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Estudos Socioantropológicos UN ID AD E 2 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Nesta unidade, abordaremos a complexidade das relações entre o homem e o mundo, com a finalidade de compreender a diversidade social e cultural das sociedades contemporâneas. Iniciaremos com o estudo das Instituições e Grupos Sociais, com o objetivo de explorar as interações entre indivíduo e sociedade, a fim de apreender a dinâmica das relações sociais. Em seguida, abordaremos as questões relativas à cultura, com intuito de conhecer os processos de mudanças culturais, tais como aculturação, assimilação, sincretismo, hibridação e transculturação em um contexto socio-histórico dinâmico marcado pelos processos de mundialização. Na sequência, trataremos das migrações, da urbanização e da violência, da inclusão/exclusão e dos novos movimentos sociais, objetivando compreender as desigualdades no contexto marcado pela sociodiversidade. Por fim, estudaremos o multiculturalismo, para entender a lógica dos pertencimentos e das identidades. Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 2 2 T1 Assim, organizados em tópicos, estudaremos os seguintes assuntos: T1. Instituições e Grupos Sociais. T2. A Cultura e as Sociedades Humanas. T3. Dinâmicas Sociais Complexas: migrações, urbanização, violência, inclusão/ exclusão e novos. T4. Cultura Contemporânea, Pertencimentos e Identidades: o local e o global, etnicidades. Desejamos que esses assuntos possibilitem a visão geral da sociedade e cultura, com temas instigantes para um complemento do conhecimento. Vamos lá? Instituições e Grupos Sociais A Sociologia surgiu em um contexto marcado por um longo processo de transformações sociais, que culminou com o advento da sociedade moderna assentada no modo de produção capitalista. Nesse contexto conturbado, marcado pelas revoluções que modificaram as ideias, as relações econômicas e as formas de organização política, os três principais precursores da Sociologia, Marx, Durkheim e Weber, voltaram suas reflexões para essa nova realidade, a fim de compreender as relações sociais que a partir de então se estabeleceram. Enquanto ciência social, a Sociologia procura estudar e compreender como as relações sociais se dão no interior da sociedade, como os indivíduos são inseridos no meio social em que vivem, como ocorre o processo de socialização. Fo nt e : Q u e co n ce ito É FUNDAMENTAL, PORTANTO, COMPREENDER O PAPEL E A FUNÇÃO DOS GRUPOS SOCIAIS E DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA SOCIALIZAÇÃO DOS INDIVÍDUOS E NAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL. 3 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Os cientistas sociais, ao se debruçarem sobre a realidade, não ignoraram a relação indivíduo e sociedade. Vimos que Marx deu prioridade às relações antagônicas entre as classes sociais no interior da sociedade capitalista e como essas determinam a existência de ambos. Durkheim deu ênfase às forças coercitivas da sociedade sobre os indivíduos e como estas os ajustam às normas, às regras e aos valores das instituições sociais. Weber, pelas ações sociais, demostrou como os indivíduos são influenciados pelo meio em que vivem e como, ao agirem, modificam a própria sociedade. Em suma, o ser humano, enquanto indivíduo, é compreendido pela Sociologia a partir de sua inserção nas instituições e grupos sociais e a partir das relações sociais que estabelece na sociedade. Portanto, voltaremos, especificamente, às Instituições Sociais e aos Grupos Sociais. A Sociedade e as Instituições Sociais Viver juntos não é tarefa simples, mas complexa. Cada um de nós enquanto indivíduo possui sonhos, desejos, objetivos distintos na vida, porém para realizá- los necessitamos da sociedade, ou seja, das relações que desenvolvemos com outros indivíduos, com os grupos dos quais participamos e as instituições que integram a sociedade. Caso pudéssemos viver sós, fôssemos autossuficientes, não necessitássemos do meio social para nos socializarmos, não haveria necessidade dos laços sociais e das formas de solidariedade social, e tampouco trataríamos da interdependência que nos liga uns aos outros, tão fundamental para tecer os fios que tramam o tecido social e que caracterizam a complexidade da sociedade. O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico (MORIN, 2007, p.13). Ou seja, para o autor, complexo, na perspectiva da natureza da sociedade, é tudo aquilo que é tecido junto. Antagônico é um adjetivo masculino que significa contrário, adverso, incompatível, contraditório, divergente, rival. Exemplo de antagonismos: guerra e paz, amor e ódio. Fo nt e : W ik im e d ia C o m m o n s Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 4 A Sociologia, enquanto ciência da sociedade, interessa-se em desvendar as relações que os indivíduos tecem no interior dos grupos e das instituições sociais a fim de revelar a complexidade do real. Estudar os fenômenos sociais do nosso mundo permite-nos compreender melhor as dinâmicas sociais, ou seja, os mecanismos de produção, conservação e reprodução sociocultural para transmiti-los às futuras gerações, bem como compreender os processos de mudança e transformação resultantes da ação dos atores sociais em seu meio. Frente ao complexo sistema de relações sociais que os indivíduos tecem em sociedade, muitas dessas relações são estruturadas de forma duradoura e definidas por comportamentos padrões, por vezes repetitivos e rotineiros, regidos por normas, hábitos e valores específicos de um grupo, de uma comunidade ou de uma sociedade. Essas relações rotineiras, que se repetem com regularidade, são características próprias das instituições sociais presentes em uma sociedade. Segundo Dias (2010, p.201), a “instituição social é um sistema complexo e organizado de relações sociais relativamente permanente, que incorpora valores e procedimentos comuns e atende a certas necessidades básicas da sociedade”. Determinadas instituições sociais são consideradas fundamentais para organização da vida social e para o funcionamento das sociedades, dentre elas destacamos a instituição familiar, a religiosa, a educacional, a econômica, a política, que são consideradas básicas. Além das instituições sociais consideradas básicas há outras, como as instituições voltadas para a saúde, o esporte, o lazer, a cultura, a comunicação, mas que não deixam de ser tão importantes quanto as primeiras. As instituições sociais surgem espontaneamente ao longo do tempo, se desenvolvem de forma gradativa de acordo com as necessidades de um determinado povo ou sociedade. Assim, em determinadas sociedades, podemos encontrar instituições sociais que exibem maior complexidade nas formas de organização e de institucionalização das relações sociais que em outras. Em suma, nas instituições sociais as atividades se tornam rotineiras e comuns a todos; nelas estão implicadas uma série de normas, regras e comportamentos que determinam as relações sociais entre os indivíduos que delas participam. É por meio das instituições sociais que a sociedade, no seu conjunto, procura atingir os seus objetivos. Denominamos institucionalização o processo pelo qual certas atividades vão adquirindo padrões e rotinas. [...] A institucionalização desenvolve um sistema regular de normas, status e papéis sociais que são aceitos pela sociedade. Com a institucionalização o comportamento espontâneo e imprevisível é substituído pelo comportamento regular e previsível (DIAS, 2010, p.203). 5 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo As Instituições Sociais e Suas Funções Segundo Dias (2010) é importante ressaltar que asinstituições sociais possuem funções comuns e específicas. Funções Comuns As funções comuns possuem a atribuição de difundir modelos de comportamentos, familiarizar os indivíduos com os papéis sociais, garantir a estabilidade social e regulamentar/controlar o comportamento dos indivíduos. Difundir modelos de comportamento São aqueles a serem seguidos pelos indivíduos em determinadas situações na sociedade, de maneira que contribuam para a sua socialização. Por exemplo: como devemos nos comportar em uma cerimônia fúnebre; em uma celebração de casamento; em um tribunal. Familiarizar os indivíduos Familiarizar os indivíduos com os papéis sociais a serem desempenhados ao longo da vida. Por exemplo: aprendemos na família quais são os papeis sociais dos filhos, dos pais dos avós, entre outros; aprendemos na escola os papéis sociais destinados os alunos, aos professores, aos coordenadores, aos diretores. Garantir estabilidade social Garantir estabilidade social, tanto para os grupos sociais quanto para os indivíduos, mediante a institucionalização dos comportamentos. Por exemplo: acatar as leis constitucionais por garantirem a todos os cidadãos os mesmos direitos e por assegurarem, à sociedade, segurança jurídica. Regulamentar e controlar o comportamento Regulamentar e controlar o comportamento dos indivíduos por meio de normas e sanções que serão atribuídas àqueles que violarem as regras estabelecidas. Por exemplo: não realizar as atividades avaliativas ou não comparecer às aulas em uma instituição de ensino pode acarretar em reprovação. Funções Específicas Além das funções comuns, cada instituição social possui funções específicas na sociedade. Para exemplificá-las tomamos como exemplo as instituições sociais consideradas básicas na sociedade, o que não quer dizer que se limitam a elas. Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 6 Casamento endogâmico ocorre quando os indivíduos devem se casar com indivíduos do mesmo grupo ou comunidade. Casamento exogâmico ocorre quando os indivíduos, obrigatoriamente, se casam com indivíduos de fora do grupo ou da comunidade a qual pertencem. Casamento monogâmico ocorre quando a conjugalidade é constituída por apenas um casal, independentemente do sexo, gênero e orientação sexual. Casamento poligâmico ocorre quando a conjugalidade é constituída por mais de duas pessoas. Os casamentos poligâmicos podem ser definidos pela poliginia – quando o homem possui mais de uma esposa; ou pela poliandria – quando a mulher possui mais de um esposo. Mais recentemente, uniões estáveis têm assumido os mais diversos formatos; essas uniões são denominadas poliafetivas e são caracterizadas pela consensualidade e igualdade entre todos que integram a união afetiva/sexual, independentemente do sexo, gênero e orientação sexual de seus integrantes. Instituição familiar É responsável pela proteção e socialização das crianças, pelo cuidado dos idosos, bem como pela proteção e segurança física, psicológica e econômica de seus membros. Determina quem são os herdeiros necessários e salvaguarda seus direitos de acordo com o ordenamento jurídico de uma nação ou com base na tradição de um povo. Estrutura-se de acordo com os costumes da sociedade. O formato da organização familiar é definido pelas relações de parentesco, pelas regras de proibição do incesto, pelas regras de casamento, que variam de uma cultura para outra, podendo ser o casamento endogâmico ou exogâmico e monogâmico ou poligâmico. Assim, é fundamental destacar que nas sociedades tribais e nas comunidades tradicionais predomina um modelo estrutural de família que é comum a todos, enquanto que nas sociedades marcadas pela hipercomplexidade das relações sociais os arranjos familiares tendem a ser diversificados, mais plurais. Instituição religiosa Responde pelo âmbito daquilo que é considerado sagrado. Busca explicar, por meio da fé, os fenômenos sobrenaturais, confortando os fiéis ao buscar dirimir as incertezas e as inseguranças diante da inevitabilidade da morte ao fornecer respostas sobre de onde viemos e para onde vamos depois da vida. Além de promover a convivência em comunidade e a coesão social de um grupo por meio da fé e do compartilhamento da crença e da moral religiosas. É importante ressaltar que as estruturas elementares da vida religiosa, como os mitos, os ritos, as crenças, as celebrações e os dogmas variam de um local a outro, de uma cultura a outra. Quanto maior a complexidade social de uma sociedade, maior é a diversidade de práticas religiosas fundadas em tradições e crenças as mais distintas. 7 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Instituição educacional Tem como função promover a aprendizagem dos conhecimentos de natureza filosófica e científica, bem como aqueles relativos ao patrimônio artístico, cultural e histórico da sociedade e transmiti-los às futuras gerações. Além disso, prepara os indivíduos para papéis ocupacionais e profissionais; estimula os relacionamentos sociais; e promove o conhecimento técnico-científico por meio do incentivo à pesquisa e à inovação objetivando a transformação social. Instituição econômica Determina o modo de produção e o sistema econômico vigentes em uma sociedade; define a forma de divisão social e técnica do trabalho; estabelece as regras de produção, circulação e distribuição de bens e serviços; é responsável pelo consumo de mercadorias e serviços. Instituição política É aquela que por meio da autoridade legítima exerce o poder com base no consentimento no âmbito de um território ou nação. Além disso, define as formas e os sistemas de governo; determina a função e o papel dos poderes executivo, legislativo e judiciário; promove a solução de conflitos, a proteção e a segurança de sua população e território; e põe em execução as leis criadas e aprovadas pelo poder legislativo; implementa políticas sociais, econômicas, entre outras, de um determinado governo. De modo geral, as instituições sociais não têm vida própria, sua existência está relacionada às interações e relações sociais estabelecidas entre os indivíduos na sociedade. Para tanto, os grupos sociais são de suma importância, pois é por meio dos grupos que os indivíduos estabelecem relações e atuam como atores sociais produtores, reprodutores e transformadores da sociedade. As famílias são consideradas como grupos primários por serem a base que dá início ao processo de socialização, educação e formação para o mundo. Confira tal informação no artigo “Família: não apenas um grupo, mas um fenômeno social”, de Ribeiro, publicado no site Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/familia-nao-apenas- um-grupo-mas-um-fenomeno-social.htm importante! Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 8 Os Grupos Sociais Para a Sociologia, a importância do estudo dos grupos sociais reside no fato de que é no interior desses grupos que as relações sociais acontecem, uma vez que não há grupo social sem as relações estabelecidas entre os indivíduos, da mesma forma que não haveria relações sociais sem a existência de grupos. Segundo Weber (2002), as relações sociais se estabelecem a partir do momento em que os indivíduos compartilham dos mesmos objetivos, possuem interesses comuns. Para alcançá-los, os indivíduos atuam em conjunto, por meio dos grupos sociais dos quais fazem parte e se identificam. Assim, para Dias (2010, p. 132): Grupo social é um conjunto de indivíduos que partilham algumas características semelhantes – normas, valores e expectativas –, que interagem conscientemente e apresentam algum sentimento de unidade. Ao nascer em sociedade, o ser humano passa a fazer parte de um grupo social e ao logo da vida integrará muitos grupos. A família é, geralmente, o primeiro grupo social do qual se participa, assim ela é responsável pelo processo de socialização dos indivíduos. Cabe à família a transmissão de ensinamentosessenciais para o convívio social, como o idioma, os costumes, os valores, ou seja, a transmissão da cultura da sociedade na qual o indivíduo vive. No decorrer da vida, os indivíduos acabam integrando outros grupos sociais. Dentre os grupos que podem fazer parte, além da família, estão os amigos do bairro, os colegas de escola, os membros da comunidade religiosa, os integrantes da torcida organizada, a turma da faculdade, os companheiros de partido e militância política, os colaboradores no trabalho, entre outros. Em alguns grupos os indivíduos permanecem a vida toda, mas em outros podem integrá-los por determinado período. Fo nt e : D ire ito F is h e r 9 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Grupos Sociais: formas de classificação Os grupos sociais são classificados em duas grandes categorias: Grupos internos ou de dentro Grupos externos ou de fora São os grupos dos quais participo – minha família, meus amigos, meus colegas de trabalho, entre outros. São aqueles dos quais não participo, como por exemplo outras religiões, outras famílias, outras torcidas, outras turmas de amigos, outros partidos, e assim por diante. Os indivíduos reconhecem seus interesses nos grupos dos quais participam, expectativas e sentimentos são compartilhados, por isso identificam-se com eles. Em relação aos grupos externos ocorre o inverso, não há identificação com eles, tampouco interesses, sentimentos e objetivos compartilhados. Assim, em relação aos integrantes dos grupos dos quais fazemos parte, tendemos a ser mais colaborativos, solidários, compreensivos, empáticos; enquanto que diante dos grupos exteriores podemos exibir um comportamento mais competitivo, hostil, intolerante, indiferente. É comum sermos colaborativos com nossos colegas de trabalho ou da comunidade religiosa na preparação de uma confraternização, porém não é incomum sermos com a torcida do time rival. Os grupos exteriores geralmente são vistos como agrupamentos homogêneos, como se os seus integrantes não apresentassem qualidades ou características distintas. Ao tratarmos do etnocentrismo, vimos o quanto podemos ser intolerantes em relação a outros povos e culturas. Assim, a construção da imagem que possuímos dos outros, os de fora, é comumente estereotipada, distorcida e, quase sempre, negativa. É fundamental que atentemos para o quanto podemos ser preconceituosos, depreciativos ou mesmo violentos com os grupos dos quais não participamos e com os quais não nos identificamos. Grupos Primários e Secundários Os grupos sociais, além de serem classificados entre os internos e os externos, também são subdivididos em grupos primários, nos quais prevalecem as relações afetivas, informais, duradouras, estreitas; e grupos secundários, nos quais predominam as relações de interesse, formais, temporárias, impessoais. Os grupos primários são geralmente pequenos, seus membros estabelecem um nível de conhecimento íntimo, desenvolvem interesse pessoal uns pelos outros, se relacionam de forma descontraída, realizam diversas atividades juntos, compartilham interesses comuns e a convivência com os integrantes do grupo pode durar a vida toda. Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 10 Diante da proximidade e do estreitamento dos laços de solidariedade entre os integrantes de um grupo primário, é comum a eles permanecerem mais unidos que os membros de um grupo secundário frente às adversidades do mundo, perante mudanças bruscas na sociedade ou mesmo diante de problemas pessoais que possam vir a afetar um de seus membros. Entre os integrantes dos grupos secundários, os contatos humanos que se estabelecem entre os colaboradores de uma empresa, entre professores e alunos, entre os condôminos de um edifício residencial baseiam-se mais na formalidade. Os relacionamentos são utilitaristas, predominam o papel e a função que os indivíduos desempenham socialmente, sua ocupação, seu trabalho, suas obrigações e direitos, e não propriamente seus sonhos, desejos, problemas pessoais, paixões, ou seja, sua vida pessoal cotidiana. Enquanto no grupo primário a convivência afetiva predomina, no grupo secundário a tarefa e as obrigações que realizam em comum prevalecem. Porém, no interior dos grupos secundários, que costumam ser bem maiores e marcados pela impessoalidade, constituem-se grupos menores, marcados pelos laços afetivos e solidários de amizade, seja nas empresas, nas escolas, nos condomínios, nos partidos, nas igrejas, nos clubes. Logo, o indivíduo pode relacionar-se de maneira mais íntima e pessoal no interior dos grupos secundários, fato que vem a contribuir para que os objetivos dos grupos secundários sejam alcançados mais facilmente. A importância dos grupos sociais consiste nas interações sociais estabelecidas entre os indivíduos que permitem, antes de tudo, a sua socialização. As formas de convivência, os relacionamentos, as colaborações, os laços, os compartilhamentos são fundamentais para o desenvolvimento das relações sociais, para a produção e reprodução da vida sociocultural, enfim, para a composição do tecido social complexo que denominamos sociedade. Dessa forma, não podemos ignorar que tanto os sociólogos como os antropólogos, ao procurarem compreender os meios pelos quais as sociedades humanas buscam manter seus membros integrados em torno de determinados valores da vida social em comum, voltaram-se para a compreensão da cultura. Assim, é da cultura, mais especificamente, que trataremos a seguir. Fo nt e : I d ie ar t A FAMÍLIA E OS AMIGOS SÃO EXEMPLOS DE GRUPOS PRIMÁRIOS. 11 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo A Cultura e as Sociedades Humanas As sociedades humanas não seriam as mesmas sem a presença da cultura; as interações e as relações estabelecidas entre os indivíduos e grupos não existiriam como as conhecemos, tampouco haveria instituições sociais. Vimos que a cultura é transmitida pela convivência social pelo processo de socialização dos indivíduos, ou seja, por meio da convivência com os grupos sociais dos quais participamos. Logo, podemos inferir que é a cultura que distingue, em decorrência de sua complexidade, as formas de organização das sociedades humanas em relação às outras formas de organização social existentes entre primatas não humanos, como chimpanzés e bonobos, bem como entre insetos, como abelhas, formigas e cupins. Divisão de tarefas, hierarquia entre seus membros e formas de dominação estão presentes em todas elas, como também exibem padrões comportamentais e formas padronizadas de organização. No entanto, nas sociedades humanas esses padrões são definidos pela cultura da sociedade. Devemos ressaltar que o mundo cultural dos humanos, diferentemente do mundo natural, é permeado por um sistema de significados e de representações simbólicas já estabelecidos. Ao nascermos, encontramos um mundo já codificado pela linguagem, cada coisa tem seu nome e significado próprio, mesmo as formas de pensar, de agir e de expressar os sentimentos possuem significados e formas de representação simbólica específicas para cada cultura. Assim, um símbolo é portador de um significado específico atribuído por uma determinada cultura, enquanto que em outra cultura o símbolo é diferente. Por exemplo, a cor preta é símbolo de luto no Brasil, enquanto a cor branca sinaliza luto na China. T2 Fo nt e : C R I O n lin e Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 12 As culturas são plurais, se modificam de uma sociedade para outra e exibem padrões comportamentais distintos para cada sociedade. Segundo o antropólogo Ralph Linton (1893-1953), os padrões culturais presentes em uma sociedade determinam as relações sociais e asseguram a reciprocidade entre os indivíduos. “A cultura proporciona aos membros de uma sociedade um guia indispensável em todos os campos da vida. [...] A existência de padrões culturais é necessária tantopara o funcionamento de qualquer sociedade como para sua conservação” (LINTON, 1983, p.98-99). Vimos que a Antropologia, com Malinowski, passou a ser a ciência que se dedica ao estudo das lógicas particulares de cada cultura, ou seja, dos padrões culturais presentes em cada sociedade, que são reproduzidos socialmente e culturalmente na vida cotidiana, bem como nos rituais, cerimônias, festas, entre outros eventos. Tomemos como exemplo o Kuarup, ritual de homenagem aos mortos, celebrado por vários povos indígenas do Alto Xingu, no Brasil. No Kuarup podemos identificar um padrão cultural próprio daquelas sociedades, que é fundamental para a reprodução da vida social e sua preservação cultural. Nesse sentido, a cultura age como um mecanismo de adaptação do indivíduo ao meio, que ocorre devido à internalização dos padrões culturais presentes na sociedade e que são reproduzidos pelos indivíduos na sua interação em grupos e instituições sociais. Em virtude de as pesquisas antropológicas, em princípio, terem se voltado exclusivamente para o estudo dos povos indígenas, as teorias desenvolvidas sobre a cultura enfatizavam que as sociedades formavam um todo integrado, capazes de manter a homogeneidade cultural e a coesão social devido à repetição e reprodução dos padrões culturais de geração a geração. Porém, é preciso destacar que as culturas não são estáticas, o que prevalece é a dinâmica cultural, ou seja, a capacidade de reinvenção, renovação e adaptação de um grupo ou sociedade a uma nova realidade sociocultural. Fo nt e : O p o p u la r 13 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Por mais que aos olhos de um leigo as culturas das sociedades indígenas pareçam não mudar enquanto as culturas das sociedades urbano-industriais se transformam, para os antropólogos essa é uma falsa evidência, “[...] as sociedades indígenas isoladas têm um ritmo de mudança menos acelerado do que o de uma sociedade complexa, atingida por sucessivas inovações tecnológicas” (LARAIA, 2006, p.95). Logo, podemos dizer que todo sistema cultural se transforma. Deve-se pensar a cultura, portanto, como um conjunto não homogêneo e, muitas vezes, não harmonioso de tendências que conflitam e disputam espaço na sociedade. Assim, por mais que certos padrões culturais vigentes gozem de certa preferência, há no interior da sociedade forças conflitantes e antagônicas que expressam essa dissidência, embora inúmeros recursos sejam usados no sentido de garantir a integração da sociedade (COSTA, 2010, p.197). Os hábitos alimentares presentes em nossa sociedade demonstram que mesmo que haja um padrão cultural alimentar vigente, uma dieta alimentar que inclui no cardápio dos brasileiros o consumo de carnes, há na sociedade aqueles que se opõem e veem nesse padrão um ato de violência e brutalidade contra a vida dos animais. O mesmo exemplo serve também para demostrar que o crescimento do vegetarianismo aponta para uma mudança nos hábitos alimentares da população, revelando a dinâmica da cultura. Fo nt e : M e tr o J o rn al ATIVISTAS FAZEM PROTESTO CONTRA CONSUMO DE CARNE NA AV. PAULISTA. Você sabia que 30 milhões de brasileiros se dizem vegetarianos? Nas regiões metropolitanas, o percentual de veganos sobe para 16%? Confira a reportagem completa de Marcela Cota no site Folha Vitorias. https://novo.folhavitoria.com.br/geral/noticia/05/2018/30- milhoes-de-brasileiros-se-dizem-vegetarianos saiba mais? Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 14 A dinâmica cultural de uma sociedade deve-se aos processos históricos de mudança e transformação social. O contato com diferentes grupos e sociedades, bem como as contradições e conflitos internos de uma cultura acabam por modificá-la. Portanto, desde o início da Era Planetária essa dinâmica se intensificou, o que revelou que não existem culturas estáticas e homogêneas, tampouco harmônicas e sem contradições. Nesse sentido, devemos compreender que a cultura de uma sociedade é sempre marcada pela lógica da conservação, transmissão e compartilhamento do idioma, dos valores, dos hábitos, dos costumes, dos conhecimentos, bem como pela lógica da mudança, marcada, especialmente, pelas relações interculturais entre os povos em tempos globalizados. A Dinâmica da Cultura Da mesma forma que o homem transforma a natureza modificando-a para sobreviver, criando assim um ambiente cultural, é também capaz de transformar o meio cultural já existente com a finalidade de atender a novas necessidades. Isso quer dizer que tanto o meio natural como o meio social são modificados pelos homens para neles viverem. Logo, a cultura se modifica e promove mudanças na sociedade, da mesma forma que mudanças no campo da política e da economia, por exemplo, podem vir a modificar a cultura. A mudança cultural ocorre quando há qualquer alteração na cultura, seja em um simples traço cultural específico ou em padrões estabelecidos. Segundo Marconi (2001), são muitos os fatores que levam às mudanças culturais: contatos com outras culturas, fluxos migratórios, processos de colonização, invenções, inovações, conflitos políticos como guerras, invasões e revoluções. Aculturação, assimilação, sincretismo e hibridismo, transculturação são vários processos de mudança cultural que se processam por meio da dinâmica e do contato entre povos e sociedades. Traços culturais – são elementos simples, geralmente unitários, que permitem identificar uma cultura. Eles podem ser reconhecidos e descritos isoladamente, mas um traço cultural está sempre relacionado a outros traços que juntos constituem uma cultura. Exemplos de traços culturais: a batina identifica um padre, a burca identifica uma mulher muçulmana, o uso de hashi (palitos) como talheres usados para alimentação é hábito de vários povos orientais. Todos esses traços isolados quando associados a outros remetem a uma cultura específica. 