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CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A ERA DA GLOBALIZAÇÃO - um olhar reflexivo

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CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A ERA DA 
 GLOBALIZAÇÃO: um olhar reflexivo
71
AVM FACULDADE INTEGRADA
TEOLOGIA E CULTURA
NADIA JUNQUEIRA MACIEL FERREIRA
CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A 
ERA DA GLOBALIZAÇÃO: um olhar reflexivo
BRASÍLIA, DF
2016
AVM FACULDADE INTEGRADA
TEOLOGIA E CULTURA
NADIA JUNQUEIRA MACIEL FERREIRA
CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A 
ERA DA GLOBALIZAÇÃO: um olhar reflexivo
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à AVM Faculdade Integrada como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Especialista em Teologia e Cultura, sob orientação do Profº. Drº Paulo Renato Lima. 
BRASÍLIA, DF
2016
FOLHA DE APROVAÇÃO
NADIA JUNQUEIRA MACIEL FERREIRA
CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A 
ERA DA GLOBALIZAÇÃO: um olhar reflexivo
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à AVM Faculdade Integrada como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Especialista em Teologia e Cultura, sob orientação do Profº. Drº Paulo Renato Lima. 
Aprovada pelos membros da banca examinadora em
___/___/___, com menção ___ (_____________)
Banca Examinadora
_______________________________________________
________________________________________________
Brasília, DF
2016
A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” — e isso significa basicamente o mesmo para todos (BAUMAN, 1999, p. 7).
 A sociedade está cada vez mais globalizada, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos (BENTO XVI, in: C. V, 2009, n. 19).
FERREIRA, Nadia Junqueira Maciel. Conciliação da Ética Cristã com a era da Globalização: um olhar reflexivo. 85f. TCC (Curso Pós-Graduação em Teologia e Cultura). AVM Faculdade Integrada. Brasília, DF, 2016.
RESUMO
Conciliação da Ética Cristã com a era da Globalização: um olhar reflexivo objetiva refletir sobre reais possibilidades desta conciliação; compreender características da crise econômica, ambiental e ética que afetam a Ética Cristã numa sociedade fragmentada por contradições, ambivalência, inquietações, consumismo, individualismo e intolerância. A racionalidade da globalização enfraquece a solidariedade e preservação planetária. Adota-se pesquisa bibliográfica como metodologia, numa perspectiva crítico-reflexiva em pressupostos teóricos: Bauman (2011), Dussel (2012), Kaizeler e Faustino (2008) e Lévinas (2010), entre outros. Os resultados da revisão da literatura indicam conciliação baseada na ética universal e Ética Cristã fundamentada nos ensinamentos de Deus (Sermão da Montanha, Bem-Aventuranças), condutores da paz, harmonia, justiça, igualdade. Considera-se assim, que os benefícios da globalização poderão ser maximizados e seus custos minimizados, apesar dos dilemas éticos que agravam relações interpessoais e coletivas desvirtuando o sentido ético cristão. Conclui-se que a conversão da pastoral eclesial da Igreja missionária e do “homem novo” à vida de comunhão com solidariedade, espiritualidade, interioridade, alteridade, liberdade, na busca de Deus, no seguimento de Jesus e na vivência do Espírito Santo para o encontro místico com a Transcendência divina, além das reflexões sobre Bioética, Ecologia, ética do cuidado, são desafios à conciliação almejada.
Palavras-chave: Globalização. Ética Cristã. Dilemas éticos. Desafios. Conciliação.
FERREIRA, Nadia Junqueira Maciel. Conciliation of Christian Ethics in the era of Globalization: a reflective look. 85f. TCC (Curso Pós-Graduação em Teologia e Cultura). AVM Faculdade Integrada. Brasília, DF, 2016.
ABSTRACT
Conciliation of Christian Ethics in the era of Globalization: a reflective look objectively reflect on real possibilities of this conciliation; understand characteristics of the economic crisis, environmental and ethical affecting Christian Ethics in a fragmented society by contradictions, ambivalence, concerns, consumerism, individualism and intolerance. The rationale of globalization weakens solidarity and planetary preservation. It is adopted as literature research methodology, a critical and reflective perspective on theoretical assumptions: Bauman (2011), Dussel (2012), Kaizeler and Faustino (2008) and Levinas (2010), among others. The literature review results indicate conciliation based on universal ethics and Christian ethics founded upon the teachings of God (Sermon on the Mount, the Beatitudes), peace conductors, harmony, justice, equality. It is therefore considered that the benefits of globalization can be maximized and minimized their costs, despite the ethical dilemmas that aggravate interpersonal and collective relations distorting the Christian ethical sense. It is concluded that the conversion of the Church's pastoral mission Church and the "new man" to the life of communion in solidarity, spirituality, interiority, alterity, liberty, the pursuit of God, following Jesus and living the Holy Spirit to the mystical encounter with the divine Transcendence, in addition to reflections on bioethics, ecology, ethics of care, are challenges to the longed-for conciliation.
Keywords: Globalisation. Christian Ethics. Ethical dilemmas. Challenges. Conciliation. 
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	07
CAPÍTULO 1	10
GLOBALIZAÇÃO: CONCEITUAÇÕES, CARACTERÍSTICAS, PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS	10
 1. 1 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS	11
 1. 2 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS	18
 1. 2. 1 Pontos positivos (ou benefícios)	19
 1. 2. 2 Pontos negativos (ou malefícios)	20
CAPÍTULO 2	31
ÉTICA E ÉTICA CRISTÃ NA CONTEMPORANEIDADE	31
2. 1 ÉTICA: CONCEITUAÇÕES E ORIGENS	32
2. 2 A ÉTICA NA ERA GLOBALIZADA	35
2. 3 ÉTICA CRISTÃ NO MUNDO GLOBALIZADO DE HOJE 	43
2. 4 ÉTICA CRISTÃ: CONCEITUAÇÕES E ORIGENS	44
2. 5 ÉTICA CRISTÃ E GLOBALIZAÇÃO 	47
CAPÍTULO 3	49
DESAFIOS PARA A CONCILIAÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ COM A ERA GLOBALIZADA	49
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS	68
REFERÊNCIAS	73
INTRODUÇÃO
Com o tema Conciliação da Ética Cristã com a era da Globalização: um olhar reflexivo pretende-se analisar as características do fenômeno da globalização na sociedade contemporânea e sua relação com a Ética Cristã no sentido de buscar a conciliação entre elas.
Aponta-se como questão-problema: Quais são as características que o fenômeno da Globalização apresenta na sociedade contemporânea e suas consequências e possibilidades para a conciliação entre a Ética Cristã e o mundo globalizado?  
Justifica-se a escolha do tema considerando os dilemas éticos, políticos e sociais que o ser humano enfrenta na sociedade e na cultura contemporâneas caracterizadas pelo fenômeno da globalização, o qual, segundo Oliveira (2004, p. 463) recebe várias denominações no âmbito teórico, tais como: “aldeia global, fábrica global, terra-pátria, nave espacial, terceira onda, mundialização, desterritorialização (fragmentação) e cidade global”, e que indicam caminhos diferentes daqueles apontados pela Ética Cristã. O teólogo inglês John Stott (2011) descreve os temas geradores destes dilemas: desigualdade social, pluralismo, guerra, questões ambientais, direitos humanos, trabalho, racismo, aborto, eutanásia, biomedicina, pena de morte, desobediência civil, homossexualismo, entre outros. Existem hoje conflitos éticos coletivos, que atingem grupos de pessoas e a própria sociedade, como também conflitos pessoais que atingem o indivíduo cristão.
Percebe-se, portanto, a relevância de se refletir sobre o tema, uma vez que as transformações científicas e tecnológicas do mundo globalizado têm contribuído para ferir os princípios da Ética Cristã derivados da Fé Cristã e pelos quais o homem agecom os outros e consigo mesmo. Nesses novos tempos da “era do vazio”, do vazio existencial, desorientação, incertezas e de desconsideração pelo outro há que se refletir e buscar alternativas para que o “homem novo” encontre sua identidade e seu caminho enfrentando a solidão, as mazelas e seus dilemas existenciais e “globais”. Bauman (1999, p. 54) ressalta em “Globalização: As consequências humanas” que “todo processo de transformação redundou na precarização e na desintegração dos laços humanos, onde a vida seguida de seus padrões lógicos permeou a solidão e demudou as relações sociais em relações autônomas”.
A modernidade, a qual Bauman (2011, p. 15) define como “modernidade líquida”, tem como protagonista o ser humano sujeito às regras sociais, e que convive em um espaço de tensão “entre o anseio de liberdade do indivíduo e a busca pela segurança, que só a aprovação social permite, mas cuja população de qualquer país é uma coleção de diásporas". Esta população não enfrenta apenas questões teóricas que afetam a vida dos outros, e sim realidades que afetam a vida de cada um e de suas famílias. Faz-se urgente lidar e enfrentar os dilemas e problemas contemporâneos, respaldados e conciliados pela Ética Cristã.
Para tanto, o propósito de refletir sobre esta temática é compreender como as crises econômica, ambiental e ética, reflexos de uma crise antropológica, caracterizam a era da Globalização e afetam a Ética Cristã numa sociedade fragmentada pelas contradições e ambivalências. Tal objetivo se desdobra em específicos: Analisar Ética Cristã como normas estabelecidas, fundamentadas nos princípios ensinados e exemplificados por Cristo e aplicadas na vida do cristão com o auxílio do Espírito Santo; Exemplificar os princípios que regulam a Ética Cristã como ciência normativa por meio da Bíblia (Antigo e Novo Testamento), buscando conciliá-los à vida do cristão e à sociedade onde está inserido; Avaliar o individualismo e demais mazelas que contaminam a sociedade e corroem as bases do coletivismo ferindo os princípios da Ética Cristã derivados da Fé Cristã e, pelos quais, o homem age com os outros e consigo mesmo; Refletir sobre a Ética Cristã na era da globalização.
