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Revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde Graduada em Psicologia Especialista em Psicoterapia Psicanalítica Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 P974 Psicologia e criminologia [recurso eletrônico] / Eliane Dalla Coletta... [et al.] ; [revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde]. – Porto Alegre : SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-464-9 1. Psicologia. 2. Direito penal. I. Dalla Coletta, Eliane. CDU 159.9:343.1 Teorias explicativas do crime Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Analisar todas as teorias da aprendizagem do crime. � Reconhecer a teoria do controle social. � Identificar as teorias da frustração e da anomia. Introdução Neste capítulo, você vai estudar as teorias explicativas do crime e a contribuição de cada uma delas para o desenvolvimento da ciência da criminologia. Além disso, você vai conhecer a teoria do controle social, a teoria da anomia, teoria da frustração. A criminologia pode ser considerada uma ciência moderna e atual, na qual é possível aplicar as teorias desenvolvidas por meio de tantas outras ciências que lhe complementam. Entre os objetos mais importantes da criminologia estão o crime, o criminoso, o controle social e a vítima, havendo uma conexão entre esses elementos. Teorias da aprendizagem do crime Partindo de uma visão macrossociológica, as teorias criminológicas que explicam o crime não estão limitadas puramente à análise do delito segundo uma visão do indivíduo ou de pequenos grupos. Essas teorias consideram a sociedade de modo geral. Entre as diversas teorias sociológicas que visam a explicar o crime, estão: � Escola de Chicago; � associação diferencial; � anomia, subcultura delinquente; � labelling approach; � teoria crítica (radical). Escola de Chicago A Escola de Chicago, também chamada de teoria da ecologia criminal ou teoria da desorganização social, trata-se de uma vertente criminológica (FIGUEIREDO, 2018). Ela surgiu durante a Revolução Industrial nos Es- tados Unidos, onde os estudos sociológicos foram carregados de influência religiosa. Com a Revolução, houve aproximação entre as elites e a classe baixa, sobretudo por uma matriz de pensamento, formada na Universidade de Chicago, que se denominou teoria da ecologia criminal ou desorganiza- ção social, cujos maiores expoentes foram Clifford Shaw e Henry Mckay (PENTEADO FILHO, 2012). A Escola de Chicago foi a primeira instituição a formular estudos urbanos tendo a cidade como objeto. A Universidade de Chicago foi fundada em 1895, mediante uma generosa doação de verbas operacionalizada por John D. Rockefeller, milionário americano que fez fortuna com indústrias de petróleo e teve uma vida marcada por grandes trabalhos filantrópicos. Essa vertente criminológica buscou, por meio da análise empírica da cidade de Chicago, explicar o surgimento da criminalidade. Assim, tentou, com base na observação, apontar os locais na cidade com maior densidade criminal e a razão disso. Chicago recebeu, nos anos 1900, um grande movimento mi- gratório, o que fez com que mais da metade de sua população fosse formada principalmente por estrangeiros que buscavam melhores oportunidades de vida. Assim, a partir desse cenário, foram realizados inquéritos sociais, com acompanhamentos individuais. Para tanto, dividiu-se a cidade em círculos concêntricos, o que ficou conhecido como teoria dos círculos concêntricos (FIGUEIREDO, 2018). Observe a Figura 1, a seguir, que representa as zonas da cidade de Chicago. Teorias explicativas do crime2 Figura 1. Zonas da cidade de Chicago (teoria dos círculos concêntricos). Fonte: Figueiredo (2018). Loop: área comercial e administrativa Zona de transição Zona residencial de pessoas pobres Zona residencial de pessoas de classe média Zona residencial de pessoas ricas Na Figura 1, você pôde notar que as indústrias estavam nas regiões cen- trais. Nessas regiões também se localizavam as residências das pessoas mais pobres (os trabalhadores). Já nos círculos mais periféricos se localizavam as residências das pessoas mais abastadas. Com os inquéritos sociais, percebeu-se que o centro era menos organizado. Os estrangeiros se aglomeraram, por clara necessidade, nos centros próximos