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1 Sistema Nervoso Motor – parte 1 SISTEMA NERVOSO MOTOR – parte 1 Referência bibliográfica principal - Guyton & Hall – capítulo 55: Funções da medula espinhal; os reflexos espinhais. “Mover coisas é tudo que a humanidade pode fazer e, para isso, o único executor é o músculo, seja para sussurrar uma sílaba ou para derrubar uma árvore” Charles Sherrington (1852-1952) Objetivos 1- Introdução ao sistema motor. 2- Descrever a estrutura e o funcionamento dos receptores sensoriais de músculos e tendões: fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi. 3- Descrever os movimentos reflexos medulares. INTRODUÇÃO Embora os movimentos frequentemente sejam classificados de acordo com sua função - movimento postural, locomotor, respiratório, de articulação da fala, etc – muitas dessas funções utilizam grupos de músculos que se sobrepõem. Além disso, os mesmos grupos de músculos podem ser controlados por comandos voluntários, rítmicos ou circuitos reflexos. Os movimentos voluntários são aqueles que estão sob controle consciente do córtex cerebral. Os movimentos rítmicos também podem ser controlados voluntariamente, mas estes diferem dos movimentos voluntários por sua frequência e organização espacial ser amplamente controlada de forma automática pelos circuitos espinhais e do tronco encefálico. Os reflexos são respostas estereotipadas a estímulos específicos. Estes são gerados por circuitos neurais simples na medula espinhal e no tronco encefálico e não podem ser controlados diretamente pela volição. Este capítulo tem como foco os movimentos reflexos integrados na medula espinhal e iremos iniciar nosso estudo revisando a estrutura da medula espinhal e descrevendo, particularmente, os tipos e a localização dos neurônios motores medulares. ESTRUTURA MEDULAR – localização dos neurônios motores Substância Cinzenta Medular A substância cinzenta da medula espinhal é uma área integrativa. Já sabemos que os sinais sensoriais entram na medula pelas raízes sensoriais (também chamadas de raízes posteriores ou dorsais). Após entrar na medula, cada sinal 2 Sistema Nervoso Motor – parte 1 sensorial trafega por duas vias separadas: um ramo irá fazer sinapses com neurônios locais, ativando circuitos locais que participam dos reflexos medulares; outro ramo transmite sinais para níveis superiores do sistema nervoso (são as vias longas que chegam ao tronco cerebral, tálamo, córtex cerebral ou cerebelar – as grandes vias ascendentes , já estudadas). Cada segmento da medula espinhal contém milhões de neurônios em sua substância cinzenta. As Figuras abaixo mostram a relação dos nervos espinhais e os segmentos medulares. Estas imagens mostram a relação entre o segmento medular e o nervo espinhal – toda a extensão da medula que recebe fibras de uma mesmo par de nervos espinhais forma, anatomicamente, um segmento medular. O círculo em preto mostra o que corresponderia a um segmento medular - este segmento é nomeado de acordo com o par de nervos espinhais com o qual se relaciona. Fontes: MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3 ed. São Paulo: Atheneu, 2006; e Netter – Atlas de Anatomia Humana, 4 ed. Como vimos previamente, na substância cinzenta medular estão os neurônios medulares. Estes não estão distribuídos de forma aleatória, mas se dispõem em lâminas regulares, chamadas de lâminas de Rexed. Vimos que as lâminas I a VI ficam no corno dorsal, a lâmina VII na região intermediária, as lâminas VIII e IX no corno anterior e a lâmina X região central da substância cinzenta (Figuras abaixo). 