15 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Aculturação A aculturação, segundo o antropólogo estadunidense Herskovits (1969), é, dentre os processos de mudança cultural, aquele que ocorre quando determinada cultura entra em contato permanente e direto com uma ou mais culturas e todas acabam se transformando. Emerge desse processo uma cultura híbrida, mestiça, totalmente diferente das originárias. O processo de aculturação também pode ocorrer quando duas culturas distintas em contato não impõem completamente a cultura de uma sobre a outra. Nesse caso, ambas são modificadas pelas influências e intercâmbios culturais entre elas, mesmo que tais trocas ocorram de forma desigual. No entanto, é comum que os processos de aculturação ocorram em situações adversas, em contextos socio-históricos marcados por invasões, colonizações e migrações. Assim, os processos de aculturação costumam impor a cultura dos invasores/colonizadores sobre a cultura dos povos subjugados. Assimilação A assimilação ocorre quando os grupos sociais tidos como minoritários ou subordinados assumem definitivamente os padrões da cultura predominante. Segundo Costa (2010), nos contatos entre culturas e povos diferentes, a assimilação seria o processo de mudança cultural mais profundo, uma vez que o grupo ou a sociedade abandonam as características distintivas de sua cultura para adotar outra. Herskovits (1969) a entende como uma fase do próprio processo de aculturação, quando grupos originários de lugares distintos e culturas diferentes vivem em território comum e integram-se plenamente. Sincretismo e hibridismo São conceitos próximos quando o assunto são os processos de fusão, mistura ou miscigenação cultural, porém exibem certas particularidades. Ambos estão presentes na reflexão antropológica sobre dinâmica e mudança cultural. A ideia de sincretismo, semelhante à ideia de aculturação, assumiu uma perspectiva positiva, por vezes harmonizadora, dos conflitos e integradora das diferenças.O FUTEBOL FOI ABSORVIDO POR INÚMERAS CULTUAS DIFERENTES Fo nt e : M u n d o E d u ca çã o Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 16 Inicialmente, os estudos sobre sincretismo deram ênfase aos processos de fusão ou mistura de crenças religiosas diferentes. Nesse contexto, a umbanda, por exemplo, por juntar e associar elementos do catolicismo, do espiritismo, do candomblé, e de tradições indígenas e orientais, sempre foi tida como uma religião sincrética. Por outro lado, as ideias de sincretismo e de aculturação escondem processos de dominação política, de exploração econômica e imposição cultural ao tentarem harmonizar os processos de mudança cultural, deixando de fora as contradições e os conflitos inerentes aos contatos entre grupos subordinados a grupos dominantes. Costa (2010) destaca que em países onde ocorreram processos de colonização associados à escravidão, o sincretismo pode ser percebido em diversas manifestações culturais, uma vez que ele implica um processo de contato e miscigenação profundos entre distintas etnias e suas culturas. “Tal princípio (sincretismo) abandona a noção de purismo ou de originalidade, fazendo prevalecer a ideia de que o ser humano em suas incontáveis migrações trocou visões, palavras e significados” (COSTA, 2010, p.265). O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro tratou dos processos dinâmicos da cultura presentes na formação da sociedade brasileira em sua obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Segundo Ribeiro (1995), sob comando do invasor português um povo novo emerge da confluência e do confronto entre distintas matrizes étnicas, tradições culturais e formas de organização social. Ele considera o brasileiro um povo novo, especialmente, “porque surge como uma etnia nacional (brasileiro), diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos” (RIBEIRO, 2005, p.19). No entanto o considera, ao mesmo tempo, um povo que traz consigo algo de velho, uma vez que a origem do Brasil e do brasileiro se deu por meio de um processo violento de dominação humana e exploração econômica. Em O povo brasileiro ele procurou demonstrar que o processo de miscigenação étnica e cultural, ou seja, processo que podemos identificar por meio das ideias de aculturação, assimilação, sincretismo ou de transculturação, não ocorreu de forma harmônica, mas marcada por uma série de conflitos, distensões e reacomodações. Conheça a ideia fundamental do livro “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro, que tenta traçar os pilares fundamentais do Brasil e suas relações entre os múltiplos povos, com o vídeo “Clássicos para Desvendar o Brasil: o povo brasileiro”, apresentado por Saulo Goulart. https://www.youtube.com/watch?v=b4Am2bvCMfc&feature=youtu.be saiba mais? 17 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Na atualidade, em virtude da intensificação dos processos de intercâmbio cultural e dos fluxos migratórios, o conceito de hibridação ou hibridismo ganhou destaque frente ao conceito de sincretismo, que ao longo do século XX ficou muito associado ao processo de mistura e fusão de diferentes tradições religiosas. Nesse contexto a hibridação cultural é tida como um processo incessante de trocas, misturas e entrelaçamentos de elementos culturais distintos. Em Sincretismo e hibridismo na cultura popular, Ferreti (2014) revisita algumas definições de hibridação cultural apresentadas por autores expoentes das Ciências Sociais, como: Néstor García Canclini Segundo o antropólogo argentino Néstor García Canclini, as culturas híbridas ultrapassam as dicotomias entre tradicional e moderno, rural e urbano, popular e erudito, culto e massivo; rompem com categorias estanques e apontam para um processo de inter-relação crescente entre elas, o que promove a miscigenação cultural em uma realidade heterogênea, complexa e multicultural. Assim, o hibridismo ou hibridação trata dos processos de mestiçagem cultural próprios das culturas urbanas contemporâneas. Peter Burke Para o historiador da cultura, o britânico Peter Burke, todas as culturas são híbridas, com o avanço da globalização é possível verificar a hibridação cultural em diversas manifestações culturais, como na música, na religião, na arte, nas festas, nas celebrações, entre outras. As formas híbridas resultam da multiplicidade de encontros, dos entrelaçamentos entre distintas culturas. Stuart Hall Stuart Hall, sociólogo jamaicano, vê o hibridismo como uma forma de transculturação, nos quais elementos culturais heterogêneos se combinam, se misturam, se entrelaçam e produzem uma nova síntese cultural. Para ele o hibridismo é uma característica das culturas mistas próprias ao multiculturalismo das sociedades contemporâneas. Transculturação O conceito de transculturação foi proposto pelo antropólogo cubano Fernando Ortiz para analisar as transformações ocorridas nos padrões culturais nativos/ locais. Ele considera que a ideia de transculturação expressa de forma mais complexa o processo de mudança cultural que a ideia de aculturação, que consiste na adoção de padrões culturais distintos pelos grupos em contato. Segundo Ortiz (1940), a transculturação implica na aquisição de novos elementos culturais; no desenraizamento dos padrões culturais originários; e, além disso, na criação de novos fenômenos culturais nascidos da inter-relação entre as distintas culturas. Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 18 É um processo dinâmico de troca cultural recíproca, marcado por intercâmbios, conflitos, acomodações, reinvenções, transformações. Segundo o sociólogo brasileiro Octávio Ianni (1996), ao longo da história da humanidade as interações culturais entre tribos, povos, nações e confederações ocorreram em decorrência de alianças, dominações, fusões, conflitos, explorações, competições, acordos ou trocas. Logo, o fenômeno da transculturação é constituinte dos incontáveis encontros entre os povos que a história promoveu. Nessa perspectiva, a história do mundo moderno e contemporâneo pode ser lida como a história de um vasto e intrincado processo de transculturação, caminhando de par em par com a ocidentalização, a orientalização, a africanização e a indigenização. Desde as grandes viagens marítimas dos fins do século XV, quando os povos de todo o mundo iniciaram um novo, amplo e intenso ciclo de contatos, intercâmbios, trocas, tensões, lutas, conquistas, destruições, acomodações, recriações e transformações, são muitas as transculturações em curso no Novo Mundo, África, Ásia, Oceania e Velho Mundo (IANNI, 1996, p.142). A Era Planetária, inaugurada pelos intercâmbios conflituosos entre povos e culturas de todos os continentes, se depara na atualidade com um franco processo de hibridação cultural e transculturação. “Não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo enquanto todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isso se verifica não só para as nações e os povos, mas também para os indivíduos” (MORIN, 2005, p.35). Culturas e povos que eram anteriormente tidos como extremamente diferentes e distantes, passaram a integrar o grande mosaico policultural e a compor o tecido multiétnico das sociedades humanas. Populações e culturas misturam-se e apresentam modos e estilos de vida cada vez mais convergentes, logo os estudos antropológicos e sociológicos aproximam-se, e juntos olham para as questões das relações interculturais e da transculturação das sociedades contemporâneas. Conheça um pouco mais sobre o pensamento de Darcy com o artigo “O Povo Brasileiro”, de Adelia Miglievich Ribeiro. http://periodicos.ufes.br/sinais/article/view/2753/2221 saiba mais? 19 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Dinâmicas Sociais Complexas: migrações, urbanização, violência,inclusão/ exclusão e novos movimentos sociais A diáspora do Homo sapiens – a ocupação e distribuição dos grupos humanos pelo planeta –, iniciada há mais de 100 mil anos, espalhou-nos pela África, Ásia, Europa, Oceania e Américas. As evidências da ocupação do planeta são