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SUMÁRIO 1. Definição ....................................................................... 3 2. Epidemiologia ............................................................. 3 3. Etiologia e fisiopatologia ......................................... 5 4. Abordagem diagnóstica .......................................... 9 5. Manejo..........................................................................24 Referências bibliográficas ........................................28 3DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE 1. DEFINIÇÃO A dor abdominal é um queixa muito comum no departamento de emer- gência (DE), representando cerca de 7,9% das visitas ao DE. Representa um grande desafio diagnóstico por se tratar de uma condição muitas ve- zes inespecífica e mal caracterizada, grande variabilidade de apresenta- ção e com muitos diagnósticos di- ferenciais, podendo se tratar desde causas benignas até causas fatais. SE LIGA! No departamento de emer- gência, a função do médico é diagnos- ticar ou descartar abdome agudo, isto é, causas potencialmente graves, nas quais o quadro de dor necessita de de- finição diagnóstica e conduta imediatas! Sendo assim, os médicos são responsá- veis por tentar determinar quais pacien- tes podem ser observados ou tratados com segurança, sintomaticamente, e quais requerem investigação adicio- nal ou encaminhamento especializado como, por exemplo, casos cirúrgicos. 2. EPIDEMIOLOGIA Idosos, imunocomprometidos e mu- lheres em idade fértil apresentam de- safios diagnósticos especiais. Pacientes idosos geralmente apre- sentam queixas vagas e inespecíficas e apresentações atípicas de condições potencialmente fatais, levando a maior dificuldade diagnóstica. Esses pacientes com dor abdominal têm um aumento de 6 a 8 vezes na mortalidade em compa- ração aos pacientes mais jovens. Os ido- sos apresentam maior probabilidade de um diagnóstico ameaçador à vida, como apendicite aguda, diverticulite, ruptura de aneurisma de aorta abdominal e is- quemia mesentérica. Na população de pacientes com vírus da imunodeficiência humana (HIV) a incidência de dor abdominal varia de 12 a 45%. Esses pacientes podem so- frer de uma ampla gama de doenças, incluindo condições incomuns e rela- cionadas à terapia. Merecem atenção especial, pois podem apresentar ma- nifestações atípicas, sutis e altamente variáveis, com achados inespecíficos e que podem confundir o diagnóstico. Em mulheres, o diagnóstico dife- rencial é ainda mais amplo e inclui condições que envolvem o trato re- produtivo e órgãos pélvicos, além de doenças associadas à gestação. A gravidez leva a alterações fisiológicas e anatômicas que afetam a apresen- tação de doenças comuns. Apesar da ampla tecnologia que nos ajuda no diagnóstico, a dor abdomi- nal indiferenciada, ou seja, quando não encontramos a causa da dor, con- tinua sendo o diagnóstico para apro- ximadamente 25% dos pacientes que recebem alta do pronto-socorro, sendo que 80% desses pacientes melhoram ou ficam sem dor dentro de duas semanas após a apresentação. Os diagnósticos diferenciais mais co- muns de dor abdominal são de doen- ças que acometem o trato gastroin- testinal (TGI) e o trato geniturinário (TGU). No mapa mental 1 vocês po- dem ver essa divisão com as causas mais comuns em cada sistema, além de doenças extra intestinais que po- dem se apresentar com dor abdominal. 4DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE MAPA MENTAL: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAS DE DOR ABDOMINAL POR SISTEMAS Apendicite Gastroin- testinais Dor periumbilical com migração para QID. Anorexia, vômitos e febre associados. Doença biliar Pancreatite Diverticulite Ulcera péptica ITU inferior Pielonefrite Nefrolitíase Torção anexial Cisto ovariano rompido Cetoacidose diabética Cetoacidose alcoólica Herpes zóster Extra intestinais Geniturinários Gastroenterites Hepatite DII SII Hérnia encarcerada DIP Síndrome de Fitz-Hugh Curtis Endometriose Pré-eclâmpsia Torção testicular Pneumonia Embolia pulmonar Dor em QSD associada a alimentação gordurosa. Sinal de Murphy pode estar presente. Dor em QSD padrão em faixa, com irradiação para o dorso. Náuseas e vômitos são comuns Dor no QIE, mais comum em idosos. Pode ter sangramento retal associado Dor epigástrica, indigestão e refluxo. Dor suprapúbica associada a sintomas urinários como disúria, polaciúria, urgência miccional. Febre (> 38 ° C), dor no flanco, sensibilidade do ângulo costovertebral e náusea ou vômitos Dor abdominal intensa com irradiação para flanco ou virilha associada a hematúria. Dor súbita na parte inferior do abdome associado a náuseas e vômitos: emergência ginecológica!! Pode ser assintomática ou associada ao aparecimen- to repentino de dor abdominal inferior unilateral desen- cadeado ao esforço. Pode ter sangramento vaginal leve. Dor abdominal intensa e vômitos. Pode ser a apresentação inicial em DM1 Ocorre em alcoolistas crônicos. Até 75% dos pacientes apresentam náusea, vômito e dor abdominal. Dor e erupção cutânea desenvolvem-se em um padrão de dermatomo, que pode envolver o abdômen. A dor pode preceder a erupção por dias a semanas Febre, diarreia e / ou vômito podem ser sintomas mais importantes do que dor abdominal. Inúmeras etiologias, pode ter icterícia associada As complicações agudas da DII podem incluir dor, sangramento, perfuração, obstrução intestinal, formação de fístula e abscesso e megacólon tóxico. Dor abdominal associada a uma alteração na frequência ou consistência das fezes. Sintomas persistentes por três meses durante um período de um ano. Mais comum em idosos. Avaliar região periumbilical, femoral e inguinal Dor abdominal inferior que piora com relação sexual. Pode ter sangramento ou corrimento vaginal associado. Dor em QSD secundária a peri-hepatite como complicação da DIP. Acontece em 10% das DIP. Dor pélvica (que pode ser crônica, mas geralmente é mais intensa durante a menstruação ou a ovulação), dismenorreia, infertilidade e dispareunia profunda. Gestantes. Definida pela