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SUMÁRIOSUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................................................................................... 03
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA
Cecilia Goulart
PGM 1 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA ................................................................ 11
A escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagem da escrita
Helenice Aparecida Bastos Rocha
PGM 2 
SABERES QUE PRODUZEM SABERES ..................................................................................... 20
Angela Meyer Borba
PGM 3 
O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................ 29
Patrícia Corsino
PGM 4
AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ...... 38 
Alice de La Roque Romeiro
PGM 5
PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E DE ESCRITA.................................................................. 46
Eleonora Cretton Abílio e Margareth Silva de Mattos 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 2 .
PROPOSTA PEDAGÓGICAPROPOSTA PEDAGÓGICA
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA
Cecilia Goulart 1
A prática pedagógica cotidiana das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental desafia os 
professores de várias maneiras. Na perspectiva de promover a educação escolar como prática 
democrática, trabalhamos para a formação de cidadãos críticos e criativos. A caminhada se 
faz cheia de perguntas, que procuramos responder por meio do que aprendemos: em nossos 
processos de formação; na vida cotidiana; em nossas experiências como alunos e, depois, 
como professores; e também no encontro com as crianças, nas classes escolares. 
Como trabalhar de modo que as crianças: 
* tenham desejo de aprender a ler e a escrever;
* interessem-se pelos temas que a escola privilegia;
* participem do processo de ensinar e aprender;
* aprendam de modo significativo; e
* partilhem conhecimentos?
O objetivo principal de um projeto pedagógico é fazer com que a escola tenha sentido para as 
crianças, para que sejam cumpridas suas funções sociais mais importantes: ensinar e aprender. 
O papel do professor é fundamental nessa direção, atuando para que, tanto as crianças quanto 
as famílias, participem de forma ativa e interativa do processo escolar. O professor é o regente 
da “orquestra”, profissionalizou-se para definir caminhos político-pedagógicos que garantam 
condições para a aprendizagem das crianças. Estes caminhos incluem a clareza sobre a função 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 3 .
social da escola, concepções de educação escolar, de ensino-aprendizagem, de infância, de 
modos de aprender, entre outras. Estas concepções são básicas para a seleção de conteúdos, 
definição de metodologias e métodos de trabalho, organização dos espaços e dos tempos da 
escola, organização de turmas, de tipos de atividades, além da definição de rotinas e de 
propostas didáticas. Sabemos que todas estas questões e fatores têm influência nos modos de 
ensinar e de aprender. 
Para ilustrar brevemente o que foi abordado no parágrafo acima, lembramos uma reflexão 
recorrente de professoras alfabetizadoras, desde meados da década de 80 do século passado, 
possibilitada pelo avanço de estudos na área. Começamos a observar que as crianças, 
principalmente as de classes populares, tinham dificuldade de superar os padrões de texto 
acartilhado, mesmo que já tivessem se apropriado do princípio alfabético da escrita e 
conhecessem a representação das relações entre sons e letras. Como as crianças superariam 
aqueles padrões, se os textos que liam na escola tinham aquele formato? Se em suas casas 
materiais escritos circulavam pouco, tanto para leitura quanto para a escrita? O resultado 
daquele trabalho alfabetizador dificilmente seria diferente de A menina mima a boneca. A 
boneca é boba. Mimi é um gato mimoso, e de outras escritas semelhantes.
Assim como a questão abordada no parágrafo acima, muitas outras vêm sendo revisadas por 
nós. Se trabalhamos para a formação de sujeitos críticos, inventivos e comprometidos 
socialmente, precisamos superar o modelo de escola que vive de atividades caracterizadas por 
repetições e padronizações rígidas, desenvolvendo nas crianças e nos jovens a curiosidade, a 
solidariedade e a afetividade. A turbulência do mundo nos leva também a criar condições para 
a constituição de pessoas capazes de suportar inquietações e incertezas. Desse modo, a 
convivência e o trabalho com a diversidade, com textos para leitura de múltiplas origens 
(literários, científicos, filosóficos, entre outros) e com outras formas de expressão, além da 
linguagem verbal, podem contribuir muito. O mundo é plural e tenso e pode ser conhecido e 
apreendido de diferentes formas.
Temos percebido a importância de ler para as crianças, para que elas aprendam, além da 
escrita das palavras, novas maneiras de compreender a realidade e os modos como a 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 4 .
linguagem escrita se organiza – escrever é diferente de falar. Mesmo crianças muito pequenas, 
antes de estarem alfabetizadas, podem ser provocadas a ditar textos para que a professora 
escreva: um bilhete para casa, uma mensagem de amor, uma lista de material necessário para 
alguma atividade, uma história inventada. Vendo a professora escrevendo, vão se 
apercebendo de seus conhecimentos, de suas dúvidas, e também vão observando e 
aprendendo as diferenças entre oralidade e escrita, o modo como a escrita se organiza no 
papel, as marcas próprias aos diferentes gêneros textuais, etc. Essas atividades são, de certo 
modo, comuns em casas de pessoas letradas. Mas sabemos que nem todas as crianças 
vivenciam esses momentos. Estes aspectos da aprendizagem da língua escrita vêm-se 
associando à noção de letramento. Esta noção tem contribuído para contextualizar o processo 
de alfabetização de um modo mais amplo, social e politicamente. 
O conhecimento que temos hoje sobre características do espaço escolar, processos de ensino-
aprendizagem, alfabetização, e outros, nos encaminha para dar atenção a muitos aspectos que 
também fazem parte do processo de alfabetizar. Sem dúvida o conhecimento das relações 
entre sons e letras, de diferentes padrões silábicos, de uso de letra maiúscula, tão enfatizado 
há alguns anos, continua sendo relevante. A questão é como tratar os conteúdos de modo a 
promover aprendizagens significativas. Os conteúdos não podem ser considerados como fins 
em si mesmos, mas elementos que propiciam a compreensão de aspectos de conhecimentos 
ligados a realidades mais amplas.
O processo de ensino-aprendizagem da língua escrita, historicamente, tem sido marcado por 
uma preocupação grande com o que vamos chamar de microaspectos da linguagem escrita, 
isto é, com a relação fonema-grafema, com o desenho/caligrafia das letras e com aspectos 
ortográficos da escrita, contextualizados por uma visão estrutural da língua. Nesta visão se 
destacam exercícios para separação de sílabas, para substituição de letras e sílabas na 
formação de novas palavras e mesmo frases, entre outros, voltados principalmente para o 
treino ortográfico e para estudos gramaticais de cunho normativista, como número e gênero 
de substantivos; grau de adjetivos; o uso de formas verbais, no singular e no plural, no 
presente, pretérito e futuro. Os microaspectos de um modo geral também são contextualizados 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 5 .
pela crença de que a escrita é a fala por escrito, o que pode acarretar uma série de equívocos 
metodológicos.
Da forma como entendemos, a noção de letramento ganha relevância na relação com o 
processo de alfabetização, principalmente, porque dá destaque (1) aos usos e funções sociais 
da linguagem escrita; (2) ao atravessamento da linguagemescrita na fala de quem é letrado; 
(3) aos modos como instituições, objetos, situações, procedimentos, de vários tipos, estão 
impregnados das marcas da escrita e de seus valores sociais.
Conceber a alfabetização na dimensão do letramento possibilita aliar os microaspectos, 
comentados anteriormente, com macroaspectos, relacionados com o conhecimento da 
organização sintático-discursiva dos textos; conhecimento de instituições, atividades e 
situações sociais que são marcadas pela linguagem escrita em diferentes esferas sociais de 
conhecimento; de tipos de texto e de suas particularidades e usos, entre outros aspectos. A 
aliança entre os microaspectos e os macroaspectos do processo de aprendizagem da 
linguagem escrita vem recentemente merecendo a atenção de pesquisadores e professores, já 
que se observa uma tendência para se privilegiarem ora alguns aspectos, ora outros. De uma 
forma e de outra, conhecimentos importantes para a aprendizagem da escrita são deixados de 
lado. Segundo Soares (2004), os processos de alfabetização e de letramento, embora 
processos distintos, são interdependentes e indissociáveis. Assim, entendemos que os micro e 
os macroaspectos devam ser trabalhados de modo inter-relacionado, já que ambos têm papéis 
fundamentais na produção de sentido na leitura e na produção textual – uns não vivem sem os 
outros.
O objetivo desta série é discutir aspectos da prática pedagógica de ensinar a ler e a escrever, a 
partir de uma série de programas editados em vídeo, intitulada Letra Viva, produzida pela TV 
PUC de São Paulo, realizada e veiculada pela TV Escola/SEED/MEC. Alguns temas se 
destacaram e vão merecer uma discussão mais cuidada em relação ao ensino e à 
aprendizagem da linguagem escrita na escola: a relação entre alfabetização e letramento; o 
papel fundamental do professor; o planejamento da prática pedagógica; metodologias de 
trabalho; diferentes modos de organização das crianças; o ambiente da sala de aula; a 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 6 .
diversidade social; o papel da oralidade; os conhecimentos que as crianças levam para a 
escola; práticas de leitura e práticas de escrita. 
Planejar e organizar o trabalho pedagógico na escola e nas salas de aula se revela como algo 
nada trivial. A compreensão das funções sociais da escola e o papel político do professor 
nesse contexto precisam ser continuamente discutidos. Hoje, na primeira década do século 
XXI, se olharmos para trás, veremos mudanças sociais de muitos tipos que contextualizam o 
ser humano de modo diferente daquele que existia há cem, ou mesmo há cinqüenta anos. A 
sociedade se mostra complexa de muitos modos, pelos novos conhecimentos e novas 
tecnologias, novos modos de produção, novas formas de viver no mundo, de se relacionar, de 
aprender, de brincar e também de ensinar. 
Não podemos desconhecer essas mudanças, mantendo propostas pedagógicas atemporais, e 
desejando resultados diferentes. A complexidade social se explicita de várias maneiras, desde 
uma simples saída à rua para fazer consultas num banco ou num mercado, até novas questões 
que se impõem na educação de filhos, no casamento, no trabalho e, conseqüentemente, nas 
lutas por mudanças que dêem conta de transformações culturais de muitos tipos. A atenção a 
aspectos culturais e sociais recebe, hoje, muito mais ênfase do que recebia há tempos, na 
medida em que obtivemos respostas para algumas de nossas perguntas por essas vias.
Muitos temas, histórias e fatos entram na escola, trazidos não só por professores, mas também 
por alunos, mobilizando debates e, às vezes, situações difíceis que precisamos enfrentar. No 
dia-a-dia, as atividades que planejamos podem nos levar a reações e conversas que sequer 
imaginamos quando as concebemos. Então, a prática pedagógica cotidiana precisa ser 
orientada por princípios e objetivos pedagógicos claros, em que a previsibilidade e também a 
imprevisibilidade estejam presentes, porque lidamos com seres humanos concretos, cultural e 
historicamente situados. Seres humanos que têm história, casos, que têm especificidades, que 
estabelecem determinadas relações e têm determinados conhecimentos que algumas vezes 
soam completamente estranhos para nós.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 7 .
É no contexto de grande diversidade cultural e de muitos conhecimentos que, com base em 
nossas intenções e princípios, tomamos decisões pedagógicas, estabelecemos prioridades, 
definimos o rumo que o trabalho de sala de aula terá, considerando onde queremos chegar.
O nosso propósito na presente série é, junto com equipes pedagógicas e professores das 
classes de Educação Infantil e das primeiras séries/anos escolares do Ensino Fundamental de 
nove anos, discutir caminhos pedagógicos para a construção de práticas cotidianas 
significativas para que as crianças possam aprender mais e melhor na escola e continuar 
aprendendo pela vida afora. 
Temas que serão abordados na série Letra Viva: práticas de leitura e escrita, 
que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 19 a 
23 de junho de 2006:
PGM 1 – Alfabetização e letramento na escola
A escola, um espaço a conhecer. A diversidade de realidades na escola e na aula. A relação 
entre a oralidade e a escrita: a escrita como uma "nova" forma de linguagem. A aprendizagem 
da leitura e da escrita no conjunto das práticas escolares de linguagem: projetos, rodas de 
leitura e escrita, atividades, debates e conversas. Os processos de alfabetização e de 
letramento na escola e a participação dos responsáveis pelos alunos.