aos seus locais de trabalho. Os ricos, por sua vez, viviam em um ambiente mais confortável (nos extremos), distante da poluição pobre e das indústrias (FIGUEIREDO, 2018). Assim, as análises feitas demonstraram que os locais de maior desorga- nização social eram mais suscetíveis à atuação criminosa. Além disso, essas análises constataram existir uma organização peculiar de cidades dentro das cidades. Você pode considerar, portanto, que o conceito tradicional de cidade não se aplica. É perfeitamente possível que haja, em um dos círculos, altos índices de criminalidade e, em outro círculo, baixo nível de criminalidade. Não se pode concluir que os habitantes que vivem nos círculos centrais cometerão crimes, todavia a ocorrência criminosa nesses locais se mostrou muito mais acentuada (FIGUEIREDO, 2018). Na Escola de Chicago, são pilares de estudo: o funcionalismo em psicologia, a sociologia urbana, a ecologia humana, as formas sociológicas da psicologia social que receberam o nome de behaviorismo social e o interacionismo sim- bólico. Todas essas áreas produzem contribuições relevantes até os dias atuais, 3Teorias explicativas do crime analisando a relação indivíduo-comunidade, utilizando a interpretação como método e estudando a linguagem como fator que intervém na comunicação. A Escola de Chicago pode ser considerada uma escola de atividade, não de pensamento. Ela reuniu pessoas que trabalhavam juntas, mesmo sob orientações teóricas diferentes. Se fosse uma escola de pensamento, englobaria um grupo de pessoas que pensavam de modo semelhante (BECKER, 1996). Fortemente influenciada pelo sociólogo alemão Georg Simmel, a Escola de Chicago reuniu grandes pensadores, contribuindo para o desenvolvimento da sociologia, da antropologia, da criminalidade e da economia. Na sociologia, a Escola de Chicago é uma das pioneiras do estudo dos centros urbanos, combinando conceitos teóricos e pesquisa de campo de caráter etnográfico (PENTEADO FILHO, 2012). Os expoentes da Escola de Chicago foram William I. Thomas, Florian Znaniecki, Robert E. Park, Louis Wirth, Ernest Burgess, Everett Hughes e Robert McKenzie. A Escola de Chicago trouxe a abordagem de estudos em antropologia ur- bana. De acordo com tal abordagem, o meio urbano é o principal foco. Assim, foram realizados estudos relacionados ao surgimento de favelas, à proliferação do crime e da violência, ao aumento populacional e às características do século XX, por exemplo (PENTEADO FILHO, 2012). Foi na Escola de Chicago que se desenvolveu a teoria das janelas quebradas (broken windows theory), criada por James Q. Wilson e George Kelling. Essa teoria prega que qualquer ato de desordem deve ser reprimido. Segundo a teoria, se uma janela de um prédio for quebrada e não for substituída, a tendência é que vândalos passem a quebrar as demais janelas e, ato contínuo, passem a ocupar/invadir o prédio e destruí-lo. Isso significa dizer que desordem gera desordem. Assim, um comportamento antissocial pode dar origem a vários delitos e tais atos poderão ser difusores de inúmeros outros crimes mais graves. Essa teoria foi elaborada para ser utilizadas pelo prefeito de Nova Iorque no desenvolvimento de uma política repressiva e autoritária de combate ao crime (tolerância zero). Portanto, o fundamento era combater qualquer comporta- mento que fugisse aos padrões sociais (MONTINEGRO, 2015). Teorias explicativas do crime4 A teoria da associação diferencial Trata-se de uma teoria criada pelo americano Edwin H. Sutherland. A teoria da associação diferencial traz a ideia de que o comportamento criminoso dos indivíduos tem sua gênese na aprendizagem promovida pelo contato com padrões de comportamentofavoráveis à violação da lei, em contraposição aos contatos contrários à violação da lei (PENTEADO FILHO, 2012). Como compartilha dessas premissas, a teoria da associação diferencial é considerada uma teoria sociológica da criminologia e, como todas, tenta explicar a formação do comportamento criminoso apenas pelo âmbito social, desprezando a razão pessoal/subjetiva pela qual alguém se torna criminoso (PENTEADO FILHO, 2012). Para Sutherland, a teoria da associação dife- rencial possui o objetivo de desconstruir as teorias que colocavam a causa da criminalidade em fatores biológicos ou psíquicos. Uma