tríade de hipertensão, pro- teinúria e edema. Pode ocorrer lesão hepática produzindo dor abdominal em região superior ou epigástrica direita Início repentino de dor intensa após atividade vigorosa ou trauma testicular. Dor em abdome superior, geralmente aguda e agravada pela tosse ou inspiração profunda. Pode apresentar uma variedade de sintomas e sinais inespecíficos, que podem incluir dor abdominal superior e dor no ombro por irritação do diafragma. Fonte: Uptodate, 2020 5DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE Alguns pacientes apresentam maior risco de doenças graves associadas no contexto de dor abdominal. São fatores que aumentam este risco: Idade > 60 anos Cirurgia abdominal prévia, in- cluindo cirurgia bariátrica Doença inflamatória intestinal (DII) Instrumentação recente (ex. co- lonoscopia com biópsia) Doença maligna abdominal, pélvica ou retroperitoneal conhecida Quimioterapia em curso Imunossuprimidos, incluindo os usuários de corticoides Febre, calafrio, sintomas sistêmicos Mulheres em idade reprodutiva Imigrantes recentes Déficit cognitivo/linguagem 3. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA As diferentes patologias relaciona- das a dor abdominal são percebidas por meio de três mecanismos distin- tos: dor visceral, dor somática e dor referida. • Dor visceral: está relacionada à inervação de fibras aferentes na parede de órgãos intra-abdomi- nais, tanto de vísceras ocas como da cápsula de órgãos sólidos. Es- sas fibras, não mielinizadas, são estimuladas por estiramento, dis- tensão ou contração excessiva da musculatura lisa. Esse tipo de dor tem fraca correlação com a loca- lização da dor e pode ocorrer por distensão de órgãos por gás e flui- dos, ou distensão da cápsula de órgãos por edema, sangue, massa ou abscesso. Em relação à localiza- ção da dor, sabe-se que a dor vis- ceral é geralmente percebida na linha média porque os impulsos aferentes de órgãos viscerais são mal localizados. A dor relacionadaao acometimento de estruturas re- troperitoneais, estômago, pâncre- as, fígado, vias biliares e duodeno proximal, é tipicamente localizada na região epigástrica. O resto do intestino delgado e o terço proxi- mal do cólon, incluindo o apêndice, são estruturas do intestino médio, e a dor visceral associada a esses órgãos é percebida na região pe- riumbilical. Estruturas como a be- xiga e os dois terços distais do có- lon, bem como os órgãos pélvicos geniturinários, geralmente cau- sam dor na região supra púbica. Com a extensão da doença além do órgão acometido, a localização inespecífica inicial pode se tornar mais fidedigna por envolvimento 6DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE somático, como iremos discutir a seguir. Um exemplo típico é a dor da apendicite aguda, inicialmente em região periumbilical e que de- pois se localiza na região de fossa ilíaca direita. SAIBA MAIS! A dor visceral é percebida no segmento espinhal no qual os nervos aferentes viscerais entram na medula espinhal. Como exemplo, os nervos aferentes que mediam a dor decorrente do intestino delgado entram na medula espinhal entre T8 a L1. Assim, a distensão do intestino delgado é geralmente percebida na região periumbilical. • Dor somática: resulta da irritação do peritônio parietal. As fibras são mielinizadas e têm maior correla- ção entre o local da dor e o seg- mento abdominal envolvido. A dor costuma ser de forte intensidade com piora à palpação e pode gerar uma descompressão positiva. • Dor referida: resulta da sensação de dor em um local diferente da sua origem. As vezes, a dor originada nas vísceras pode ser percebida como originária de um local distan- te do órgão afetado. A dor referida geralmente está localizada nos der- mátomos cutâneos, compartilhando o mesmo nível da medula espinhal que as entradas viscerais. Como exemplo, as entradas nociceptivas da vesícula biliar entram na medula espinhal em T5 a T10. Assim, a dor da vesícula biliar inflamada pode ser percebida na escápula. Na figura 1 estão representados alguns exem- plos de dor referida. Ruptura do baço Pancreatite aguda ou cólica renal Dor uterina ou retal Cólica biliar Úlcera duodenal perfurada Figura 1. Padrões de dor abdominal referi- da. Fonte: Sanarflix 7DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE SAIBA MAIS! Já ouviram falar nos sinais semiológicos: Kehr e Boas? Estes sinais não são tão badalados assim e é por isso mesmo que vamos falar sobre eles, para não sermos pegos de surpresa. Em condi- ções inflamatórias no abdome, como colecistite aguda, podemos apresentar alguns sinais, dentre eles o sinal de Boas. Boas nada mais é do que sentir uma dor referida na ponta da escápula direita. Já o sinal de Kehr aparece em condições que causam irritação diafragmática, como sangue, por exemplo. Sinal de Kehr é sentir dor no ombro homolateral à irritação diafragmática. Ou seja, Kehr é dor no ombro e Boas é na ponta da es- cápula! Para vocês nunca esquecerem, trouxemos esse triste quadrinho para mostrar que quando o garotinho KEHR, ele coloca a mão no ombrinho. Já a garotinha, dando um tapinha nas costas (ponta da escápula), mostra que só quer ficar de BOAS. Figura 2. Fonte: https://www.facebook.com/ medicinacomhumor/posts/521701708031854/ As etiologias de dor abdominal são inúmeras, e para ficar mais fácil o ra- ciocínio, podemos dividi-las em qua- drantes, conforme a localização da dor abdominal. Confira no mapa men- tal 2 abaixo: 8DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE MAPA MENTAL 2: ETIOLOGIAS DOR ABDOMINAL DOR DIFUSA Peritonite Pancreatite Crise falciforme Apendicite precoce Trombose mesentérica Gastroenterites Dissecção ou ruptura de aneurismas Obstrução intestinal Cetoacidose diabética Doença inflamatória intestinal Intestino irritável Porfiria intermitente aguda Apendicite Divertículo de Meckel Divertículo cecal Aneurisma de aorta Gravidez ectópica Cisto no ovário Doença inflamatória pélvia Endometriose Cálculo uretral Abcesso do psoas Adenite mesentérica Hérnia estrangulada Torsão de ovário Abcesso tubo-ovariano Infecção do trato urinário Aneurisma de aorta Diverticulite em sigmoide Hérnia estrangulada Gravidez ectópica Torsão de ovário Síndrome de Mittetschmerz Cisto de ovário Doença inflamatória pélvica Endometriose Abcesso tubo-ovariano Calculo uretral Abcesso do psoas Infecção do trato urinário Cólica biliar Colecistite Colangite Gastrite DRGE Abcesso hepático Hepatomegalia sec. ICC Úlcera perfurante Pancreatite Apendicite retrocecal Isquemia miocárdica Apendicite na gravidez Pneumonia em Lobo inferior direito Gastrite Pancreatite DRGE Patologia esplênica Isquemia miocárdica Pericardite Miocardite Pneumonia em lobo inferior esquerdo Derrame pleural Fonte: Sanarflix 9DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE 4. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Avaliação e estabilização Na avaliação inicial do paciente que chega ao departamento de emer- gência, deve-se atentar para sinais de depleção volêmica e presença de choque. Os sinais vitais devem ser verificados para avaliar se há pre- sença de instabilidade, se houver, é importante a realização da estabi- lização com uma avaliação ABC + MOV (monitorização, oxigenoterapia e venóclise). Se não houver sinais de instabilidade, seguimos para uma anamnese detalhada e um bom exa- me físico para obtermos nossas sus- peitas e avaliarmos a necessidade de exames complementares para chegar ao diagnóstico. SE LIGA! Lembram o que são sinais de instabilidade? São eles: hipotensão ar- terial (PAS<90mmHG), dor torácica típi- ca, dispneia e rebaixamento do nível de consciência. Alguns diagnósticos diferencias são mais preocupantes e devem ser lem- brados logo na avaliação inicial, pois podem evoluir mais rapidamente para a morte. Condições imediatas com risco de vida: • Aneurisma da aorta abdominal • Isquemia mesentérica • Perfuração do trato gastrointesti- nal (incluindo úlcera péptica, intes- tino, esôfago ou apêndice) • Obstrução intestinal aguda • Vólvulos • Gravidez ectópica • Descolamento da placenta • Infarto do miocárdio • Ruptura esplênica Achados principais Após a avaliação inicial e estabiliza- ção do paciente, é importante a rea- lização de uma anamnese minucio- sa e um exame físico bem detalhado da região abdominal. Após possíveis suspeitas podemos lançar mão de al- guns exames complementares. Anamnese • Início da dor: início súbito de dor abdominal deve apontar para cau- sas mais graves e possivelmen- te cirúrgicas, como dissecção ou ruptura de aorta, perfuração de vísceras, torção ou ruptura de cis- to de ovário. Entretanto, algumas condições clínicas menos graves também podem causar dor abdo- minal aguda, como litíase renal, porfiria, etc. Uma dor que se inicia após exercido físico pode indicar 10DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE laceração ou hematoma de reto abdominal. Dor que se inicia após alimentação pode indicar colecis- topatia calculosa, doença ulcerosa péptica ou isquemia mesentérica. • Progressão da dor: deve-se ques- tionar se a dor é constante ou inter- mitente e se ela está aumentando em intensidade ou não. Uma dor constante que não está piorando fala contra uma causa cirúrgica. Por sua vez, uma dor constante, que piora progressivamente, deve apontar para um processo infla- matório em evolução (apendicite, salpingite, diverticulite etc.). SAIBA MAIS! A dor associada à obstrução do intestino delgado é usualmente intermitente, em cólica, com progressão para dor mais constante quando ocorre distensão intestinal. • Localização e irradiação: ferra- menta essencial na avaliação de pacientes com dor abdominal, im- portante para nos guiar na busca da possível etiologia da dor. Veja o mapa mental 2 que traz as pos- síveis etiologias a depender da localização da dor, ou até mesmo quando ela é difusa. A radiação da dor também é importante; a dor da pancreatite costuma irradiar para as costas, enquanto a cólica renal irradia para a virilha. SE LIGA! Deve-se considerar apendi- cite em qualquerpaciente com dor em quadrante inferior direito do abdome, até que se prove o contrário. • Característica e intensida- de: são elementos importantes no diagnóstico diferencial. Inclui determinar se a dor está queiman- do ou roendo, como é típico do re- fluxo gastroesofágico e da úlcera péptica, ou com cólica, como na gastroenterite ou obstrução intes- tinal. Uma dor lancinante fala a fa- vor de dissecção aguda de aorta. Geralmente, a gravidade da dor está relacionada a gravidade do distúrbio subjacente. A dor da có- lica biliar ou renal ou da isquemia mesentérica aguda é de alta inten- sidade, enquanto a dor da gastro- enterite é menos acentuada. NÃO ESQUECER: Um paciente que toma corticosteroides pode ter um mas- caramento significativo da intensidade da dor, e pacientes adultos mais ve- lhos geralmente apresentam dor menos intensa. 11DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE • Fatores de alívio ou de piora: questionar acerca de fatores que pioram a dor (exercício, alimenta- ção) ou aliviam a dor (vômitos, posi- ção). Nesse momento é importante questionar sobre melhora com uso de medicamentos, uma vez que, por exemplo, o uso de antiácidos com alívio da dor, poderia sugerir uma síndrome dispéptica. SAIBA MAIS! A dor de uma úlcera péptica pode ser exacerbada (se for gástrica) ou aliviada (se for duo- denal) pela alimentação. Além disso, a piora da dor com ingestão alimentar também pode ocorrer na isquemia mesentérica e nos cálculos biliares, neste último caso sendo frequente a associação com alimentos gordurosos. SAIBA MAIS! Pacientes com peritonite tendem a ficar quietos e referem aumento da dor com movimen- tação brusca. Já a dor da pancreatite é classicamente aliviada ao sentar e inclinar-se para a frente • Sintomas associados: questionar a presença de outros sintomas é muito importante para reduzir nos- sa lista de diagnósticos diferen- ciais. Por isso, devemos lembrar de perguntar se o paciente teve febre, diarreia, náuseas, vômitos, constipação, hemorragia digesti- va, hematúria, sintomas urinários, sintomas cardiopulmonares, entre outros. Em homens, é