Partindo do princípio de que estes objetivos visam conciliar a Globalização e Ética Cristã, adota-se como Metodologia a pesquisa bibliográfica, com a intenção de compreender, interpretar, analisar e refletir sobre o tratamento dado por diversos autores a este tema. O trabalho desenvolve-se numa abordagem qualitativa, descritiva, e exploratória, uma vez que a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa, que considera uma relação dinâmica entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. 
A abordagem visa descrever as características e consequências da globalização e oferece ferramentas eficazes para a interpretação das questões que envolvem a era globalizada e Ética Cristã, buscando entender, na perspectiva crítico-reflexiva, e por meio de revisão da literatura, o significado do processo da globalização e as possibilidades da sua conciliação à Ética Cristã (o processo e seu significado são os focos principais desta abordagem), bem como perceber a nova configuração da subjetividade religiosa presente neste tempo, que se manifesta no vazio existencial em que se encontra o ser humano. 
Dessa forma, além da busca e análise em textos bíblicos (Bíblia, 1990), a pesquisa e seleção dos autores são realizadas em base de dados eletrônicos na Biblioteca Virtual e em literatura específica. Assim, a pesquisa se volta para o estudo dos teóricos que abordam direta e indiretamente “Globalização e Ética Cristã” diante de um mundo econômico, tecnológico, científico, extremamente desigual e excludente. Além dos autores selecionados, maior ênfase é dada aos principais pressupostos teóricos: Bauman (1997, 1999, 2001, 2008, 2011); Beck (1999); Bittar (2007, 2009, 2013); Boff (1994, 2003, 2005, 2014); Concílio Vaticano II (1964); Dussel (2005, 2012); Honneth (2003); Kaizeler e Faustino (2008); Küng (2001, 2005); Lévinas (2008, 2010); Lima (2015). 
Estes pesquisadores, entre os quais teólogos, sociólogos, filósofos e professores, analisam essa questão tanto do ponto de vista filosófico e social como religioso e bíblico, contribuindo e mostrando, de forma clara e precisa, tentativas e alternativas para vencer cada um dos dilemas apresentados ao longo do texto. 
CAPÍTULO 1
GLOBALIZAÇÃO: CONCEITUAÇÕES, CARACTERÍSTICAS, PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS
O capítulo analisa, em grandes traços, conceitos, marcas e características da Globalização, vocábulo que deriva do substantivo latino globus, globo, e seus pontos positivos e negativos que fundamentam a idade contemporânea, fenômeno que é um instrumento metodológico de pesquisa e de compreensão da realidade social (PACE, 1997). 
Giddens (2000, p. 21) cita que “a globalização é política, tecnológica e cultural, tanto quanto econômica”. Entretanto, a perspectiva escolhida inclui, necessariamente, a identificação de condições e mudanças ocorridas na sociedade globalizada, multicultural e plurirreligiosa, em especial no sentido ético, e que permitem entender situações de incertezas e inquietações do ser humano em diferentes contextos, tendo em vista possibilidades da conciliação entre esta era globalizada e a Ética Cristã.
Vive-se na contemporaneidade, uma situação social onde se constata uma lacuna: a falta da dimensão ética na maioria das decisões políticas, culturais e sociais. Um vazio ético pode ser observado na vida das nações, empresas, instituições e partidos e que passou a ser organizada segundo padrões universais de eficácia, produtividade e lucro. O sistema de livre mercado não tem provocado a melhoria das condições sociais, uma vez que atua de forma seletiva, “escolhendo como, quando, e em que medida”, cada país será integrado ao processo de globalização econômica, resultando no empobrecimento da população no mundo.
A produção de mercadorias e a especulação financeira rompem os limites entre as nações, criando “zonas francas” de criação e acumulação de riquezas, e são nestes “lugares simbólicos” que os indivíduos experimentam a fragilidade de fronteiras, resultando no que Pace (1997, p. 28) denomina de “desenraizamento, com a subtração de território”, pois a globalização torna o mundo único, com ações interdependentes em escala global, e esta desterritorialização têm consequências e impactos globais. Assim, entende-se que o processo da globalização afeta as estruturas sociais, a organização do Estado, os padrões culturais e a vida dos indivíduos de modo desigual, não se tratando de um processo estritamente econômico, mas também um processo cultural, político e social (GIDDENS, 2008). 
Nesse contexto, Moreland e Craig (2005, p. 14) expõem que a contemporaneidade, caracterizada pela globalização, é “histórica”, pois é um tempo vivido, desenvolvido a partir da Renascença (século XVI e XVII) e do Iluminismo (século XVII a XIX); é “cronológica”, pois representa uma forma de relativismo cultural sobre a realidade, a verdade, a razão e o valor, entre outros aspectos; é uma “ideologia filosófica” caracterizada por mudanças substanciais no modo de pensar, de agir e de crer. Com cita Chauí (2008, p. 21) “os homens legitimam as condições sociais de exploração e dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas”.
1. 1 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS
Conceitua-se globalização como um processo social, econômico e cultural que estabelece uma integração entre os países e as pessoas do mundo todo. Através deste processo, as pessoas, os governos e as empresas trocam ideias, realizam transações financeiras e comerciais e espalham aspectos culturais pelos quatro cantos do planeta. É um processo múltiplo, que alcança as mais variadas dimensões da vida social e também se expressa nas circunstâncias da vida local (BAUMAN, 1999). 
Hobsbawm (1999, p. 92) afirma que a globalização é uma divisão mundial “cada vez mais elaboradae complexa de trabalho; uma rede cada vez maior de fluxos e intercâmbios que ligam partes da economia mundial ao sistema global”. Portanto, este fenômeno integra países e povos do mundo, reduzindo custos de transporte e comunicação e eliminando barreiras para garantir os fluxos de mercadorias, serviços, capital, conhecimento e pessoas através das fronteiras internacionais (STIGLITZ, 2002). Dessa forma, a globalização ocorre em diferentes escalas e possui consequências distintas entre os países, sendo as nações ricas as principais beneficiadas por esse processo, pois, entre outros fatores, elas expandem seu mercado consumidor por intermédio de suas empresas transnacionais. 
A globalização é um dos termos empregado com frequência para descrever a atual conjuntura do sistema capitalista e sua consolidação no mundo. Na prática, ela é vista como a total ou parcial integração entre as diferentes localidades do planeta. O conceito de globalização é dado por diferentes maneiras conforme os mais diversos autores em Geografia, Ciências Sociais, Economia, Filosofia e História.
Friedman (1999) acrescenta a ideia de aldeia global, ao definir o fenômeno da globalização como “a integração do capital, da tecnologia e da informação para lá das fronteiras nacionais, criando um mercado global único e em certa medida, uma aldeia global”. As mudanças econômicas e sociais trazidas pela revolução da microeletrônica refletiram não só no crescimento de novas indústrias ligadas ao complexo eletrônico, como na transformação de todos os outros setores industriais e das atividades de serviços, a partir da utilização das tecnologias de informação e comunicações.
Observa-se, assim, que o ser humano vive e convive em um mundo globalizado, nessa aldeia global, termo criado pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan em seu livro “A Galáxia de Gutenberg”, para indicar que as novas tecnologias eletrônicas encurtam distâncias e o progresso tecnológico reduz todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estão interligados. O desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte possibilita também um fluxo maior de informações e pessoas.
Em contrapartida, Santos (2000) ressalta que é uma ilusão afirmar que se vive num mundo sem fronteiras, uma aldeia global, pois, na realidade, as relações chamadas globais são reservadas a um pequeno número de agentes, os grandes bancos e empresas transnacionais, alguns Estados e as grandes organizações internacionais. O autor pontua que seria melhor denominar “globaritarismo” em que o indivíduo apenas é um ‘cidadão global’ se possuir os meios tecnológicos que possibilitam que isto aconteça. No entanto, a globalização produz ainda mais desunião e desigualdades, crescem o desemprego, a pobreza, a fome, a insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais. 
Nesse contexto, Susin (1999, p. 101) expõe que “as totalidades tradicionais perdem sua posição solitária e entram em choques que podem levar à fragmentação, à lateralidade, ao sincretismo e até à irrelevância”. Esclarece que o mundo globalizado tem criado movimentos e fluxos globalizantes, choques civilizatórios e fragmentações, onde os indivíduos assumem interações tensas e conflitivas. Assim como Santos (2000), o autor afirma que “não se pode mais pensar em comunidades tradicionais, comunidades locais mais ou menos isoladas, aldeias onde há intensa pertença dos membros” (SUSIN, 1999, p. 103).
Realmente, é uma árdua tarefa conciliar o nacional e o global (até mesmo no plano cultural) frente aos conflitos profundos que ocorrem no mundo, como, por exemplo, entre o ocidente secularizado e o mundo islâmico teocrático, além das “discriminações de crença, de cor e de grupos minoritários, num mundo em que as migrações e os meios de comunicação provocam a convivência de populações étnica, religiosa e culturalmente diferentes” (OLIVEIRA, 2001, p. 175).
Nessa linha, Suess (2005) pontua que a globalização não une a humanidade. Pelo contrário, acentua a divisão, a segregação e a exclusão. O neoliberalismo faz confundir um suposto mundo “sem fronteiras” com um mundo real “sem limites”, em que lucro e rentabilidade impõem normas, valores e perspectivas. Os avanços tecnológicos e científicos permitiram que o homem perdesse sua autonomia e que a humanidade se tornasse cada vez mais superficial e dependente da lei do mercado que, por sua vez, passou a reger a sociedade. Segundo Silva (2002), alguns conseguiram acompanhar o ritmo galopante desse mercado, porém, outros, passaram a viver a mercê da “sorte” e do tempo, “jogados à margem da sociedade”, caracterizando o individualismo que é fruto da Indústria Cultural.