PGM 2 – Saberes que produzem saberes
A relação entre os saberes das crianças com outros saberes. As brincadeiras, as músicas e as 
histórias que as crianças conhecem como ponto de partida para novas aprendizagens. O 
ambiente de letramento na sala de aula. A escrita: importante na escola porque importante 
fora da escola, na vida. A importância do registro dos saberes das crianças para o 
planejamento e o desenvolvimento da prática pedagógica. As diferentes formas de expressão 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 8 .
escrita: a poesia, a biografia, os contos tradicionais, as parlendas. O trabalho com outras 
formas de expressão: a dança, o teatro, a música, as artes visuais e as artes plásticas.
PGM 3 – O planejamento da prática pedagógica
As transformações na orientação da prática pedagógica e novos modos de conceber o 
planejamento. O planejamento coletivo e participativo. A aprendizagem como norte e os 
saberes das crianças como ponto de partida. A organização do trabalho – anual, semestral, 
semanal e diária. A organização de atividades diferenciadas: ocasionais, seqüenciadas, 
permanentes. O planejamento e a seleção de atividades e seus objetivos na perspectiva da 
aprendizagem. A importância da apresentação de cada atividade para os alunos, seus objetivos 
didáticos, o tempo de duração, as expectativas, os resultados e a avaliação. A avaliação 
contínua do planejado: reflexões e mudanças. As várias formas de registro do trabalho pelo 
professor e a sua relevância. A responsabilidade política do professor pelos processos de 
aprender e ensinar. 
PGM 4 – Ações, interações e intervenções no processo de alfabetização
A leitura do professor como ação fundamental para a aprendizagem da leitura e da escrita. 
Junto se aprende melhor: trabalhos em parceria entre crianças e a importância das trocas entre 
professores. Como organizar as duplas e os grupos produtivos. Leitura e produção de textos 
em grupos e em duplas. A socialização e a partilha de experiências em grupo. Conhecendo e 
aprendendo com o outro. O conhecimento pela professora do que as crianças sabem ea 
natureza das necessárias intervenções. 
PGM 5 – Práticas sociais de leitura e de escrita
A entrada no mundo da escrita: aprender a ler, lendo. Leitura e escrita como processos de 
construção. Práticas de leitura e formação do leitor. A leitura compartilhada: leituras dos 
professores e de outros adultos para as crianças e leituras das próprias crianças. A experiência 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 9 .
de ser leitor. A biblioteca, o espaço de leitura na sala de aula, o texto em seus diferentes 
gêneros. Leitura e escrita na vida e na escola. Os diversos espaços sociais de leitura e escrita. 
Práticas sociais de leitura e de escrita de diferentes textos socialmente referenciados.
Referências bibliográficas:
SOARES, M. (2004) Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira 
de Educação, n. 25, p. 5-17.
Nota:
 Professora da Faculdade de Educação/Universidade Federal 
Fluminense. Consultora desta série.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 10 .
PROGRAMA 1PROGRAMA 1
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA
A escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagemA escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagem 
da escritada escrita
Helenice Aparecida Bastos Rocha 1
“A primeira lição. Ainda que viva cem, mil anos, não esquecerei o primeiro dia de aula, a 
primeira escola a que meu pai me levou, não sei se com orgulho de mim ou medo que eu 
desse vexame, abrindo uma choradeira ou tentando fugir – que era o que eu pretendia. Não 
compreendia o que se passava. Sabia que outros meninos de minha rua e de minha família, 
em determinado momento, iam para a escola, em um pacto misterioso entre os pais e os 
professores(...).” Carlos Heitor Cony 
 
A escola é apenas “um” espaço? Viajando por nosso país, ou vendo fotografias de escolas de 
todo o mundo, percebemos que as escolas são muitas. Pobres ou ricas, pequenas ou grandes. 
Com mobiliário precário ou moderno, com as paredes nuas ou cheias de mensagens, com 
recursos didáticos rudimentares ou mais sofisticados, as escolas estão dizendo muito mais do 
que pode parecer a nós, professores, e aos alunos que ali realizam suas práticas de aprender e 
ensinar. 
Nessa diversidade, poucas escolas parecem ter sido feitas para alunos de carne, osso, 
sentimento e história. Levando-se em conta que eles vão passar ali tantas horas, dias e até 
meses, ao longo de um ano escolar, é necessário que tais espaços sejam mais acolhedores. 
Entre os aspectos de acolhimento do aluno, está a interação que o professor vai estabelecer 
com ele e entre ele e o conhecimento, principalmente a escrita. Aí está algo que pode fazer 
uma importante diferença no destino escolar das crianças que chegam a esse espaço. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 11 .
Será que, por vivermos na escola desde nossa infância, como alunos, esquecemos de sua 
complexidade? Muitos de nós nos sentimos como em nosso espaço natural. Entretanto, os 
iniciantes que ali chegam são atingidos diretamente em sua sensibilidade pela mensagem que 
o conjunto formado pela arquitetura, mobiliário, o escrito distribuído no espaço e as regras 
vigentes transmitem da escola. Nessa chegada, de acordo com aquilo que seus pais ou 
responsáveis lhes tiverem transmitido sobre o lugar, os alunos estarão receptivos ou arredios, 
alegres ou assustados. 
Além de um espaço físico e simbólico, que organiza outros espaços dentro de si, como por 
exemplo, a sala de aula, a escola é um lugar de tempo regulado. Assim, o horário de entrar e 
sair, o horário de recreio, a hora em que é permitido conversar ou não, o tempo de fazer as 
atividades vão criando no professor e no aluno um modo regulado de encarar as atividades 
escolares. Essa regulação também orienta a rotina da aula. Quando nós iniciamos a aula 
seguindo o mesmo roteiro, fazemos atividades semelhantes a cada dia, orientamos os alunos a 
fazerem essas atividades do mesmo jeito, estamos ensinando uma forma rotinizada de se 
relacionar com o conhecimento. Essa forma de organização da aula funciona bem, e nos 
parece a correta. Mas será a única válida?
A rotina da aula é um dos fatores para a organização da aula na escola. O cuidado que 
precisamos ter com ela, como na vida cotidiana, é que a rotina não nos deixe perder de vista 
os sentidos possíveis para se estar ali: conhecer, ensinar e aprender a ler e escrever, entre 
outras aprendizagens possíveis. A partir disso, a dimensão de prazer e de desafio na relação 
com o conhecimento pode instigar professores e alunos de forma continuada, no espaço da 
escola e da sala de aula, com toda a sua diversidade. 
As relações entre a oralidade e a escrita: a escrita como uma “nova” forma de 
linguagem
Durante muitos séculos, a humanidade se comunicou principalmente pela oralidade. Muitas 
sociedades ainda hoje têm na oralidade sua fonte principal de comunicação. Tal forma de 
linguagem se mostra suficiente para elas, como se mostrava para outros diferentes povos que 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 12 .
habitavam nosso planeta há muito tempo. Eis que, para alguns desses povos, por razões de 
Estado, por causa da religião ou da necessidade dos cidadãos de registrar as leis que os 
protegiam, foram criados desenhos que significavam a fala ou os seres do mundo: símbolos e 
letras. Durante a Antigüidade, poucas pessoas escreviam, e quando o faziam, era por motivos 
específicos, como a escrita das leis, o registro de estoques de alimentos do reino, ou a 
correspondência real. Poucas obras religiosas, literárias ou filosóficas circulavam entre 
pessoas de classes privilegiadas. Alguns poucos liam entre si e, se fosse o caso, liam para 
outros. 
Essa circulação restrita definiu duas características da própria escrita e de seus praticantes: a 
forma da escrita foi se organizando aos poucos e, como sua circulação ocorria apenas entre 
um pequeno público leitor, não havia necessidade de que fosse muito estruturada. Do mesmo 
modo, não havia a necessidade de que a escrita fosse difundida por não ser um ideal para 
todos, como é hoje. 
Dessa forma, podemos dizer que a escrita surgiu e se estruturou relativamente há pouco tempo 
na história das sociedades e que, mesmo nesse curto período de tempo, serviu a poucas 
pessoas, de esferas ou classes sociais bem definidas e privilegiadas. Só mais recentemente, a 
partir da Idade Moderna, com os ideais iluministas de divulgação do conhecimento existente 
nos livros, é que se tornou uma aspiração comum, e até uma necessidade, que todos se 
tornassem letrados. Esse processo de divulgação das letras tem mais ou menos duzentos anos 
e em nosso país é ainda mais recente. 
A partir dessa compreensão, é possível registrar dois fenômenos: durante sua curta existência, 
a escrita distanciou-se da fala, constituindo uma forma diferente de linguagem. E, ao longo do 
tempo, as pessoas de pequenos grupos de classes privilegiadas dominaram com mais 
facilidade essas diferenças, pois foram esses mesmos grupos que criaram tais mudanças entre 
a fala e a escrita. 
Um exemplo de diferença entre a fala e a escrita é que a fala ocorre no espaço físico, por 
propagação sonora no ar. Ela é simultânea à audição e se esgota ao terminar de ser 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 13 .
pronunciada, a não ser no caso de gravação da fala. Já a escrita é produzida no papel ou em 
outra superfície tangível, distribuindo-se em direções preestabelecidas e permanecendo ali 
para posteriores leituras. Na escrita ocidental, de cima para baixo, da esquerda para a direita. 
Além dessa característica geral, relativa à direção da escrita e da leitura, há aquelas relativasaos gêneros em que essa escrita ocorre: em forma de listas, de textos com títulos e escritos em 
parágrafos, de textos com imagens legendadas ou com notas de rodapé. 
É lugar comum que a criança que entra na escola precisa aprender o valor sonoro das letras, 
ou seja, a relação fonema-grafema, como tradicionalmente se pretende no processo da 
alfabetização. Isso se dá com a utilização de diferentes metodologias e, inclusive, utilizando a 
abordagem psicogenética, denominada correntemente de construtivista. Acontece que a ênfase 
unicamente nesse aspecto tende a reforçar na criança sua hipótese de que a escrita é a fala por 
escrito. Como vimos no parágrafo anterior, a escrita é mais do que isso. Para mudar essa 
hipótese, nossos alunos precisarão aprender o que torna a escrita diferente da fala. 
A aprendizagem da leitura e da escrita no conjunto das práticas escolares de linguagem: 
rodas de leitura e escrita, projetos, atividades, debates e conversas
Muitas práticas têm sido realizadas na busca de juntar o ensino-aprendizagem dos aspectos 
relacionados à relação letra-som e os aspectos da escrita como objeto que se organizou na 
história e na cultura humana. Veremos algumas dessas possibilidades a seguir. 
A roda de leitura e escrita de textos recupera e integra a roda de conversa ancestral em torno 
da fogueira e também a rodinha de novidades da Educação Infantil. Inicialmente, a leitura ou 
escrita pode ser feita principalmente pelo professor e acompanhada pelos alunos, para que 
eles descubram que esses textos podem nos propiciar mais do que a fala, em algumas 
situações. Um exemplo do que é específico da escrita está na remissão. Quando, em um texto, 
remetemos o leitor a um parágrafo anterior, ou a uma nota de rodapé, se ele tiver dúvidas 
sobre o que foi dito, pode ler esse parágrafo ou a nota. Para isso, o conhecimento sobre a 
organização espacial desses escritos precisa ser um conhecimento compartilhado pelo escritor 
e leitor, e é produzido nas práticas de leitura e na escolarização. Esse exemplo mostra que, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 14 .
entre as relações possíveis na leitura, também estão a estruturação das idéias em parágrafos, 
notas de rodapé e tantas outras codificações, e não apenas a relação entre letras e sons. 
O exemplo contrário também é possível. A oralidade funciona em situações e condições que 
suplantam a escrita em diversos aspectos. Por conta disso, é necessário reconhecer onde a 
linguagem oral ou a escrita se mostra mais interessante para a comunicação. Nossa 
experiência de praticantes da linguagem pode nos ajudar a selecionar as atividades mais 
adequadas em uma ou outra modalidade, conforme veremos a seguir, no caso de um projeto 
de elaboração de receitas. 