importante questionar acerca de queixas em testículos ou pênis. Em mulheres, questionar sobre a última mens- truação, uso de contraceptivos e sintomas vaginais, como sangra- mento e corrimento. Para pacien- tes com dor no quadrante supe- rior direito ou preocupação com doença hepática, não esquecer de perguntar sobre icterícia e altera- ções na cor da urina e das fezes. ◊ Pacientes com sintomas uri- nários como disúria, poliúria e hematúria têm maior pro- babilidade de ter uma cau- sa geniturinária para sua dor abdominal. ◊ Pacientes com sintomas car- diopulmonares como tosse, falta de ar, ortopneia e dispneia ao esforço sugerem uma etio- logia pulmonar ou cardíaca. ◊ Pacientes com sintomas constitucionais como febre, calafrios, fadiga, perda de peso e anorexia, nos levaria a 12DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE pensar em infecção, maligni- dade ou doenças sistêmicas, por exemplo, doença inflama- tória intestinal-DII. SE LIGA! Se náusea ou vômitos estive- rem presentes, deve-se questionar se a dor foi precedida ou não de náusea e vômitos. Em geral, nas doenças cirúrgi- cas, a dor abdominal vem antes dos vô- mitos. Na síndrome coronariana aguda (SCA), na gastroenterite e em doenças abdominais inespecíficas, náusea e vô- mitos costumam aparecer antes da dor abdominal. SE LIGA! Em pacientes com apendici- te, a maioria dos médicos espera que o paciente relate anorexia. No entanto, esse sintoma é pouco sensível, estando presente em apenas 68% dos pacientes com apendicite. A anorexia pode ocorrer em apenas 20-44% dos pacientes ido- sos com apendicite. História patológica prévia: • Presença de doença cardiovascu- lar, fibrilação atrial ou valvopatia pode indicar embolia para vasos abdominais e isquemia miocárdica. • Um histórico de cirurgias e pro- cedimentos deve ser obtido, pois uma história de cirurgia abdominal prévia pode apontar para obstru- ção intestinal por bridas. • O uso de medicações deve ser de- talhado. A dor abdominal, nesses caso, pode ser por doença ulcerosa péptica (por uso de anti-inflama- tórios), colite pseudomembranosa (uso de antibióticos), hepatite ou pancreatite aguda. • Presença de outras doenças pode apontar para causas especificas (p. ex.: doença falciforme com episó- dio hemolítico ou álgico; diabetes mellitus com cetoacidose diabética etc.). História social: uso de drogas ilícitas e abuso de álcool devem ser ques- tionados. É importante perguntar so- bre a ingestão de álcool para avaliar a possibilidade de doença hepática e pancreatite. Outras informações: trauma abdo- minal recente, viagens, exposição a chumbo, questionar familiares sobre intoxicação aguda etc. Exame físico O exame físico é uma etapa essencial na busca da causa da dor abdominal e associado a uma boa história, estreita nossos diagnósticos diferenciais. • Sinais vitais: taquicardia e hipo- tensão podem indicar desidrata- ção (por vômitos, diarreia etc), per- da de volume para terceiro espaço (pancreatite, obstrução intestinal), sangramento digestivo, ruptura de aneurisma, sepse ou choque cardiogênico. Febre pode sugerir 13DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE infecção, embora a sua ausência não possa descartá-la. Taquip- neia pode ocorrer por dor, hipo- xemia, sepse, anemia ou acidose metabólica. SE LIGA! Embora febre sugira uma cau- sa infecciosa, pode estar ausente em mais de 30% dos pacientes com apen- dicite e na maioria das pessoas com colecistite. • Pele e mucosas: sudorese fria e diaforese podem indicar hipoperfusão, dor intensa ou SCA. Icterícia pode apontar para uma doença biliar (colecistite, colangite, obstrução), pancreática, hepática (abscesso, hepatite) ou hemólise. Achados de telangiectasias, ic- terícia e ginecomastia apontam para cirrose hepática com possí- vel complicação (p. ex.: peritonite bacteriana espontânea). O achado de candidíase oral é de grande importância, podendo sugerir imu- nossupressão ou infecção pelo ví- rus HIV. SAIBA MAIS! A Tríade de Charcot é o nome que se dá ao conjunto dos três sinais e sintomas que levam à suspeita do diagnóstico de colangite, que con- siste no processo de in- fecção das vias biliares. É um epônimo em ho- menagem a Jean-Martin Charcot, médico francês que viveu de 1825 a 1893. Os três sinais e sinto- mas da tríade de Char- cot são: • Icterícia • Dor abdominal em hipocôndrio direito • Febre com calafrios. Dá-se o nome de pêntade de Reynolds quando, para além da Tríade de Charcot, estiverem presentes hipotensão e alteração do estado mental, sugerindo um quadro de colangite mais grave. ESQUEMA – TRIADE DE CHARCOT PÊNTADE DE REYNOLDS TRÍADE DE CHARCOT + 14DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE • Exame cardíaco e pulmonar: cre- pitações em base pulmonar ou redução do murmúrio vesicular podem apontar para causa pulmo- nar (pneumonia, pleurite, embolia pulmonar). Taquicardia, arritmia e sopros podem indicar embolização arterial para vasos mesentéricos. Exame abdominal: • Inspeção: avaliar se há aumento de volume abdominal (distensão, as- cite, hemoperitônio etc.), presença de cicatrizes cirúrgicas (obstrução intestinal ou recidiva da doença operada), circulação colateral (he- patopatia), presença de hematoma periumbilical ou em flancos (pan- creatite necro-hemorrágica). SE LIGA! Pode parecer besteira, mas é importante lembrar de examinar o pa- ciente sem camisa. A inspeção é uma etapa importante do exame físico e pode nos revelar diagnósticos como obstru- ção intestinal pela presença de cicatriz, herpes zoster pela presença de lesões bolhosas, ou até afastar outros diag- nósticos como colecistite numa paciente que já retirou a vesícula. SAIBA MAIS! O sinal de Grey-Turner (figura 2) equivale a equimoses em flancos e o sinal de Cullen (figura 3) são equimoses azuladas em região umbilical. Estes sinais sugerem sangramento intra-ab- dominal ou retroperitoneal. Podemestar presentes nos casos de aneurisma de artéria aorta rompido ou com vazamento ou pancreatite necro-hemorrágica. Figura 3. Sinal de Grey-Turner. Fonte: uptoda- te, 2020. Figura 4. Sinal