3 Sistema Nervoso Motor – parte 1 Fonte: Rexed, B. (1964). Some Aspects of the Cytoarchitectonics and Synaptology of the Spinal Cord. Organization of the Spinal Cord, 58–92. doi:10.1016/s0079-6123(08)64044-3 Podemos, didaticamente, dividir esses neurônios medulares em: neurônios-relé sensoriais, interneurônios e neurônios motores anteriores. Os neurônios que predominam são os interneurônios. Os interneurônios estão em todas as áreas da substância cinzenta medular. São aproximadamente 30x mais numerosos do que os neurônios motores anteriores. Eles apresentam bastantes interconexões entre si e muitos deles fazem sinapse diretamente com os neurônios motores. Essas conexões são responsáveis pela maioria das funções integrativas da medula espinhal, como veremos adiante. É importante já destacar que somente poucos sinais sensoriais aferentes, provenientes dos nervos espinhais ou sinais do encéfalo, terminam diretamente sobre os neurônios motores anteriores. Em vez disso, quase todos esses sinais são transmitidos primeiro para os interneurônios, onde são adequadamente processados. Neurônios Motores Anteriores (Motoneurônios ou Neurônios Motores Inferiores ou Via final comum de Sherrington) A medula espinhal se incumbe da inervação da maior parte da musculatura estriada esquelética. Abriga, no corno anterior ou ventral, os neurônios motores: os neurônios motores alfa e neurônios motores gama. Os neurônios motores alfa inervam as fibras musculares esqueléticas e dão origem as fibras nervosas motoras grandes do tipo A alfa. Cada fibra nervosa motora (ou seja, cada axônio de um neurônio motor alfa) inervação um número variável de fibras musculares e a esse conjunto (do neurônio motor, seu axônio e as fibras musculares por ele inervadas) damos o nome de UNIDADE MOTORA. Os axônios desses neurônios 4 Sistema Nervoso Motor – parte 1 deixam a medula, para inervar as fibras musculares correspondentes, pelas raízes ventrais dos nervos espinhais. O neurônio motor alfa é responsável pela execução de todo e qualquer movimento realizado pelo tronco e pelos membros. Portanto, quer se trate de um simples reflexo motor ou de um intrincado movimento voluntariamente elaborado, a ativação das musculaturas axial (do tronco) e apendicular (dos membros) será resultado da ação da medula espinhal, por intermédio destes neurônios motores que funciona como a via de execução final de todo e qualquer tipo de movimento, não importando se de natureza reflexa, rítmica ou voluntária, e não importando quais estruturas neurais, de medula espinhal a córtex cerebral, participem de sua organização. Por essa razão, o neurofisiologista Charles Sherrington (1852-1952) denominou o neurônio motor inferior de VIA FINAL COMUM. Os neurônios motores gama são menores, transmitem impulsos por fibras nervosas também com diâmetros menores, do tipo A gama, e inervam as pequenas fibras musculares especializadas chamadas fibras intrafusais que iremos ver melhor mais adiante. A Figura abaixo mostra esquematicamente os neurônios motores no corno anterior da medula - o maior corpo celular corresponde ao neurônio motor alfa e o menor ao neurônio motor gama. O axônio desses neurônios deixam a medula pela raiz ventral do nervo espinhal e se direcionam para o músculo esquelético que inervam: o neurônio motor alfa inerva as fibras extrafusais (as fibras musculares esqueléticas propriamente ditas) e o neurônio motor gama inerva as fibras musculares intrafusais (que formam o receptor sensorial – o fuso muscular). A imagem também mostra que as informações sensoriais provenientes do receptor sensorial (do fuso muscular) chegam à medula pela raiz dorsal e conduzem por fibras nervosas do tipo Ia e II. 5 SistemaNervoso Motor – parte 1 CONEXÕES MEDULARES ✓ Conexões segmentares: que ocorrem dentro de um mesmo segmento medular. ✓ Conexões multissegmentares – são conexões que ocorrem entre segmentos medulares, através de fibras proprioespinhais. Essas fibras trafegam de um segmento a outro da medula e correspondem a mais da metade das fibras nervosas ascendentes e descendentes da medula. São as vias utilizadas nos reflexos multissegmentares que iremos ver adiante. A imagem abaixo mostra que conexões num mesmo segmento medular e fibras ascendentes e descentes que integram reflexos multissegmentares. Quanto aos circuitos medulares é importante dizer que sem esses circuitos neuronais especiais da medula, mesmo os sistemas de controle motor mais complexos no encéfalo não poderiam gerar qualquer movimento muscular intencional. Esses circuitos são a base de quase todo o controle direto dos músculos. OS RECEPTORES SENSORIAIS: fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi