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O CONCEITO DE CULTURA CORPORAL E SUA RELAÇÃO COM A MÍDIA Marcelo Augusto Calixto Porto Paulo Arthur Santos Mendes Riccelli Sullivan Louzeiro Miranda Ruan da Silva Botelho Prof. Rafael Thallisson Mendes dos Santos Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Bacharelado em Educação Física (BEF0228) – Prática Interdisciplinar (27/05/2020) RESUMO O presente trabalho tem por objetivo compreender o conceito do termo cultura corporal e foi concebido através de uma análise bibliográfica de diversos autores na área da Educação Física. No primeiro momento é realizando um diálogo entre eles visando alargar o entendimento em torno do tema, explorando os diversos pontos de vista apresentados. No segundo momento apresentamos a relação das mídias e sua influência na cultura corporal, identificando as tendências e discutindo acerca de como a Educação Física ainda é “rotulada” pelos modelos de estética corporal, questionando assim a tradição da educação Física. Palavras-chave: Corpo, Cultura Corporal, Educação Física, Mídia. 1. INTRODUÇÃO Quando ouvimos a palavra cultura, isso logo nos remete a hábitos sociais, comportamentos, costumes repassados de geração a geração ou crenças que diferenciam um grupo de outro. São muitos os significados. A definição de corpo trata da constituição, estrutura física, humana ou animal. Mas esses conceitos podem ir muito além disso, pois conforme Certeau (citado por SANT'ANNA, 1995), cada sociedade tem seu corpo, assim como cada sociedade tem sua língua, e, assim como a língua, "o corpo está submetido à gestão social tanto quanto ele a constitui e a ultrapassa" (SANT'ANNA, 1995, p. 12). Enfim, o corpo é construção cultural. DAOLIO (2004) fez algumas colocações sobre o termo cultura relacionado à Educação Física, com base na análise de abordagens pedagógicas de alguns autores contemporâneos, evidenciando que em todo o fazer pedagógico há um conceito implícito ou explicito, de cultura. “É 2 possível perceber a utilização da expressão “cultura” acompanhada de termos como “física”, “corporal”, “de movimento”, “corporal de movimento”, e outros. Entretanto, essa utilização aparece de forma superficial, por vezes incompleta ou de forma reducionista” (Daólio, 2004, p.13). A expressão cultura corporal tornou-se corriqueira na literatura específica da Educação Física, por isso, não objetivamos com este trabalho conferir um único ou incontestável sentido a este termo, mas sim refletir acerca da categoria cultura corporal e de sua compreensão, demonstrada a partir de uma análise bibliográfica, realizada com a captação de publicações relacionadas ao tema, buscando em renomados educadores respaldo para nossa investigação. Os textos aqui apresentados foram analisados de forma crítica, a fim de discutir as informações obtidas. 2. TRABALHANDO O CONCEITO DE CULTURA CORPORAL Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) a Educação Física é entendida como uma área que trata de um tipo de conhecimento denominado cultura corporal de movimento e que tem como temas o jogo, a ginastica, o esporte, a dança, as lutas e outras temáticas. Vários autores na área da Educação Física, entre eles, Betti (2001, 2003), Bracht (1996), Escobar (1995), Kunz (1991), Daólio (2004), Soares; Taffarel; Castellani Filho e outros (1992) utilizam expressões diferenciadas para tratar do conceito de cultura corporal. Segundo um artigo publicado na Revista Eletrônica Teias em 2018, o conceito de cultura, na área da Educação Física, apareceu nas décadas de 80 e 90, onde autores como Betti (2001) e Bracht (1996) adotam o conceito “cultura corporal de movimento”. O primeiro entende que o termo representa uma vertente da cultura geral, que engloba as formas culturais que têm sido construídas historicamente no plano material e simbólico, com a prática da motricidade humana. Para Betti (2003), propositor da abordagem sistêmica e que tem a Sociologia como fonte de inspiração, a cultura corporal de movimento objetiva a “melhoria qualitativa das práticas constitutivas daquela cultura, mediante referenciais científicos, filosóficos, pedagógicos e estéticos” (p. 151). Os 3 conteúdos se revelam no jogo, no esporte, na ginástica e nas práticas de aptidão física, nas atividades rítmicas/expressivas e de dança, nas lutas/artes