Percebe-se, portanto, que este capítulo trata dos efeitos intencionais e não intencionais a partir do paradigma global sobre a sociedade urbana contemporânea, sobretudo frente à Ética cristã. O filósofo e historiador argentino Dussel (2012, p. 17) pontua que “nos dias atuais assistimos ao aumento crescente do número de vítimas do sistema que se globaliza e alcança níveis mundiais”; vítimas consideradas como os "refugos humanos da fronteira global" para Bauman (2011, p. 45), que, por sua vez, define a globalização como a “linha de produção de refugo humano” (BAUMAN, 2005, p. 13).
Justifica-se esta afirmativa porque o capitalismo e os mecanismos do mercado, bem como as condições de produtividade, do lucro e das exigências desse mesmo mercado não têm beneficiado todas as pessoas, e sim, gerado há muito tempo, “exclusão e desigualdade sociais, comprometendo a liberdade e pondo em risco a democracia” como aponta Beck (1999, p. 58).
Observa-se que assim como a humanidade assistiu o emergir das nacionalidades europeias nos séculos XVI e XVII, ela assiste hoje o emergir de uma comunidade planetária, pois a globalização é a continuação deste processo de alargamento das fronteiras morais e políticas (SINGER, 2004). Quanto a isso, Dussel (2012, p. 27 e 114) ressalta que as raízes sólidas da globalização econômica desenvolveram-se em solo europeu (os chamados países de centro), afetando “de modo singular a realidade latino-americana, entre outros países da periferia, acompanhada pela realidade africana e asiática. [...] A periferia é vítima dos impactos do colonizador do centro” ressalta o sociólogo.
De acordo com Ianni (2003), PNUD (2010), Abílio (2013) e Petrin (2014), as características da globalização podem ser assim sintetizadas:
· A tecnologia é a principal condutora da globalização. Seus avanços, principalmente na tecnologia da informação, têm criado ferramentas poderosas aos agentes econômicos, permitindo identificar e captar novas oportunidades econômicas;
· A globalização se manifesta em diversos campos que sustentam e compõem a sociedade: cultura, espaço geográfico, educação, política, direitos humanos, saúde e, principalmente, a economia. Dessa forma, quando uma prática cultural chinesa é vivenciada nos Estados Unidos ou quando uma manifestação tradicional africana é revivida no Brasil, evidencia-se a integração entre culturas que também se influenciam mutuamente; 
· A globalização ou ‘mundialização’ (no idioma inglês prefere-se o termo globalization ao vocábulo francês mondialisation (do latim mundus), mundo, universo) do espaço geográfico é caracterizada pelo processo de interligação global tanto econômica e política, quanto social e cultural. Ela está em constante evolução e transformação, de modo que a integração mundial por ela gerada é cada vez maior ao longo do tempo. Regiões e redes constituem polos interdependentes dentro do novo mosaico espacial de inovação global; 
· A globalização busca o barateamento do processo produtivo pelas indústrias, uma vez que muitas delas produzem suas mercadorias em vários países com o objetivo de reduzir os custos. Essas indústrias optam por países onde a mão-de-obra, a matéria-prima e a energia são mais baratas. Exemplo: um tênis pode ser projetado nos Estados Unidos, produzido na China, com matéria-prima do Brasil, e comercializado emdiversos países do mundo;
· O processo de globalização caracteriza-se pela diferença do desenvolvimento tecnológico entre os países emergentes e os desenvolvidos: os países em desenvolvimento não conseguem acompanhar os avanços da tecnologia, o que reflete em suas economias. As principais diferenças se referem ao tipo de produção entre os países ricos e pobres, pois o primeiro é exportador de tecnologias enquanto que o segundo é produtor primário;
· A economia informatizada/global se organiza em torno de centros de comando e controle, capazes de coordenar, inovar e administrar as atividades entrecruzadas das redes empresariais;
· A sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Os fluxos não são somente um elemento da organização social, mas a expressão dos processos que dominam a vida econômica, política e simbólica. 
Rojas (1996, p. 14) aponta cinco elementos que tem características do tipo de sociedade que afeta o indivíduo hoje:
a) materialismo: faz com que um indivíduo obtenha certo reconhecimento social pelo simples fato de ganhar muito dinheiro; b) hedonismo: viver bem a qualquer custo é o novo código de comportamento, o que significa a morte dos ideais, a ausência de sentido e a busca de uma série de sensações cada vez mais novas e excitantes; c) permissividade: arrasa os melhores propósitos e ideais; d) revolução sem finalidade nem projeto: a ética permissiva substitui a moral, o que engendra um desconcerto generalizado; e) relativismo: tudo é relativo, o que leva a cair na absolutização do relativo, com regras presididas pela subjetividade; f) consumismo: representa a fórmula pós-moderna da liberdade.
Posto isso, observa-se que as duas últimas décadas do século XX foram marcadas por um estado de profunda crise mundial. Uma crise que afeta todos os aspectos da vida humana – saúde, relações sociais, economia, tecnologia e política. Uma crise de dimensões espirituais, intelectuais e morais, e pela primeira vez na história, a humanidade está sendo obrigada a se defrontar com a real ameaça de sua extinção e de toda a vida no planeta como analisa Capra (2006). 
Diante dos temas geradores dos dilemas éticos, políticos e sociais aqui citados por Stott (2011), decorrentes da globalização, e a partir das características apresentadas, percebe-se que o Homem enfrenta três graves crises: a econômica, a ambiental e a ética. A crise econômica indica que não é possível colocar a primazia do capital sobre outros valores, pois o mesmo tem comprometido vidas humanas, desestabilizando as estruturas de trabalho e expondo milhares de pessoas à privação de muitos recursos necessários à sobrevivência e a manutenção de padrão existencial digno. A fragilidade dos sistemas econômicos e financeiros mostra que o capital não pode ser um fim último do ser humano, mas apenas um meio necessário para exercitar com dignidade e justiça as diferentes dimensões da pessoa humana (PEREIRA, 2001; SIQUEIRA, 2011). 
A crise ambiental, refletida nas mudanças climáticas, destruição da natureza, aquecimento global, entre outros desastres ambientais, é reflexo de uma crise antropológica e dos modelos insustentáveis que esquecem que o desenvolvimento e crescimento não podem estar desassociados dos limites da capacidade de suporte dos ecossistêmicos e das leis naturais que regem o planeta Terra. Cresce a consciência da irresponsabilidade e injustiça contra a “casa planetária”, a “Mãe Terra” e todas as formas de vidas que coabitam no mesmo espaço vital (BOFF, 2005, 2014).
O teólogo afirma: “Temos de aprender a amar este planeta do qual somos parte e parcela. Nós não vivemos sobre a Terra. Nós somos terra (Adam, húmus-homo), parte da terra” (BOFF, 1994, p. 41-42 e 48). Assim, o homem não pode olhar apenas “para seu próprio umbigo”, enclausurado no seu “eu”, mas ter consciência ecológica (noosfera) o que é fundamental para a participação no desenvolvimento do planeta Terra, com a percepção de uma corresponsabilidade pela natureza, “uma espécie de osmose com a Terra e seu destino”.
A crise ética é vivenciada na situação progressiva de pobreza e sequelas decorrentes, como fome, doença, violência, deterioração do ser humano e degradação da sociedade. A maioria dos indivíduos vive na marginalidade, não se sente livre entre a técnica e a ciência, mas ‘num mar de incertezas’. É o capitalismo atingindo sua face mais pura e mais avançada. Beck (1999) enfatiza a incerteza como elemento caracterizador da sociedade contemporânea.
Segundo Karnal (2015), “o limite da ética é o limite do campo alheio”. Assim, Oliveira (2001) já no despertar do novo milênio, mostra a urgência de estabelecer limites éticos à expansão tecnológica, limites entre tecnologia e ciência em uma humanidade que corre perigo, pois a liberdade não pode ser construída sem a mediação ética. Nas palavras do autor:
A ética emerge como reflexão crítica destinada a formular os critérios que permitam superar o mal e conquistar a humanidade do homem enquanto ser livre. Sendo assim, ela é mediação para a humanização do ser humano, para a efetivação de um mundo humano enquanto mundo que torna a liberdade efetiva (OLIVEIRA, 2001, p. 10).
Além do vazio ético e ausência de liberdade, portanto, da ausência de limites éticos, Capra (2006, p. 23) cita que o homem enfrenta outra crise: “a crise de percepção”, uma vez que ele não percebe que “prioriza elementos marginais em detrimento da busca de respostas às questões mais relevantes da sociedade humana”. É essa falta de percepção que leva o ser humano a compartilhar o mesmo espaço físico onde se vive “desconectado” com a realidade espaço-temporal, com dificuldade em buscar soluções responsáveis, sejam preventivas, mitigadoras e/ou compensatórias para os dilemas sociais e os desastres ambientais.
Frente ao fenômeno da globalização, nota-se que o ser humano está perdendo o sentido da vida, da própria identidade, assim como não se relaciona de modo efetivo e saudável com os outros e nem com a Natureza devido ao individualismo, ao consumismo exagerado, a crise ética e ecológica (BOFF, 2003, 2005). O aumento do consumo e da produtividade são marcas da sociedade capitalista, as quais incentivam o desperdício gerando um ciclo de mais produção e maior intensificação do consumo; em consequência, maior destruição do meio ambiente. Assim, Beck (1999, p. 158) afirma: “a pobreza e a destruição ambiental mundiais são decorrentes do fenômeno da globalização”. Portanto, a globalização não tem sido equilibrada, mas conflituosa. 