Projetos temáticos resgatam o contexto de produção da leitura e da escrita, bem como da 
oralidade. Mas o que é um projeto? Sua característica principal é a de ser uma situação de 
ensino com um objetivo compartilhado por todos os envolvidos para se chegar a um produto 
final, em função do qual todos trabalham. Assim, o primeiro passo de um projeto pode ser o 
professor propor ou perceber a emergência de um tema que se mostra produtivo na turma. Isto 
porque os projetos permitem associar propósitos comunicativos e didáticos, dispor do tempo 
didático de forma flexível, pois sua duração corresponde ao tempo necessário para se alcançar 
um objetivo: pode durar dias ou alguns meses. Sua execução envolve planejamento, previsão, 
divisão de responsabilidades, desenvolvimento de capacidades e procedimentos específicos. 
O projeto é um processo de elaboração coletiva das crianças com seu professor ou professora. 
Seu sentido é o de um compromisso constante pela construção de certezas compartilhadas e 
pela discussão de incertezas que permitirão a todos compreender o texto e o conhecimento 
relacionado a ele. Tais características do trabalho com projetos tornam tal trabalho pautado 
na conversa e no debate sobre os temas em estudo. 
Vejamos o exemplo de um projeto em que há a escrita de receitas, para a criação de um livro. 
Quando trazemos receitas para a escola, didatizando-as, antes ou juntamente com o trabalho 
de sua escrita, podemos explorar seu aspecto de texto oral na comunicação entre as pessoas. A 
prática de ensinar e aprender receitas oralmente, no contexto da degustação de pratos, pode 
ensejar o desenvolvimento, na linguagem oral, do gênero em que são dadas instruções para 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 15 .
atingir determinado fim, como é o caso da receita, que pode ser escrita. Mas a apreciação do 
prato, as observações sobre as preferências pessoais, como a degustação em si, é algo que 
circulará naturalmente, via oralidade. 
 O texto escrito apresenta especificidades que é possível investigar juntamente com os alunos 
em rodas de leitura ou projetos. Um bom exemplo é a iconicidade presente na história em 
quadrinhos: os balões em que surge a fala dos personagens e sua ordem espacial, a forma 
típica de introduzir a fala do narrador, sua interação com as imagens. Outro bom exemplo, no 
que se refere às obras de referência, está no dicionário, que, ao longo do tempo, tornou-se um 
objeto cultural complexo. Ele organiza de forma codificada os significados de um verbete em 
ordem alfabética e muito mais, como a orientação na página pelas palavras-guia, as 
abreviaturas de classes gramaticais, a origem das palavras. Assim, as informações presentes 
no dicionário podem nos ajudar a encontrar outras informações, que podem ser usadas de 
diversos modos. 
Essas e outras aprendizagens acerca dos portadores de textos e dos gêneros precisam 
acontecer juntamente com a aprendizagem da leitura e da escrita, no que se refere à relação 
entre letra e som, ou grafema e fonema. E não depois dela. A escola é um espaço de 
colocarmos as coisas em determinada ordem para melhor aprendizagem. Mas, ao pensarmos 
em um ensino-aprendizagem mais contextualizado, precisamos lembrar que, na vida, as 
aprendizagens sociais não são postas didaticamente uma após a outra. 
Juntamente com a contextualização das atividades de rodas de leitura, escrita e conversa e 
com os projetos temáticos, é possível e necessária a realização de atividades permanentes de 
leitura e escrita em que as aprendizagens sejam consolidadas. Elas ocorrem de modo regular, 
de acordo com as necessidades das crianças: diariamente, três vezes por semana, 
semanalmente, ou até quinzenalmente, com a finalidade de permitir a convivência freqüente e 
intensa com determinado gênero de texto, para que possam desenvolver práticas 
diversificadas de leitura. Esta tarefa está entre aquelas que fazem parte da rotina da turma e 
deve sempre responder à pergunta do sentido que a leitura e a escrita terão para os alunos, no 
contexto das aprendizagens que estão ocorrendo na turma. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 16 .
Os processos de alfabetização e de letramento na escola e a participação dos 
responsáveis pelos alunos
Conforme dito inicialmente, independentemente de seu desejo, os pais ou responsáveis 
ajudam a criança a construir uma idéia sobre a escola, antes mesmo de entrar nesse espaço. 
Há pais que nunca foram à escola, e que consideram o saber escolar muito importante. Outros 
que sabem ler e escrever, mas que acham que isso não é o que mais importa. De diferentes 
maneiras, os pais oferecem aos filhos seus valores, idéias e práticas iniciais sobre a leitura e a 
escrita, o que constitui o letramento inicial dos alunos. 
Nem sempre as idéias dos pais coincidem com as dos professores sobre o que é importante 
ensinar e aprender na escola. Certamente, sua história escolar e profissional é diferente da dos 
professores. Cabe a esses últimos esclarecer e conquistar os pais parao trabalho que precisam 
fazer com os alunos e o que precisam esperar dos pais, como parceiros na escolarização da 
criança. 
Ao recebermos tais alunos em sala de aula, com sua diversidade de idéias e práticas sobre a 
leitura e escrita, vamos iniciar com eles um outro letramento. Ou seja, começar a falar e fazer 
outras práticas sobre a leitura e a escrita, diferentes daquelas que acontecem em suas casas. 
Essa combinação de experiências continua durante a escolarização dos alunos, pois eles 
retornam à sua casa, onde as idéias, práticas e valores são mais ou menos diferentes da escola. 
Daí que os processos de alfabetização e de letramento de cada um vão acontecer de forma 
singular, pois a constituição da experiência familiar e escolar é única. 
Uma das relações produtivas em torno da leitura e escrita tem sido a proposta para que um 
leitor, seja pai, outro responsável ou um leitor da casa ou da vizinhança, leia textos de 
diversos tipos para e com o aluno, de uma forma descontraída e ao mesmo tempo intensa, 
constituindo uma “comunidade de leitores”, mais do que cobrando que eles tenham 
determinado desempenho escolar. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 17 .
A partir dessa ação tão simples, ganha a própria família, pois se podem estabelecer relações 
mais próximas entre pais e filhos, e entre eles e o conhecimento presente nos materiais de 
leitura. Em conseqüência, ganha a escola, pois os alunos passam a atribuir sentidos 
diferenciados para a leitura, a escrita e o próprio conhecimento.
Concluindo nossa conversa
 Nestas páginas procurei compartilhar com professores que lidam com alunos dos anos 
iniciais do Ensino Fundamental uma característica de nossas escolas, alunos e pais: sua 
diversidade. Procurei evidenciar que essa diversidade pode ser positiva, à medida que seja 
percebida como fator de troca entre as pessoas que compõem a relação de ensino. Somos 
quem ensinará aos alunos a leitura desse mundo complexo da escrita, mas eles já trazem 
informações diversas sobre ele, e o que não trouxerem, vamos lhes apresentar. 
Ao mesmo tempo, procurei mostrar como organizamos essa diversidade com a rotina escolar. 
Apontei algumas alternativas que propõem uma rotina de forma flexível. Para isto, projetos, 
rodinhas e atividades podem constituir, com sentido, o cotidiano da sala de aula viva. De 
nossa parte, desejamos uma boa caminhada para todos. 
Sugestões de leitura para os professores
CARDOSO, Beatriz e EDNIR, Madza. Ler e Escrever, Muito Prazer. São Paulo: Ática, 
2001.
CHARTIER, Anne-Marie, CLESSE, Christiane, HÉBRARD, Jean. Ler e Escrever: 
entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: ArtMed, 1996. 
CONY, Carlos Heitor. A primeira Lição. In: Ruth Rocha (org.) Contos de Escola. 1a ed. 
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. Coleção Literatura em Minha Casa.
GNERRE, Maurizio. Linguagem, Escrita e Poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 18 .
KAUFMAN, Ana M., RODRIGUES, Jussara H., CASTEDO, Mirta. Alfabetização de 
crianças: construção e intercâmbio. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 
TEBEROSKY, Ana e TOLCHINSKY, Liliana. Além da alfabetização: a aprendizagem 
fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1996. 
 
Nota:
 Professora do Colégio Pedro II e da Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro - UERJ.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 19 .
PROGRAMA 2PROGRAMA 2
SABERES QUE PRODUZEM SABERES
Angela Meyer Borba 1 1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar. 
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito 
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu 
fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a 
olhar! 
Eduardo Galeano 
Na busca de compreender o mundo em que vivem, criar formas de agir sobre ele e se 
comunicar com os outros ao seu redor, as crianças, desde que nascem, constroem saberes que 
lhes possibilitam determinadas formas de inserção no mundo, participação social e 
compreensão de novas experiências. Na medida em que conhecem novos objetos e pessoas, 
vivem novas situações e relações, confrontam pontos de vista e modos de ação sobre a 
realidade, as crianças ampliam e transformam esses saberes, construindo novas formas de 
compreensão da vida e de ação sobre a realidade.
Nesse contexto, podemos dimensionar o significado que tem a escola para as crianças, como 
espaço socialmente organizado, onde circulam e são transmitidos conhecimentos dos diversos 
ramos da ciência e de outros campos do saber. Mas qual é efetivamente a função social da escola? 
Como esses conhecimentos que circulam na escola dialogam com os conhecimentos das crianças? 
Que implicações têm para suas vidas e sua formação como sujeitos?
Muitas vezes, os conhecimentos escolares e a forma como são trabalhados estão muito 
distantes das práticas sociais das crianças. Estas, conseqüentemente, não conseguem atribuir-
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 20 .
lhes um sentido e mobilizar os seus saberes para compreender o que está sendo ensinado. A 
falta de articulação dos conhecimentos escolares com os saberes das crianças não apenas 
enfraquece ou mesmo elimina a motivação, a curiosidade e a disposição para a aprendizagem, 
como também reduz as possibilidades de interação das crianças com novos conhecimentos, 
gerando dificuldades na sua apropriação. 
Mas como os saberes das crianças podem ser reconhecidos e dialogar com a escola? Uma 
primeira condição é que a escola seja um espaço real, de vida, de relações entre sujeitos reais, 
e não um lugar em que adultos e crianças deixam do lado de fora suas histórias, valores e 
sentimentos. Outra condição é que os conhecimentos não sejam artificializados e reduzidos a 
objetos a serem ensinados e aprendidos na escola através de treinos, repetições, memorização 
e exercícios, mas sim que sejam significativos e socialmente relevantes, tanto na escola, como 
fora da escola, na vida. 
É fundamental favorecer a expressão e a comunicação dos saberes das crianças e de suas 
produções, para que possamos conhecê-las melhor, perceber seus valores, sentimentos e formas 
de compreensão sobre o mundo. Teremos assim referências fundamentais para o trabalho 
pedagógico. Para tanto, é importante convidá-las e provocá-las a falar, conversar e discutir em 
rodas de conversas, leituras de textos de diferentes gêneros, discussão sobre temas, apreciação de 
produções artísticas, observação de imagens, atividades de brincadeiras, entre outras 
possibilidades. Os temas desenvolvidos também devem ser interessantes, provocadores da 
curiosidade e do investimento das crianças na interação com os outros, na expressão de seus 
saberes, no diálogo com outros saberes, na busca de novas informações, de novas descobertas. 
Cria-se assim um ambiente discursivo, no qual as crianças vão revelando o que e como 
pensam, o que já sabem e o que querem saber, suas perguntas, suas histórias e seus modos de 
sentir e viver. Elas também vão se reconhecendo, se conhecendo e conhecendo a nós, 
professores. Vão também percebendo que o mundo é bem maior do que pensavam, que 
existem diferentes realidades e modos de viver, e diferentes formas de compreender os fatos 
ou problemas, produzidas pelos conhecimentos organizados pelos diversos ramos da ciência, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 21 .
pela arte, pela filosofia, pelas religiões. E nós, professores, vamos descobrindo pistas e 
caminhos para fundamentar e ajustarmelhor nossas ações.