atribuídas à antiguidade da datação dos vestígios fósseis dos nossos antepassados encontrados em todos os continentes. A formação das sociedades humanas com a consequente diversificação das formas de organização societárias e a multiplicidade de configurações culturais tiveram origem com a diáspora humana. [...] a despeito das diferenças físicas de tamanho, cor, forma dos olhos, do nariz, a despeito das diferenças de culturas e de linguagens..., por toda parte houve mito, por toda parte houve racionalidade, por toda parte houve estratégia e invenção, por toda parte houve dança, ritmo e música, por toda parte houve – certamente expressos ou inibidos de maneira desigual conforme as culturas – prazer, amor, ternura, amizade, cólera, ódio, por toda parte houve proliferação imaginária (MORIN, 2005, p. 58). A história da Torre de Babel, presente no Livro dos Gênesis (11:1-9), é ilustrativa desse processo. Segundo a passagem bíblica, a construção da Torre permitiria aos homens alcançar o céu, bem como manterem-se reunidos em um mesmo lugar, evitando que se espalhassem pelo mundo. Deus, ao ver o empreendimento que estava sendo erguido, decidiu misturar as línguas para que os homens não entendessem um ao outro, interrompessem a construção e partissem mundo afora. A Torre de Babel é uma narrativa, dentre os muitos mitos de origem da humanidade, que trata, ao mesmo tempo, da diáspora humana sobre a Terra e da diversidade cultural nascida com o embaralhamento das línguas. T3 Fonte: manuelacasasoli.altervista.org MAPA-MÚNDI DA DIÁSPORA DO HOMO SAPIENS AO LONGO DA PRÉ- HISTÓRIA DA HUMANIDADE Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 20 As narrativas míticas, religiosas ou históricas, bem como as ciências do homem, da sociedade e da cultura, todas apontam para a constituição da diversidade sociocultural governada por dinâmicas complexas nas relações entre o homem e o meio ambiente. As andanças do homem pelo planeta não são um fato recente, os fatores que impulsionam esses deslocamentos são muitos. Porém, é certo que com o advento da Era Planetária, em decorrência das grandes navegações a partir do século XV, os intercâmbios entre os povos se intensificaram, especialmente movidos pelos empreendimentos de conquista e colonização com vistas à exploração econômica, e, com ela, um significativo número de pessoas aventurou-se pelo planeta. Nesse processo, os povos nativos dos territórios explorados são escravizados nos empreendimentos coloniais, um grande número de corpos-mercadoria, destituídos de sua humanidade, é trasladado à força das circunstâncias de uma região a outra ou de um continente ao outro, como ocorreu principalmente com os povos capturados na África e comercializados como escravos no continente americano. Com o advento da Revolução Industrial e a expansão das trocas econômicas globais, os fluxos migratórios se intensificaram. Em um primeiro momento, produziu-se um grande deslocamento interno na Europa, levando as pessoas a saírem do campo para buscar trabalho nas fábricas das cidades, fato que agravou a questão social e transformou as cidades industriais em grandes bolsões de miséria; já, em um segundo momento, um exército de desempregados deixou a Europa rumo a outros continentes em busca de oportunidades de trabalho e sobrevivência. Das primeiras décadas do século XIX às primeiras décadas do século XX, a humanidade testemunhou um imenso deslocamento de pessoas do velho continente europeu para as Américas e a Oceania, especialmente. Cerca de 70 milhões de pessoas deixaram a Europa em busca de oportunidades nesses continentes. Tamanho deslocamento de pessoas revela o impacto causado pela Revolução Industrial. Desde então, os fluxos migratórios, a urbanização e os problemas sociais se intensificaram no bojo da globalização. A questão social é determinada pela exploração capitalista na relação entre capital e trabalho. Para Iamamoto, deve-se compreender a questão social como o conjunto das expressões das desigualdades que possui uma origem comum: a apropriação e monopolização da produção social coletiva, fruto do trabalho da sociedade, por uma pequena parcela da população, a classe dominante. A questão social traduz as desigualdades econômicas, políticas, culturais e sociais entre as classes, e o agravamento dessas desigualdades em decorrência das relações assimétricas entre gêneros, grupos étnico-raciais e formações regionais, o que contribui para ampliar as contradições sociais marcadas pela lógica da inclusão/exclusão. (In: IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade; trabalho e formação profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999). 21 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Transformações Socioeconômicas: migrações, urbanização e a questão social As migrações são motivadas, especialmente, por fatores econômicos e políticos, como crises, desempregos, guerras e revoluções, ou por interesses em regiões de desenvolvimento econômico dinâmico ou recente; mas também ocorrem devido a fatores naturais como secas, desertificações, inundações, terremotos, erupções vulcânicas e outros. Em suma, as migrações são alimentadas, geralmente, por esperanças de uma vida melhor em lugares prósperos ou a serem explorados. Os fluxos migratórios compõem a dinâmica da distribuição territorial das populações na sociedade. Assim, de acordo com as mudanças econômicas e políticas regidas pelas forças do processo de ocidentalização e, mais recentemente, pelas forças da globalização, as direções e orientações dos fluxos migratórios se alteram. Enquanto no século XIX os europeus saíam da Europa em busca de uma vida melhor no Novo Mundo, na segunda metade do século XX tivemos um fluxo migratório intenso em direção aos países do hemisfério norte, principalmente EUA e Europa Ocidental, em virtude das oportunidades econômicas. Assim, as metrópoles cosmopolitas dos países do Norte, os considerados desenvolvidos, caracterizam-se pela pluralidade étnica e cultural em decorrência das migrações. Atualmente, vivenciamos um processo ativo de fluxos migratórios interiores e exteriores, em sintonia com a realidade dinâmica do mundo contemporâneo. Juntamente com o fluxo de deslocamentos das populações Sul-Norte, especialmente em direção aos países da Europa e da América do Norte, identificam-se outras tendências migratórias, tais como as migrações Sul-Sul, que se caracterizam por fluxos migratórios entre países de economia emergente ou por ocorrerem no interior do mesmo continente, como, por exemplo, os imigrantes que partem em direção ao Brasil e Argentina saídos de países sul-americanos. Apesar das migrações intercontinentais continuarem em alta, é crescente o número de migrações intracontinentais que vêm ocorrendo entre países na América Latina e Caribe, mas principalmente no interior da própria África, Ásia e Oriente Médio. A ocidentalização é um processo marcado tanto pela imigração de europeus para todos os continentes - principalmente para as antigas áreas de colonização nas Américas e Oceania - bem como pela implementação do modelo de civilização europeia nesses territórios, juntamente com o processo de expansão e dominação econômica imperialista. Fonte: Colours of Europe Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 22 Migrações intercontinentais ocorrem quando os migrantes partem de seu país de origem para um país em outro continente. Já as migrações intracontinentais ocorrem quando os migrantes partem de seu país de origem para outro país no mesmo continente. Em um mundo cada vez mais globalizado, as cidades e suas regiões metropolitanas têm se tornado o local paraos quais se dirige grande parte dos migrantes, sejam eles estrangeiros ou não. Segundo Sassen (2010), a globalização econômica tem contribuído para a desenho de um novo mapa da economia mundial, em virtude da centralização das decisões e dos investimentos econômicos nas metrópoles do planeta. Estas cidades-mundo, cosmopolitas e globais, concentram os serviços administrativos e financeiros, bem como a produção de conhecimento e de alta tecnologia. Assim, elas atraem, ao mesmo tempo, trabalhadores migrantes altamente qualificados, bem como aqueles migrantes sem qualificação, uma vez que nelas há um grande leque de oportunidades econômicas, mesmo que estas estejam associadas ao trabalho mal remunerado, informal ou temporário. Segundo a Organização Internacional para as Migrações – OIM da ONU, as cidades-mundo, cosmopolitas e globais, se destacam no contexto atual devido à grande importância que possuem em relação aos assuntos sociais e econômicos e na configuração das rotas de migração, tanto internacional quanto nacional. Diante desse cenário, exige-se uma atenção maior sobre a questão por parte dos formuladores de políticas públicas, dos profissionais do planejamento urbano e dos estudos acadêmicos sobre as migrações, uma vez que elas produzem impactos positivos e negativos nas cidades receptoras- acolhedoras dos migrantes. Ao longo século XX, especialmente a partir da década de 1950, os países de industrialização tardia experimentaram o mesmo fenômeno ocorrido na Europa no século XIX – migração interna provocada pelo grande deslocamento populacional do campo para a cidade, com consequente agravamento da questão social e urbanização desordenada. No Brasil, por exemplo, o fluxo migratório interno rumo às cidades ocorreu, principalmente, entre as décadas de 1950 e 1980, quando mais da metade da população passou a residir em áreas urbanas em todas as regiões do país. Acesse o espaço de Leitura Complementar na sua Sala de Aula Virtual e conheça os fluxos migratórios internos no Brasil e os fluxos migratórios externos na atualidade. saiba mais? 23 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Taxa de Urbanização das Regiões Brasileiras (IBGE) Região 