das inovações fundamentais da associação diferencial é que ela também critica as teorias com bases sociológicas que associam a criminalidade à pobreza (PENTEADO FILHO, 2012). A teoria da associação diferencial procura ser passível de aplicação em todos os casos, incluindo os chamados “delitos de colarinho branco”, ou seja, crimes cometidos por indivíduos de classe alta no exercício de suas profissões. As teorias sociológicas focadas na pobreza e nas suas decorrências como determinantes do crime não eram suficientes, pois não conseguiam explicar, entre outros, esses delitos citados. Assim, Sutherland consegue focar em atos específicos (abordagem positivista), em vez de nas condutas subjetivas de cada indivíduo (PENTEADO FILHO, 2012). Labelling approach A teoria do labelling approach (interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou reação social) é considerada uma das mais importantes teorias de conflito. Essa teoria surgiu nos anos 1960, nos Estados Unidos, e seus principais expoentes foram Erving Goffman e Howard Becker. Os ensina- mentos dessa teoria pairam sobre a ideia de que a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo em que se atribui tal “qualidade” (estigmatização). Assim, o criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que recebe (PENTEADO FILHO, 2012). O cerne dessa teoria é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de criminoso. A sociedade define que “conduta desviante” é o comportamento 5Teorias explicativas do crime considerado perigoso, constrangedor. Assim, impõe sanções àqueles que se comportarem dessa forma. A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os condenados, e a pena funciona como geradora de desigualdades (PENTEA DO FILHO, 2012). O sujeito acaba sofrendo reação da família, de amigos, co- nhecidos e colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola. Sustenta-se que a criminalização primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas, etc.) acaba por im- pregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que nova conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, com rotinas do cárcere, etc. (PENTEADO FILHO, 2012). Uma versão mais radical da teoria da rotulação de criminosos aponta que a crimina- lidade é apenas a etiqueta aplicada por policiais, promotores, juízes criminais, isto é, pelas instâncias formais de controle social. Outros, menos radicais, entendem que o etiquetamento não se acha apenas na instância formal de controle, mas também no controle informal, no interacionismo simbólico na família e na escola (“irmão ovelha negra”, “estudante rebelde”, etc.) (PENTEADO FILHO, 2012). Teoria crítica ou radical Essa teoria de conflito teve origem no início do século XX, por meio da obra de Bonger, com nítida influência do marxismo. Ela entende que o capitalismo é a base da criminalidade, na medida em que promove o egoísmo, levando o indivíduo a delinquir. A teoria crítica sustenta que o comportamento dos menos favorecidos é o mais perseguido, diferentemente da criminalidade dos poderosos. Essa teoria tem origem marxista, revelando a estigmatização da população marginalizada, alvo preferencial do sistema punitivo (PENTEADO FILHO, 2012). Teorias explicativas do crime6 As principais características da teoria crítica são: � a concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de proteger os interesses do grupo social dominante); � o fato de reclamar compreensão e até apreço pelo criminoso; � a crítica severa à criminologia tradicional; � a crença de que o capitalismo é a base da criminalidade; � a proposta de reformas estruturais na sociedade para a redução das desigualdades e, consequentemente, da criminalidade. Neorretribucionismo (lei e ordem, tolerância zero, broken windows) Trata-se de outra teoria americana. Surgiu nos Estados Unidos, com a deno- minação “lei e ordem” ou “tolerância zero”, partindo do princípio da teoria das janelas quebradas e inspirada pela Escola de Chicago. É também chamada de realismo de direita ou neorretribucionismo e tem como premissa a ideia de que os pequenos delitos devem ser rechaçados, o que inibiria os mais graves (fulminar o mal em seu nascedouro), atuando como prevenção geral (PENTEADO FILHO, 2012). Em contrapartida, no Brasil, a criminalidade é crescente