Nesse contexto, uma maneira de aprender muito sobre e com as crianças e seus saberes é 
através das brincadeiras, canções e histórias que elas já conhecem e que compõem o conjunto 
de conhecimentos produzidos no âmbito da cultura e das relações sociais cotidianas. Brincar, 
cantar, dramatizar, contar histórias, dançar são práticas que fazem parte da experiência 
cultural das crianças, representando ações e conhecimentos partilhados, através dos quais elas 
se constituem como membros de um determinado grupo sociocultural, aprendendo sobre si 
mesmas e sobre o mundo ao seu redor. 
Valorizar esses saberes na escola é abrir portas de comunicação entre as crianças, a vida e a 
escola. Para as crianças que partilham os mesmos espaços e tempos escolares, as brincadeiras, 
danças, parlendas, lendas, contos tradicionais, entre outros conhecimentos culturais, podem 
constituir um repertório comum sobre o qual podem agir conjuntamente, estabelecer laços de 
amizade, construir e transformar significados, regras e rotinas de ação e, através de práticas 
sociais coletivas e cotidianas, criar novos saberes e novas formas de brincar, cantar, contar 
histórias. 
O trabalho com esses saberes é um rico recurso, não apenas para se conhecer as crianças e criar 
vínculos com elas, mas também para se instaurar o diálogo dos seus saberes com outros saberes, 
explicitando e explorando o que já conhecem e trazendo novas possibilidades a partir daí. Saberes 
produzem saberes, palavras produzem palavras, significados produzem significados, histórias 
produzem histórias, brincadeiras produzem brincadeiras, descobertas produzem descobertas. Em 
uma corrente contínua, se ligam escola, vida, cultura e saber. 
Nesse movimento, a escola tem a função social de proporcionar situações para que as crianças 
possam ampliar e aprofundar conhecimentos que lhes permitam compreender a realidade de 
várias formas, ampliando o sentido de ser e estar no mundo, de pertencer a determinados grupos 
sociais, de viver em dado tempo e lugar, de partilhar práticas e conhecimentos. Nesse contexto, 
um dos seus compromissos fundamentais é garantir às crianças o direito de se apropriarem dos 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 22 .
conhecimentos historicamente produzidos e dos significados e usos que estes assumem na vida e 
nas práticas sociais humanas. Vamos refletir, nesta perspectiva, sobre o significado do processo 
de ensino-aprendizagem da língua escrita na escola. 
De um lado, podemos compreender a língua escrita como conhecimento que traz novas 
formas e possibilidades de comunicação, registro, ação, criação e inteligibilidade do mundo. 
De outro lado, afigura-se também como ferramenta fundamental para o acesso aos 
conhecimentos das várias áreas do saber – ciência, filosofia, religião, história, entre outras – 
que se estruturam com base na língua escrita, através de discursos específicos constituídos por 
lógicas, compreensões e formas de comunicação e registro que lhes são próprias. 
Dessa forma, a língua escrita não pode ser reduzida nas práticas escolares apenas a um 
sistema de comunicação produzido pelo homem, mas precisa ser compreendida como uma 
linguagem social que nos permite participar das práticas sociais de leitura e escrita que 
permeiam as relações entre os homens nas sociedades letradas, bem como penetrar no mundo 
letrado das várias áreas do saber. 
As crianças devem ler e escrever na escola não para codificar/decodificar sons em letras e 
vice-versa, mas porque se lê e se escreve fora da escola e para escrever e ler fora da escola, 
na vida. Enfim, para tornar-se letrado, no sentido que vem sendo usado por autores como 
Soares (1998) e Kleiman (1995), ou seja, para participar das práticas sociais orais e escritas da 
sociedade em que vivem.
 Na perspectiva do letramento, é necessário que os espaços escolares contenham materiais 
escritos diversificados, com diferentes suportes – jornais, livros, revistas, embalagens, 
televisão, telas de computador, entre outros – e tipos de textos variados: poesia, contos 
tradicionais, história em quadrinhos, biografias, tiras de humor, propagandas, textos 
científicos e informativos, mapas, tabelas, entre outros. 
Mas os materiais não bastam! É necessário criar situações interativas em que estes tenham 
significados e as atividades de leitura e escrita tenham sentido. Não escrevemos sobre o nada, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 23 .
mas sobre o que conhecemos, sentimos e pensamos. Não escrevemos para treinar habilidades 
de escrita, mas para registrar, comunicar, informar, entre outras funções. Não lemos para 
decodificar sons em letras, mas para sentir prazer, para nos informar, conhecer outros mundos 
e outras explicações da realidade. 
É escrevendo e lendo com sentido que as crianças constroem habilidades de leitura e escrita e se 
constituem também como sujeitos letrados. É agindo sobre a escrita, a partir dos conhecimentos 
que já têm e de novas informações e reflexões, que ampliam seus conhecimentos. É incorporando 
o valor e o prazer de conhecer cada vez mais sobre o mundo, de interagir e conversar em torno 
dos conhecimentos produzidos pelo homem nos vários campos do saber, que vão se interessando 
pela leitura e pela escrita e se apropriando, não apenas das habilidades para ler e escrever, mas das 
práticas sociais em que essas atividades estão envolvidas. 
Dessa forma, os saberes das crianças sobre a linguagem e os conhecimentos das diferentes 
áreas são fontes privilegiadas para novas aprendizagens. Conhecê-los é base para um trabalho 
pedagógico mais significativo e eficaz. E registrá-los é uma forma de explicitá-los e valorizá-
los, colocando-os em um outro plano, na dinâmica do processo de ensinar e aprender na 
escola. O registro dos saberes das crianças pode ser incluído no trabalho escolar cotidiano, 
através de várias possibilidades: desenho, escrita, vídeo e audiogravações, de acordo com os 
recursos existentes e o que se quer registrar. Mas o que e para que registrar?
Registrar é antes de tudo valorizar os saberes das crianças. É também instrumento para 
reflexão/avaliação, tanto para as professoras como para as crianças, dos conhecimentos que 
estas já têm e sobre aqueles que estão construindo. É suporte para as professoras planejarem 
atividades significativas que cruzem os saberes das crianças com outros saberes, pois revelam 
em que medida as situações oferecidas têm permitido o avanço das crianças no seu processo 
de aprendizagem. É também importante para orientar a participação das crianças no 
planejamento das atividades junto com os professores.
Dentre as formas de registro, a escrita sobressai como uma ferramenta fundamental, que sempre 
está ao nosso alcance. Quando vamos trabalhar um tema em um projeto, por exemplo, é preciso 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 24 .
registrar o que as crianças já conhecem sobre o mesmo, as perguntas que possuem, os aspectos 
que serão investigados, as fontes de pesquisa, as atividades que serão desenvolvidas. É importante 
registrar também tudo o que vai sendo produzido, as descobertas. Registramos para conhecer, 
pensar, refletir, planejar, organizar, memorizar, avaliar. E as crianças, quando registram suas 
produções ou analisam registros feitos pelos professores, refletem sobre sua aprendizagem e se 
percebem autoras do processo de aprender, construir e criar conhecimentos.
Outro exemplo mais específico de utilização do registro é o trabalho que se pode fazer com a 
língua escrita através do registro escrito dos conhecimentos que permeiam o cotidiano das 
brincadeiras e grupos sociais infantis, como, por exemplo, a escrita das canções, quadrinhas, 
parlendas, jogos e brincadeiras que as crianças conhecem. A leitura e a escrita de textosque as 
crianças sabem de memória é um recurso interessante para as crianças analisarem as relações 
entre a língua oral e a língua escrita, estabelecerem relações entre sons e letras, observarem 
marcas da língua escrita e se constituírem como autores de práticas sociais de leitura e a escrita. É 
também um rico material para conhecermos o que as crianças já sabem e que estratégias estão 
usando para se apropriarem da leitura e da escrita. A partir daí, podemos ajustar melhor as 
intervenções necessárias para provocar avanços na aprendizagem. 
A documentação e o acompanhamento dos registros de diferentes momentos do processo de 
aprendizagem, seja da língua escrita ou de outros conhecimentos, são estratégias importantes 
para a visibilidade e a reflexão do processo de aprendizagem das crianças e das práticas 
pedagógicas. É também um importante canal através do qual a escola pode compartilhar com 
os pais o processo de ensino-aprendizagem. Para as crianças, a reflexão sobre suas produções 
e sobre as mudanças nestas ocorridas ao longo do tempo contribui para que se percebam como 
autoras do seu processo de aprender e conhecer cada vez mais sobre o mundo. Contribui para 
que entendam que os saberes por elas já construídos formam a base para alcançar novos 
saberes, em uma dinâmica que envolve aplicações, hipóteses, rupturas, ampliações, 
questionamentos e transformações na busca de compreender e se apropriar de novas 
explicações e formas de ação sobre o mundo.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 25 .
Nesse processo de reconhecimento e de ampliação dos saberes das crianças, além do trabalho 
com a linguagem e com os conhecimentos das várias áreas da ciência, não podemos deixar de 
fora o trabalho com a arte. As diferentes produções artístico-culturais produzidas pelo homem 
constituem possibilidades diferenciadas de diálogo com o mundo, oferecendo novas formas 
de expressão e de inteligibilidade, compreensão e relação com a vida. 
O trabalho com diferentes formas de expressão, como a literatura, as artes visuais, as artes 
plásticas, a dança, o teatro, entre outras, contribui para as crianças expressarem e ampliarem seus 
saberes de diferentes modos, abrindo janelas para novas compreensões e também para a 
construção de novos modos de comunicação sobre o que pensam e como vêem o mundo. 
Assim, é importante explorar a arte que se faz com a escrita, através da poesia, da biografia, 
dos contos tradicionais etc. Lendo para as crianças e incentivando suas próprias produções, 
estaremos mobilizando sua sensibilidade, afetividade, emoção, imaginação e criação. 
Estaremos contribuindo também para que elas percebam que existem diferentes sistemas de 
referência do mundo, que se abrem para muitos sentidos ao se conectarem com as 
experiências singulares de diferentes sujeitos. 
A apropriação de produções literárias pelas crianças envolve construir o gosto, o prazer, da 
leitura e da escuta sensíveis, conduzindo-as a novos planos de compreensão de si mesmas e da 
vida. Envolve também compreender as lógicas, técnicas e formas de organização próprias 
dessas produções. E ainda expressar-se através delas, brincar com as palavras, trabalhar suas 
combinações, buscando novos sentidos, novas significações. 
O trabalho com outras formas de expressão artística como o teatro, a dança, a pintura, a 
música também abre muitas possibilidades de reconhecimento, de expressão e de alargamento 
dos saberes das crianças. Assim, é importante que as crianças possam participar de exposições 
variadas, assistir a filmes, danças, peças de teatro, ouvir músicas de diferentes compositores 
(os CDs, DVDs, a televisão podem facilitar esse trabalho). O acesso a livros de arte e 
biografias de autores de produções artísticas também amplia as possibilidades de 
conhecimento e de recriação do mundo. Apreciando, imaginando, sentindo, significando, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 26 .
analisando as características e formas de composição de diferentes produções, as crianças vão 
se apropriando de novas linguagens e de novas formas de expressão e criação.
Dentre outras possibilidades de trabalho com a arte, podemos apresentar obras de diferentes 
pintores para as crianças, de forma a desenvolver o processo de apreciação, reflexão e 
produção artística. Um exemplo nesse sentido foi o projeto sobre Portinari desenvolvido pelas 
professoras Juju Andrade Rodrigues e Noêmia Fabíola Costa do Nascimento, da Creche 
Municipal Maria Alice Gonçalves Guerra, em Camaragibe/PE (Prêmio Qualidade na 
Educação Infantil, 2004, p. 70-73). Através de atividades de leitura de textos de revistas, 
livros e sites da Internet, e de apreciação e observação de imagens, as crianças conheceram a 
história de Portinari menino, resgataram as brincadeiras populares retratadas pelo pintor, 
contextualizando-as com as situações por elas vivenciadas em casa e na creche, e recriaram as 
obras analisadas através de seus próprios desenhos. Dessa forma, puderam desenvolver o 
senso da observação e da produção estéticas, construindo novos olhares sobre o mundo.