de Cullen. Fonte: https://bit.ly/3csYBLq. • Ausculta: A ausência de sons in- testinais por mais de dois minutos sugere peritonite ou íleo paralítico. Os sons hiperativos do intestino médio estão associados a sangue ou inflamação no trato gastrointes- tinal. A presença periódica de sons intestinais agudos ou “ausência 15DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE de sons intestinais”, na presença de distensão abdominal, sugerem obstrução intestinal. Um sopro pode ser ouvido na presença de um aneurisma da aorta abdominal (AAA), principalmente se o pacien- te for magro. • Percussão: Pacientes com peri- tonite terão dor com percussão suave. A percussão também é usada para identificar ascites e hepatomegalia. HORA DA REVISÃO! MANOBRAS DE ASCITE Figura 5. Manobras de ascite. Fonte: https://bit. ly/2MoPvVz • Macicez móvel- o líquido ascítico encontra-se livre na cavidade peri- toneal. Para verificar se há macicez móvel, posiciona-se o paciente em decúbito lateral e percute-se o flanco sobre o qual ele está apoiado, obten- do-se um som maciço pela presen- ça de líquido; a seguir, sem retirar o dedo do local, solicita-se que o pa- ciente vire apoiando-se no decúbito contralateral e realiza-se nova per- cussão e obtém-se o som timpânico. • Semi círculo de Skoda: o líquido ascítico ocupa as áreas de declive do abdome (hipogástrio e flancos). Ao se percutir o abdome a partir do andar superior, delimita-se uma linha circular na transição entre o timpanismo e a macicez das áreas de maior declive. • Sinal do piparote- posiciona-se uma das mãos em um dos flancos, no lado oposto posiciona-se a ponta do dedo médio, dobrado, apoiado e tensionado contra o polegar, dispara contra o flanco contralateral (como se fosse dar umas batidinhas); o abalo irá produzir uma onda de cho- que que será transmitido no líqui- do ascítico, sendo percebido pela palma da mão no flanco oposto. Se houver grande adiposidade ou ede- ma de parede abdominal, solicita-se que um assistente posicione a borda cubital da mão na linha mediana do abdome, com ligeira pressão, inter- ceptando as ondas transmitidas pela parede, sem impedir a onda de cho- que do líquido ascítico. • Palpação: o médico emergencista deve buscar a localização da dor na palpação superficial ou profun- da, procurar pela presença de rigi- dez muscular (voluntária ou invo- luntária) e se há sinais de irritação peritoneal (descompressão brusca positiva). A pesquisa de peritonis- mo é realizada com depressão su- ave da parede abdominal durante cerca de 15-30 segundos, com liberação repentina. O paciente é solicitado a referir se a dor foi maior com a pressão ou com a descom- pressão abdominal. Deve-se ini- ciar a palpação pelas regiões não dolorosas para depois examinar os locais mais dolorosos. Se não hou- ver dor intensa, deve-se buscar a 16DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE palpação profunda, na busca de massas, visceromegalias e sinais de aneurisma de aorta (massa pul- sátil, sobretudo infraumbilical). So- bretudo em idosos, deve-se pal- par as regiões umbilical, femoral e inguinal na procura por hérnias, já que, nessa população, até 10% das obstruções intestinais são cau- sadas por hérnias encarceradas. HORA DA REVISÃO! Sinais importantes que podem ser detectados na palpação: Sinal de Blumberg: Dor no terço distal da linha entre o umbigo e a crista ilíaca anterossuperior direita (ponto de McBur- ney), que pode apontar para apendicite, embora possa estar presente em outras afecções de íleo distal, como tuberculo- se, linfoma, diverticulite de ceco etc (Fi- gura 5). Figura 6. Sinal de Blumberg. Fonte: https://bit. ly/2U3E89E Embora insensíveis, os sinais do psoas, obturador e Rovsing têm boa especifi- cidade para apendicite aguda. Veremos cada um a seguir: Sinal de Rovsing: Compressão do qua- drante inferior esquerdo do abdome com dor no quadrante inferior direito (fi- gura 6). Figura 7. Sinal de Rovsing. Fonte: https://bit. ly/36V6LLz Sinal do Psoas: com o paciente deita- do do lado esquerdo, estende-se pas- sivamente o quadril direito do paciente, o sinal é positivo se essa manobra pro- vocar dor (figura 7). Um sinal de psoas positivo pode ser visto com um apêndice retrocecal. Figura 8. Sinal do Psoas. Fonte: https://bit. ly/2ZZEEcM Sinal do Obturador: é uma dor provoca- da quando o clínico realiza rotação inter- na passiva da coxa direita flexionada. Um paciente com apêndice pélvico pode ter o sinal do obturador positivo (figura 8). 17DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE Figura 9. Sinal do Obturador. Fonte: https://bit. ly/2ZZEK48 Sinal de Murphy: é a presença de dor e interrupção brusca e involuntária da respiração ao palpar abaixo da margem costal direita e pode sugerir colecistite aguda (figura 9). Figura 10. Sinal de Murphy. Fonte: https://bit. ly/2XUmiXZ SAIBA MAIS! A presença de defesa abdominal é definida como aumento do tônus muscular da parede abdominal e só tem valor se representa um reflexo involuntário, pois defesa abdominal vo- luntária pode ocorrer em qualquer paciente ansioso com o exame abdominal. Em geral, exa- minar enquanto se conversa com o paciente ou, eventualmente, com flexão das coxas, pode diferenciar a rigidez voluntária da involuntária. A rigidez da parede abdominal é um exemplo extremo de defesa abdominal, mas é frequentemente ausente em idosos com peritonite e, quando presente, geralmente aponta para causa cirúrgica. • Exame da região dorsal: buscar se há sinal de Giordano (dor e reti- rada involuntária à punho percus- são dorsal), o que pode sugerir li- tíase renal ou pielonefrite, embora possa ocorrer em abscesso hepáti- co, esplênico, apendicite etc. Muito cuidado com a realização desse si- nal, você não precisa “espancar” o paciente, é uma batidinha de leve, é uma percussão com o punho na região da loja renal (figura 10). Figura 11. Sinal de Giordano aplicado de maneira incorreta. Fonte: https://bit.ly/2MlR32v 18DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE • Exame retal: pode ser importante na busca de sangue, massas ou