Dessa forma, em meio às conquistas tecnológicas, o homem sente-se incapaz de responder a suas inquietações existenciais. Rojas (1996), assim como Morin (1997, 2000) citam que com seu espírito científico, a modernidade conduziu a humanidade a uma situação de falta de referências, a um vazio moral, embora tenha materialmente quase tudo, priorizando o ‘ter’ em detrimento do ‘ser’, quando o indivíduo é reconhecido e valorizado pelo que possui. Portanto, a crise existencial é evidente. 
 Assim posto, e mediante a supervalorização dos bens materiais, a humanidade encontra-se perdida em meio a tanta superficialidade e imediatismo, aprofundando-se a crise existencial. A violência, a drogadição, o desmantelamento das instituições e o enfraquecimento dos valores humanos são provas cabais desse fenômeno. Entende-se também que essa crise está relacionada à “frustração, medo, drogas, alcoolismo, criminalidade de jovens e escândalos recentes na política, na economia, em sindicatos e na sociedade” como confirma Küng (2001, p. 24). Desse modo, o ser humano hedonista, permissivo, consumista e relativista, tem pela frente “um prognóstico ruim: a humanidade, sem fundamento, sem rumo e sem direção, encontra-se vazia de sentido” como pontua Rojas (1996, p. 21).
1. 2 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS
Conforme análise feita embasada na revisão de literatura, observa-se que a era globalizada possui a característicada ambivalência: se por um lado faz circular de forma rápida e eficiente conhecimentos científicos e troca de experiências (as pessoas se sentem ‘cidadãos do mundo’), e extrapola as relações comerciais e financeiras, por outro lado, ela produz ainda mais desigualdades, com o crescimento do desemprego, pobreza, fome, insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta gerando novos instrumentos de dominação e controle (SANTOS, 2002). 
Por conseguinte, ao lado de um ponto positivo decorrente da globalização, há, na maioria das vezes, um ponto negativo. O mundo vive um fenômeno paradoxal. A ambivalência e a contradição persistem de um lado, entre o indivíduo que expressa o respeito à singularidade e, do outro lado, a desconfiança de que o próximo seja uma ameaça; de um lado, o preceito do amor ao próximo e de outro lado, a busca moderna pela satisfação individual. Por isso Bauman (1999, p. 8) aponta: “a globalização tanto divide como une; divide enquanto une”. 
Nesse sentido, Almeida (2004, s.p) reflete em “A globalização e seus benefícios: um contraponto ao pessimismo” sobre o fenômeno paradoxal da globalização. O mestre argumenta que de acordo com literatura disponível, a globalização está longe de ser aceita em todas as partes; que ela dificilmente é acolhida de maneira favorável por líderes políticos, mesmo numa sociedade capitalista, e que não se pode mesmo esperar que ela seja bem-vinda como positiva pelos “filósofos sociais”. Ao contrário: “ela ainda é vista com desconfiança, quando não com certa ojeriza de princípio, como se dela emanassem odores pestilenciais ou vírus nefastos à boa saúde dos indivíduos e sociedades por ela tocados”.
Em contraponto, o autor cita o economista indiano Surjit Bhalla para quem a globalização não resultou em taxas menores de crescimento, nem em aumento da pobreza ou da desigualdade, mas ao contrário, houve uma diminuição sensível das desigualdades mundiais, dos índices de pobreza e um crescimento da renda dos estratos mais pobres, relativamente aos mais ricos. Entretanto, Almeida (2004) exemplifica os casos de aumento absoluto da pobreza e dos níveis de desigualdade que ocorreram nos países africanos, especialmente na Nigéria, o caso mais dramático de aumento simultâneo da pobreza e das desigualdades sociais. Porquanto, é complicado estabelecer algum “vínculo estrutural entre a marcha da globalização e o aumento das desigualdades sociais ou setoriais” conclui o sociólogo. 
Além do mais, são muitas variáveis a serem computadas nos estudos de avaliação do impacto da globalização; uma delas são as desigualdades na distribuição de renda entre os países, que se acentuaram nas últimas décadas. Entende-se que para alguns economistas essas desigualdades ocorreram devido aos diferenciais de produtividade entre as economias do que ao próprio movimento da globalização. O economista Sala-i-Martin, segundo Almeida (2004), demonstra que a defasagem entre os países ricos e os pobres no século XX explica-se pelos diferenciais de produtividade entre economias nacionais apresentando diferentes ritmos históricos de desempenho relativo e ostentando fontes diversas de crescimento. Mesmo assim, o fenômeno paradoxal existe e persiste.
 
1.2.1 Pontos positivos (ou benefícios)
· Os avanços proporcionados pela evolução dos meios tecnológicos, bem como a maior difusão de conhecimento, dependem do contexto social e econômico. São intensas as dimensões cósmicas da informação e comunicação com o acesso fácil e rápido aos bens. Assim, por exemplo, se descobrem a cura para uma doença grave no Japão, ela é rapidamente difundida para as diferentes partes do planeta. Ampliaram-se as fronteiras, as pessoas podem “conviver” com inúmeras culturas diferentes, se tornarem um consumidor mundial capaz de se inteirar em apenas alguns segundos com o que o resto do mundo está vivenciando. Tudo isso é possível através dos meios de comunicação que se expandiram no século XXI. “A globalização abre possibilidades de consumo de produtos e serviços de todas as origens, apostando na diversidade e na diversificação” (PRANDI, 1997, p. 66);
· A globalização faz circular experiências, conhecimentos científicos, tecnológicos e de sustentabilidade facilitando a propagação das inovações entre países e continentes, haja vista os avanços nas áreas de Medicina, Genética, Bioética, Biomedicina, Física, Química, Ecologia, entre outras;
· Geração de empregos em países em desenvolvimento: em busca de mão-de-obra barata e qualificada, muitas empresas abrem filiais em países emergentes (China, Índia, Brasil, África do Sul, entre outros), gerando empregos nestes países;
· A unificação econômica: as instituições financeiras (bancos, casas de câmbio, financeiras) criaram um sistema rápido e eficiente para favorecer a transferência de capital e comercialização de ações em nível mundial, facilitando as relações econômicas. Investimentos, pagamentos e transferências bancárias, podem ser feitos em questões de segundos através da Internet ou de telefone celular;
· A globalização extrapola as relações comerciais e financeiras. As pessoas estão cada vez mais descobrindo na Internet uma maneira rápida e eficiente de entrar em contato com pessoas de outros países ou, até mesmo, de conhecer aspectos culturais e sociais de várias partes do planeta. Junto com a televisão, a rede mundial de computadores quebra barreiras, ligando pessoas e espalhando ideias e diversos aspectos da vida de outras nações;
· Saber ler, falar e entender a língua inglesa torna-se fundamental dentro deste contexto, pois é o idioma universal e o instrumento pelo qual as pessoas podem se comunicar (PETRIN, 2014);
· A solidariedade dos mais diversos tipos de povos e religiões quando ocorrem catástrofes em qualquer parte do planeta. Stott (2011) afirma que "quando os cristãos se importam uns com os outros, e com os pobres, Jesus Cristo se torna visivelmente mais atraente". 
 
1.2. 2 Pontos negativos (ou malefícios)
· Nota-se acentuada desigualdade social pelo choque de civilizações, cultura e costumes que leva à ausência completa de comportamento ético e à desumanidade generalizada e, especialmente, pelo substancial afastamento humano, com a deterioração do princípio da dignidade humana;
· O individualismo corrói a ação coletiva, pela banalidade e pela indiferença diante dos problemas e do sofrimento social. A ética individualista e permissiva cerceia e censura os interesses da coletividade ocasionando a banalização e a relativização de todo comportamento ético (BITTAR, 2007). A cultura do prazer a qualquer custo se torna o novo código de comportamento, e esta situação é explorada pelo mercado, “que vende as mais diversas formas de prazer” possibilitando a permissividade, pois tudo é permitido, desde que o fim seja alcançado – “o prazer a todo custo” cita Rojas (1996, p. 14). Nessa busca desenfreada do prazer, e no afã de alcançá-lo, a humanidade cai no consumismo, frente à triste realidade de que as aquisições materiais não satisfazem plenamente a existência humana. A desigualdade social reforça o sentimento de crise e a angústia humana frente a tais fatos (“Deus rejeita os louvores do seu povo quando ele não está cuidando das necessidades das pessoas sofridas e excluídas” (Am 5, 21-24; Sm 15, 22; Os 6, 6); 
· Desordem da economia: as empresas escolhem onde situar seus estabelecimentos, e o fazem de conformidade com seus interesses econômicos (menores custos de mão-de-obra, leis trabalhistas mais flexíveis e menores impostos ou sua isenção). Na era da informática, são possíveis transações financeiras entre pessoas ou empresas localizadas em territórios distantes, que escapam do controle e tributação do Estado nacional. Surgem novos atores que exercem influências na economia e no relacionamento entre as pessoas, organizações civis na defesa de interesses específicos de determinados setores da sociedade. Da mesma forma que pessoas honestas aproveitam das novas tecnologias de comunicação e informação, pessoas e empresas com interesses escusos utilizam a não territorialidade,a não visibilidade e as facilidades desses meios tecnológicos para cometer crimes (e corrupção) fugindo do controle estatal, pois o Estado nacional não é capaz de controlar e conter todos os atos;
· Enfraquecimento do poder dos Estados nacionais: devido a não territorialidade, o Estado perde sua soberania ao abrir mão do seu controle para privilegiar a nova ordem mundial e novo Estado surge como uma máquina dependente dos processos produtivos abalando o poder econômico (“o tripé da soberania: militar, cultural e econômico”). Segundo Bauman (1999, p. 69 e 73) “a globalização impõe seus preceitos de forma totalitária e indissolúvel, sendo o Estado incapaz de suportar a pressão, ou seja, alguns minutos bastam para que as empresas e a Nação entrem em colapso”.