Durante um movimento com um objetivo determinado, o sistema nervoso central utiliza informação de diversos receptores sensoriais para assegurar que o padrão de atividade motora cumpra o seu propósito. Sem as informações sensoriais, os movimentos tendem a ser imprecisos, e as tarefas que requerem coordenação minuciosa das mãos, como abotoar uma camisa, ficam impossibilitadas. Podemos dizer, portanto, que o processamento sensorial gera uma representação interna no cérebro do mundo exterior ou do estado corporal, enquanto o processamento motor inicia com uma representação interna: o objetivo do movimento desejado. 6 Sistema Nervoso Motor – parte 1 As eferências motoras são comandos neurais que agem sobre os músculos, causando suas contrações e gerando o movimento. Essas eferências derivam de aferências sensoriais dos circuitos que representam a transformação sensório-motora. As aferências sensoriais incluem a informação extrínseca sobre a situação do meio externo, além da informação intrínseca sobre o corpo. A informação intrínseca inclui informação cinemática e cinética acerca do corpo. A informação cinemática envolve posição, velocidade, aceleração, ângulos articulares e comprimento dos músculos sem referência às forças determinantes que os causam. A informação cinética está relacionada às forças geradas ou experimentadas pelo corpo. Essas formas diferentes de informação intrínseca são fornecidas por diferentes receptores sensoriais. Por exemplo, a informação sobre o comprimento dos músculos e a velocidade de variação do comprimento é fornecida principalmente por fusos musculares, enquanto os órgãos tendinosos de Golgi e os mecanorreceptores cutâneos fornecem informação sobre a força que está sendo exercida. Agora, iremos aprofundar nosso conhecimento acerca desses receptores sensoriais, especificamente dos fusos musculares e dos órgãos tendinosos de Golgi. ➢ FUSOS MUSCULARES São pequenos receptores sensoriais encapsulados que possuem formato de fuso (fusiforme) e estão localizados internamente nos músculos, em paralelo1 e entre as fibras musculares (vide Figura abaixo). Sua principal função é sinalizar as mudanças no comprimento do músculo no qual se encontram. Como as mudanças no comprimento muscular estão associadas aos ângulos das articulações com as quais os músculos estão envolvidos, os sinais dos fusos musculares são utilizados pelo sistema nervoso central para saber a posição relativa dos segmentos corporais. As Figuras abaixo mostram a estrutura de um fuso muscular. 1 Essa disposição em paralelo das fibras intrafusais e extrafusais garante que mudanças no comprimento do músculo propriamente dito (que são as fibras extrafusais do músculo esquelético) sejam acompanhadas por mudanças também no comprimento das fibras intrafusais. Logo, quando o músculo é estirado, as fibras intrafusais também são estiradas; quando o músculo é encurtado, as fibras intrafusais também são encurtadas. 7 Sistema Nervoso Motor – parte 1 Cada fuso possui três principais componentes: (1) Um grupo de fibras musculares especializadas intrafusais (em número de 3 a 12; são fibras musculares diferenciadas, curtas, com comprimento entre 3 a 10 mm), cujas porções centrais não se contraem [essas regiões centrais são consideradas as porções receptoras dos fusos musculares], mas suas extremidades mantêm a capacidade de contrair. Existem três tipos de fibras intrafusais: do tipo saco nuclear dinâmica, saco nuclear estática e cadeia nuclear. (2) Fibras sensoriais que terminam nas regiões centrais não contráteis das fibras intrafusais. Existem dois tipos de terminações sensoriais: terminações ou receptores aferentes primários (também chamadas de anuloespiral – são fibras nervosas do tipo Ia2, que inervam os três tipos de fibras musculares intrafusais) e as terminações ou receptores aferentes secundários (são fibras nervosas do tipo II que inervam fibras musculares intrafusais do tipo cadeia nuclear e saco nuclear estática). Esses tipos de fibras respondem (são ativados) de modo diferente dependendo da velocidade de mudança no comprimento do músculo. Somente as primárias respondem às mudanças