Essa experiência nos faz ver que é possível trabalhar arte com crianças, desde pequenas. Não 
como exercícios de técnicas, treinamentos psicomotores ou cópia de modelos, mas como 
forma de linguagem que mobiliza a nossa emoção, a afetividade, a reflexão sobre a vida e o 
processo de comunicação e expressão dos nossos saberes e sentimentos. O acesso à 
pluralidade de linguagens nos ajuda a nos constituirmos autores, críticos e criativos, pois 
“alarga o acervo de referências relativas às características e funcionamento de cada tipo de 
expressão bem como amplia a rede de significados e modos diferenciados de 
comunicabilidade e compreensão” (Borba e Goulart, 2006).
Saberes que produzem saberes. Como um tecido que se tece, fios se cruzam, se conectam, se 
alongam, se alargam e compõem novas formas. Nesse tecer saberes, vimos que é importante a 
criação, na escola, de diferentes possibilidades de conexões dos saberes das crianças com os 
saberes historicamente produzidos. Conexões que se fazem pelo trabalho com a linguagem, com 
as ciências, com a arte. E nesse trabalho, também nós, professores, produzimos saberes. Junto 
com as crianças aprendemos sobre o mundo, sobre a natureza e a cultura. Com o olhar atento 
sobre seus saberes, suas construções e sobre os nossos próprios saberes, ampliamos, nós também, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 27 .
nossos saberes sobre o mundo, sobre as crianças, sobre nós mesmos e sobre a nossa prática 
docente.
Referências bibliográficas 
BORBA, A. M. e GOULART, C. As diversas expressões e o desenvolvimento da 
criança na escola. Circulação restrita. A sair em documento do MEC sobre o 
Ensino Fundamental de Nove Anos, 2006.
SOARES, M. B. Letramento - um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica: 
1998.
KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: 
Kleiman, A. B. (org.). Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado 
das Letras, 1995.
Sugestões de leitura para os professores
KRAMER, S. e LEITE, M. I. Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 
1998.
MEC/SEF. Prêmio incentivo à educação fundamental 2004: experiências premiadas. 
Brasília: Ministério da Educação, 2005.
MEC/COEDI. Prêmio qualidade na Educação Infantil, 2004: projetos premiados. 
Brasília, 2005.
OSTETTO, L. E. e Leite, M. I. Arte, infância e formação de professores: autoria e 
transgressão. Campinas, SP: Papirus, 2004.
Nota:
 Professora da Faculdade de Educação - Universidade Federal 
Fluminense/UFF.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 28 .
PROGRAMA 3PROGRAMA 3
O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Patrícia Corsino 1Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os 
holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas 
moedas de ouro (...). Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar 
um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se 
a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de 
uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e 
enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Manoel de Barros
O poeta nos instiga a procurar os achadouros de infância. Tesouros que escondem a menina 
ou o menino que fomos e que permitem também olhar os meninos e as meninas que 
convivem diariamente conosco. O desafio é escavar no quintal, no pátio da escola, nos 
armários, nas mesas, nas caixas, nos brinquedos, nas brincadeiras, nos programas de TV, nos 
livros, nos CDs ou em qualquer outro esconderijo e achar o maior número possível de 
achadouros de infância para, a partir deles e com eles, poder pensar e planejar as ações 
pedagógicas.
Escolhemos esta imagem para iniciar a discussão sobre o planejamento pedagógico das 
classes de Educação Infantil e das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental de Nove 
Anos, por entender que a criança é o ponto de partida do trabalho e que a educação é uma 
possibilidade de ampliação das suas experiências emocional, corporal, cognitiva, sócio-
afetiva, sensorial etc. Partimos da compreensão de que, independentemente da idade e da 
origem social, étnica, cultural ou religiosa, toda criança é sujeito ativo e nas suas interações 
está o tempo todo significando e re-criando o mundo ao seu redor. No contato com a 
realidade, as crianças criam sentidos singulares e a aprendizagem é justamente esta 
possibilidade de atribuir sentido às suas experiências. Nesta perspectiva, planejar inclui 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 29 .
escutar a criança para poder desenhar uma ação que amplie as suas possibilidades de produzir 
significados. O que implica dar espaço para as diferentes falas e expressões da criança e, 
conseqüentemente, para o imprevisível.
O planejamento: características e dimensões 
Nas últimas décadas, os estudos e pesquisas, principalmente de Jean Piaget e de Lev 
Vygostsky, têm trazido para a educação as dimensões interativas, processuais e construtivas 
do desenvolvimento e da aprendizagem da criança. Não cabe neste texto discutir estas teorias, 
mas apenas apontar o quanto elas provocaram e provocam mudanças de paradigma na forma 
de conceber o desenvolvimento infantil e o próprio trabalho pedagógico. Assumir uma 
proposta construtivista de educação tem várias implicações. A começar pela compreensão de 
que o conhecimento é uma construção coletiva, que é na troca dos sentidos construídos, no 
diálogo e na valorização das diferentes vozes que circulam nos espaços de interação, que a 
aprendizagem vai se dando. Isto faz da sala de aula um lugar de confronto de diferentes 
pontos de vista – das crianças, do professor, dos livros e de outras fontes –, portanto, de troca, 
de produção e de apropriação de saberes. Professores e alunos, mesmo que de lugares 
diferentes, participam deste processo. 
E é do lugar de um sujeito mais experiente que o professor pode conhecer e acompanhar os 
processos das crianças, perceber como cada uma está aprendendo e se desenvolvendo. Isto 
direciona o foco do trabalho para a aprendizagem da criança e instiga o professor a se 
questionar: como ela aprende? Quais são as suas conquistas? Como posso organizar o 
trabalho para desafiá-la a ir adiante? Que perguntas e intervenções eu preciso formular para 
provocar reflexões e avanços no seu desenvolvimento? Como organizar o tempo e o espaço 
escolar de forma a ampliar as possibilidades socializadoras e criativas das crianças?
Desse modo, o planejamento passa a ter novas dimensões e características. Entre elas, 
podemos destacar algumas como: 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 30 .
1) O inacabamento – como afirma Geraldi (2003), a vida, concebida como acontecimento 
ético aberto, não comporta acabamento (p. 47). É na relação com o outro que podemos ver o 
que, do nosso ponto de observação, não é possível. E é no confronto de diferentes saberes e 
pontos de vista que o planejamento pode ir se completando e ganhando novos contornos. O 
planejamento não é algo solitário feito pelo professor. É uma construção que envolve a equipe 
pedagógica da escola e as crianças também. Cabe ao professor prever o que poderá ser 
desenvolvido, mas é na troca coletiva que ele vai se ajustando e se aproximando dos 
interesses e necessidades do grupo de crianças. 
2) A participação – o planejamento, quando coletivo e participativo, descentralizado do 
professor, passa a ser responsabilidade de todos, da elaboração e execução à avaliação. 
Envolver as crianças no planejamento das atividades do dia-a-dia e/ou de um projeto que será 
desenvolvido pela turma é importante pela possibilidade de as crianças pensarem juntas, 
fazerem escolhas, negociarem pontos de vistas, anteverem o que vão fazer etc. Todo este 
processo de participação, além de ser uma experiência coletiva interessante, possibilita um 
maior envolvimento no processo e, por isso mesmo, maior comprometimento com as 
propostas e com o próprio grupo. Ao se sentirem protagonistas do processo, autorizadas a 
discutir, opinar e a fazer escolhas, as crianças tornam-se co-autoras do trabalho. Neste sentido, 
é importante a apresentação das atividades para as crianças, seus objetivos didáticos, o tempo 
de duração, as expectativas, os resultados e a avaliação, isto faz com que elas se situem, 
dando clareza ao que terão que fazer, aos objetivos a serem alcançados, possibilitando a 
organização, a gestão do tempo e a auto-avaliação – elementos básicos para a construção da 
autonomia. 
3) A previsibilidade e a imprevisibilidade – o que se pode e o que não se pode antecipar em 
relação à aprendizagem das crianças? Quais são os pontos (conteúdos, objetivos, processos 
etc.) que necessitam de discussões em reuniões de planejamento da escola, do segmento e/ou 
da série? Que objetivos precisam ser alcançados por cada grupo e por cada criança, durante 
um determinado período? Que intervenções e encaminhamentos são necessários prever para 
que a aprendizagem ocorra? Que ajustes o planejamento precisa sofrer para atingir os 
objetivos? Estas e outras questões fazem parte de uma proposta pedagógica comprometida 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 31 .
com a aprendizagem das crianças. O planejamento é o lugar de reflexão do professor que, a 
partir de suas observações e registros, prevê ações, encaminhamentos e seqüências de 
atividades, organiza o tempo e o espaço, seleciona e disponibiliza materiais. Mas, ao partilhar 
com o grupo o previsível, se abre ao imprevisível. Nesta tensão entre o previsível e o 
imprevisível, cabe ao professor, como coordenador e organizador do processo, ficar atento às 
negociações, ao que ele pode ou não abrir mão, ao que precisa ser retomado, às necessidades 
do grupo e de cada criança individualmente. 
4) A continuidade e o encadeamento – o planejamento é uma forma de organizar o tempo 
didático. Pode-se lidar com as rotinas escolares preenchendo o tempo como se cada espaço 
e/ou áreas do conhecimento fossem recipientes isolados entre si, ou seja, seguindo um modelo 
disciplinar, fragmentado, ou pode-se também pensar o tempo e as propostas num duplo 
movimento, em que se entrecruzam: o processode interação horizontal, que abarca a 
interdisciplinaridade e/ou a articulação entre as áreas, e o processo de interação vertical, que 
encadeia e aprofunda processos, ampliando a possibilidade de apropriação de conhecimentos 
e conceitos. O que dá sentido ao cotidiano das crianças é justamente a possibilidade de 
estabelecerem relações, de participarem de processos que se inter-relacionam, em que uma 
atividade se desdobra em outra de forma integrada. Por exemplo, a escrita, os desenhos, as 
pinturas e as construções são formas de representar, de expressar e registrar algo que se viveu, 
observou, sentiu. Estes registros, por sua vez, quando socializados e discutidos, tornam-se 
mais um espaço de elaboração individual e de troca coletiva que levam a outras ampliações. 
Pensar os três momentos – vivência, representação e conversa/troca – como um todo que, por 
sua vez, também se inter-relaciona com outras atividades, faz muito mais sentido do que 
quando trabalhados isoladamente.
O planejamento e a organização do trabalho pedagógico
Muito se tem dito sobre a necessidade de o professor fazer registros do seu trabalho. Filmes, 
fotografias, álbuns, pequenas anotações, textos dos mais diferentes estilos, gêneros e extensão 
são recursos que muitos professores têm utilizado para registrar a experiência vivida com o 
grupo de alunos. O processo de registrar, porém, mais do que uma forma de capturar o 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 32 .
momento, funciona com um espaço de formação e de reflexão do professor sobre o trabalho 
realizado. Neste sentido, os registros, ao favorecerem o pensar sobre o que foi feito, podem 
ser um importante suporte para o planejamento. 
Cada professor vai ter sua forma de registrar. Cada proposta e seu objetivo suscitam registros 
diferentes e estes, por sua vez, também podem assumir diferentes funções. Assim é que, se 
observarmos um caderno de uma professora, podemos encontrar pequenos relatos, tabelas 
com anotações para acompanhamento de crianças em relação a uma atividade desenvolvida, 
tabelas de objetivos e seus desdobramentos, código de cores na lista de crianças, lembrando 
processos, lembretes, desabafos, fotos, folhas de trabalhos com anotações, folhas com 
desenhos e escritas de crianças e até mesmo longas narrativas. 
Todas estas anotações portam a dinâmica do processo pedagógico. A possibilidade de ler e de 
consultar os registros permite ao professor acompanhar os processos individuais e coletivos, 
dá elementos para ele se situar em relação ao que previu para a turma e para avaliar o que foi 
desenvolvido, promover reorientações, re-planejar, buscar novos procedimentos e estratégias 
para alcançar um objetivo. Com os registros, o acompanhamento do processo é estudado pelo 
professor, o que suscita questões como: o que tenho planejado tem contribuído para que as 
crianças avancem em seus saberes? O que preciso saber sobre o que as crianças sabem para 
reorientar o meu planejamento?