Cabe enfatizar que, de acordo com o filósofo, diante da incerteza do mercado e da frágil promessa do livre comércio, se está também diante de um Estado “diminuto e fraco” que tem como única função a manutenção do interesse das grandes organizações empresariais. Hoje as megaempresas desfrutam de toda a liberdade para realizarem “manobras econômicas” que tornam o Estado um mero espectador, dominado e sem poder de reação. Para Carvalho (2008, p. 3) esta é a “globalização do capital, das condições de produtividade, do mercado, do lucro e das exigências desse mesmo mercado”.
Nessa linha de pensamento, Beck (1999, p. 27e 47) distingue globalização, fenômeno complexo, plural e irreversível, de “globalismo”, pois a globalização se reduz à dimensão econômica, e exige a integração dos Estados Nacionais para facilitar as transações dos agentes econômicos, impedindo a participação democrática (“ditadura neoliberal do mercado mundial”). Com isso, “a especulação financeira faz o dinheiro reproduzir-se por si, desvinculando o trabalho dos pobres ao aumento da riqueza dos ricos” (BECK, 1999, p. 109-110).
Para o sociólogo o homem vive em uma “sociedade de risco”, os riscos são gerados pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Contudo, essa mesma sociedade se debruça sobre os problemas em busca de soluções. Daí a denominação de ‘Modernidade Reflexiva’ para época atual, no sentido de que a sociedade se conscientiza dos riscos da modernidade e reflete sobre eles. Nessa perspectiva, Habermas (2004b) salienta que assim como o homem moderno constrói o progresso com novas tecnologias terá também capacidade pela reflexão de revisar seus erros e propor novas metas sendo mais crítico.
A fim de contrabalançar e controlar o processo de globalização, principalmente no setor econômico, Beck (1999, p. 92) propõe a criação de ‘Estados Transnacionais’, os quais limitariam os riscos mundiais em níveis de tolerância a fim de garantir a sustentabilidade da vida no planeta: “apenas a cooperação entre os Estados nacionais a nível transnacional, pode regular a globalização e suas consequências”.
Desse modo, Stiglitz (2002) chega a apontar que o processo da globalização não é ruim, mas tem sido acompanhado de políticas que causam mais danos do que benefícios aos países em desenvolvimento, entre as quais austeridade fiscal, altas taxas de juros, liberalização do comércio, dos mercados de capitais e privatização e reestruturação do mercado financeiro. Segundo Abdala (2002, p. 14), “as potências mundiais dominam o poder cristalizado nas megacorporações donas do controle do mercado e do capital e não nos Estados Nacionais”;
· Desordem das relações sociais: a pobreza leva ao processo de degradação social que nega as condições mínimas de vida humana. Da soma do resultado “fome-pobreza” outros fatores surgem e que enfraquecem os laços sociais e passam a destruir também, os laços afetivos e familiares (BAUMAN, 1999). A globalização não beneficia todas as pessoas (não existe partilha mais igualitária da riqueza como se pensava), mas aumenta a desigualdade socioeconômica entre os ricos e os pobres. Os ricos adquirem novos produtos, novas tecnologias, enquanto que os pobres não partilham dos mesmos benefícios como comentam Beck (1999), Bauman (1999) e Lévinas (2010a). Assim, os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. Percebe-se que a globalização não resultou nos benefícios diversificados e prometidos para algumas nações mais pobres do mundo como os benefícios econômicos; 
· Aumento da exclusão social e o redimensionamento do conceito de bem-estar social: “Este novo mundo proposto é o da fome, pobreza e miséria absoluta, onde 800 milhões de pessoas estão em condições de subnutridas e quatro bilhões de pessoas vivendo na miséria” (BAUMAN, 1999, p. 81). Diante desse cenário, uma comparação se faz necessária: se em 1990 havia um bilhão de famintos, e em 1999, este era o quadro da miséria citado, já em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apresentou um relatório onde anuncia que o número de pessoas que são atingidas pela fome em nível mundial diminuiu em mais de 100 milhões na última década, mas denuncia que há ainda cerca de 805 milhões (um em cada nove habitantes do planeta) que sofrem com a fome no mundo. São ainda 795 milhões de pessoas desnutridas. Segundo a ONU (2014) a insegurança alimentícia e a desnutrição são problemas complexos que devem ser resolvidos de maneira coordenada e pedem aos governos para trabalhar em estreita colaboração com o setor privado e a sociedade civil.
As imensas desigualdades da globalização permitem conceber essa nova ordem sob a marca da economia política da incerteza definida como “o conjunto de regras para pôr fim a todas as regras”. Para Bauman (1997, 1999, 2005, 2008) e Bittar (2007) a globalização deu mais oportunidades aos ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não tem causado impactos nas vidas dos pobres do mundo.
Liderada pelas instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), a globalização ainda não cumpriu a promessa de melhorar o mundo. Segundo afirma o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD (2010, p. 38)): “enquanto muitos milhões de pessoas têm demasiado pouco para comer, milhões comem em demasia”. [...] “O problema não é tanto a globalização em si, mas a maneira como está sendo promovida e administrada”. 
Por conseguinte, Carvalho (2008, p. 5) ressalta que:
a globalização divide o mundo simbólico em ricos e pobres, vencedores e perdedores, miseráveis e bem sucedidos, afetando todos os países, encerrando-os em um único mundo desigual, no qual investidores individuais podem transferir quantidades de capital, de um lado para outro do mundo, num piscar de olhos, com um simples clicar de um mouse.
· Impactos agressivos para o meio ambiente: os interesses das corporativas capitalistas baseiam-se nas explorações de matérias primas da natureza de maneira insustentável, poluindo e contaminando os ambientes naturais. As consequências globais dessa falta de ética ecológica já não são futuras como, por exemplo, as formas de produção e fabricação que geram elevado índice de poluentes, lixo e resíduos decorrentes de um processo industrial sem controle.
Sobre o drama da exploração da Terra, Boff (2000, p. 9) chama a atenção:
(...) A este drama é preciso acrescentar a ameaça que pesa sobre o sistema Terra. A aceleração do processo industrial faz com que a cada dia desapareçam 10 espécies de seres vivos e 50 espécies de vegetais. O equilíbrio físico–químico da Terra, construído sutilmente durante milhões e milhões de anos, pode romper-se devido à irresponsabilidade humana. A mesma lógica que explora as classes oprime as nações periféricas e submete a Terra à pilhagem. Não são somente os pobres que gritam, grita também a Terra sob o esgotamento sistemático de seus recursos não renováveis e sob a contaminação do ar, do solo e da água.
Nessa linha, também Singer (2004, p. 45-46) indica possíveis consequências do “efeito estufa” em escala globalpara os seres humanos, como:
(a) devido ao aquecimento dos oceanos, os ciclones e as tempestades tropicais, antes confinadas aos trópicos, afastar-se-ão do Equador, atingindo áreas urbanas que não foram construídas para suportá-los; (b) haverá propagação de doenças tropicais; (c) a produção alimentar aumentará em algumas regiões, especialmente nas latitudes setentrionais elevadas, e decrescerá noutras, incluindo a África subsaariana; (d) o nível das águas do mar aumentará entre nove e 88 centímetros. Os países ricos poderão, com custos consideráveis, fazer frente a tais alterações sem uma grande perda de vidas, visto que se encontram numa posição mais confortável para efetuar o armazenamento da comida, para deslocar pessoas de áreas inundadas, para combater insetos portadores de doenças e têm condições de construir paredões que contenham o avanço das águas dos mares. Os países pobres, por sua vez, não conseguirão fazer isso.
Conforme as graves implicações negativas tanto nas dimensões econômica e ambiental quanto na dimensão ética, percebe-se que a ‘indústria cultural’ da globalização, expressão utilizada por Adorno (2002), reduz o ser humano a mero consumidor, pois o homem perde a sua condição de ser pensante e assume o papel de consumidor da sociedade de consumo. Bauman (2005, 2011) considera que os consumidores estão sempre “em movimento, como em uma aventura”, e para manter o movimento, permanecem em um estado ora de insatisfação ora de excitação incessante. A perda do interesse, a permissividade e a impaciência são algumas das características da sociedade de consumo. Além do desejo de consumir, os produtos são cada vez menos duráveis. Nesse jogo de necessidades e satisfação, a promessa de satisfação é mais intensa do que a necessidade efetiva.
Entretanto, como diz o sociólogo, nem todo mundo pode ser um consumidor, pois se todos estão sujeitos a uma vida de opções, nem todos têm a opção de escolher como viver. Aos mais desfavorecidos o consumismo não os atinge. Bauman (1999, p. 43 e 54) pontua que a sociedade é de consumidores [...]. “Os pobres não têm poder de liberdade de escolha porque são desprovidos de capital. O ideal da “vida boa”, ou a vida feliz, não são acessíveis aos que não podem consumir”.
O capitalismo, de raízes iluministas, intencionava libertar o homem de seus medos e mitos, mas, ao contrário, acabou por subjugá-lo à máquina e à técnica, impedindo, segundo o filósofo Adorno (2002, s.p), “a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes não somente de julgar, mas de decidir conscientemente”. De acordo com Russ (1999, p. 16) a ciência e a tecnologia também produzem medo, pois, “além de aumentarem os poderes do ser humano também o colocam na condição de objeto, vítima passiva do próprio desenvolvimento tecnológico, como é o caso das experiências genéticas”.