e organizada a partir dos presídios. Como se não bastasse, progridem também as medidas despenalizadoras, na contramão da história e da necessidade de maior proteção do direito à segurança da sociedade, um direito constitucional fundamental e difuso. Além disso, na periferia dos grandes centros urbanos brasileiros predomina uma indiscutível ausência estatal e, via de regra, uma desordem crescente, formando o ambiente favorável à instalação do crime organizado, das milícias, etc. (PENTEADO FILHO, 2012). O rigorismo da tolerância zero teve sucesso nos Estados Unidos, uma vez que a população se sentia assistida pelo Estado, colaborando assim com o ordenamento. O neorretribucionismo foi aplicado em inúmeros países, em especial nos da América Latina, todavia no Brasil a ausência do Estado, que não fornece à população condições básicas de vida, em nada apoia o sucesso dessa teoria. A lei de tolerância zero é uma das mais conhecidas e populares teorias explicativas do crime da atualidade, demonstrando sucesso real em sua aplicação nos Estados Unidos e, de certa forma, educando gerações que cresceram à luz de seus preceitos. 7Teorias explicativas do crime As condutas desviantes estudadas pela teoria do labelling approach são aquelas cujos praticantes são rotulados pelos demais membros de uma sociedade. Para compreender melhor essa teoria, observe a Figura 2, a seguir. Figura 2. Labelling approach. Fonte: Penteado Filho (2012, p. 87). Teoria do controle social Neste tópico, você vai ver a importância da teoria do controle para a evolução da criminologia como ciência. Para começar, você pode considerar que o Direito é um sistema de regras para a vida em sociedade e que tais regras possuem a finalidade de possibilitar a convivência entre as pessoas. Um exemplo dessas regras é o controle social, e o Direito Penal pode ser considerado o ponto nevrálgico dessa relação. Afinal, é por meio de suas normas que se realiza a parte mais substancial desse controle, pela tipificação das figuras delituosas consideradas mais nocivas à vida do agrupamento e pela segregação do cri- minoso do seio da sociedade (MOLINA; GOMES, 2008). A maioria das teorias da criminologia explica os motivos pelos quais as pessoas ofendem a lei. A teoria do controle faz exatamente o contrário, determinando os motivos pelos quais as pessoas obedecem às leis. O controle social é entendido, assim, como o conjunto de instituições, estratégias e san- ções sociais que pretendem promover e garantir a submissão do indivíduo aos modelos e normas comunitários (MOLINA;GOMES, 2008). Para Di Pietro (1998, p. 123): Teorias explicativas do crime8 Para que o controle social funcione é preciso conscientizar a sociedade de que ela tem o direito de participar desse controle; é preciso criar instrumentos de participação, amplamente divulgados e postos ao alcance de todos. Enquanto o controle social não fizer parte da cultura do povo, ele não pode substituir os controles formais hoje existentes. Na teoria do controle, estudam-se os relacionamentos, os valores e as crenças das pessoas, bem como o modo com que esses fatores as encorajam a não violarem a lei. Por meio dessa teoria e da exploração do processo de socialização e de aprendizado social, se atinge o autocontrole. Por consequên- cia, os comportamentos antissociais que culminariam no crime são reduzidos (MOLINA; GOMES, 2008). A teoria do controle teve seu expoente em Ivan Nye, em 1958. Suas ideias são derivadas das teorias funcionalistas do crime. Para Nye (apud MOLINA; GOMES, 2008), o controle possui quatro premissas, como você pode ver a seguir. 1. Controle direto: a punição é dada ou aplicada em virtude de um com- portamento ilícito, e o cumprimento da norma é recompensado por pais, família e outras figuras de autoridade. 2. Controle interno: um jovem se abstém da delinquência por meio de sua própria consciência. 3. Controle indireto: um jovem se abstém da delinquência por identifi- cação com aqueles que influenciam o seu comportamento e ainda pelo conhecimento de que um ato delinquente pode causar dor e desaponta- mento aos pais e outros com os quais tem relacionamentos próximos. 