rápidas do comprimento do receptor (reposta dinâmica) e só transmitem sinal enquanto o comprimento o fuso está realmente mudando – com aumento de disparo quando é rapidamente estirado ou diminuição quando é subitamente encurtado; quando o estiramento é lento, tanto as terminações primárias quanto as secundárias são ativadas (resposta estática) e continuam a transmitir impulsos por vários minutos se o fuso muscular permanecer estirado. (3) Axônios motores dos neurônios motores gama que terminam nas regiões polares contráteis das fibras intrafusais. As fibras musculares intrafusais são 2 Fibras nervosas do tipo Ia – possuem diâmetro de aproximadamente 17 micrômetros, são fibras extremamente rápidas com velocidade de condução de 70 a 120 m/s. 8 Sistema Nervoso Motor – parte 1 inervadas por neurônios motores gamas, que possuem axônios mielinizados de pequeno diâmetro. A ativação desses neurônios motores causa contração das regiões terminais (polares) das fibras intrafusais, resultando em estiramento das regiões centrais dessas fibras. Isso leva a um aumento na frequência de disparo das terminações sensoriais ou um aumento da probabilidade de que as terminações sensoriais disparem em repostas ao estiramento do músculo (desta formam ajudam a sensibilidade dos fusos musculares). Existem também dois tipos de neurônios motores gama: dinâmico e estático. Quando neurônio motor gama dinâmico excita as fibras intrafusais, a resposta dinâmica do fuso muscular fica muito aumentada; quando o neurônio motor gama estático excita as fibras intrafusais, a resposta estática do fuso fica muito aumentada. A região central dos fusos musculares, considerada a região receptora é excitada sempre que ocorre o estiramento da região central do fuso. Portanto, essa região pode ser excitada de duas maneiras: (1) estiramento do músculo, com aumento do comprimento do músculo, levando ao estiramento da região central do fuso; (2) pela contração das regiões polares (terminais) do fuso com estiramento da sua região central, mesmo sem mudança no comprimento do músculo. Em condições normais, sempre ocorre algum grau de excitação gama, e os fusos musculares emitem impulsos nervosos sensoriais continuamente. O estiramento dos fusos musculares aumenta a frequência dos disparos, enquanto o encurtamento do fuso reduz essa frequência. Logo, os fusos podem enviar, para a medula, tantosinais positivos (aumento na quantidade de impulsos, indicando que o músculo foi estirado) ou sinais negativos (redução na quantidade de impulsos, indicando que o músculo não está estirado). Este sistema eferente gama é estimulado do modo específico por sinais provenientes da região facilitatória bulborreticular do tronco encefálico e, secundariamente, por impulsos transmitidos para área bulbo reticular provenientes do cerebelo, gânglios da base e córtex cerebral3. Essa área facilitatória bulborreticular está relacionada às contrações antigravitacionais e como os músculos antigravitacionais têm densidade alta de fusos musculares, acredita-se que esse sistema eferente gama funcione como um sistema de amortecimento dos movimentos de diferentes partes do corpo, especialmente durante a caminhada e a corrida. O reflexo do estiramento que iremos ver adiante é a melhor manifestação da função do fuso muscular. 3 O grau de excitação basal desse sistema é o que chamamos de tônus muscular. 9 Sistema Nervoso Motor – parte 1 ➢ ÓRGÃOS TENDINOSOS DE GOLGI Os órgãos tendinosos de Golgi são estruturas encapsuladas delgadas localizadas na junção entre as fibras musculares esqueléticas e o tendão. Cada cápsula contém várias fibras de colágeno trançadas dispostas em série com um grupo de fibras musculares. Cada órgão tendinosos de Golgi é inervado por uma fibra do tipo Ib que se ramifica em terminações muito delicadas dentro da cápsula que se entrelaçam com as fibras do colágeno (vide Figura abaixo). O estiramento do órgão tendinoso de Golgi estica as fibras de colágeno comprimindo, assim, as terminações nervosas desencadeando disparos. Portanto, esses receptores são sensíveis às mudanças de tensão no músculo – os órgãos tendinosos de Golgi medem continuamente a força de contração muscular. Os sinais dos órgãos tendinosos de Golgi são transmitidos por fibras sensoriais do tipo Ib, de condução rápida e grande diâmetro, apenas ligeiramente menores que as fibras dos fusos musculares. Assim como as fibras que transmitem sinais dos fusos musculares, essas fibras, ao penetrarem na medula, se ramificam e fazem sinapses na medulares e participam de circuitos locais, ou formam as vias ascendentes longas para cerebelo (via inconsciente) ou para córtex (via consciente) – vide figura abaixo. 