O planejamento se vale dos registros do que foi realizado, mas ele mesmo é um registro do 
que se projeta para um grupo de crianças, ao longo de um período de tempo. Desta forma, ele 
se desdobra em objetivos a serem alcançados em longo, médio e curto prazos. 
Cada escola se organiza da sua maneira, mas, geralmente, o planejamento em longo prazo 
costuma ser anual. É interessante que, anualmente, a equipe da escola discuta em conjunto os 
objetivos gerais a serem alcançados, em cada área do conhecimento, por cada turma, e os 
possíveis projetos a serem desenvolvidos institucionalmente. O trabalho de equipe permite a 
continuidade, a diversidade, a distribuição e a amplitude do que será desenvolvido por cada 
grupo. Embora a escola possa ter um currículo já traçado para as séries/anos, é importante se 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 33 .
ter um panorama dos projetos, interesses e conquistas anteriores de cada turma, para se definir 
os avanços e a abrangência que serão esperados para o ano em curso. As orientações 
curriculares de cada escola são referências importantes, que estruturam o trabalho prevendo 
ampliações e conquistas, tecendo um fio condutor entre as séries/anos, mas também abarcam 
as características anteriormente citadas, sendo, assim, dinâmicas e flexíveis.
Além de um plano anual, as escolas e os professores fazem planos semestrais, bimestrais, 
semanais e diários para organizar, distribuir, detalhar, desdobrar os objetivos das áreas em 
médio e em curto prazo. Cada uma destas distribuições de objetivos em períodos de tempo 
tem como funções a progressão e a continuidade de propostas e, sobretudo, o aprendizado das 
crianças. Elas apresentam não apenas os conteúdos selecionados para o período, mas também 
detalhamentos diferentes do fazer pedagógico. Assim é que um planejamento semanal, por 
exemplo, pode prever atividades que serão desenvolvidas para o coletivo, para um grupo 
específico ou para uma criança em especial, em função do que o professor observou em 
relação às conquistas e apropriações das crianças. Afinal, a prática é pensada a partir dos 
saberes das crianças e também para a ampliação dos saberes delas. Portanto, é uma prática 
reflexiva, em que o professor comprometido busca a articulação dos seus saberes para pensar 
a criança e propor situações desafiadoras, criativas, abertas e capazes de desencadear os 
avanços.
O compromisso do professor com a aprendizagem é firmado na dinâmica que ele imprime no 
cotidiano, quando os processos individuais e coletivos são acompanhados de perto, quando 
são pensadas diferentes formas de organizar o tempo, o espaço e os recursos para desenvolver 
as atividades.
O planejamento focado na aprendizagem das crianças prevê a organização de atividades 
diferenciadas – como os trabalhos diferenciados distribuídos em cantos da sala – para atender 
às diferenças, prevê também algumas atividades permanentes – como a hora do conto, o 
momento de jogos e brincadeira – que visam à socialização, à apropriação de práticas pelas 
crianças etc.; prevê outras atividades ocasionais – como passeios, visitas, filmes – e, ainda, 
atividades seqüenciadas para desencadear processos, desenvolver projetos etc. Seja 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 34 .
envolvendo a turma toda, pequenos grupos, duplas de trabalho ou as crianças 
individualmente, as atividades são pensadas tendo a aprendizagem como horizonte. 
Neste momento em que o Ensino Fundamental se amplia para nove anos de duração e passa a 
incluir as crianças de seis anos de idade, faz-se necessário repensar as práticas, reordenar o 
currículo, redistribuir os objetivos de cada área, redesenhar os espaços e tempos escolares, 
rever os planejamentos para que as crianças possam de fato ter ganhos significativos com 
mais um ano de escolaridade obrigatória. Não há dúvida de que o planejamento da prática 
pedagógica é um instrumento fundamental para se garantir uma prática reflexiva e o 
desenvolvimento de um trabalho comprometido com a aprendizagem da criança, ou seja, com 
a sua possibilidade de construir significados. 
É pelo comprometimento com o desenvolvimento integral da criança que se faz necessário 
sair, como o poeta, de enxada às costas a cavar nos quintais da vida os achadouros de 
infância, vestígios dos meninos que fomos nos meninos e meninas que diariamente estão 
conosco no cotidiano escolar. 
Sugestões de atividades 
Planejamento participativo
Organize um canto do quadro de giz para o planejamento diário. Institua na sua rotina o 
momento de elaborar o planejamento participativo, abrindo espaço para as crianças opinarem 
sobre a sua proposta e chegarem coletivamente ao que será feito no dia e como será feito. 
Registre com elas as atividades combinadas. Ao longo do dia, assinale o que for sendo feito e,no final, novamente na roda, coordene a avaliação do dia.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 35 .
Livro da vida 
Uma das atividades desenvolvidas por Freinet na escola era o livro da vida da turma. Isto é, o 
registro diário do que o grupo vivenciou, dos significados partilhados. O professor pode 
aproveitar a avaliação para fazer o registro no livro da vida. 
Questões para elaborar o planejamento:
O que eu quero que as crianças aprendam?
Que conhecimentos prévios elas têm sobre o tema/conteúdo?
Como posso organizar o trabalho de maneira a tornar o tema/conteúdo interessante para as 
crianças?
Que desdobramentos a atividade sugere?
Referências bibliográficas
BARROS. Manoel de. Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
GERALDI, João Wanderlei. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percursos 
bakhtinianos de construção ética e estética. Freitas, Souza e Kramer (orgs.) 
Ciências humanas e pesquisa: leitura de Mikail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 
2003, p.39-56.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 36 .
Sugestões de leitura para os professores
HELM & BENEKE (orgs.). O poder dos projetos: novas estratégias e soluções para 
a Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MEC/SEF. Prêmio Incentivo à Educação Fundamental 2004: experiências 
premiadas. Brasília: Ministério da Educação, 2005.
MEC/COEDI. Prêmio Qualidade na Educação Infantil, 2004: projetos premiados. 
Brasília, 2005.
Nota:
 Professora da Faculdade de Educação/Universidade Federal do Rio 
de Janeiro - UFRJ.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 37 .
PROGRAMA 4PROGRAMA 4
AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE 
ALFABETIZAÇÃO
Alice de La Roque Romeiro 1 
“(...) Nas aulas de poesia, Dona Maria caprichava. Abria o caderno, e não só lia poemas, 
mas escrevia fundo em nosso pensamento as idéias mais eternas. Ninguém suspirava, com 
medo da poesia ir embora: Olavo Bilac, Gabriela Mistral, Alvarenga Peixoto e “Toc, toc, 
tamanquinhos”. Outras vezes declamava poemas de um poeta chamado Anônimo. Ele 
escrevia sobre tudo, mas a professora não falava de onde vinha nem onde tinha nascido. E a 
poesia ficava mais indecifrável...” 
Bartolomeu Campos de Queirós
Como Bartolomeu Campos de Queirós, João Ubaldo Ribeiro (1995) e Rubem Alves (1999), 
dentre muitos outros autores consagrados, publicaram suas experiências infantis conduzidas 
por leitores de casa e da escola. A leitura dessas experiências nos leva a pensar que para 
formar verdadeiros usuários da língua escrita – um dos papéis da escola – é necessário que a 
criança tenha a oportunidade de ouvir textos de qualidade. Mas até que ponto nós, 
professores, damos a devida importância à nossa leitura em sala de aula? Que momentos da 
rotina escolar são escolhidos para essa atividade? Será que conseguimos ler pelo simples 
prazer da leitura, sem cobranças, um texto literário ou informativo que nos tenha chamado a 
atenção? Ora, levando-se em conta que o professor é, de certo modo, um modelo para os 
alunos, é possível afirmar que o entusiasmo pelas leituras selecionadas poderá, no mínimo, 
criar nos estudantes o gosto pela leitura e a vontade de conhecer outros textos e novos autores, 
além de possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens. E, ainda, a partir da 
prática de leitura constante, em voz alta, por um leitor competente, o aluno também pode:
• Aprender comportamentos de leitor;
• Ampliar a visão de mundo;
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 38 .
• Compreender e relacionar textos;
• Expandir o vocabulário;
• Obter informações sobre os assuntos lidos;
• Observar a entonação e modos de ler;
• Compreender o funcionamento comunicativo da escrita;
• Conhecer características dos diversos gêneros textuais;
• Apreciar o estilo de diferentes autores...
Por outro lado, ao escolher um momento especial dentro do planejamento diário para 
compartilhar um texto com os alunos, o professor estará mostrando o valor que essa atividade 
tem para ele.
Diante do que foi dito até então, os educadores poderão levantar a seguinte questão: “Mas 
para quais séries é importante ler?” Levando em consideração a zona de desenvolvimento 
proximal2 (Vygotsky, 1991), algumas práticas têm mostrado que se o professor sente a 
necessidade de desafiar as crianças para que cada vez mais avancem nas habilidades de 
leitura, deve haver um investimento em textos que os alunos ainda não conseguem ler 
sozinhos. Portanto, esse é um tipo de ação muito relevante nas séries/anos escolares iniciais 
(Educação Infantil e Ensino Fundamental). Paulo Freire (1987) relata uma experiência 
interessante vivenciada como mestre de um curso de pós-doutorado, nos Estados Unidos da 
América. Ele conta que, ao descobrir que o grupo de estudantes não tinha conhecimento 
suficiente para interagir com os livros da lista que sugerira, usou como estratégia começar por 
ler para e com os alunos. Como vemos, a prática de ler para os alunos pode se mostrar 
significativa para alunos de várias idades.
Por fim, evidências comprovam que leitores competentes de textos interessantes, 
provocadores da atenção e bem produzidos são imprescindíveis para se introduzir qualquer 
indivíduo no mundo letrado, atividade que deve estar presente no currículo e no planejamento 
de qualquer escola. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 39 .
Junto se aprende melhor
 Se considerarmos que não existem duas pessoas iguais, com a mesma maneira de agir, os 
mesmos conhecimentos, as mesmas reações diante do inusitado, como seria possível imaginar 
algum grupo homogêneo? Em se tratando da escola, sabemos que o início do ano letivo é 
sempre marcado pelo ingresso de inúmeras pessoas – não importa se do corpo docente ou 
discente – cada uma delas com sua própria história de vida. E não será o espaço escolar um 
lugar privilegiado para se criarem oportunidades de trocas, visando a avanços nos diferentes 
grupos tanto de professores quanto de alunos? Mas como fazer com que isso aconteça? 
Organizar a turma em grupos produtivos é uma aprendizagem – pode se constituir 
inicialmente em um desafio grande demais para os professores que nunca vivenciaram tal 
prática em sua vida escolar como estudantes. No entanto, para desenvolver essa possibilidade 
de trabalho, é necessário que ocorram, nas escolas, reuniões regulares de planejamento e 
avaliação do realizado, com a supervisão de um educador destinado a coordenar o grupo: um 
profissional que possa ouvir e compreender as angústias e dúvidas de seus colegas, colocar 
questões em discussão, compartilhar e recomendar leituras, promover sessões de vídeo, enfim, 
promover a aprendizagem compartilhada, trazendo novidades e propiciando trocas. É 
importante, portanto, que o professor tenha oportunidade de se ver como membro de um 
grupo, interagindo com seus pares. Assim, vivenciando a experiência concreta de partilha de 
saberes, textos, afetos, o professor poderá incentivar o mesmo em sua turma.
No caso da organização da turma, ao planejar uma atividade, o professor precisa levar em 
conta não só a própria atividade – os objetivos, o espaço disponível, o tempo de duração e o 
material a ser utilizado – como também o que o aluno já sabe sobre o conteúdo a ser 
trabalhado, além da definição de crianças que tenham possibilidade de viver uma melhor 
interação. Isso significa considerar aspectos cognitivos, afetivos e sociais, que 
recorrentemente são tratados nos cursos de formação. E são esses conhecimentos que vão 
determinar o momento e a natureza de cada intervenção do professor para que as crianças 
ampliem seus conhecimentos.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 40 .