Por conseguinte, considera-se que entre os problemas e malefícios da globalização, o principal deles é a desigualdade social por ela proporcionada, em que o poder e a renda se encontram concentrados nas mãos de uma minoria. Acusa-se a globalização de proporcionar uma desigual forma de comunicação entre os diferentes territórios, em que culturas, valores morais, princípios educacionais e outros são reproduzidos obedecendo a uma ideologia dominante. Assim, conclui-se que os principais centros de poder exercem um controle ou uma maior influência sobre as regiões economicamente menos favorecidas (SANTOS, 2000, 2002).
Ainda nessa linha de raciocínio, cita-se parecer do PNUD (2010, p. 44):
(...) A distância entre o país mais rico e o país mais pobre aumentou bastante. O país mais rico nos dias de hoje (Listenstaine) é três vezes mais rico que o país mais rico em 1970. O país mais pobre atualmente (Zimbabué) é 25% mais pobre do que o país mais pobre em 1970 (também o Zimbabué).
Assim sendo, Gonçalves (2003, p. 32) comenta que “hoje há forte estímulo à centralização do capital em escala global, um número cada vez menor de grandes empresas controla uma parcela cada vez maior da produção mundial”. As mudanças nas condições de competitividade, da diversificação de risco e do acesso a tecnologia frente aos custos da inovação e a variabilidade dos ciclos dos produtos são consideradas os fatores da centralização ‘monopolizadora’.
Nesse ponto de vista, Pinto e Gonçalves (2013, p. 34) apontam que a era da globalização tem como herança, “não a multipolaridade, mas, sim, a tripolaridade, com maior concentração de poder econômico e político no Capitalismo global” (China tornou-se o mais importante exportador de bens do mundo, seguida dos Estados Unidos e da Alemanha). Porém, para os autores a globalização traz mais benefícios do que malefícios, pois, sem ela, o processo de abertura de algumas economias não seria possível, tais como as economias da China, a qual “no conjunto das transformações, a mais evidente é, de um lado, a redução relativa do protagonismo dos Estados Unidos e, do outro, a ascensão da China como poder econômico”.
De fato, a China vem desempenhando novo papel de “fábrica do mundo” na dinâmica asiática e mundial, destacando-se tanto pelo lado da oferta global (produtor e exportador mundial de produtos de tecnologia da informação (TI) e de bens de consumo industriais intensivos em mão de obra), como pelo lado da demanda global (é grande mercado consumidor) (PINTO; GONÇALVES, 2013, p. 20).
Dessa forma, em meio às mudanças e disparidades globais, a humanidade se vê incerta e perdida diante do cientificismo, incapaz de satisfazer o vazio da alma humana, que se volta para a religiosidade na tentativa de encontrar o “elo perdido” e de dar um significado à sua própria existência. Entretanto, se antes, “a religião fundava-se na transmissão da cultura, através da oralidade, do contato face a face, agora as pessoas possuem nova forma de exercer sua espiritualidade, conectando-se com sites no computador” (PRANDI, 1997, p. 69). Além disso, a globalização também traz em seu bojo a pluralidade e a fragmentação religiosa, frutos da própria dinâmica moderna globalizadora (STEIL, 2001).
Conforme cita Pace (1997, p. 12) “a globalização permite novo paradigma religioso, uma maior circulação inter-religiosa, reforçando a falta de certezas e de convicções, comum aos credos religiosos”. Acrescenta-se que a comercialização e exploração de bens culturais próprias das técnicas de reprodução não surtem efeito benéfico nas questões espirituais e religiosas porque, ao invés de contribuir para minimizar a fome e as mazelas de grande parte das populações que sofrem em todo mundo, permitem que o sofrimento humano se perpetue. Adorno (2002), um dos críticos mais severos da sociedade massificada contemporânea, insiste em que o capitalismo continua a liquidar, não com o trabalho, mas com o trabalhador, ampliando o consumismo com a criação de necessidades supérfluas.
Frente a essa situação, o homem individualista, relativista e permissivo (características da era em que se encontra inserido), ‘cria’ sua própria religião a fim de encontrar o caminho que lhe trará a paz almejada, “customizando” sua fé. Quintana (2003) salienta que o processo da globalização, ao mesmo tempo em que aproximou sistemas religiosos distantes através da “compressão espaço-tempo”, também produziu e aumentou a mercantilização do campo religioso com a criação das “religiões particulares” em oposição a uma visão tradicional que enfatizava a sua dimensão sagrada. E Steil (2001, p. 125) pontua que no processo da globalização “entrelaçam-se elementos de tradições milenares e contemporâneas com filosofias e verdades produzidas pela reflexão humana e pela elaboração científica”, porém essas ‘verdades’ são imediatistas e relativas, pois se hoje servem, amanhã serão descartadas.
Quanto a essas reflexões reafirma-se a concepção do sociólogo Bauman (2001, 2008) de que o homem de hoje vive numa “modernidade líquida”, em um mundo sem forma, onde não há mais certezas, onde os valores são frágeis e fluídos, onde imperam o individualismo (ninguém ouve ninguém), o “achismo” e a “customizaçãoda fé”, motivados pela globalização. Karnal (2015, s.p) explica que uma característica do mundo líquido é que “o aqui e agora não junta mais corpo e alma”, pois há a intermediação e a dependência da tecnologia; um mundo onde nada é mais sólido, e “essa liquidez atinge os valores”. Para o historiador e professor, o homem é submetido a uma velocidade intensa aliada ao individualismo total, pois ele vive enclausurado no seu “eu”.
Nesse contexto, Karnal (2015) compara a era globalizada com o quadro “O Grito”, do pintor norueguês Edvard Munch, o qual representa um momento de profunda angústia e desespero existencial. As formas distorcidas e a expressão do personagem revelam a dor e as dificuldades que “a era globalizada pode apresentar”, causando um grito como forma de expressão desse sentimento. Esse grito é o grito das pessoas excluídas da “globalização da indiferença, pois a cultura do bem-estar torna-nos insensíveis aos gritos dos outros” (PAPA FRANCISCO, 2013).
(...) O grito – enquanto ruído, rugido, clamor, protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu sentido apenas por quem “tem ouvidos para ouvir” – indica simplesmente que alguém está sofrendo e que do íntimo da sua dor nos lança um grito, um pranto, uma súplica. É a interpelação primitiva. (DUSSEL, 2005, p. 19).
Todavia, essa “globalização da indiferença” citada pelo Santo Papa e também por Dussel (2012) e que torna todos “anônimos”, responsáveis “sem nome e sem face”, aponta a insegurança, a injustiça, a instabilidade, o medo, os “ouvidos moucos” insensíveis aos gritos dos outros e a incerteza para se viver em comunhão, para ser “bem-vindo à esquiva comunidade”, segundo Bauman (2008, p. 70), uma vez que a proximidade já não garante intensa interação. O sociólogo comenta que é bom “ter uma comunidade”, “estar em uma comunidade”, pois a sociedade pode ser má, mas não a comunidade, “que é sempre uma coisa boa”. 
Em contrapartida, Bauman (2001, 2005) também considera que a individualização radicalizada impede a sociabilidade, a “comum-união”, pois como o indivíduo vive num mundo líquido, sem fixidez, seus relacionamentos tornam-se frágeis, e ele se torna ‘livre’ na comunidade, mas essa liberdade é relativa na medida em que suas opções de construção da individualidade são limitadas (ou ilimitadas) pelo consumo. 
Assim, solitário e não solidário, o ser humano vive um vazio ético, característico desses novos tempos, quando, na verdade, para buscar a paz e a segurança deveria olhar o Outro, seu próximo, ter a disponibilidade existencial para o Outro cumprindo assim, um papel humanizador (LÉVINAS, 2010). E é justamente o que se espera dessa era globalizada, o universalismo concreto em que o “eu” vê o “outro” como “igual”, mas, entretanto, reconhece que esse outro possa ser “diferente”, uma vez que a postura interculturalista também promove o diálogo, a complementaridade e é capaz de pensar a unidade na pluralidade (QUINTANA, 2003).
Entende-se que a solidariedade deveria ser a tônica dessa era globalizada. A “globalização solidária” deveria estar centrada em valores e não ligada à hegemonia dos países ricos, e contribuir para o desenvolvimento sustentável de todos. Apesar do seu aspecto positivo (solidariedade em tempos de catástrofes), Sales (2010, p. 311) acrescenta que a “racionalidade da globalização atual enfraquece tanto a noção de solidariedade quanto a preservação do planeta”. No entanto, a preservação do planeta e os vínculos de solidariedade social “são indispensáveis à convivência humana” (CARVALHO, 2008, p. 169).
Nessa esteira, Sales (2010) aponta ainda que o acesso imediato ao mundo do outro possibilita a formação de redes de solidariedade, que tragédias locais mobilizam globalmente as pessoas em prol da preservação da vida (como exemplo, cita-se a “tragédia da lama” em Mariana (MG)), porém, o ser humano hoje valoriza mais a “estética hedonista” do que a ética; a técnica com a obtenção do lucro do que a promoção da vida; os valores imediatos efêmeros do que os essenciais e duradouros; cresce o número de cristãos que “customizam” suas práticas religiosas, e fazem “troca de favores com o sagrado”.
Em relação a essa inversão dos valores, Vattimo (1992, p. 10) reflete que “a sociedade ainda não é mais transparente, mais consciente de si, mais iluminada, mas é vista como uma sociedade mais complexa, até caótica”. Acrescenta-se aqui a reflexão de Ianni (2003, p. 220): “Fala-se mesmo em outra história e outra geografia: novas formas de espaço e tempo, às vezes, límpidos e transparentes, outras vezes caleidoscópios e labirínticos”. Refletir sobre essa “nova era” é preciso.