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2007 2010 Brasil 31,24 36,16 44,67 55,92 67,59 75,59 81,23 83,48 84,36 Norte 27,75 31,49 37,38 45,13 51,65 59,05 69,83 76,43 73,53 Nordeste 23,42 26,4 33,89 41,81 50,46 60,65 69,04 71,76 73,13 Sudeste 39,42 47,55 57 72,68 82,81 88,02 90,52 92,03 92,95 Sul 27,73 29,5 37,1 44,27 62,41 74,12 80,94 82,9 84,93 Centro-Oeste 21,52 24,38 34,22 48,04 67,79 81,28 86,73 86,81 88,8 Fonte: educação.globo.com Juntamente com o processo de industrialização, especialmente concentrado na região Sudeste do Brasil, a migração campo-cidade, também conhecida como êxodo rural, se acelerou; junto com ela o fluxo migratório interno se intensificou e a ocupação das cidades ocorreu de forma desordenada, uma vez que a massa de migrantes campo-cidade foi absorvida sem que houvesse um planejamento urbano estruturado para receber os novos moradores das cidades. Atualmente, no Brasil, a porcentagem da população que habita as áreas urbanas já se aproxima de 90%. O processo de urbanização acelerada e desordenada trouxe com ele uma série de problemas socioambientais para as cidades brasileiras, especialmente para os grandes centros urbanos que passaram por um processo de metropolização. Tal fenômeno acentuou no contexto urbano as desigualdades, visibilizou os contrastes, as contradições e os conflitos sociais, além de desencadear problemas tais como, violência urbana, habitações precárias, poluição e degradação ambientais: A violência urbana É um fenômeno complexo e pode possuir múltiplas causas, dentre elas a elevada concentração demográfica associada à segregação social, econômica e espacial; a ausência de oportunidades, o desemprego e a baixa oferta de emprego qualificado; o agravamento da questão social, que implica concentração de renda, ampliação das desigualdades e exclusão socioeconômica; a ausência de políticas públicas e de acesso a bens e serviços; a negação e/ou violação de diretos; a degradação socioambiental. A precarização das habitações e a favelização nas áreas urbanas Ocorrem desde meados do século XX; porém, esse processo foi intensificado com o fluxo migratório interno rumo às cidades a partir da segunda metade do século XX. Nascidas das ocupações das encostas, morros, mangues, prédios abandonados e terrenos baldios ou alagadiços, as favelas, as habitações precárias e as provisórias erigem-se diante da ausência de planejamento urbano; da falta de política habitacional para a população de baixa renda ou de sua insuficiência; da mercantilização do território urbano e consequente segregação socioespacial. Em suma, é uma consequência da própria questão social, produtora e reveladora das desigualdades socioeconômicas. Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 24 A degradação socioambiental urbana Decorre da produção industrial e da grande circulação de automóveis que impactaram consideravelmente a poluição do ar; da impermeabilização do solo pelo asfalto, do desmatamento e da redução das áreas verdes que contribuíram para que as enchentes se tornassem frequentes. O esgoto e o lixo, tanto residencial quanto industrial, provocaram a poluição e a morte de rios e córregos urbanos, além de contaminarem nascentes e lençóis freáticos. O excesso de imagens, luzes e ruídos, ou seja, a poluição visual e a sonora contribuem, juntamente com a poluição atmosférica, para o adoecimento físico e psíquico dos indivíduos. Fo nt e : C o le tiv o L u te O rápido processo de urbanização em nosso país, decorrente do intenso processo de migração campo-cidade, não foi acompanhado, com a mesma intensidade, por políticas públicas promotoras de acesso a serviços e direitos, a oportunidades econômicas e a inclusão social para as pessoas, fato que contribuiu para gerar tais mazelas. Problemas semelhantes ocorreram, e ainda ocorrem, em vários países de industrialização/modernização tardia, os denominados países do Sul. No entanto, os fluxos migratórios, que impulsionaram o processo de urbanização e metropolização, provocaram transformações nas cidades, nos estilos e formas de vida de seus moradores, nas instituições sociais contemporâneas e nas relações sociais entre os indivíduos. Leia a entrevista com Sérgio Adorno que trata de reflexões sobre a violência e a intolerância na sociedade brasileira. http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/102026/103981 saiba mais? 25 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo A confluência de gentes, de cores, de odores, de sabores, de sonoridades, de gestos, de estéticas, de línguas, de crenças, de ideias é propícia para os fenômenos de transculturação ou de hibridação cultural. Esses entrelaçamentos da Era Planetária, suscitados pelos interesses econômicos dos processos de globalização que dinamizam os fluxos migratórios, também possuem seu viés positivo no curso das transformações sociais contemporâneas. Os estudos sobre migrações internacionais trabalham com o conceito de comunidade transnacional ou transnacionalismo e o conceito de transmigrante. A ideia de uma comunidade transnacional foi elaborada a partir das relações que os imigrantes estabelecem com a sua comunidade/localidade de origem e, mesmo, com outras comunidades; não importando qual seja a distância geográfica ou as fronteiras internacionais, os relacionamentos se intensificam em escala planetária. Nesse sentido, os imigrantes são transmigrantes, uma vez que eles mantêm e promovem vínculos entre as distintas comunidades, a de origem e a atual. Influenciados pela cultura e pelas instituições das cidades/sociedades que os acolheram, os transmigrantes influenciam suas comunidades de origem, modificando-as. Eles não estão desenraizados, circulam, mesmo que virtualmente,entre fronteiras, entre sistemas sociais, culturas e realidades distintas. O transnacionalismo se concretiza por meio das relações sociais regulares que os transmigrantes estabelecem ao longo do tempo, pelas fronteiras internacionais, com sua comunidade de origem, seja pelas remessas financeiras, mas, especialmente, pelas remessas sociais. Influencia a sua comunidade de origem com novas ideias, comportamentos, práticas sociais e identidades culturais distintas que impactam e modificam as relações familiares, entre os gêneros, as classes sociais, bem como influenciam o comportamento político, a moral, os valores do grupo. Os fluxos migratórios, contudo, movem-se de acordo com as contradições socioeconômicas e socioespaciais; migra-se de um hemisfério a outro, de um continente a outro, de um país a outro, de uma região a outra, ou ainda dentro de uma mesma cidade ou área metropolitana – são as migrações intraurbanas, também provocas pelas disparidades locais e desigualdades sociais. Logo, as migrações internas ou externas, enquanto processo social, têm ocorrido ao longo do tempo devido às desigualdades verificadas no mundo. Assim, o principal fator dos deslocamentos humanos deve-se à questão social, que concentra e monopoliza a riqueza em determinadas regiões e classes sociais, enquanto que nas outras regiões e classes desfavorecidas prevalece a Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 26 ausência de oportunidades, os entraves às mudanças, a escassez e a pobreza. As contradições do capitalismo promovem, dessa forma, os mecanismos de inclusão e exclusão social. Nesse processo, especialmente as cidades-mundo, metrópoles cosmopolitas e globalizadas, atraem para si os migrantes internos e externos. A ocupação dos territórios dessas cidades obedece à lógica da segregação socioespacial, neles acomodam-se as múltiplas comunidades étnicas, culturais ou regionais, geralmente formadas por migrantes nacionais e estrangeiros, que se deslocaram de suas localidades originárias em busca de oportunidades econômicas, principalmente. Em Os estabelecidos e os outsiders, o sociólogo Norbert Elias, ao estudar a ocupação dos bairros de uma cidade inglesa por migrantes e forasteiros, identificou que o grupo definido como os estabelecidos, moradores que viviam há mais tempo nos bairros e mantinham laços entre si, tratavam com hostilidade os novos habitantes, os outsiders, ou seja, aqueles que eram de fora. Geralmente vistos como uma ameaça pelos moradores estabelecidos, os outsiders sofrem com a estigmatização, o preconceito, a segregação e a xenofobia, que atuam como mecanismos de exclusão. Segundo Elias (2000), os próprios indivíduos dos grupos vindos de fora acabam internalizando a imagem depreciativa atribuída pelos estabelecidos, agravando, assim, o sentimento de inferioridade e a exclusão social dos outsiders. Nesse contexto, marcado pela violência simbólica, os atos de vandalismo e delinquência podem eclodir e agravar ainda mais a violência urbana. Frente aos conflitos e aos mecanismos de segregação socioespacial, formam-se bairros chineses, comunidades bolivianas, zonas de comércio árabes, bem como surgem aglomerações com habitações precárias em terrenos invadidos ou moradias provisórias em prédios ocupados. Além do caráter multicultural e pluriétnico dessas cidades, as desigualdades A segregação socioespacial refere-se à periferização ou marginalização de determinadas pessoas ou grupos sociais por fatores econômicos, culturais, históricos e étnicos no espaço das cidades. O conceito de violência simbólica foi elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu com a finalidade de elucidar as relações de dominação, que não pressupõem a violência física ocorrida entre as pessoas e entre os grupos na sociedade. A violência simbólica descreve o processo pelo qual a classe ou o grupo dominante impõe sobre o outro a sua visão de mundo, os seus valores e as suas formas de viver. É um tipo de violência exercida, em parte, com o consentimento de quem a sofre e que ocorre por meio da estigmatização, da inferiorização e da segregação. 