marciais. Para Bracht (1996), [...] o movimentar-se é entendido como uma forma de comunicação com o mundo que é constituinte e construtora de cultura, mas também, possibilitada por ela. É uma linguagem, com especificidade, é claro, mas que enquanto cultura habita o mundo do simbólico. A naturalização do objeto da EF por outro lado, seja alocando-o no plano do biológico ou do psicológico, retira dele o caráter histórico e com isso sua marca social. Ora, o que qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do mover-se. Sentido/significado mediado simbolicamente e que o colocam no plano da cultura. (p. 24) Entre os autores brasileiros, Bracht (1989) foi o primeiro a utilizar esta expressão: No seu sentido "restrito" o termo Educação Física abrange as atividades pedagógicas tendo como tema o movimento corporal que tomam lugar na instituição educacional. No seu sentido "amplo" tem sido utilizado para designar, inadequadamente a meu ver, todas as manifestações culturais ligadas à ludomotricidade humana, que no seu conjunto parece-me serem melhor abarcadas com termos como cultura corporal ou cultura de movimento (p. 13). Em seu discurso ele denuncia as influencias militaristas e esportivistas pelas quais a Educação Física encontra-se subordinada e busca recolocar a área, definindo-a como um campo de estudos que abrange todas as manifestações de cultura corporal, ao invés de restringi-la somente ao estudo do movimento. Segundo Escobar (1995), cultura corporal se refere ao "amplo e riquíssimo campo da cultura que abrange a produção de práticas expressivo-comunicativas, essencialmente subjetivas que, como tal, externalizam-se pela expressão corporal" (ESCOBAR, 1995, p. 94). Na obra Coletivo de Autores (1992), focalizamos uma reflexão acerca da categoria cultura corporal onde os autores defendem que ela beneficia os interesses das classes populares, pois valores como individualismo e competição abrem espaço para a solidariedade e cooperação, princípios essenciais para a liberdade de expressão de movimentos e de acordo com a abordagem críticossuperadora, a cultura corporal é objeto de estudo da Educação Física e promove [...] uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólicas vividas pelo 4 homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 38). Kunz (1991), faz uma crítica ao uso da nomenclatura “cultura corporal”, por acreditar que qualquer atividade humana é manifestada pelo corpo e que no uso de tal conceito estaria subjacente a dicotomia corpo/mente, daí preferir o autor utilizar a expressão “cultura de movimento”. Em uma entrevista concedida à Revista Pensar a Prática, ele retratou o que entende por cultura de movimento. [...] como já vinha insistindo na questão do movimento humano como objeto central para a nossa área, encontrei na literatura alemã o conceito de cultura de movimento, com uma certa sustentação teórica para tal. Passei, então, a utilizá-lo em lugar de cultura corporal. Assim, em 1994, com base em Dietrich e Landau, redefini cultura de movimento como sendo “todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extraesporte (ou no sentido amplodo esporte) e que pertencem ao mundo do ‘se movimentar’ humano, o que o homem por este meio produz ou cria, de acordo com a sua conduta, seu comportamento, e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações. (2006, p. 68). Até aqui percebemos que são inúmeras as questões acerca do tema e que cada autor apresenta sua razão para o uso das diferentes terminologias e que apesar das justificativas que cada um apresenta para a utilização de um termo ou outro, o mais importante do que a escolha de uma das expressões é ter o entendimento do conceito e a pratica dentro da uma organização escolar, corporativista ou social e com a participação de todos os envolvidos no processo. Lovisolo (1996, p. 60) respalda tal entendimento, ao perceber a origem da Educação Física como campo de resposta a problemas práticos de formação corporal e moral dos indivíduos, vinculado a uma longa tradição "que visualiza na prática do esporte e da atividade física um caminho válido de formação de corpos sadios, fortes e resistentes, de atitudes e valores considerados como morais e necessários para os indivíduos e a sociedade, de controle social, de adaptação e integração social, entre outros objetivos". Apesar de que no passado a Educação Física no Brasil não tinha como como meta a emancipação humana, o cenário de hoje é bem diferente e ela vem tentando formar uma consciência mais crítica nas pessoas a respeito de coletividade. 