Por conseguinte, percebe-se que a humanidade corre perigo, e a civilização científico-tecnológica precisa, urgentemente, estabelecer limites principalmente éticos a essa expansão tecnológica. Singer (2004, p. 28) questiona: “o que é uma questão ética fundamental quando devemos nos preocupar com o bem-estar das pessoas de todo o mundo, independentemente de nacionalidade?” O filósofo australiano ressalta que na era da globalização o homem deve preocupar-se com todos os tipos de problemas além das fronteiras (macroeconômicos, legais, comunitários, ecológicos de caráter global), e os valores devem ser “sólidos, defensáveis e justificáveis”.
Assim sendo, é preciso construir uma sociedade mais aberta, criativa, solidária e tolerante como propõe Grenz (2008). Quando se lê no livro do Gênesis (Gn 1,28): [...] “enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre...”, Drewermann (2004, p. 7) pontua que este versículo “é o mais utilizado pelo homem nos dias de hoje”, interpretando-o a sua maneira, como dono de todo o planeta sujeito ao bel-prazer. Entretanto, os Evangelhos de Mateus (Mt 16, 26) e de Marcos (Mc 8, 36) ressaltam: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” O autor entende que para nada adianta e serve “conquistar o mundo inteiro e perder-se a si próprio” (DREWERMANN, 2004, p. 96).
Enfim, refletir e buscar desafios sobre a ética ‘global’, essencialmente sobre a Ética Cristã na era da globalização é preciso, uma vez que quase todos os problemas apresentados são, sobretudo, de cunho ético. 
CAPÍTULO 2
ÉTICA E ÉTICA CRISTÃ NA CONTEMPORANEIDADE
O fenômeno da “aldeia global", "planetização" ou "cosmificação", como pontua Libanio (2007) tem conduzido o homem ao enfrentamento de uma série de dilemas éticos surgidos na sociedade e na cultura e que indicam caminhos diferentes daqueles apontados pela Ética Cristã. A ciência e a tecnologia se desenvolvem muito mais do que a existência humana interior. Porém, as inegáveis conquistas do homem não proporcionam igual evolução no campo da ética e da moral. A sociedade passa por uma profunda crise ética e moral, isso porque a prática dos valores humanos tem sido esquecida. A modernidade vem mudando os valores éticos: hoje os indivíduos buscam o imediatismo e a instantaneidade das coisas; os valores são “atributos de experiências momentâneas” cita Bauman (2011, p.225), e o relativismo, quando a ética pode contornar a situação e conduzir a uma moralidade de que “os fins justificam os meios”.
O mundo contemporâneo vive uma globalização da violência, fruto das relações econômicas, políticas e sociais. Os princípios éticos e morais estão cada vez mais distantes do cotidiano dos indivíduos. Apenas o anseio por riquezas predomina, além da corrupção, da necessidade de levar vantagem em tudo, da desonestidade, da dissimulação e fingimento nas atitudes. Frente a essa realidade, faz-se urgente arquitetar uma ética capaz de pensar e propor normas para os problemas que afetam a humanidade e o planeta, mas uma ética “global”, embasada nos princípios da Ética Cristã como enfatiza Apel (2004). 
No Brasil como em todo o mundo, em todos os locais que vivem uma vida ‘moderna’, ou ainda ‘pós-moderna’, os indivíduos enfrentam problemas espirituais e sociais semelhantes, como os já citados pelo teólogo inglês Stott (2011) que analisa essa problemática desde a década de 1980. 
O homem é um ser no mundo, que só realizasua existência no encontro com outros homens, sendo que todas as suas ações e decisões afetam as outras pessoas. Nesta vivência, naturalmente têm que existir regras para que haja harmonia de uma relação saudável, as quais ele deve submeter-se, e pelas quais são medidas suas responsabilidades e limitações. Assim sendo, a escolha do tema proposto se justifica pelo interesse no aprofundamento reflexivo sobre o significado desta Ciência normativa, fundamentada em princípios bíblicos, padrões pelos quais o homem deverá agir de acordo com os ensinamentos do Mestre.
2. 1 ÉTICA: CONCEITOS E ORIGENS 
Segundo Matos (2013) e Aquino (2013) a palavra “ética” vem do grego ethos/éthos que deriva de ethó (estar habituado, se apropriar) e se refere aos costumes ou práticas que são aprovados por uma cultura. Originalmente tinha o sentido de “morada”, “lugar em que se vive” e posteriormente significou “caráter”, “modo de ser” como esclarecem Cortina e Martínez (2005, p. 3). Agostini (1997, p. 21) defende a articulação de três elementos fundamentais para uma sociedade saudável: “ethos, moral e ética”, elementos que interagem nas diferentes culturas e elaboram os valores fundamentais para a conduta dos homens.
Ética é ciência normativa da conduta individual e coletiva em sentido amplo, ciência da moral ou dos valores e tem a ver com as normas ou regras sob as quais o indivíduo vive em sociedade. Essas normas podem variar de uma cultura para outra e dependem da fonte de autoridade que lhes serve de fundamento. A ética ou a filosofia moral tem como objetivo “explicar o fenômeno moral, dar conta racionalmente da dimensão moral humana” segundo Cortina e Martínez (2005, p. 2).
Ética tem um significado próximo ao da Moral, mas o que diferencia Moral da Ética é o sentido etimológico, no qual a moral tem como propósito estabelecer um convívio social de acordo com o que é benquisto pela sociedade, já a ética é identificada como uma filosofia moral, onde se busca entender os sentidos dos valores morais. A palavra moral tem sua origem no latim “mos/mores”, que significa “costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito (geralmente a expressão “bons costumes” é usada como sendo sinônimo de moral).
Para Vázquez (2010, p. 20) a moral está mais conectava com as ações práticas cotidianas de uma determinada sociedade, enquanto a ética está direcionada à “relação entre o comportamento moral e as necessidades e os interesses sociais”. Cortina e Martínez (2005, p. 2-3) citam que a diferença entre as duas está associada ao seu sentido (direto e indireto), ou seja, enquanto a moral é “um saber que oferece orientações para ações em casos concretos, a ética é normativa em sentido indireto, pois não tem uma incidência direta na vida cotidiana, quer apenas esclarecer reflexivamente o campo da moral” (a moral responde à pergunta “O que devemos fazer?” e a ética, “Por que devemos?”). 
Assim posto, entende-se que a Ética é o conjunto dos valores que garantem o bem-estar social. Ela avalia os princípios do indivíduo e do grupo, uma vez que cada grupo possui seus próprios valores, culturas e crenças, constituindo uma reflexão crítica sobre a moralidade (MEJDALANI, 2013).
Kaizeler e Faustino (2008, p. 8) citam Kant (1724-1804) que define a ética como “um conjunto de regras ditadas pela razão e que devem ser seguidas independentemente dos desejos, dos interesses, da vontade e das condições históricas”. Para o filósofo as regras morais têm um caráter absoluto, não admitem exceções. Porém, a mentira (defendida pelos utilitaristas), utilizada para aumentar o bem-estar, era uma exceção à verdade inadmissível. A palavra dever tem para o filósofo dois significados: meio para atingir um fim (imperativo hipotético depende dos desejos) e regra moral (imperativo categórico depende da razão). O bem moral não reside na felicidade como defendiam as éticas tradicionais, mas em conduzir-se com autonomia, construindo corretamente a própria vida. O pensamento ético kantiano, pelo qual norteia em grande parte a cosmovisão cristã é o que mais se aproxima do que é proposto pelo cristianismo desde Jesus, conforme esclarece Lima (2015).
Nesse sentido, Vázquez (2010, p. 150) observa que o homem é um sujeito sócio-histórico e seus valores estão associados às várias esferas do seu cotidiano, assim, “um mesmo ato ou produto humano pode ser avaliado a partir de diversos ângulos, podendo encarnar ou realizar diversos valores”. O espaço do ethos enquanto espaço humano é construído pelo homem, ou mesmo reconstruído incansavelmente. “Nunca ethos está pronta e acabada para o homem” (VAZQUEZ, 2010, p. 45).
Os gregos foram os primeiros a racionalizar as relações entre as pessoas, repensando e reafirmando posturas e sistematizando ações, embora seus preceitos fossem praticados entre outros povos desde os primórdios da humanidade, mesclados ao contexto mítico e religioso. A ética, portanto, nasceu na Grécia, na tentativa de pautar regras de comportamento que permitissem a convivência pacífica entre indivíduos reunidos na sociedade (CHAUÍ, 2003).
A problemática em torno da ética é tratada por Sócrates (469 a.C., 366 a.C), que afirma ser a alma humana o verdadeiro objeto do conhecimento, onde reside a verdade e a possibilidade de alcançar a felicidade. Entende-se que essa afirmação socrática ainda é oportuna, porém na era globalizada, o individuo não está preparado para encontrar a verdade dentro de seu espírito. Na tentativa de eliminar os próprios erros, ocultos em sentimentos confundidos com a felicidade, que só pode ser alcançada pela conduta reta, o sujeito acaba buscando e cultuando somente o prazer hedonista, assim como também expõe Aristóteles (384 a.C., 322 a.C) em Ética à Nicômaco (ARISTÓTELES, 1997).
Através da virtude o homem deveria racionalizar as ações em benefício da coletividade, pois o individuo virtuoso, bom, é aquele que se preocupa em viver bem e em aperfeiçoar a convivência comunitária, somente assim ele alcançaria a felicidade. “Qual é o fim último de todas as atividades humanas?” questiona Aristóteles (1997). O fim não pode ser outro que a eudaimonia (felicidade como auto-realização), a “vida boa” e feliz; assim, considera-se a ética como possibilidade de eliminar a desigualdade, harmonizando o convívio coletivo, pois ela é a busca pela felicidade coletiva.
