa; Contemplar a tríade aluno-escola-pais; Ir contra as práticas adaptacionistas, conquistando uma movimentação que se direcione no sentido de desenvolver todos os agentes ao redor da queixa. PRINCÍPIOS DA ORIENTAÇÃO À QUEIXA Colher e problematizar a versão de cada participante da rede; Circular a compreensão sobre a queixa, oferecendo as diferentes perspectivas sobre a ela, buscando novas leituras e soluções; Identificar e fortalecer as potências de todos; Cuidar das relações dos participantes da rede; Atenção à singularidade, pois não há padronização em procedimentos; Atendimento é breve, 6 a 8 encontros; Atendimento é focal, pois se centra na queixa escolar. Se vê a queixa e o que está por trás dela, dialogando em rede. *Não aplicamos teste e não fazemos psicodiagnóstico. ATITUDE DO PSICÓLOGO A postura do psicólogo deve ser ativa e a manutenção da queixa horizontal, pois não existe uma hierarquia, a intervenção é baseada no diálogo entre todos os agentes. ESTRUTURA DO ATENDIMENTO Triagem (com as famílias; apresentamos a modalidade de atendimento que oferecemos; colhemos informações dos responsáveis sobre as queixas; verificamos se a queixa é ou não de natureza principalmente escolar; é dado um relatório para que a família leve até à escola para um professor responder); Encontros com as crianças (levar jogos; colher a versão da criança sobre a queixa; dar protagonismo para a criança; perceber suas dificuldades e reinstaurar a esperança; instrumentalizar a criança para a situação de dificuldade que se encontra; fortalecer suas potencialidades); Interlocução com a escola (buscar uma relação horizontal com os educadores; não desqualificar seus saberes; ouvir a versão dos professores; valorizar seus recursos e levar sugestões); Entrevista de fechamento (construir uma releitura do caso; produzir um relatório de avanços); Acompanhamento (3-4 meses depois falamos com a família, escola e criança para buscar saber como estão. Esse tipo de atendimento não tem evasão, e sempre ouvimos que as questões em relação à queixa minimizaram. ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NAS DIFICULDADES DE COMPORTAMENTO A escola reproduz os valores e regras impostos pela sociedade, e nem sempre assegura o exercício de uma cidadania ativa. Os processos de vida se dão nas relações, daí a importância de o psicólogo trabalhar os Há direitos autorais sobre este material, portanto é proibida a sua distribuição em qualquer meio de comunicação. 4 G a b r i e l a G o m e s d a S i l v a | P s i c o l o g i a | 6 º p e r í o d o | @ p s i c o m g a b i conflitos e violências muitas vezes produzidos dentro da escola. Não se pode compreender a educação sem inseri-la no contexto de política econômica, pública e social que atravessam o cotidiano da escola. Devemos conhecer as direções éticas e políticas da escola; isso se manifesta nas ações de todos lá dentro. A construção de um projeto político-pedagógico é um desafio para a comunidade. ASPECTOS QUE O DOCUMENTO “REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA PSICÓLOGOS” APONTA Almejamos um conhecimento científico crítico, criando espaços de problematização e diálogo na escola para responder à exclusão social, violência, discriminação, intolerância, desigualdade; Construção de relações democráticas, rompendo com a medicalização, judicialização, patologização dos professores e estudantes; Não neutralidade da educação/escola como um espaço para reflexões sobre gênero, racismo, LGBTfobia, sexismo, capacitismo, etc; Necessário o envolvimento do psicólogo no controle social das políticas públicas de educação (participando dos conselhos municipais e estaduais). DIFICULDADES QUE PRECISAM SER ENFRENTADAS Políticas públicas são hierarquizadas; Políticas públicas desconsideram a história profissional dos profissionais que estão na escola; Políticas públicas não levam em consideração a infraestrutura da escola; Concepções preconceituosas a respeito de estudantes e famílias; Dificuldade de criar espaços de debates sobre as políticas públicas; Implantação tecnicista das políticas, o que aliena o trabalho pedagógico. POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO Nossa ação é sempre coletiva, com toda a comunidade escolar. Há cinco áreas de atuação: Projeto político-pedagógico: é o mapeamento da organização escolar, sua política de funcionamento (produzido pela escola), é nosso papel a avaliação e reformulação. Recuperar a história da escola, como uma anamnese; Intervenção no processo de ensino aprendizagem: práticas que conduzem o aluno a reconhecer suas potencialidades (através de mediadores culturais - teatro, música, etc), trabalhar prospectivamente (naquilo que o aluno pode se desenvolver - Vygotsky); Formação de educadores: possibilita autonomia no fazer pedagógico; contribuir com o aprimoramento teórico; Educação inclusiva: como construir um plano que atenda a todos os alunos; acompanhamento de estudantes visando inclusão e permanência; mobilizar encontros com a equipe docente para auxiliar no planejamento educacional; etc; Grupos de aluno: 10 a 15 alunos ou dentro da própria sala de aula, para abordar questões queatravessam a infância e adolescência; para realizar ações que caminhem com a finalidade da escola; grupos de apoio psicopedagógico. Enfim, o psicólogo poderá trabalhar em parceria com pais, professores, equipe pedagógica, com atividades que contribuam com o desenvolvimento dos alunos. 9 DESAFIOS PARA O PSICÓLOGO Compor com a equipe escolar criando um vínculo, e a partir do projeto político-pedagógico criar o próprio projeto de atuação; Problematizar o cotidiano escolar; Construir estratégias de ensino aprendizagem com a comunidade escolar; Considerar a dimensão da produção de subjetividade sem reduzi-la a uma perspectiva individualizante; Valorizar e potencializar os saberes da escola; Buscar conhecimentos técnico-científicos da Psicologia e da Educação; Sair da ação clássica, procurando desenvolver práticas coletivas que acolham as demandas e buscando com elas os procedimentos de enfrentamento; Romper com a patologização, medicalização e judicialização da educação; Formar profissionais críticos para se dedicarem a esse campo de atuação.
Compartilhar