5 3. A PARTICIPAÇÃO DA MÍDIA NA CONSTRUÇÃO DA CULTURA CORPORAL Percebendo as implicações que a Educação Física priorizou no decorrer de sua história, estreitando seus objetivos e ignorando o vínculo sócio-histórico-cultural de seus conteúdos, ocorrem dualismos na matéria e isso faz muitas vezes que ela continue a ser rotulada e pautada na valorização do corpo estereotipado, do corpo malhado, atlético e na teoria sabemos que seus conteúdos vão bem além disso. As mídias (televisão, jornais, revistas, internet, entre outras.) são grandes incentivadoras desse modelo. Ao consideremos como exemplo as capas das revistas, cujas temáticas são beleza, fitness, dieta e saúde, como podemos observar abaixo: FIGURA 1: CAPA CAPA DA REVISTA MUSCLE IN FORM, EDIÇÃO 86 FONTE: Disponível em: <http://www.saradosdobrasil.com/2015/04/icone-do-fitness-felipe-franco-mostra-barriga- tanquinho-em-capa-de-revista.html> Acesso em: 15 mai. 2020. 6 FIGURA 2: CAPA CAPA DA REVISTA MUSCLE IN FORM, EDIÇÃO 87 FONTE: Disponível em: <http://ego.globo.com/famosos/noticia/2015/05/kelly-key-exibe-corpo-saradissimo-em- revista-fitness.html> Acesso em: 15 mai. 2020. Destaca-se na primeira imagem, o fisiculturista Felipe Franco, jovem e sorridente, fotografado levantando a camisa e exibindo a barriga tanquinho. A atleta é assim apresentado como manchete principal: "ÍCONE DO FITNESS FELIPE FRANCO"; seguindo com três destaques: "Ele tem milhares de admiradores; É destaque nas competições; E faz sucesso como 7 empresário". Abaixo da manchete, quatro chamadas: "Circuit Training. O programa de treinamento que garante força, condicionamento e resistência; Para bem-estar físico, mental e espiritual, aposte no mahamudra; Parece chocolate, mas é alfarroba. E ainda é proteica, tem fibras e baixo valor calórico" e “o bê-á-bá dos suplementos para o consumo certo”. Do lado direito da capa, temos outra chamada: “Top 5. Especialista lista os melhores suplementos pré- treino”. Como destaque na segunda imagem, temos a cantora Kelly Key, jovem, bela, magra e sorridente, trajando biquíni, levantando a camiseta mostrando a barriga, fotografada das coxas para cima. A artista é assim apresentada na manchete principal: "KELLY KEY esnoba e com razão: BABA BABY! Ela não acordou assim, toda sarada. Esse é o resultado de muito treino e dieta". Outra manchete, logo baixo desta promete: "6 dicas que vão acelerar a hipertrofia muscular". Seguida de outra chamada: "Panturrilhas ou batatada perna? O que você prefere? São 4 exercícios para fazer a diferença”. Do lado direito da capa, temos quatro chamadas: “Quando as frutas podem influenciar na dieta”; “Acertando a postura” com a explicação “Os exercícios que são primordiais e podem afastar os problemas de coluna”; Menos açúcar e mais saúde” destacando a importância de reduzir o consumo de açúcar e “Pare de sabotagem. Cinco atitudes que estão minando a sua capacidade de evoluir como bodybuilder”. Vemos aí como a saúde ou bem estar podem estar associados a um modelo estético corporal e as mídias possuem importante influência nas práticas corporais. Este é um dos fatores que ainda levam a Educação Física a ser caracterizada pelo objetivo principal de “cuidar” do físico, enquanto as outras disciplinas se responsabilizam pelo desenvolvimento da mente. Para Betti (2003) é evidente a interferência da mídia no âmbito da cultura corporal de movimento, sugerindo diversas praticas corporais, reproduzindo-as, mas também as transformando e construindo novos modelos de consumo, daí sua influência no campo pedagógico. Betti e Zuliani (2002) ainda explicam que: 8 É tarefa da Educação Física preparar o aluno para ser um praticante lúcido e ativo, que incorpore o esporte e os demais componentes da cultura corporal em sua vida, para deles tirar o melhor proveito possível. Tal ato implica também compreender a organização institucional da cultura corporal em nossa sociedade; é preciso prepará-lo para ser um consumidor do esporte-espetáculo, para o que deve possuir uma visão crítica do sistema esportivo profissional. Que contribuição a Educação Física