dor. Pode ajudar no diagnóstico de prostatite, abscesso perirretal ou presença de corpos estranhos. A impactação fecal pode ser a ex- plicação para sinais e sintomas de obstrução em adultos mais velhos, enquanto a sensibilidade no exa- me retal pode ser o único acha- do anormal em um paciente com apendicite retrocecal. SE LIGA! Na prática, existe uma máxima entre os cirurgiões em relação a realiza- ção de exame retal em pacientes com suspeita de abdome agudo (dor abdo- minal com maior risco de morte e poten- cial cirúrgico). Essa máxima diz que “O toque retal sempre deve ser feito, exceto em duas situações: 1) Quando o médico não tem dedo ou 2) Quando o paciente não tem ânus.” Brincadeiras à parte, o exame retal é um importante aliado nos quadros de abdome agudo e deve ser sempre considerado. • Exame pélvico - Um exame pélvi- co deve ser realizado sempre que a patologia pélvica for um diag- nóstico diferencial em mulheres. A menos que a paciente tenha outra etiologia confirmada da dor abdo- minal, todas as mulheres com dor abdominal inferior aguda devem fazer um exame pélvico. SAIBA MAIS! A Ultrassom (US) de beira de leito (point of care/POC) é uma poderosa ferramenta comple- mentar ao exame físico. Guiada pela anamnese/queixas do paciente, a US POC pode fornecer rapidamente o diagnóstico de várias condições, especialmente no paciente grave, ou estrei- tar significativamente o diagnóstico diferencial. Este exame pode demonstrar liquido livre na cavidade abdominal (exame FAST), aneurisma de aorta e/ou sua ruptura, patologias do trato urinário (hidronefrose, litíase), gravidez ectópica, patologias de anexos, apendicite aguda, co- lecistite/colangite, pneumoperitônio, entre outras. SE LIGA! Muito cuidado com a possi- bilidade degravidez ectópica rota em mulheres com dor abdominal. Em ge- ral, pode ser necessário um detalhado exame ginecológico nesses casos. Mu- lheres com apendicite podem ter dor a palpação de anexos, com atribuição equivocada à anexite. A ausência de corrimento cervical deve sugerir apen- dicite. Raramente, contudo, mulheres com cervicite podem evoluir com dor no quadrante superior direito por causa da peri-hepatite infecciosa, denominada síndrome de Fitz-Hugh Curtis, sendo esta uma das complicações mais impor- tantes da doença inflamatória pélvica. Na avaliação dos pacientes com dor abdominal no serviço de emergência, a maior dificuldade é descartar cau- sas potencialmente graves de dor 19DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE abdominal. Os principais sinais de alarme para causas potencialmente graves de dor abdominal no DE são citados na Tabela 1. TABELA – SINAIS DE ALARME Início súbito de intensidade máxima desde o início ATENÇÃO AOS SINAIS DE ALARME! Sinais de má perfusão periférica ou instabilidade hemodinâmica Febre Vômitos associados Idade >65 anos Sintomas vagos, apresentações atípicas e tardias, sinais vitais inalterados inicialmente Imunossupressão Sintomas vagos, apresentações atípicas e tardias Etilismo Aumenta o risco de pancreatite, hepatite, cirrose Doença cardiovascular Pode indicar comprometimento arterial, em artérias mesentéricas ou aneurisma de aorta Cirurgia abdominal recente Risco de perfuração ou obstrução Início da gravidez Risco de gravidez ectópica Sinais de irritação peritoneal Fonte: medicina de emergência, USP, 2019 20DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE Exames complementares Os estudos laboratoriais são deter- minados pela história e pelo físico e variam de acordo com a etiologia sus- peita. Alguns exames podem ser so- licitados, veremos cada um a seguir: • Lipase e amilase: devem ser so- licitadas na suspeita de pancreati- te. Deve-se ressaltar que a lipase é mais específica que a amilase e ela dura mais tempo na corrente sanguínea. Níveis de lipase acima de três vezes o limite superior da normalidade são altamente indica- tivos de pancreatite. • Beta-hcg: Mulheres em idade fértil com dor abdominal, necessariamen- te têm como hipóteses diagnósticas a gestação ectópica e outras compli- cações obstétricas. Assim, deve-se sempre indicar a realização de testes de gravidez nestas pacientes. Outra observação importante é a não rea- lização de exames de imagens tera- togênicos, caso essa paciente esteja grávida. • Hemograma: pode ser eviden- ciada anemia devido perdas ocul- tas de sangue ou em hemorragias digestivas. Uma leucocitose com desvio à esquerda pode ocorrer no contexto de infecções (diverticuli- te, apendicite, doença inflamatória pélvica etc.), de resposta inflama- tória sistêmica (p. ex.: pancreatite aguda) ou em pacientes com gran- de perda de sangue (hemorragia). Porém, o leucograma normalmente não deve ser usado para descartar apendicite aguda. Além disso, as plaquetas podem estar diminuídas em um sangramento agudo. • Coagulograma: pode estar altera- do em coagulopatias, hepatopatias e hemorragia digestiva. • Marcadores de função e lesão hepática: importante solicitar quando houver suspeita de he- patite, colecistite e colangite, ou quando estamos diante de pacien- tes hepatopatas. • Lactato: o lactato arterial pode ser útil na suspeita de isque- mia mesentérica, pois aumenta precocemente. • Gasometria: avaliar distúrbios ácido-base em condições de má perfusão. • Glicemia: a glicemia elevada pode apontar para uma cetoacidose diabética (glicemia > 250 mg/dL). Nesse caso, beta-hidroxibutirato sérico (ou cetonúria intensa) e uma gasometria arterial podem corro- borar com o diagnóstico. • Exame de urina: o sumário de urina sempre deve ser interpreta- do com cautela. Leucocitúria pode ocorrer em doenças prostáticas, infecção urinária, mas também em doenças não urinárias adjacentes ao ureter. Assim, cerca de 20% a 30% dos pacientes com apendicite 21DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE podem ter leucocitúria. Hematúria pode ocorrer em doenças do trato urinário (prostatite, infecção, litíase, tumores) e, eventualmente, na dis- secção aguda de aorta. • Função renal e eletrólitos: podem ser úteis na avaliação global do pa- ciente, mostrar sinais