27 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo econômicas, a estigmatização das minorias, as dificuldades de acesso aos bens e serviços essenciais e a negação ou violação dos direitos acabam estimulando os movimentos sociais e os ativismos urbanos. As contradições do sistema capitalista, agravadas pela questão social, aprofundam as desigualdades e acabam por ferir os princípios de igualdade em uma sociedade democrática, logo, nem o Estado, tampouco os governos conseguem assegurar para todos os mesmos direitos. Diante disso, os grupos minoritários, os desfavorecidos economicamente, aqueles que têm seus direitos não assegurados encontram no ativismo político e nos movimentos sociais um espaço de luta em defesa de seus direitos e de mudança. Movimentos de moradia, organizações de defesa dos imigrantes, coletivos pelo direito à cidade, frentes solidárias de apoio aos refugiados, grupos de proteção das áreas verdes e nascentes de rios urbanos, associações contra as remoções de favelas, entre muitos outros, formam o conjunto de novos movimentos sociais que atuam no contexto urbano defendendo causas específicas, porém com um objetivo comum: o de promover transformações na sociedade e nas suas instituições por meio de ações políticas concretas e diretas – um outro mundo é possível. Nesse contexto efervescente das cidades-mundo, nas quais eclodem inúmeros ativismos e movimentos sociais, múltiplos pertencimentos e diversas identidades contribuem para colorir ainda mais o tecido complexo das relações sociais no século XXI. É sobre eles que trataremos a seguir. Leia o artigo “Refugiados” que trata a outra face das migrações ou deslocamentos forçados. http://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/ saiba mais? Fonte: EBC NÃO ÀS REMOÇÕES: MANIFESTAÇÃO DE MORADORES E AMIGOS DAS COMUNIDADES CARIOCAS AMEAÇADAS DE REMOÇÃO PELO PODER PÚBLICO, RIO DE JANEIRO-RJ Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 28 Cultura Contemporânea, Pertencimentos e Identidades: o local e o global, etnicidades, minorias e diversidades As transformações sociais e as dinâmicas culturais estão presentes na nossa discussão e têm guiado nossas reflexões desde a primeira Unidade. Vimos que elas contribuíram para a consolidação do Estado-nação moderno juntamente com a emergência do sistema capitalista e do conjunto de modificações ocorridas nos últimos cinco séculos de história. Enquanto instituição social, o Estado-nação consolidou o conceito de identidade nacional e de cidadão frente aos estrangeiros, ou seja, aos considerados de fora. Erigiram-se fronteiras, limitaram-se os territórios, teceram-se identidades nacionais por meio da cultura e da educação. Assim, as Ciências Sociais, no amplo sentido, preocuparam-se em pensar a educação nacional, a cultura nacional, a economia nacional, a política nacional. Esse modelo de administração política [Estado-nação], que teve início com a modernidade e foi responsável pelo desenvolvimento do capitalismo, espalhou- se pelos diversos continentes. [...]. A identidade dos cidadãos com a nação floresce graças às políticas culturais e educativas que afirmam e oficializam a unidade linguística da nação e criam um imaginário comum que os aproxima. É a cultura nacional que se impõe, enfraquecendo as diferenças regionais (COSTA, 2010, p.260). Ao longo do século XX, o desenvolvimento das Ciências Sociais acompanhou o processo de transformação sociocultural, ou seja, as mudanças geradas com a industrialização, a urbanização, o avanço dos meios de comunicação, a internet e a globalização que modificaram plenamente as sociedades, aproximando-as, misturando-as, interligando-as em um grande sistema- mundo e fazendo-as participar dos mesmos processos globais. Dessa forma, a Antropologia e a Sociologia depararam-se com novasrealidades em decorrência da complexidade sociocultural, o que levou os cientistas sociais a estudarem o multiculturalismo e a sociodiversidade em uma sociedade mundializada. Nesse cenário, a ideia de uma cultura nacional, local e tradicional se depara com as transformações socioculturais decorrentes da globalização marcadas, ao mesmo tempo, pelas forças da homogeneização cultural, por um lado, e pela mistura, confluência e multiculturalidade, por outro. T4 29 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo A Era Planetária, como a definiu Morin (2005), apresenta sua pior face: destrói as singularidades das culturas locais ou de povos nativos, homogeneíza os hábitos e os costumes nos quatro cantos do mundo por meio do consumo de produtos culturais padronizados. Por outro lado, exibe o que tem de melhor: entrelaça povos, conhecimentos, saberes, práticas e técnicas ao romper os limites das fronteiras étnicas, religiosas e nacionais, o que tem contribuído para dissolver determinadas formas de incompreensão entre indivíduos, povos e culturas. Segundo Costa (2010), nessa interface entre padronização e diferenciação em um mundo globalizado agrava-se a crise de identidade dos indivíduos, fazendo-os aderir mais rapidamente a novos grupos e a movimentos sociais que lhes garantam um sentimento de pertencimento. Emergem novos movimentos que se agrupam em torno de determinadas causas vinculadas às questões de identidade e pertencimento grupais. Assim, minorias étnicas, “raciais”, de gênero, entre outras, constituem-se enquanto movimentos ativistas, multiplicam-se os grupos defensores de causas sociais específicas. Na relação entre o global e o local eclodem as tensões e os conflitos, mas também se articulam novas formas de cooperação e de lutas sociais. É preciso saber lidar com as ambivalências e compreender as contradições para poder desvendar as dinâmicas socioculturais da sociedade contemporânea. O Local e o Global Nos últimos cinco séculos os Estados nacionais emergiram e se consolidaram, com eles as culturas nacionais se destacaram, tornaram-se hegemônicas e forjaram as identidades nacionais. O processo histórico de formação dos Estados nacionais modernos e de suas respectivas identidades nacionais constituiu-se por meio de um processo marcado pela dominação, pela exploração, pelo uso da força e da imposição de uma cultura sobre as outras. Buscou-se por meio da unificação da língua, dos hábitos, dos costumes, das crenças, das festas, das datas comemorativas e do sentimento de pertencimento a uma nacionalidade apagar a diversidade étnico-cultural presente no interior dos limites do Estado-nação. Assim, nos tornamos brasileiros. Segundo Costa (2010), especialmente nas últimas décadas do século XX, a importância dos Estados nacionais, enquanto referência nacional-identitária, ou seja, enquanto base para o nacionalismo e para a identidade cultural de um povo-nação, começa a enfraquecer mediante as transformações globais provocadas pela descolonização, pelo neoliberalismo, pelas migrações e pela própria globalização: [...] a descolonização do mundo, que deu novo alento aos grupos étnicos e às culturas nativas; o neoliberalismo, que privilegiou os interesses do mercado sobre os protecionismos nacionais; a intensa migração dos povos pelo mundo; e a globalização, que acelerou a troca de informações, mercadorias e mensagens entre as nações (COSTA, 2010, p.261). Fonte: forensicmag Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 30 Esses acontecimentos contribuíram para afrouxar os sentimentos de pertencimento a uma cultura nacional, como elemento balizador da identidade dos indivíduos. Uma multiplicidade de sentimentos de pertença e identidade ganhou força revelando a pluralidade de culturas no interior da cultura nacional. No fluxo dessas transformações, denominadas por muitos autores de pós- colonialismo e pós-nacionalismo, há um movimento de descolonização ou decolonização do pensamento, dos modelos de sociabilidade, da cultura e das relações de poder que valoriza e fortalece as identidades étnicas, os múltiplos pertencimentos minoritários e as culturas locais. Ao mesmo tempo uma cultura nova, de âmbito mundial, se espraia para além das fronteiras tecendo identidades/pertencimentos globais. “De um lado, reforça-se o localismo; de outro, o cosmopolitismo (global)” (COSTA, 2010, p.261). A presença de uma cultura global e cosmopolita se fortalece, especialmente, nas cidades densamente povoadas – as cidades-mundo. As grandes metrópoles passam a ser os polos promotores e difusores das trocas econômicas e culturais; nelas as novas gerações assumem estilos e modos de vida cosmopolitas, globais, marcados pela hibridação cultural. Descolonizar ou decolonizar não deve ser confundido com o mero processo de deixar de ser colônia, de deixar de ser um país ou território colonial. Mais do que isso, é o processo de decolonialidade (descolonialidade) segundo a cientista política brasileira Luciana Ballestrin (2013), que remete ao que ela denomina de giro decolonial: “O giro decolonial procura responder às lógicas da colonialidade do poder, ser e saber, apostando em outras experiências políticas, vivências culturais, alternativas econômicas e produção do conhecimento obscurecidas, destruídas ou bloqueadas pelo ocidentalismo, eurocentrismo e liberalismo dominantes. Concebe a importância da interação entre teoria e prática, buscando dialogar com a gramática das lutas sociais, populares e subalternizadas dos povos que compuseram e compõem a invenção da ideia de América Latina.” Fo nt e : C o le tiv o S e n h i BRÔ MC’S, BANDA INDÍGENA DE RAP, QUE MISTURA O RAP NORTE-AMERICANO COM LETRAS EM GUARANI. AS COMPOSIÇÕES RELATAM OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS GUARANI KAIOWÁ. 