pode dar para o melhor usufruto do esporte-espetáculo veiculado pela televisão? Instrumentalizar o aluno para uma apreciação estética e técnica, fornecer as informações políticas, históricas e sociais para que ele possa analisar criticamente a violência, o doping, os interesses políticos e econômicos no esporte. É preciso preparar o cidadão que vai aderir aos programas de ginástica aeróbica, musculação, natação, etc., em instituições públicas e privadas, para que possa avaliar a qualidade do que é oferecido e identificar as práticas que melhor promovam sua saúde e bem-estar. É preciso preparar o leitor/espectador para analisar criticamente as informações que recebe dos meios de comunicação sobre a cultura corporal de movimento. (p. 75). Desta forma, analisamos dentro destes discursos a necessidade de saber correlacionar o conhecimento em torno da temática cultura corporal, não se resumindo apenas ao conceito propriamente dito, mas também aos valores elencados a ela, como ética, bom senso, compromisso humano, entre outros. 4. CONCLUSÃO Através da coleta de dados apresentados neste trabalho observamos que o conceito de cultura corporal é compreendido e defendido de diversas formas. Em alguns autores encontramos aproximações e em outros discordâncias. Porém, nosso interesse não foi incentivar nenhum tipo de aproximação ou discordância e sim, apresentar as diversas óticas acerca do tema. Mesmo com as diferenças, é possível entender cultura corporal como linguagem, algo constituinte da produção cultural humana (dança jogos, recreação, esporte, ginástica, lutas, etc.), fator capaz de estabelecer relações e através destas vivências oportunizar ao indivíduo visão crítica sobre o meio ele integra. Vimos sobre a participação da mídia na criação deste conceito. Da forma como ele é visto e recebido pelas pessoas. Aproveitamos a oportunidade para questionar o domínio da mídia nas práticas corporais. Como esses estímulos são controlados e o que posicionamento, nós, futuros profissionais de Educação Física devemos tomar diante das circunstâncias? 9 Falar de cultura corporal é abrir um leque enorme para diversas outras explanaçõese esperamos com nosso estudo ter aguçado a curiosidade para que futuras práticas sobre o assunto possam ser realizadas. REFERÊNCIAS BETTI, M. Educação física e sociologia: novas e velhas questões no contexto brasileiro. In: CARVALHO, Y.M.; RUBIO, K. (Org.). Educação física e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 2001. p. 155-169. ______. Educação física escolar: do idealismo à pesquisa-ação. 336 f. Tese (Livre-docência em Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação Física e Motricidade Humana) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2003. BETTI, M; ZULIANI, L. R. Educação Física Escolar: Uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, ano 1, n. 1, 2002. BRACHT, V. Educação Física no 1º Grau: Conhecimento e especificidade. In: Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, supl.2, p. 23-28, 1996. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais Primeiro e Segundo Ciclos do Ensino Fundamental Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997. __________. Ministério da Educação e Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1998. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez. 1992. DAOLIO, J. Da Cultura do Corpo. Campinas: Papirus, 1995. DAÓLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004. ESCOBAR, M. O. Cultura Corporal na escola: tarefas da Educação Física. Motrivivência, Florianópolis, ano VII, n. 08, Dezembro, 1995. KUNZ, E. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí, Editora Unijuí, 1991. ______. Entrevista. Revista Pensar a Prática, vol. 4, 2006. LOVISOLO, H. Hegemonia e legitimidade nas ciências do esporte. Motus Corporis, v.3, n. 2, p. 51-72, 1996. 10 REVISTA TEIAS v. 13 • n. 27 • 219-241 • jan./abr. 2012 – CURRÍCULOS: Problematização em práticas e políticas. Disponível em: <https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24262/17241>. Acesso em: 5 mai. 2020. SANT'ANNA, D. B. de. Introdução. In: ______. Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 11-18. SANT'ANNA, D. B. de. Introdução. In: ______. Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 11-18.
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