Na Idade Média, Santo Agostinho (354 d.C., 430 d.C) (2012) expõe que a moral é necessária, porque o homem precisa encontrar o caminho de volta para Deus, e a ética o ajuda a viver no amor a Deus, que é o fim desse caminho, e por amá-Lo terá uma “vida boa” e feliz, ao passo que aquele que ama a si mesmo, vive como se os bens materiais fossem únicos e eternos. O amor cristão impulsiona toda a ordem moral, e tem como finalidade a caridade (charitas), peso interior daqueles que amam o amor em Deus: “Meu peso é o amor; por ele sou levado para onde sou levado” (AGOSTINHO, 2006, XIII, p. 9-10). São Tomás de Aquino (1225-1274) faz uma releitura do pensamento aristotélico, tenta conciliar as principais contribuições do filósofo com a revelação judaico-cristã contida na Bíblia; busca conciliar a razão e a fé condicionando os atos dos indivíduos à natureza humana (CHAUÍ, 2003).
 Porém, como ressalta Coimbra (2002, p. 39), 
(...) infelizmente, o homem moderno perdeu a visão histórica e transcendental da ética. Ele brinca com éticas de ocasião, com valores relativos; tem seu jogo do faz-de-conta nas éticas classistas ou corporativas, assim como na chamada “moral de situação”, mas não sabe como encarar o mundo que nasce agora nem como inserir-se nele, desempenhar seu papel e manter sua dignidade fundamental. A dança velocíssima do transitivo e das aparências tira-lhe a visão do que é estável e essencial.
Desse modo, percebe-se que, em meio a uma “ética de ocasião”, “frágil” e “líquida” do mundo globalizado, o pensamento dos filósofos clássicos e teólogos medievais a respeito da ética aliada à felicidade e ao amor ao próximo e a Deus constitui ainda ‘requisito moderno’ para a vivência da éticaglobal e cristã. Valls (1993) cita que agir eticamente, é agir de acordo com o bem e para o bem, em busca da felicidade. 
2. 2 A ÉTICA NA ERA GLOBALIZADA
Assim posto, nota-se que a crise existencial e a crise moral que caracterizam a era globalizada decorrem da ausência de um sentido de vida mais abrangente, de padrões éticos imprescindíveis para nortearem as decisões do cotidiano. Küng (2001, p. 38-39) ressalta que na passagem da modernidade para a pós-modernidade houve mudanças profundas que contribuíram para o aprofundamento do vazio existencial e moral:
a) a política mundial torna-se cada vez mais policêntrica; b) a política externa colonialista e imperialista transforma-se em cooperação internacional; c) a política social passa da sociedade industrial para uma sociedade de serviços e de comunicação; d) na política econômica, a economia tanto capitalista como socialista mudam para uma economia ecossocial; e) na política comunitária abandona-se o patriarcalismo em busca da parceria entre homem e mulher; f) a política cultural evolui da cultura ideológica para uma cultura plural-global; g) na política religiosa abre-se a perspectiva de deixar a confessionalidade e buscar a multiconfessionalidade ou o ecumenismo.
Diante destas mudanças e transformações globais, Küng (2005) enfatiza a importância da ‘sabedoria’ para evitar o mau uso da pesquisa científica; ‘energia espiritual’ para controlar os riscos imprevisíveis de uma eficiente “megaloideologia”; ‘ecologia’ para acompanhar a economia em constante expansão, e ‘moral’ para contrapor-se aos interesses de poder dos diferentes indivíduos ou grupos ávidos de poder. Mas, para que o homem dos dias atuais possa por em prática a sabedoria, a energia espiritual, a ecologia e a moral, há que se ter uma ética global, “ethos mundial”, pois “não há sobrevivência sem uma ética mundial. Não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões. Sem paz entre as religiões não haverá diálogo entre as religiões”, como conclui Küng (2001, p. 7). 
A ética global exige mudanças dos valores que permeiam a sociedade atual, pois somente os valores essenciais e fundamentais devem ajudar a resolver problemas globais, para além de todas as diferenças de visão do mundo, diferenças culturais, nacionais ou religiosas. Para tanto, há que se passar de uma “ciência a-ética” para uma ciência eticamente responsável; de uma indústria que destrói o meio ambiente para uma indústria que protege os verdadeiros interesses e as necessidades do homem em harmonia com a Natureza. Dessa forma, “ethos mundial deriva do Incondicionado como Absoluto, que é Deus, e não do homem, que é condicionado, e as religiões têm autoridade para poder fundamentar um ethos mundial” (KÜNG, 2001, p. 78-83).
Em sua obra “Para que um ethos mundial?”, o autor expõe que para desenvolver uma ética futura deve-se ter uma base religiosa, as religiões devem refletir sobre o que têm em comum, colaborar para um consenso mínimo sobre um agir responsável. Se a crise do mundo só pode ser superada com a ajuda de uma ética fundada na religião, deve pressupor-se que a paz entre as religiões é condição para a paz no mundo. O projeto “ethos mundial” cria um espaço para o encontro de pessoas de diferentes culturas, religiões e origem étnica neste planeta globalizado. O projeto tenta relacionar a força ética das religiões com uma meta comum para a sobrevivência de todos. Desse modo, Vidal (1998, p. 80) pontua que a moral racional e a moral cristã juntas contribuem para a construção da sociedade humana, pois “a atitude religiosa necessita da ética para verificar sua autenticidade”.
Entretanto, uma ética mundial que promova a vida humana somente será possível com uma “grande coalizão entre crentes e não crentes e com o engajamento especial das diferentes religiões” enfatiza Küng (2001, p. 91). Entre as novas exigências pós-modernas, além da coalizão entre as religiões e a liberdade, o filósofo destaca valores essenciais para a convivência na sociedade nas pegadas da tradição clássica, ou seja: 
(...) a justiça, objetivando uma sociedade na qual as pessoas têm os mesmos direitos e convivem em solidariedade; a igualdade, mas ao mesmo tempo, a pluralidade, objetivando um caminho para a diversidade de culturas; a fraternidade, mas, também a irmandade, objetivando um caminho para uma sociedade renovada de homens e mulheres, na igreja e na sociedade; a coexistência, mas também a paz, objetivando um caminho para uma sociedade apoiada incondicionalmente no estabelecimento da paz e na solução pacífica dos conflitos; a produtividade, mas também a solidariedade com o meio ambiente, objetivando um caminho para uma comunhão das pessoas humanas com todas as criaturas; a tolerância, mas também o ecumenismo, objetivando um caminho para uma comunhão que está consciente de que necessita do constante perdão e da constante renovação (KÜNG, 2001, p. 99-101).
Nesse sentido, Boff (2014) comenta que não há como impor a toda humanidade globalizada a ética elaborada pelo Ocidente “na esteira dos mestres como Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, entre outros, pois no encontro das culturas pela globalização somos confrontados com outros paradigmas de ética”. Urge buscar um “consenso ético” válido para todos, pelo menos quanto às questões socioculturais e ambientais, independentemente da diversidade e pluralidade. É necessário reinventar o consenso ético mínimo junto aos princípios e valores essenciais á vida do ser humano a fim de garantir não somente a própria sobrevivência com a da civilização como um todo. É essa reinvenção do consenso ético deverá partir da própria essência humana como ressalta Pelizzoli (2013).
Entende-se assim, que a garantia da sobrevivência humana associa-se também com a preocupação pelo outro e a necessidade de relação como o outro segundo Bittar (2007, 2013), questões éticas que tem como princípio o bem do outro e também da sociedade. Lévinas (2010a) pontua que o Outro (‘com O maiúsculo’) se apresenta diante do sujeito ético como um “rosto irredutivelmente Outro, que o obriga ao desprendimento, sendo a doação o primeiro gesto ético”; “Na abertura do humano se dá o encontro com a exterioridade, com o Outro, fundado na ideia de infinito: o infinito acentua o Desejo do infinito pelo Outro; buscar o Outro é buscar o infinito”. 
Esse pensamento vai de encontro ao que defende Giddens (2002) quando ressalta que o outro não só existe como coexiste, não só atua como exerce influência sobre o outro, tornando possível o diálogo. No entanto, a ética esvaziou-se do sentido concreto, interpretada pelo senso comum de forma equivocada, e foi substituída pelo narcisismo e pelo egoísmo – o “eu” e não “nós”, em um ambiente de permanente competição. Ainda nessa perspectiva, Lipovetski (2005, p. 88-89) pontua:
(...) nos dias atuais existe uma descontração nos relacionamentos interindividuais, no culto ao natural, nos casais livres, na erupção dos divórcios, na rapidez das mudanças de gostos, valores e aspirações, na ética tolerante e permissiva; mas são também sinais as explosões de síndromes psicopatológicas, do estresse, da depressão. Diante destes fracassos, o ser humano busca orientações em auto-ajuda, vidências, alquimias e culto exagerado do corpo: a fruição do momento presente, o culto de si próprio, a exaltação do corpo e do conforto passaram a ser a nova Jerusalém dos tempos moralistas. 
Giddens (2002, p. 159) reforça esta ideia afirmando que o “narcisista depende de infusões contínuas de admiração e aprovação para estimularem um sentido incerto de automerecimento”; quando ele não se envolve plenamente com os outros, no entanto, e não se sente satisfeito, entra em período de depressão e solidão. 
Nessa esteira, Bauman (1998, p. 221) define a era globalizada como a era do “surto do aconselhamento”:
(...) os homens e mulheres pós-modernos realmente precisam do alquimista que possa, ou sustente que possa transformar a incerteza de base em preciosa auto-segurança, e a autoridade da aprovação (em nome do conhecimento superior ou do acesso à sabedoria

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