4. Satisfação das necessidades: se todas as necessidades de um indiví- duo são atendidas, não há nenhuma necessidade de engajamento em atividade criminosa. Assim, a teoria do controle social relaciona-se com a ideia de que as pessoas obedecem às regras e seguem as leis devido ao fato de que esse comportamento é o aceito pela sociedade em geral. As pessoas se esforçam para manter os regulamentos não porque necessariamente concordam com eles, mas devido aos princípios que esses decretos representam. A teoria de controle social é comumente usada em psicologia infantil (MOLINA; GOMES, 2008). A importância da teoria do controle para a criminologia se dá pelo simples fato de que o controle social postula que as pessoas obedecem a certas regras de pressão moral e assim o fazem para salvar a própria pele. Essas pessoas estariam com receio de sair do roteiro estabelecido pelos demais cidadãos 9Teorias explicativas do crime e quebrar as leis, por isso escolhem cumpri-las. A teoria de controle social afirma que, na ausência de normas sociais e culturais, as pessoas agem da forma que quiserem. Essa é uma grande escola da criminologia, pois sustenta que pessoas com fortes ligações sociais são suscetíveis de aderir às normas e aos regulamentos públicos. Aquelas pessoas que pertencem a um meio menos sólido ou que estão em companhia de pessoas já fora da lei estão mais sujeitas a cometerem crimes (MOLINA; GOMES, 2008). As teorias explicativas do crime, provenientes do estudo da criminologia, alinhadas com a psicologia criminal, ajudam os estudiosos a compreender melhor o comportamento humano e o porquê do ato de delinquir. Apesar de atuarem em campos distintos, a psicologia e a criminologia são capazes, juntas, de analisar de forma assertiva e global o comportamento humano. O controle social geralmente se refere a atitudes (participa, fiscaliza, realinha) ou processos sociais e políticos que regulam o comportamento individual e/ou grupal. Tal regulação busca obter conformidade de cumprimento das regras de uma sociedade dada, de um Estado ou de um grupo social, como você pode ver na Figura 3, a seguir. Figura 3. Controle social. Teorias explicativas do crime10 Teoria da anomia e teoria da frustração Teoria da anomia Existem dois conceitos básicos para se estudar a ecologia criminal e seu efeito criminógeno: � a ideia de desorganização social; � a identificação de áreas de criminalidade. Com o crescimento das cidades, o controle social informal começou a perder efeito, de modo que os entes públicos ou de grande expressão, como a família, a igreja e o trabalho, não conseguem mais impedir os atos antissociais. Para Shecaira (2008, p. 167): Uma cidade desenvolve-se, de acordo com a ideia central dos principais autores da teoria ecológica, segundo círculos concêntricos, por meio de um conjunto de zonas ou anéis a partir de uma área central. No mais central desses anéis estava o Loop, zona comercial com os seus grandes bancos, armazéns, lojas de departamento, a administração da cidade, fábricas, estações ferroviárias, etc. A segunda zona, chamada de zona de transição, situa-se exatamente entre zonas residenciais (3ª zona) e a anterior (1ª zona), que concentra o comércio e a indústria. Como zona intersticial, está sujeita à invasão do crescimento da zona anterior e, por isso, é objeto de degradação constante. A teoria da anomia teve seu expoente em Robert K. Merton (1970). Ele introduz o pensamento de sua teoria afirmando que existe uma acentuada tendência nas teorias psicológicas e sociológicas de atribuir o funcionamento defeituoso das estruturas sociais às falhas do controle social. A relação entre o homem e a sociedade insinuada por essa doutrina é bastante clara, mas é muito questionável (MERTON, 1970). Merton tenta de- monstrar como determinadas estruturas sociais exercem uma pressão específica sobre alguns membros da sociedade, levando-lhes a adotar comportamentos desviantes das normas dos comportamentos aceitos. Para Merton (1970, p. 204): “[...] o desvio nada mais é do que uma reação normal do indivíduo a uma situação social e a sua análise pretende proporcionar um enforque sistemático [...] das fontes sociais e culturais do comportamento transviado”. A teoria da anomia também é vista como teoria de consenso, porém com nuances marxistas. Ela afasta-se dos estudos clínicos do delito porque não o compreende como anomalia. Essa teoria insere-se no