Sugestão de atividades de leitura e escrita para as séries iniciais (Educação Infantile 
Ensino Fundamental):
1- Leitura de um texto previamente selecionado pelo professor. Turma disposta em roda ou 
de forma a poder apreciar melhor as ilustrações. Intervenções possíveis:
a) Se o portador de textos for um livro literário, solicitar que, observando a capa, os alunos 
pensem em possíveis títulos para o livro e apontem onde o mesmo está escrito. O professor 
pode organizar uma discussão, permitindo que falem primeiro aqueles que têm menos 
conhecimentos, deixando sua fala por último. Diante de uma leitura equivocada, pode, por 
exemplo, perguntar se o título começa mesmo com determinada letra. 
b) Estratégias semelhantes às do item anterior podem ser utilizadas na leitura e discussão de 
outros tipos de textos como, por exemplo, de uma notícia de jornal comentada pela turma. 
Nesse caso, fotos ou os próprios comentários sobre o acontecimento podem servir de 
pistas para a antecipação da manchete da notícia.
c) Durante a leitura ou no final dela, é interessante também dar espaço para que os alunos 
possam levantar questões e/ou fazer comentários sobre o texto, dando sua opinião quando 
acharem necessário.
2- Leitura para os colegas de um livro escolhido por cada grupo na biblioteca da sala ou da 
escola. Turma organizada em duplas ou trios em que haja um leitor fluente. 
O professor poderá permanecer junto a um dos grupos, para escutar a leitura e observar as 
discussões e questionamentos que porventura ocorram. Ou, no caso de ainda ser insuficiente o 
número de leitores já fluentes para todos os grupos, exercer este papel em um deles.
3- Escrita pelo professor, à vista das crianças, de um texto produzido oralmente pelos alunos.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 41 .
Enquanto os alunos ditam, as intervenções podem consistir em perguntas dirigidas à turma 
sobre como continuar o texto e/ou sobre a escrita de determinadas palavras e a pontuação.
4- Produção de texto baseada em reconto oral e escrito de histórias por grupos com papéis 
definidos: um aluno reconta uma história, enquanto outro escreve e um terceiro vai 
monitorando a escrita do texto.
5- Solução de adivinhas em duplas
Nesta atividade, pelo menos um dos alunos de duplas de crianças não alfabetizadas deverá ter 
conhecimento do valor sonoro de algumas letras. Para estas duplas será distribuída uma folha, 
como a do exemplo abaixo: 
Marque a resposta correspondente a cada adivinha:
O QUE É, O QUE É?
QUE ENTRA NA ÁGUA,
MAS NÃO SE MOLHA?
 SOPEIRA SOMBRA SOLEIRA
O QUE É, O QUE É?
QUE NÃO SE COME,
MAS É BOM PRA SE COMER?
 TEAR TESOURA TALHER
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 42 .
Observações:
 Depois de determinado que a dupla selecionará a resposta em conjunto, mas que a cada 
vez será um a marcar, o professor fará a leitura da adivinha, acompanhada pelos alunos, 
numa tentativa de ajustar o falado ao escrito. Nesse caso, a atividade será apenas de 
leitura, uma vez que os alunos, mesmo sem saberem ler, terão que fazer uso de estratégias 
de leitura3.
 As duplas compostas por já alfabetizados receberão uma folha com adivinhas, sem pistas, 
para lerem e escreverem as respostas, cada uma na sua vez. E a atividade passará a ser de 
leitura e de escrita, pois, além da utilização de estratégias de leitura, os alunos terão que 
pensar na maneira como vão escrever as palavras.
Possíveis intervenções:
Para as duplas ainda não alfabetizadas, uma boa intervenção consiste em solicitar a 
justificativa para as escolhas feitas pelos alunos. Já para as duplas alfabetizadas, as discussões 
fatalmente recairão sobre a ortografia.
Para finalizar, podemos considerar duas questões importantes no trabalho com a organização 
da turma em duplas e em grupos. Em primeiro lugar, não há condições de atender a todos no 
mesmo dia sendo, portanto, necessário pensar em prioridades e planejar rodízio para que 
ninguém seja deixado de lado. Em segundo lugar, nem sempre conseguimos formar grupos 
realmente produtivos. Daí ser fundamental uma avaliação constante, ao final de cada 
atividade, com participação ativa dos alunos. Porém, é possível afirmar que esse tipo de 
organização facilita o trabalho do professor no sentido de lidar com a heterogeneidade em 
uma turma real, além de todos os outros ganhos que a aprendizagem compartilhada pode 
trazer para o coletivo da turma, como comentado anteriormente.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 43 .
Referências bibliográficas
ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. Edições Loyola, 
São Paulo, 1999.
FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: 
Paz e Terra, 1987.
MEC, Secretaria de Ensino Fundamental. Módulo alfabetizar com textos. Brasília, 1999.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Ler, escrever e fazer conta de cabeça. Belo 
Horizonte: Miguilim, 1996.
RIBEIRO, João Ubaldo. Um brasileiro em Berlim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 
1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Sugestões de leitura para os professores
CARDOSO, Beatriz & EDNIR, Madza. Ler e escrever, muito prazer! São Paulo: Ática, 
1998.
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto 
Alegre: Artmed, 2002.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 
1998.
 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 44 .
Notas:
 Professora aposentada do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues 
da Silveira - CAP – UERJ. 
2 Segundo Vygotsky, zona de desenvolvimento proximal é a distância 
entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar 
através da solução independente de problemas e o nível de 
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de 
problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com 
companheiros mais capazes.
3 Segundo os Parâmetros em Ação de Alfabetização (1999), uma 
estratégia de leitura é um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar 
informação. Há estratégias de seleção, de antecipação, de inferência e 
de verificação, além da de decodificação, normalmente privilegiada 
pelos programas de alfabetização escolares. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 45 .
PROGRAMA 5PROGRAMA 5
PRÁTICAS DE LEITURA E DE ESCRITA
Eleonora Cretton Abílio 1
Margareth Silva de Mattos 2
Que a liberdade seja condenação apenas nos responsabiliza; a cada segundo somos o que 
escolhemos ser, ainda quando se finja o contrário. Que a leitura do mundo seja igualmente 
condenação igualmente nos responsabiliza; o mundo foi o que lemos dele, assim como o 
mundo é o que inscrevemos e escrevemos nele agora, com o nosso estilo, com o nosso pincel, 
com o nosso gesto. Gustavo Bernardo3
Desde que nascemos estamos condenados a ser leitores. Foi com palavras como estas que 
Bartolomeu Campos Queirós iniciou uma conferência para professores em 1999. E é também 
o que acontece com a menina Aurora e sua mãe, nesta passagem da obra Pena de ganso, uma 
narrativa ficcional para jovens de todas as idades que trata da temática da leitura e da escrita 
como algo inerente e necessário à vida desde que os seres humanos, com engenho e arte, 
inventaram a escrita.
A folhinha do Sagrado Coração de Jesus ficava pendurada na parede do corredor, entre a 
cozinha e a sala de jantar. [...] Ali ficavam estampadas as informações do calendário: o dia 
do mês, da semana, os santos que se comemoravam, as fases da lua, alguma receita ou 
lembrança de cuidado com a saúde, tudo isso escrito em preto, algumas das letras muito 
miúdas, outras maiores, os números que anunciavam os dias sempre bem grandes; em 
vermelho, se fosse domingo, feriado ou dia santo de guarda; em preto, se fosse dia de semana 
e sem comemoração importante.
[...] Antes do café da manhã,a família já esperando na mesa, o pai destacava a folhinha da 
véspera, lia as informações para o novo dia.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 46 .
A mãe não lia a folhinha, quer dizer, ela sabia os números, sabia o dia da maior parte dos 
santos, e só. Na hora em que Osvaldo lia a folhinha é que Estefânia determinava, então, se 
cortava as couves da horta hoje ou se esperava mais um ou dois dias, se a galinha ia pro 
choco dali a pouco ou na semana seguinte. Por que a mãe esperava a leitura da folhinha 
para fazer o que ela sabia fazer? Ela não sabia reconhecer a lua, não sabia o ponto das 
couves, a hora de começar o choco?
Aurora não conseguia entender, mas parece que aquela leitura dava à mãe alguma espécie 
de certeza ou de autorização que estava fora do alcance da compreensão dela. (Lacerda, 
2005, p. 33).
Duas mulheres – Aurora e sua mãe Estefânia – separadas por tempos distintos: uma que 
deseja ardentemente ler, escrever e freqüentar a escola como seus irmãos, no Brasil do início 
do século XX; a outra que aprendeu a ler os sinais do mundo, por meio de suas experiências 
cotidianas, primeiro na aldeia natal, em Trás-os-Montes/Portugal, e, mais tarde, no contexto 
urbano permeado pela escrita do país que a recebeu, sem nunca ter ido à escola. E é por essa 
razão que a pequena Aurora não conseguia compreender por que Estefânia precisava ouvir a 
leitura da folhinha, diariamente, para decidir sobre tarefas que estava acostumada a fazer 
todos os dias, já que sobre elas tinha pleno conhecimento e domínio a partir de sua própria 
experiência, o que seria denominado, segundo Paulo Freire, de saber-de-experiência-feito. 
Neste sentido, poderíamos dizer que Aurora ainda não tinha consciência de que a leitura do 
mundo antecede à leitura da palavra, sendo ambas tão importantes nos processos de aquisição 
da leitura e da escrita. 
Outra observação que o texto ficcional nos permite fazer refere-se à complexidade dos 
conhecimentos que as crianças vão desenvolvendo, ao levantarem suposições e expressarem 
os sentidos desejados.
Pensando na leitura e na escrita hoje, poderíamos dizer, conforme Magda Soares (2000), que 
o sujeito que aprende a ler e a escrever atua “com” e “sobre” a língua escrita, tentando 
compreender o sistema de escrita, levantando hipóteses, interagindo com o outro, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 47 .
argumentando com base na suposição das regularidades existentes nesse sistema, e 
submetendo à prova, tanto as hipóteses quanto as regularidades.
Em outra passagem, nossa personagem Aurora, ousando escrever, experimenta a entrada em 
um mundo novo e muito desejado. 
Uma hora em que ninguém está olhando, Aurora molha o dedo na tinta, ensaia um traço na 
superfície da mesa. Ela não sabe direito o que está acontecendo, mas experimenta uma 
sensação muito nova, um prazer que se estende da ponta do dedo ao alto da cabeça. 
(Lacerda, 2005, p. 22)
[...]
Ela não sabia escrever, mas, no dia em que a tinta de Péricles virou, o dedo dela 
escorregando sobre a mesa dizia: eu sou Aurora. Mas só ela sabia que o traço grosso e 
negro sobre a mesa dizia isso. Era preciso que as outras pessoas soubessem também... (id., 
ib., p. 35)
Tem razão Cecilia Goulart (1999), quando afirma que a dimensão maior da alfabetização está 
ligada aos conhecimentos filosóficos, científicos e artísticos, principalmente no âmbito da 
literatura, ou seja, àqueles conhecimentos diretamente relacionados à criação humana, à 
cultura construída pelo Homem, àquilo que nos humaniza.
Imprimir seu nome sobre a mesa, mostrar sua identidade, enfim, buscar um modo próprio de 
se relacionar com a vida e com sua humanidade: este é o desejo de Aurora. É imensa sua 
vontade de contar aos pais, aos irmãos, ir para a escola e interagir com outras crianças, ter sua 
pena de ganso, o tinteiro e o papel, e, caso isto não seja possível, ao menos a pedra e o pedaço 
de cal, que os irmãos usaram para aprender a escrever, como então se fazia.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 48 .
Observando o interesse de Aurora e de outras crianças pela escrita, depreendemos que elas 
desenvolvem e usam uma variedade de modos e recursos para interpretar e fazer sentido.