de desidrata- ção, indicar doença renal prévia e, eventualmente, sugerir a causa (p. ex.: hiponatremia na porfiria). Além disso, como o paciente pode ne- cessitar de cirurgia ou de exames contrastados, um valor de função renal é essencial. • ECG: deve ser solicitado em pacien- tes com risco cardiovascular apre- sentando dor em andar superior do abdome. Eventualmente, isquemia miocárdica pode se manifestar com dor referida em abdome. EXAME LABORATORIAL SUSPEITA DIAGNÓSTICA Lipase e amilase Pancreatite BHCG Gestação, gravidez ectópica Hemoglobina Anemia secundária a hemorragia Leucograma Pode estar elevado em patologias inflamatórias e infecciosas Plaquetas Podem estar diminuídas no sangramento agudo Gasometria Má perfusão Coagulograma Coagulopatias, hepatopatias, hemorragia digestiva Marcadores de função e lesão hepática Hepatites, colecistite, colangite Glicemia Cetoacidose diabética Lactato Isquemia mesentérica Sumário de urina ITU, nefrolitíase Tabela 2. Exames laboratoriais e suas respectivas suspeitas diagnósticas. Fonte: medicina de emergência, USP, 2019 Exames de imagem • Radiografia: A radiografia sim- ples de abdome pode ser útil na suspeita de perfuração de vísce- ras (pneumoperitônio), obstrução intestinal, ou indicar presença de um corpo estranho. Na obstrução intestinal do intestino grosso, cau- sada, por exemplo, por volvo de sigmoide, pode aparecer na radio- grafia o sinal do grão de café ou “u” invertido (figura 11), e na obs- trução do intestino delgado pode ser detectado o sinal da pilha de moedas (figura 12). Outros acha- dos potencialmente úteis da ra- diografia de abdome são as calci- ficações na aorta. Eventualmente, cálculos renais podem ser visuali- zados. Uma radiografia de tórax pode confirmar pneumonia, do- ença pleural e, raramente, sugerir embolia pulmonar. 22DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE Figura 12. Sinal do grão de café ou do “u” invertido na radiografia abdominal de paciente com volvo de sigmoi- de. Fonte: https://bit.ly/3dyXcok Figura 13. Obstrução de intestino delgado por íleo biliar. Sinal da pilha de moedas. Fonte: https://bit. ly/2AyAKNr • Ultrassom (US): a US abdominal é bastante útil em doenças de ab- dome superior, sobretudo de hipo- côndrio direito, e doenças renais. A US transvaginal pode confirmar, com excelente acurácia, gravidez ectópica e doenças ovarianas. O exame é acessível à beira-leito de forma rápida, tem baixo custo, é praticamente inócuo e tem possi- bilidade de seriar para análise evo- lutiva, sendo, em geral, o primeiro exame de escolha na avaliação de pacientes com dor abdomi- nal, particularmente em pacientes com suspeita de patologias de via biliar ou ginecológicas. O exame pode ainda avaliar pâncreas, rins e vias urinárias, bexiga urinária, apêndice, dimensões aórticas e presença de líquido livre intraca- vitário. O exame é limitado por ser operador-dependente. • Tomografia computadoriza: A TC de abdome é frequentemente utilizada na avaliação do paciente com dor abdominal com alta sen- sibilidade e especificidade para a maioria dos diagnósticos. Tem ex- celente acurácia para litíase renal, dissecção de aorta, apendicite, di- verticulite, laceração esplênica ou hepática, bem como para detectar ar livre e abscessos intra-abdomi- nais. A angiotomografia (estudo de vasos) pode avaliar pacientes com trombose mesentérica. Pode ser realizada com ou sem contraste 23DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE endovenoso (EV), via oral (VO) e/ ou via retal (VR), a depender da in- dicação e do protocolo da institui- ção. Em relação às desvantagens, esses exames expõem os pacien- tes à radiação e podem aumentar custos e tempo de permanênciado paciente no DE. SE LIGA! O uso do contraste pode estar associado à reação alérgica e/ou insufi- ciência renal aguda, devendo ser usado com cautela se Cr > 1,5 e/ou TFG < 60. São características do exame contrastado: • Contraste endovenoso: permi- te melhor visualização da mucosa intestinal, órgão maciço e estrutu- ras vasculares. Identifica local de obstrução intestinal. Exame de es- colha para síndrome aórtica ou is- quemia mesentérica. • Contraste oral: útil na suspeita de abscesso, perfuração intesti- nal, doença inflamatória intestinal e fístula. • Contraste via retal: auxilia na identificação de obstrução intesti- nal distal. SE LIGA! A TC sem contrate é o mé- todo de escolha para o diagnóstico de urolitíase. SAIBA MAIS! A TC é padrão ouro na maioria das etiologias da dor abdominal, porém existem 3 exceções, nas quais a US é preferível, são elas: USG hepatobiliar: colecistite e cólica biliar USG geniturinário: torção, massas, cólica renal USG aorta: aneurisma de aorta roto 24DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE 5. MANEJO O manejo da dor abdominal está su- marizado no fluxograma abaixo. RX para rápida avaliação de pneumoperitôneo DOR ABDOMINAL SIM USG à beira do leito para líquido livre na cavidade USG à beira do leito e transvaginal se suspeita de gravidez Sinais de irritação peritoneal Sintomáticos: analgesia e antieméticos Afastar outras causas de choque Acesso venoso calibroso Exames laboratoriais Monitorização ATB se indicado Iniciar manuseio do paciente em choque Sinais de má perfusão periférica Avaliação do cirurgião Abdome agudo Avaliação do ginecologista Investigação etiológica NÃOSIM Avaliação do cirurgião NÃO Continuar historia e exame físico Sintomáticos: analgesia e antieméticos SIM NÃO Sinais de gravidade Fonte: Sanarflix 25DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE MAPA MENTAL RESUMO DO TEMA DOR ABDOMINAL Dor referida Dor somática Dor visceral Fisiopatologia Maior risco de doenças graves Introdução EPIDEMIOLOGIA Avaliação inicial Diagnósticos com risco de vida Exames complementares Etiologias Amplo diagnóstico diferencial e variedade de apresentação Varia de causas benignas a fatais Objetivo é diagnosticar ou descartar abdome agudo Comum no departamento de emergência (7,9%) Exames laboratoriais Lipase, hemograma, glicemia, função hepática e renal etc ECG Radiografias de