plano das correntes 11Teorias explicativas do crime funcionalistas, como você já viu, e foi criada por Merton com apoio na doutrina de E. Durkheim (MERTON, 1970). Para essa teoria, a sociedade é um ente feito para funcionar perfeitamente, e para isso necessita que os indivíduos interajam num ambiente de valores e regras comuns. Porém, a cada falha do Estado, é necessário resgatá-lo, preservando-o; se assim não ocorrer, haverá uma disfunção. Para Merton (1970), o comportamento desviado caracteriza-se, no campo sociológico, como um sintoma de dissociação entre as aspirações socioculturais e os meios desenvolvidos para alcançar tais aspirações. Assim, o fracasso no atingimento das aspirações ou metas culturais em razão da impropriedade dos meios institucionalizados pode levar à anomia, isto é, a manifestações comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas (MERTON, 1970). Assim, você pode considerar que a anomia é resultado de uma falta de coesão e ordem, sobretudo no que diz respeito a normas e valores. Em 1938, Robert K. Merton, sociólogo americano, escreveu um famoso artigo de 10 páginas que teve o brilhantismo de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral sobre a anomia. Posteriormente, o artigo foi revisto e transformado pelo autor em sua obra clássica, batizada de Teoria e Estrutura Sociais. Partindo de uma análise da sociedade americana, Merton sustenta que em toda sociedade existem objetivos culturais a serem buscados, entendendo-se como tais os valores socioculturais que norteiam a vida das pessoas. Para buscar essas metas, existem os meios, que são os recursos institucionalizados pela sociedade, aos quais aderem normas de comportamento. Ocorre, assim, que os meios existentes, quando não são suficientes, acarretam um evidente desequilíbrio entre os meios e os objetivos a serem atingidos. Assim, enquanto todos são extremamente estimulados a alcançar asmetas sociais, na realidade apenas alguns poucos as conseguem, por ter ao seu dispor os meios institucionalizados adequados. Merton ilustra isso tomando como exemplo a meta mais importante da sociedade americana: o sucesso na vida. Mas quantas pessoas têm condições de atingir essa meta? Apesar de ser o objetivo da vida de tantos, poucos podem alcançá-la, em face da evidente escassez dos meios institucionalizados, que geralmente estão concentrados nas mãos de pequena parcela da sociedade. Desse quadro descrito resulta um desajus- tamento, um evidente descompasso entre os fins sugeridos a todos e insistentemente estimulados e os recursos oferecidos pela sociedade para alcançar aqueles objetivos. Esse desequilíbrio entre os meios e as metas é o responsável por ocasionar o com- portamento de desvio individual (ou de desvio em grupo), pois o indivíduo imbuído no foco de alcançar as metas ditadas pela sociedade, não possuindo meios para tal, buscará outros meios, mesmo que contrários aos interesses sociais (SOUSA, 2010). Teorias explicativas do crime12 Na Figura 4, a seguir, você pode ver uma charge que ilustra uma das dinâmicas utilizadas pelos sujeitos para serem bem-sucedidos. Figura 4. De acordo com Merton (1970), em toda sociedade existem objetivos a serem atingidos. Fonte: Tirinhas... (2013). Teoria da frustração Em 1924, Rosenzweig criou a teoria geral da frustração, entendendo ser este um fenômeno criado por situações de privações, conflitos, pelo não atingimento da satisfação com algo ou alguém e por experiências traumáticas (MOURA, 2008). O autor considerou a frustração como um fenômeno vinculado aos conceitos de não adaptação, tensão e desequilíbrio ou perturbação da home- ostase (ligação entre o organismo e os fatores ambientais). Acreditava ainda que a frustração estaria vinculada a um significado biológico das defesas do indivíduo. Para ele, a ideia de frustração, em especial dos impulsos sexuais, não teve uma exploração ou um estudo sistemático necessário para seu total entendimento (MOURA, 2008). Neste contexto, surge a Teoria Geral da Frustração na tentativa de reformular conceitos da psicanálise e proporcionar estudos experimentais na área da frustração. Segundo Rosenzweig, para analisar a frustração, seria preciso compreender os tipos de situações frustrantes ou o fenômeno das classes gerais de situações frustrantes a que um ser humano pode vir a sucumbir (experimentar). Essas situações frustrantes, segundo o teórico, podem ser definidas em quatro aspectos (MOURA, 2008): 13Teorias explicativas do crime 1. situações em que será detectado uma necessidade ou desejos individuais que estarão envolvidos e que poderão ser sanados pelo meio externo. 