Que escrita é essa que Aurora e todas as crianças querem aprender na escola? Muito 
certamente a escrita como constituição do sentido, com as marcas do discurso social – para 
quem eu escrevo o que eu escrevo, como e por quê. Portanto, a escrita pressupõe sempre um 
interlocutor. Escrevemos para o outro, inclusive o “outro eu” (Smolka, 1989, p. 71).
Voltando às experiências de Aurora como leitora-ouvinte, estas se davam também quando lhe 
contavam histórias. Uma dessas histórias – Pele de asno4 – a marcou profundamente, 
enchendo a cabeça da menina de coisas que antes não estavam lá dentro... Sentia uma febre 
nas idéias... (p. 58). Esta “febre nas idéias” e estas “coisas que antes não estavam dentro” da 
cabeça de Aurora podem ser interpretadas como disposições afetivas e atitudinais até a 
compreensão e a produção de sentido para o texto lido/ouvido, abrangendo capacidades que 
habilitam a menina à participação ativa nas práticas sociais letradas e contribuem para o seu 
letramento. O que falta então a essa criança? Alfabetizar-se no sentido estrito da palavra: 
apreender o código, aprender o sistema de escrita.
Além disso, na experiência de formação do leitor, a literatura infantil se destaca porque, como 
discurso escrito, revela, registra e trabalha formas e normas do discurso social, conforme nos 
ensina Smolka. Se o discurso estético é privilegiado, a literatura também proporcionará ao 
leitor, além do conhecimento e do autoconhecimento, a possibilidade de jogo, de recreação, 
de recriação, de fruição e, ainda, o desenvolvimento da capacidade de produzir múltiplos 
sentidos (Mattos, 2002, p. 21).
Como a menina Aurora não podia ler ela mesma, dada a sua condição de não alfabetizada, 
suas oportunidades de viver a experiência de ser leitora estavam condicionadas a situações em 
que outras crianças, ou mesmo os adultos, lessem para ela. E eram essas situações que 
alimentavam, mais e mais, seu desejo intenso e crescente de aprender a ler e escrever.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 49 .
Não é por acaso que esse desejo é intensificado a partir do contato de Aurora com a leitura 
literária – a leitura de um conto de fadas que enseja descobertas, espantos, sobressaltos na 
menina e a faz tanto refletir sobre suas vivências cotidianas quanto ingressar num mundo de 
sonho e imaginação em que você pode sonhar uma árvore de pedra, porque conhece as 
árvores e as pedras, mas não conhecendo uma e outra, não tem como sonhar a mistura delas 
(Lacerda, 2005, p. 69).
As crianças, para se constituírem leitoras e experimentarem as infinitas capacidades de criar, 
imaginar e transformar a realidade em que estão inseridas, precisam viver situações em que 
assumam o papel de leitoras de textos literários ou não-literários, seja numa interação solitária 
com o texto escrito, em que a interlocução dela consigo mesma se estabelece, bem como dela 
com o escritor do texto que lê, seja numa interação com a voz de outras crianças ou de adultos 
que para ela contam histórias, dizem poemas, fazem relatos, descrevem lugares, lêem notícias, 
reportagens e informações variadas.
A nossa personagem Aurora, na história Pena de ganso, ressente-se e carrega um grande 
sofrimento que busca, de todas as formas, superar, por não lhe ser permitido freqüentar a 
escola. Tal ressentimento deve-se ao fato de ela saber, ainda que intuitivamente, que é nesse 
espaço de aprendizado da leitura e da escrita que se consuma o domínio de tais atos, 
passaporte para o ingresso num mundo de possibilidades na sociedadeletrada em que vive, 
bem como o que permite às pessoas estar aqui e em outro lugar, neste tempo e em outros 
tempos. A letra é um meio de transporte, tem a essência da viagem [...] (Lacerda, 2005, p. 
70).
Além da escola, é a biblioteca o espaço que, por excelência, constitui o repositório de livros e, 
eventualmente, de outros materiais de leitura. É ela que assegura a preservação e a guarda dos 
instrumentos que nos possibilitam essa "viagem" de que nos fala a criadora da personagem 
Aurora, alijada dos bens culturais produzidos socialmente e cuja trajetória nos faz refletir 
sobre o direito que todas as crianças têm de aprender a ler e escrever, condição sine qua non 
para o exercício da cidadania.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 50 .
Para isso, as crianças precisam não só ter contato com livros no espaço da sala de aula, como 
também visitar os lugares onde existe uma diversidade e uma variedade de publicações 
disponíveis para consulta e empréstimo dos usuários: as bibliotecas.
O repertório de leitura de uma pessoa amplia-se significativamente quando lhe é dado o 
acesso a diferentes espaços onde podem ser encontrados materiais impressos – salas de 
leitura, bibliotecas, livrarias, entre outros –, contendo textos de uma infinidade de gêneros – 
romances, contos, crônicas, textos de divulgação científica, poemas, relatos históricos, etc. – 
em diferentes e variados suportes – livros, jornais, revistas, Internet, só para citar os mais 
comuns e usuais. 
Para o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e de escrita com competência, deve-se, 
em primeiro lugar, compreender o fenômeno do letramento e as relações entre práticas orais e 
escritas de produção de texto. Tal competência implica, por parte da professora, o uso 
consciente da linguagem nas situações de interação como também sua inserção no universo da 
escrita letrada5 como objeto de estudo. Isto significa afirmar que as professoras devem 
fortalecer seus conhecimentos quanto ao que ensinam e quanto aos modos como ensinam.
Nas práticas de leitura e compreensão de textos em seus diferentes gêneros e suportes, é 
fundamental que a professora utilize estratégias diferentes para fazer perguntas sobre esses 
textos. É o caso, por exemplo, de um conto infantil e de uma manchete de jornal. O conto 
infantil pertence à cultura literária ficcional, que nos remete mais facilmente à multiplicidade 
de sentidos, à polissemia, e apresenta uma estrutura predominantemente narrativa. Já a 
manchete jornalística ocupa-se de documentar ações humanas, revelando um compromisso 
maior com a “verdade” da informação dos fatos, e sua estrutura é a do relato. Em outras 
palavras, escolher as perguntas sobre os textos e como fazê-las significa estarmos atuando na 
perspectiva do letramento das crianças.
Também é imprescindível às crianças que estão em processo de construção da leitura e da 
escrita terem contato e conhecerem outros espaços além de sua própria escola, como museus, 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 51 .
centros culturais, fábricas, laboratórios, entre muitos outros que reúnem acervos diferenciados 
e encerram os saberes produzidos e acumulados pela humanidade.
A título de ilustração, pensemos no quanto seria importante e enriquecedor, para uma turma 
de alunos que estivesse estudando a História do Brasil Colônia, e freqüentasse uma escola no 
município do Rio de Janeiro, ou em outro município relativamente próximo, fazer um passeio 
por certos logradouros do Centro do Rio de Janeiro, a fim de observar os prédios em seus 
diferentes estilos – o conjunto arquitetônico do Paço Imperial, do prédio da Santa Casa de 
Misericórdia, das igrejas como Nossa Senhora de Bonsucesso e do Mosteiro de São Bento, do 
Arco do Teles – reveladores de todo um processo histórico, artístico e urbanístico. Lugares 
por meio dos quais é possível ler a história cultural, política, social, religiosa, de um tempo 
passado que se perpetua no presente.
Assim, a História do Brasil, lida e ouvida pelos alunos em sala de aula, ganha o espaço da 
cidade em suas múltiplas linguagens, ensejando a leitura de mundo aliada à leitura da palavra.
Imaginemos uma outra situação. Uma professora, que havia contado a história da Galinha 
Ruiva6 a seus alunos – história em que a galinha chama vários animais, um de cada vez, para 
plantar e colher o trigo, debulhar a espiga, moer os grãos, cozer o pão. A cada pedido, 
nenhum deles quer ajudar, e ela prossegue sozinha, até o momento em que – pronto o pão – 
todos aparecem para comer (Lacerda, 2005, p. 126) –, conversa com eles sobre o narrado, 
ouve-os e provoca-os para o debate. A partir desse diálogo, a professora apresenta outra 
questão à turma: como homens e mulheres produzem seu próprio alimento? Os alunos 
manifestam-se dando exemplos, levantando hipóteses, lendo textos sobre a classificação dos 
alimentos, criando cardápios a partir do estudo sobre os diferentes tipos de alimentos. Por fim, 
decidem realizar uma pesquisa com profissionais que trabalham na padaria de seu bairro. 
Acompanhados e orientados pela professora, fazem uma visita a essa padaria para que possam 
realizar as entrevistas, bem como compreender e registrar como se produzem os diferentes 
gêneros alimentícios ali comercializados, como eles são acondicionados, qual é seu prazo de 
validade, como se dá a divisão das diferentes tarefas entre os empregados. 
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 52 .
Ao relatar tais situações hipotéticas, queremos reiterar que o desenvolvimento das habilidades 
de leitura e de escrita não se circunscreve ao espaço escolar. Tal desenvolvimento deve 
ultrapassar a sala de aula e ganhar outros espaços tão legítimos e importantes quanto aquele.
Estabelecendo-se a interlocução entre diferentes vozes e sujeitos discursivos – alunos, 
professores, escritores, bibliotecários, museólogos, operários – é que se concretiza, portanto, a 
leitura como experiência, de que nos fala Sônia Kramer, pelo fato de se poder entrar nessa 
corrente em que a leitura é partilhada e, tanto quem lê, quanto quem propiciou a leitura ao 
escrever, aprendem, crescem, são desafiados (2000, p. 108).
Referências bibliográficas
BERNARDO, Gustavo. Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, 
Elizabeth D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132.
GOULART, Cecilia M. Uma reflexão sobre a prática da alfabetização. Rio de Janeiro: 
Folha PROLER n. 9, Casa da Leitura / FBN, setembro de 1999, p. 7-8.
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita como experiência – notas sobre seu papel na 
formação. In: ZACCUR, Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: 
DP&A: SEPE, 1999.
LACERDA, Nilma. Pena de Ganso Ilustrado por Rui de Oliveira. São Paulo: DCL, 
2005.
MATTOS, Margareth S. de. Informação e ficção na literatura infanto-juvenil: reflexões 
sobre a leitura no Brasil. Dissertação (mestrado em Letras). Niterói: 
Universidade Federal Fluminense, 2002.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 53 .
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização 
como processo discursivo. 2. ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da 
UNICAMP, 1989.
SOARES, Magda Becker. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR, 
Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999.
Sugestões de leitura para os professores
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de 
Janeiro: Objetiva, 2002.
 PAIVA, Aparecida e outros (orgs.). No fim do século: a diversidade - o jogo do livro 
infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
 ZILBERMAN, Regina.Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de 
Janeiro: Objetiva, 2005.
Notas:
 PROALE – Programa de Alfabetizaçãoe Leitura/Universidade Federal 
Fluminense.
2 PROALE - Programa de Alfabetização e Leitura/Universidade Federal 
Fluminense.
3 Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, Elizabeth 
D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132.
4 Conto de fadas popularizado pela versão de Charles Perrault, que 
publicou contos populares na França do século XVII.
5 Kleiman, A.B. Formação do professor: retrospectivas e perspectivas 
na pesquisa. In: _____ (org.). A formação do professor: perspectivas da 
lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001.
6 Conto popular que pode ser lido em uma versão escrita por Verônica 
S. Hutchinson, com tradução de Vera Braga Nunes, no volume 3 da 
coleção O mundo da criança, uma publicação da Editora Delta, Rio de 
Janeiro.
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 54 .
Presidente da República
Luís Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Ronaldo Mota
MEC/SEED/TV ESCOLA
SALTO PARA O FUTURO
Diretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância
Carmen Moreira de Castro Neves
Coordenadora Geral de Produção e Programação
Viviane de Paula Viana
Coordenadora de Educação Básica 
Angela Martins
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Coordenadoras de Utilização e Avaliação 
Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão 
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa 
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Cecilia Goulart
Email: salto@tvebrasil.com.br
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
Av. Gomes Freire, 474, sala 105. Centro.
CEP: 20231-011 – Rio de Janeiro (RJ)
Junho 2006
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 55 .

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