31 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Porém, a globalização atinge a todos de forma diferenciada. Enquanto para uns a integração dos mercados, as novas tecnologias virtuais e o cosmopolitismo da cultura propiciam status, renda, trabalho e inclusão sociocultural, para outros as consequências desse processo são nefastas. Indivíduos, grupos e localidades sofrem com o desemprego, com a falta de oportunidades e de acesso ao conhecimento que ampliam a exclusão e a segregação. Nesse contexto, os fluxos migratórios avançam, grandes contingentes de pessoas se deslocam pelo planeta em direção, especialmente, às cidades-mundo cosmopolitas, centros da globalização, em busca de uma vida melhor e de oportunidades. As pessoas e as culturas se misturam, mas também se atritam. Esse encontro entre diferentes povos e culturas, segundo Costa (2010, p.311), “vem causando grandes conflitos étnicos e culturais e, ao mesmo tempo, cria grupos que vivem nas fronteiras entre duas identidades diferentes, a do lugar de origem e aquela que começa a se desenvolver na sociedade receptora”. Além das identidades transnacionais que se constituem nas comunidades formadas pelos transmigrantes, ou seja, pelos estrangeiros que migraram de sua terra natal para outros países. Novas demandas identitárias eclodem no interior de um povo-nação, etnias reivindicam o binacionalismo ou até mesmo o plurinacionalismo, ao mesmo tempo que se miscigenam línguas e traços culturais. Binacionalismo: Estado-nação constituído por dois povos etnicamente distintos que reconhece e assegura o direito de ambos os povos ao seus idiomas, culturas e tradições. Para determinados autores, o binacionalismo poderia ser uma saída pacífica para a formação do Estado binacional Israel-Palestina. Acreditam que assim seria possível garantir a coexistência de ambos povos e suas respectivas culturas e tradições em um mesmo território. Plurinacionalismo: o reconhecimento de várias etnias com seus respectivos idiomas, culturas e tradições como povos constituintes de um único Estado-nação, ou seja, de um Estado plurinacional. Em 2009, a Bolívia, em novaConstituição, refundou-se enquanto Estado plurinacional e intercultural. As várias etnias, com suas respectivas línguas, culturas e tradições passaram a integrar um único Estado, porém com autonomia reconhecidas e garantidas pela Constituição. Cerca de 65% da população da Bolívia é constituída por povos indígenas, especialmente quéchua e aymará, ao todo são 36 etnias no país. No Brasil, ganham destaque na sociedade as nomenclaturas que garantem reconhecimento da pluralidade de identidades e de pertencimentos a determinados grupos sociais como os afro-brasileiros, os quilombolas, os guaranis e demais etnias indígenas, os que se denominam periféricos, Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 32 as pessoas LGBTI+, entre outros. Enfim, uma diversidade de grupos que buscam, por meio da força aglutinadora das identidades e dos sentimentos de pertencimento grupal, reconhecimento, espaço e autoafirmação em um mundo cambiante, ou seja, em permanente transformação. A busca por uma identidade convive com novas formas de sociabilidade. Etnicidades, Minorias e Diversidades Na contemporaneidade, as identidades formatadas pela nacionalidade cedem lugar para a tessitura de múltiplas identidades, ou seja, identidades e sentimentos de pertença associados ao grupo étnico, ao gênero, à sexualidade, entre outras. Stuart Hall (2006) afirma que vivemos em uma época na qual a fragmentação identitária é uma realidade, em um tempo em que tudo parece ser movente, cambiante e flexível, o que não significa que as antigas identidades nacionais eram estáveis, uma vez que as identidades são produzidas em contextos socioculturais dinâmicos. Ainda segundo Hall (2006), a identidade em uma sociedade pós-moderna é formada e transformada continuamente, os indivíduos assumem identidades distintas em diferentes fases da vida. LGBTI+ sigla para designar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais / Transgêneros / Travestis, Intersexuais e o sinal de + representa outras orientações sexuais. Assista ao vídeo “Identidade Periférica”, do Observatório da Criança e Adolescente (OCA), e conheça a estratégia de como uma periferia buscou o seu reconhecimento, espaço e autoafirmação em um mundo em permanente transformação. https://www.youtube.com/watch?v=qM8FojOzsi4 Além disso, confira a entrevista com a professora Luciana Ballestin, cedida à IHU On-line (GALLAS; MACHADO, 2013), que procura esclarecer a ideia de decolonialidade (ou descolonidade), que permanece operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder. http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view =article&id=5258&secao=431 saiba mais? 33 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo A identidade está sempre em construção, é inacabada, nunca está concluída. Assim, não cabe afirmar que a identidade é algo estático, que se constitui de forma imutável. Nesse sentido é que os sentimentos de pertença a determinados grupos étnicos e culturais são resultantes do processo ativo de construção permanente das identidades. Em suma, o processo identitário é um elemento constitutivo da dinâmica social que interfere na construção das etnicidades, dos gêneros, das sexualidades e das expressões culturais gerais de um grupo. Poutignat e Streiff-Fenart (1998) afirmam que a etnicidade não é adquirida no nascimento, tampouco se resume a um conjunto de padrões culturais transmitidos de geração para geração como as crenças, os valores, os símbolos ou o idioma. A etnicidade é dinâmica, sofre transformações como a cultura; assim, o sentimento de pertença a uma identidade étnica é determinado por um processo relacional, ou seja, reconhecer o pertencimento a determinada identidade étnica implica reconhecer a existência de outros grupos distintos ou diferentes. Nas últimas décadas, especialmente com a redemocratização do país nos anos 80, ganharam espaço e destaque no Brasil inúmeros movimentos regidos pela força aglutinadora da identidade étnica, como aqueles que se identificam com as causas das comunidades indígenas, negras e quilombolas, por exemplo. O movimento negro, que possui um longo histórico de luta e está relacionado com as origens dos quilombos formados ainda no período colonial como territórios de resistência à opressão e à escravidão, é um movimento complexo e plural que engloba inúmeros grupos, coletivos, organizações e pessoas que lutam contra o racismo, contra as muitas formas de discriminação, por direitos não efetivados na prática e por equidade para a população afrodescendente. As demandas do movimento negro estão relacionadas à identidade étnica e ao sentimento de pertença ao grupo. Fo nt e : O ym Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM 34 O mesmo ocorre com os movimentos quilombolas, com uma especificidade, lutam pelo reconhecimento de seus territórios como espaços vivos para preservação de suas tradições. Assim sendo, as comunidades quilombolas trazem consigo as marcas incontestes da resistência e da luta pelos direitos à cidadania, à posse da terra tradicional, aos bens imateriais e materiais de sua cultura e às formas de organização social e política de suas comunidades baseadas na identidade étnica. Com os povos indígenas, não é diferente. A luta por demarcação das terras em todo o país não é recente, as ameaças à preservação de seus territórios são constantes, especialmente na Amazônia. Em outras regiões do país, muitos territórios indígenas estão reduzidos à área das aldeias, em virtude da invasão de suas terras pelo agronegócio. Segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo (2013), boa parte da população indígena vive nas cidades. E de acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2010, cerca de 325 mil indígenas moram em áreas urbanas. Em relação à educação, é garantido por lei uma educação bilíngue e intercultural, direito geralmente violado nas escolas das cidades. A luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas nas cidades está também relacionada às questões identitárias e socioculturais. Em meio aos movimentos fundados nas etnicidades há também os movimentos identitários baseados nas questões de gênero e orientação sexual, como os movimentos feminista e o LGBTI+. Ambos são complexos e plurais, porém têm em comum a luta pela igualdade de gênero contra o machismo e o patriarcado, enquanto força simbólica e exercício do poder. O movimento feminista no Brasil é oriundo do movimento de emancipação feminina surgido na segunda metade do século XIX que reivindicava o direito à educação e à instrução para mulheres. Nas primeiras décadas do século XX, a luta se organizou em defesa do trabalho da mulher e do direito ao voto, conquistado pelas brasileiras em 1932. Porém, somente nos anos 70, em virtude da modernização da sociedade e das transformações e da mudança de mentalidade, o movimento feminista no país ganhou novo impulso. Inúmeras bandeiras foram levantadas pelas mulheres desde então: contra as formas de opressão e dominação masculina e patriarcal, contra a misoginia e a desigualdade de gênero, pelo controle das mulheres sobre sua própria sexualidade e reprodução, pela descriminalização do aborto, pela igualdade de direitos e contra a violência doméstica. Leia o artigo “São Paulo encurrala os índios guarani que ainda resistem na cidade”, do jornal El País, que trata da população indígena que luta para que suas terras sejam demarcadas. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/01/ politica/1504276246_722967.html saiba mais? Assista ao vídeo “Igualdade de Gênero” que ressalta a importância de se construir uma cultura de mais igualdade, mais direitos mais oportunidades para todos e todas. https://www.youtube.com/watch?v=ZCGLC- vziRc saiba mais? 35 Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo Também foi a partir dos anos de 1970 que os movimentos baseados na identidade sexual e afetiva,
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