2. situações negativas, todavia de caráter endógeno − dirão respeito a questões internas e individuais do próprio indivíduo. Ambas as si- tuações compreenderão a perda de um objeto do ambiente ou de um objeto pessoal e, estas situações, têm um caráter de privação exógena (externa) ou endógena (interna). 3. situações em que a própria e específica existência de algo é o fator que motivará a frustração. 4. situações em que se encontrarão os conflitos psicológicos, que serão caracterizados pela frustração em detrimento de um obstáculo em sua própria personalidade, ou seja, existe algo no modo de ser do indivíduo que o impede de satisfazer certas realizações (MOURA, 2008). Diante disto, conforme Moura (2008), as considerações de Rosenzweig deixam claro que existirão diferentes níveis de frustração, diferenciados, via de regra, em graus de privação; no entanto, em comum apresentam o fato de a frustração emergir a partir de uma determinada necessidade: na maioria das vezes, pode-se identificar algo que não poderá ser alcançado pelo indivíduo. Na perspectiva da criminologia, Agnew (1992) ampliou teoria da anomia para compreender – além da frustração decorrente da defasagem entre as aspirações individuais e os meios socialmente existentes para satisfazê-las” – circunstâncias específicas de frustração (CERQUEIRA, LOBÃO, 2004, p. 246): � a frustração derivada do fato de outros terem retirado do indivíduo algo de valor (não estritamente material); � a frustração derivada do fato de que as pessoas são confrontadas com circunstâncias negativas engendradas por discordâncias ou divergências sociais. Por fim, esse movimento em busca de ampliar a teoria da anomia, conside- rando circunstâncias específicas da frustração ficou conhecido como Teoria Geral da Anomia. Teorias explicativas do crime14 AGNEW, R. Foundation for a General Strain Theory of Crime and Delinquency. Crimi- nology, vol. 30, p. 47-87, 1992. BECKER, H. Conferência: a escola de Chicago. Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 2, n. 2, 1996. CERQUEIRA, D. LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. DADOS-Revista de ciências sociais, v. 47, n. 2, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/dados/v47n2/a02v47n2.pdf> Acesso em: 29 maio 2018. FIGUEIREDO, R. G. Escola de Chicago: um tema atual! 2018. Disponível em: <http:// cursocliquejuris.com.br/blog/escola-de-chicago-um-tema-atual/>. Acesso em: 26 maio 2018. MERTON, R. K. Estrutura social e anomia: revisão e ampliações. Lisboa: Meridiano, 1970. MOLINA, A. G.-P. de; GOMES, L. F. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MONTINEGRO. M. M. F. A desordem gera desordem: conheça a teoria das janelas que- bradas. 2015. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2015/05/26/a- desordem-gera-desordem-conheca-a-teoria-das-janelas-quebradas/>. Acesso em: 26 maio 2018. MOURA, C. F. de. Reação à frustração: construção e validação da medida e proposta de um perfil de reação. Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações - Universidade de Brasília, 2008. PENTEADO FILHO, N. S. Direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Método, 2012. PIETRO, M. S. Z. D. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 19. SHECAIRA, S. S. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. SOUSA, A. Teoria da anomia de Merton. 2010. Disponível em: <http://sociuslogia.blogs- pot.com.br/2009/02/teoria-da-anomia-de-merton.html>. Acesso em: 26 maio 2018. TIRINHAS sobre ética. 2013. Disponível em: <http://aeticadocuidar.blogspot.com. br/2013/05/blog-post_155.html>. Acesso em: 26 maio 2018. Leituras recomendadas MOLINA, A. G.-P. De. Criminologia: introdução e seus fundamentos teóricos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. SANTOS, J. C. dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008. 15Teorias explicativas do crime Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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