10 Sistema Nervoso Motor – parte 1 OS REFLEXOS MEDULARES Charles Sherrington, em 1906, propôs que os reflexos simples seriam a unidade básica do movimento. Dizemos que os reflexos são movimentos automáticos e estereotipados em resposta à estimulação de receptores periféricos. Os estímulos sensoriais para os reflexos espinhais surgem de receptores nos músculos, nas articulações e na pele, e os circuitos neurais responsáveis pela resposta motora estão inteiramente contidos na medula espinhal. Para compreender a base neural dos reflexos e como eles podem ser modificados para determinadas tarefas, devemos primeiro conhecer como as vias reflexas estão organizadas na medula espinhal. As vias envolvidas nas respostas reflexas medulares podem ser monossinápticas ou polissinápticas. O reflexo monossináptico mais estudado e mais importante é o reflexo do estiramento. Dentre os reflexos polissinápticos iremos estudar o reflexo de retirada e extensor cruzado. VIA MONOSSINÁPTICA Reflexo de estiramento É o reflexo espinhal certamente mais estudado e, talvez, um dos mais importantes. Ele é uma resposta ao alongamento muscular. É um reflexo monossináptico pois há apenas uma sinapse – há, portanto, uma conexão direta entre a fibra sensitiva e o neurônio motor, como mostra a figura abaixo. 11 Sistema Nervoso Motor – parte 1 O receptor, como vimos, que detecta a mudança de comprimento muscular é o fuso muscular. O axônio do tipo Ia desse receptor faz conexões excitatórias diretas com os neurônios motores (como visto na Figura acima) e, também, com interneurônios que inibem os neurônios motores que inervam músculos antagonistas, exemplo de INERVAÇÃO RECÍPROCA4 (Figura abaixo). Essa inibição previne contrações musculares que poderiam impor resistência aos movimentos produzidos pelos reflexos do estiramento. A sensibilidade do reflexo do estiramento é amplamente avaliada na prática clínica. O objetivo é determinar quanto de excitação basal, ou “tônus”, o encéfalo está enviando para a medula espinhal. A pesquisa é feita pela percussão do tendão (aqui utilizamos um martelo de reflexo) de um determinado músculo levando ao seu estiramento súbito e, consequentemente, 4 A excitação de um grupo de músculos e a inibição de seus antagonistas, que atuam na direção oposta, é o que Sherrington chamou de INERVAÇÃO RECÍPROCA, um princípio básico da organização motora. 12 Sistema Nervoso Motor – parte 1 aumento no disparo do fuso muscular. A sinalização do fuso muscular, aumentando a sua frequência de disparo, em decorrência do estiramento leva à resposta reflexa de contração imediata do músculo que foi estirado. Um dos reflexos mais pesquisados é o reflexo patelar – figura abaixo. Avaliação desses reflexos fornecem informações, não só da sensibilidade dos fusos musculares do músculo que está sendo estirado, mas também da integridade das estruturas do arco reflexo (neurônio sensorial e neurônio motor – do segmento medular envolvido na inervação de determinado músculo). Os principais reflexos de estiramento e nível de integração medular (com principal raízes/nervos espinhal envolvido na transmissão dos sinais) são os seguintes: • AQUILEU – raiz S1 (L5-S2) • PATELAR – raiz L4 (L2-L4) • BICIPITAL – raiz C5 (C5-C6) • ESTILORRADIAL – raiz C6 (C5-C6) • TRICIPITAL – raiz C7 (C7-C8) As respostas esperadas na pesquisa do reflexo são as seguintes: normal, ausente (abolida), diminuída (hiporreflexia) ou aumentada/exaltada (hiperrreflexia). Como regra geral, temos que em lesões periféricas (do sistema nervoso periférico – nervos periféricos, raízes, junção neuromuscular