abdome e tórax USG abdominal e transvaginal Tomografia computadorizada Estudo eletrofisiológico • Idade >60 anos • Cirurgia abdominal • DII • Instrumentação recente • Doença maligna abdominal, pélvica • Quimioterapia em curso • Imunossuprimidos • Febre, calafrios, sin- tomas sistêmicos • Mulher em idade reprodutiva • Imigrantes recentes • Déficit cognitivo/ linguagem Anamnese • Inicio da dor • Progressão da dor • Localização e irradiação • Característica • Intensidade • Fatores de melhora e piora • Sintomas associados • História patológica prévia • História social Exame físico Exame retal e pélvico Exame abdominal Exame cardiopulmonar Pele e mucosa Sinais vitais Inspeção Ausculta Percussão Palpação + + + + • Aneurisma da aorta abdominal • Isquemia mesentérica • Perfuração do trato gastrointestinal • Obstrução intestinal aguda • Vólvulos • Gravidez ectópica • Descolamento da placenta • Infarto do miocárdio • Ruptura esplênica Gastrointestinais Geniturinárias Extra abdominais Pancreatite, colecistite, hepatite, ulcera péptica, diverticulite, hérnia encarcerada, DII, SII, gastroenterite, entre outras ITU, pielonefrite, nefrolitíase, torção anexial, DIP, cisto ovariano rompido, pré-eclâmpsia, torção testicular, endometriose, etc Pneumonia, TEP, cetoacidose diabética, cetoacidose alcoólica, herpes zoster, etc 26DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE Agora que terminamos o assunto e vimos que existe uma infinidade de diagnósticos possíveis para dor ab- dominal, vamos exercitar um pouco o que conseguimos aprender aqui. Res- pondam aos casos clínicos abaixo: CASO 1 Paciente, sexo feminino, 24 anos, com relato de dor abdominal de forte intensidade em fossa ilíaca direita há 24 horas. Refere 4 episódios de vô- mitos associados e febre não aferida. Nega outros sintomas. Nega comor- bidades. Ao exame físico encontra-se em bom estado geral, eupneica e ta- quicárdica. Abdome doloroso e reati- vo em fossa ilíaca direita. • Qual a principal hipótese diagnóstica? • Cite pelo menos 2 diagnósticos di- ferencias e justifique: • Que sinais você poderia buscar no exame físico para fortalecer sua suspeita? • Qual exame você solicitaria para confirmar seu exame? CASO 2 Paciente, sexo feminino, 46 anos, obe- sa, refere dor abdominal em hipocôn- drio direito, de forte intensidade, há 7 dias. Relata que vem percebendo piora da dor após algumas horas depois da alimentação. Há 2 dias relata que vem cursando com febre com calafrios, ina- petência e percebeu o olho um pouco amarelado. Ao exame físico se apre- senta em regular estado geral, orienta- da, febril (39º), ictérica (+2/4), eupneia, normocárdica, PA: 120x80. Ao exame do abdome, paciente apresentava ab- dome globoso, doloroso a palpação no hipocôndrio direito, sinal de Murphy negativo, sem hepatomegalia, percus- são e ausculta sem alterações. • Qual principal hipótese diagnóstica? • O paciente possui a tríade de char- cot e a pêntade de reynold? O que elas representam? • Cite pelo menos 3 etiologias de dor abdominal em região de quadrante superior direito: CASO 3 Paciente masculino, 33 anos, chega ao pronto-socorro com história de 2 horas de início súbito de dor no flan- co esquerdo irradiando para a virilha. O paciente se contorce de dor, a qual não melhora com mudança de posi- ção. O paciente também se queixa de náuseas e vômitos e diz que perce- beu a urina avermelhada. • Qual sua principal hipótese diagnóstica? • Justifique o porquê de sua hipótese: • Qual exame indicado para confir- mar sua suspeita? 27DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE RESPOSTAS CASO 1 • Apendicite aguda. Lembram da- quela dica que demos que todo paciente com dor em fossa ilíaca direita é apendicite até que se pro- ve o contrário? • Por se tratar de uma paciente do sexo feminino, alguns diagnósticos ginecológicos devem ser pensa- dos, tais como gravidez ectópica e torção de anexos. A torção de ane- xos se apresenta com dor súbita na parte inferior do abdome associada a náuseas e vômitos e é uma emer- gência ginecológica. A gravidez ec- tópica também se apresenta com dor abdominal em região inferior e pode se apresentar com hemorra- gia, por isso é importante solicitar um beta-hcg para essas pacientes. • Alguns sinais de apendicite que podem ser feitos em pacientes com esta suspeita são o sinal de Blumberg, sinal de Rovsing, sinal do psoas e sinal do obturador. • O diagnóstico de apendicite pode ser feito com US ou TC, depende do protocolo e da disponibilidade desses exames em cada instituição. CASO 2 • A principal suspeita é uma colangi- te. Colangite é o termo usado para inflamação aguda da parede dos ductos biliares, quase sempre cau- sada por infecção bacteriana. Pode resultar de qualquer lesão que crie obstrução ao fluxo da bile, mais comumente coledocolitíase. Dessa forma, nossa paciente poderia ter uma coledocolitíase, ou seja, cál- culo no colédoco, por isso ela tem um padrão de dor com piora à ali- mentação, que evolui com obstru- ção e infecção das vias biliares, o que explica a febre e a icterícia. • Os sinais clássicos da colangite são dor abdominal, icterícia e febre com calafrios, que compõem a Trí- ade de Charcot. Vale salientar que acrescentando hipotensão e con- fusão mental teríamos a Pêntade de Reynolds, que não foi o caso da nossa paciente. • Pancreatite, gastrite, abcesso hepático. CASO 3 • Nefrolitíase • Paciente apresentou, de forma súbita, uma dor abdominal inten- sa com irradiação para virilha, as- sociada a hematúria (urina aver- melhada). Muitocaracterístico da nefrolitíase. • O exame de escolha nesses casos é a TC sem contraste que mostrou ter uma maior sensibilidade que a US. 28DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Avaliação do adulto com dor abdominal. Uptodate, 2020 Avaliação do adulto com dor abdominal na emergência. Uptodate, 2020 Causas de dor abdominal em adultos. Uptodate, 2019 Clínica médica, HCUSP, 2016 Medicina de emergência, USP, 2016 Medicina de emergência, USP, 2019 29DOR ABDOMINAL – ÍNDICE BASE
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