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QUÍMICA FARMACÊUTICA Prof. Ana Frassoñ CARATERÍSTICAS ESTRUTURAIS QUE LEVAM À AÇÃO: CIMETIDINA E MISOPROSTOL RIOPROSTIL E ENOPROSTIL CIMETIDINA A cimetidina, primeiro antagonista seletivo de receptores da histamina, subtipo 2, útil no tratamento e prevenção da úlcera gástrica, foi descoberta há 25 anos, sem que a estrutura do alvo terapêutico eleito fosse disponível, e representou uma importante e marcante inovação terapêutica para o tratamento e a prevenção de úlceras gástricas, tendo sido o protótipo para o desenvolvimento de outros fármacos desta classe. Desafio no planejamento molecular da cimetidina: introduzir em sua estrutura atributos de seletividade entre os dois subtipos de receptores de histamina conhecidos, à época, os subtipos 1 (H-1) e 2 (H-2), o último responsável pela ação deste autacoide ao nível do trato gástrico, eleito como o alvo terapêutico. Como a topografia desses receptores não era conhecida, Ganellin e colaboradores adotaram a histamina, agonista natural, como protótipo. Este autacoide (imidazolil-etilamina) possui tautomeria em função da sua natureza imidazólica. Dependendo do tautomêro predominante, a distância entre o grupamento amino terminal, protonado na biofase, e o átomo de nitrogênio não hidrogenado do anel imidazólico (a e b), varia, podendo ser um critério de reconhecimento molecular pelos diferentes subtipos de receptores da histamina (H-1 e H-2). Modificando o protótipo histamina, Ganellin observou que a metilação do sistema imidazólico modificava o equilíbrio tautomérico, favorecendo uma das formas (tautômero a). Por isso, a cimetidina possui o núcleo imidazólico (a) e apresenta um grupamento metila (b) em C-5, favorecendo uma forma tautomérica, necessária à seletividade desejada pelos receptores H-2. A presença da função tioéter (c) na cadeia lateral da cimetidina, além de assegurar propriedades hidrofóbicas adequadas, contribui também para impedir o equilíbrio tautomérico do anel heterocíclico. A função cianoguanidina (d) foi introduzida em sua estrutura por modificações subsequentes da unidade N-alquilureia inicialmente planejada. A função N-metilureia terminal foi, consecutivamente, modificada à guanidina → ureia-guanidina → nitroguanidina Embora a nitroguanidina tenha fornecido um derivado extremamente ativo, com ótima seletividade, de mesmo padrão tautomérico, este composto apresentou baixa solubilidade, com limitado índice de excreção renal que motivaram a construção da função cianoguanidina, presente na cimetidina. A cimetidina foi o protótipo adotado para o desenvolvimento de outros antagonistas H-2, interalia, ranitidina (4.22, Figura 4.13), famotidina (4.23), nizatidina (4.24) e roxatidina (4.25). MISOPROSTOL (Citotec®) Nesta mesma classe terapêutica, mas atuando por mecanismo farmacológico distinto, encontra-se o misoprostol, desenhado como agonista seletivo de receptores gástricos de prostaglandinas E (receptores EP). Os corais de Plexaura homomalla, abundantes no mar do Caribe, forneceram importantes quantidades de prostaglandinas A2 (PGA2) que se tornaram importante matéria-prima para a hemissíntese de PGE2 e PGF2a, consideradas as PGs primárias de maior importância fisiológica em mamíferos. O planejamento estrutural do misoprostol por Collins e colaboradores fundamentou-se na premissa de que um fármaco antiúlcera, atuando ao nível dos receptores de Prostaglandinas envolvidas no processo de citoproteção gástrica, deveria ser um agonista seletivo dos biorreceptores gástricos de PGE (EP). Para tanto, seriam necessários atributos estruturais capazes de assegurar seu reconhecimento molecular, seletivamente, de forma a prevenir efeitos colaterais e permitir meia-vida adequada na biofase, superior às prostaglandinas naturais como a PGE1 envolvida no processo de citoproteção gástrica. As prostaglandinas são icosanoides essenciais e reguladores de diversas funções fisiológicas vitais, bioinativadas no plasma pela ação das enzimas prostaglandina desidrogenase (PGDH) e, subsequentemente, prostaglandina redutase (PGR) (Figura 4.14). *Prostaglandina redutase Portanto, a partir da PGE1 (4.27), agonista natural de EP, eleita como protótipo, as modificações estruturais deveriam ser capazes de introduzir uma proteção metabólica ao novo análogo-ativo, prevenindo a ação da PGDH e, consequentemente, da PGR. A modificação introduzida por Collins e cols consistiu na alteração da natureza secundária da hidroxila da função álcool alilíco em C-15, passível de oxidação, por uma hidroxila terciária, resistente à oxidação enzimática → foram obtidos derivados 15-metila PGE1 que se mostraram resistentes à PGDH. O misoprostol tem um caráter pró-fármaco, sendo o éster metílico precursor do ácido carboxílco, ativo, em C-1, bioliberado por ação de esterases plasmáticas inespecíficas. A proteção da função ácida assegura a absorção adequada por via oral, que, quando lenta, permite a desidratação acido- catalizada da função b-cetol presente em C-9/C- 11. Efeitos adversos O misoprostol pode causar diarreias, fruto de sua ação sobre os receptores EP do intestino, aumentando excessivamente o peristaltismo. Estes efeitos sobre a musculatura lisa levaram este agente antiúlcera a ser inescrupulosamente empregado como abortivo clandestino, utilizado em doses maciçamente superiores àquela recomendada para a proteção gástrica. Rioprostil e Enoprostil O misoprostol foi o protótipo para a descoberta de outros prostanoides como o rioprostil, enoprostil e rosaprostol, que apresentam importantes propriedades antiúlcera gástrica. Nos exemplos de fármacos antiúlcera apresentados observa-se que foram desenvolvidos com base no mecanismo de ação pretendido, sem que a estrutura do biorreceptor fosse conhecida. No primeiro exemplo, cimetidina, tratou-se de um antagonista seletivo de um determinado subtipo de receptor, enquanto, No segundo exemplo, misoprostol, tratou-se de um agonista parcialmente seletivo de receptores, ilustrando a versatilidade dessa estratégia de planejamento molecular de fármacos independentemente da natureza ou tipo de mecanismo de ação pretendido para o fármaco.
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