ou músculo) os reflexos estão diminuídos ou abolidos. Nas lesões do sistema nervoso central os reflexos estão aumentados/exacerbados. Quando os reflexos estão muito exacerbados, por exemplo em um paciente com sequela de acidente vascular cerebral que lesou o córtex motor, podemos observar no lado do corpo contralateral à lesão cortical, além dos reflexos exacerbados, oscilações nos abalos musculares ao estímulo de estiramento de um músculo e chamamos esse achado 13 Sistema Nervoso Motor – parte 1 clínico de clônus muscular – podemos pesquisar clônus no tornozelo fazendo uma extensão súbita do pé (dorsiflexão) e segurando o pé nessa posição iremos perceber abalos por contrações rítmicas dos músculos posteriores da perna que foram estirados (principalmente, os gastrocnêmios). VIA POLISSINÁPTICA Reflexo flexor de retirada – reflexos de flexão e de extensão cruzada É um reflexo de proteção e leva à retirada do um membro do estímulo doloroso pela contração coordenada de todos os músculos flexores desse membro. Sabe-se que é um reflexo espinhal porque persiste após a transecção total da medula. Como mostra a figura abaixo, o sinal sensorial ativa vias reflexas polissinápticas divergentes. Uma via excita os neurônios motores que ativam músculos flexores do membro estimulado, enquanto outra inibe os neurôniosmotores que inervam os músculos extensores do membro5. O reflexo pode produzir um efeito oposto no membro contralateral, ou seja, excitação dos neurônios motores extensores e inibição dos neurônios motores flexores. Esse reflexo é chamado de REFLEXO EXTENSOR CRUZADO e serve para reforçar a sustentação postural durante a retirada de um pé de um estímulo doloroso. Embora esse reflexo seja relativamente estereotipado, tanto a duração da resposta quanto a força de contração muscular dependem da intensidade do estímulo. 5 Novamente aqui o conceito de INERVAÇÃO RECÍPROCA – quando um músculo contrair, seu antagonista deve relaxar. 14 Sistema Nervoso Motor – parte 1 Os interneurônios inibitórios – inervação recíproca A inervação recíproca é útil não apenas para o reflexo do estiramento, mas também para os movimentos voluntários. Os interneurônios inibitórios Ia envolvidos no reflexo do estiramento também são usados para coordenar a contração muscular durante um movimento voluntário. Esses interneurônios recebem aferências de colaterais de axônios descendentes dos neurônios do córtex motor que fazem conexões sinápticas excitatórias diretas com neurônios motores espinhais. Esse aspecto organizacional simplifica o controle dos movimentos voluntários para que os centros superiores não tenham que enviar comandos separados os músculos antagonistas. Esses interneurônios inibitórios Ia recebem sinalização tanto excitatória quanto inibitória de todas as principais vias descendentes. Eles são inibidos quando é necessária a contração simultânea dos músculos agonistas e antagonistas. Tal contração conjunta tem efeito de tornar mais rígida uma articulação para estabilizar e garantir precisão de um movimento. Células de Renshaw A atividade dos neurônios motores espinhais também é regulada por outra classe importante de interneurônios inibitórios – as células de Renshaw. Esses interneurônios são excitados por colaterais dos axônios de neurônios motores e fazem conexões sinápticas inibitórias com várias populações de neurônios motores, inclusive com os neurônios motores que as excitam, com neurônios motores adjacentes e com os interneurônios inibitórios Ia. Assim, a estimulação de cada neurônio motor tende a inibir os neurônios 15 Sistema Nervoso Motor – parte 1 motores adjacentes, efeito que é chamado de inibição lateral. As conexões com neurônios motores constituem um sistema de retroalimentação negativa, que pode ajudar na estabilidade da frequência de disparos dos neurônios motores, além de usar a inibição lateral para focalizar um sinal, suprimindo a tendência de se espalhar lateralmente. As conexões com interneurônios inibitórios Ia podem regular a intensidade da inibição dos neurônios motores antagonistas. As células de Renshaw também recebem aferência sináptica importante de vias descendentes. Portanto, essas células provavelmente contribuam para estabelecer o padrão de sinalização das vias sensoriais divergentes de acordo com a tarefa motora. A Figura abaixo mostra as conexões das células de Renshaw no corno anterior da medula. Essas células são inibitórias e seu neurotransmissor principal é a glicina. Estão relacionadas a duas situações patológicas: ao tétano e intoxicação por estricnina. Nessas duas situações as células de Renshaw perdem sua função inibitória. A toxina tetânica age impedindo a liberação da glicina na fenda sináptica e a estricnina age impedindo a ligação da glicina ao seu receptor na célula-alvo (como o neurônio motor no corno anterior da medula). Nessas duas situações ocorre uma hiperexcitabilidade motora levando à tetania generalizada. Interneurônio Inibitório Ib e Reflexo Tendinoso de Golgi Este é um outro grupo de interneurônios inibitórios da medula que também recebe extensa aferência convergente. Sua principal aferência vem dos órgãos tendinosos de Golgi, os receptores sensoriais que sinalizam a tensão em um músculo e estabelece 16 Sistema Nervoso Motor – parte 1 conexões inibitórias com os neurônios motores homônimos (neurônios motores que inervam o mesmo músculo de onde se originou o estímulo). Essa conexão explica o mecanismo descrito do reflexo tendinoso de Golgi (Figura abaixo). Embora a descrição acima leve à ideia de que a estimulação dos órgãos tendinosos de Golgi causem sempre a inibição (ou seja, relaxamento) do músculo que originou o estímulo (como um reflexo de proteção contra lesão muscular), sabe-se que em situações naturais, as vezes, a excitação dos órgãos tendinosos de Golgi pode levar a excitação do músculo homônimo. Isso ocorre porque esses receptores sinalizam mudanças mínimas na tensão muscular, provendo, assim, o sistema nervoso com informação precisa sobre o estado de contração muscular e, além disso, outras vias convergem para esses interneurônios como sinais provenientes dos fusos musculares, dos receptores cutâneos, das articulações e das vias descendentes. 17 Sistema Nervoso Motor – parte 1 Reflexos posturais e de locomoção São descritos os seguintes reflexos relacionados à postura e locomoção: ➢ - Reação de suporte positivo ou sustentação positiva – envolve circuitos complexos, polissinápticos e multissegmentares. O reflexo é desencadeado pela pressão no coxim adiposo na região plantar. O local da pressão determina a direção na qual o membro se estenderá e essa reação impede a queda para esse lado onde ocorreu a maior pressão plantar. ➢ - Reflexos espinhais de endireitamento – o estudo desse reflexo mostrou que alguns reflexos complexos associados à postura são integrados na medula espinhal. ➢ - Movimentos de passo e de marcha – podemos dizer que a medula espinhal é um controlador eficiente do andar. Na medula existem circuitos complexos, multissegmentares e polissinápticos, responsáveis pelo movimento ritmado dos passos e o sistema de inervação recíproca garante o movimento alternado dos membros durante a marcha – quando um membro se projeta para frente, o membro oposto se projeta para trás. Essa complexidade também envolve os membros superiores e o mesmo sistema de inervação recíproca leva ao movimento em diagonal dos membros superiores e inferiores durante a marcha. Esse circuito que garante a marcha existe apenas na medula espinhal. Os centros superiores apenas mandam comando para esse sistema iniciar ou parar a marcha. Outros reflexos integrados na medula espinhal de importância clínica ➢ - Reflexos que provocam espasmos musculares – em geral, desencadeado por estímulo doloroso. O estímulo doloroso leva a contração reflexa de músculos inervados pelos mesmos segmentos medulares relacionados com a área da origem do estímulo doloroso. ➢ - Reflexos autonômicos medulares – quando formos estudar o sistema nervoso autônomo iremos ver que muitos reflexos autonômicos são integrados na medula, os principais estão relacionados ao tônus vascular e à sudorese. e-mail para contato: harada.kelly@gmail.com mailto:harada.kelly@gmail.com
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