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SUMÁRIOSUMÁRIO PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................................................................................... 03 LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA Cecilia Goulart PGM 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA ................................................................ 11 A escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagem da escrita Helenice Aparecida Bastos Rocha PGM 2 SABERES QUE PRODUZEM SABERES ..................................................................................... 20 Angela Meyer Borba PGM 3 O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................ 29 Patrícia Corsino PGM 4 AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ...... 38 Alice de La Roque Romeiro PGM 5 PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E DE ESCRITA.................................................................. 46 Eleonora Cretton Abílio e Margareth Silva de Mattos LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 2 . PROPOSTA PEDAGÓGICAPROPOSTA PEDAGÓGICA LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA Cecilia Goulart 1 A prática pedagógica cotidiana das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental desafia os professores de várias maneiras. Na perspectiva de promover a educação escolar como prática democrática, trabalhamos para a formação de cidadãos críticos e criativos. A caminhada se faz cheia de perguntas, que procuramos responder por meio do que aprendemos: em nossos processos de formação; na vida cotidiana; em nossas experiências como alunos e, depois, como professores; e também no encontro com as crianças, nas classes escolares. Como trabalhar de modo que as crianças: * tenham desejo de aprender a ler e a escrever; * interessem-se pelos temas que a escola privilegia; * participem do processo de ensinar e aprender; * aprendam de modo significativo; e * partilhem conhecimentos? O objetivo principal de um projeto pedagógico é fazer com que a escola tenha sentido para as crianças, para que sejam cumpridas suas funções sociais mais importantes: ensinar e aprender. O papel do professor é fundamental nessa direção, atuando para que, tanto as crianças quanto as famílias, participem de forma ativa e interativa do processo escolar. O professor é o regente da “orquestra”, profissionalizou-se para definir caminhos político-pedagógicos que garantam condições para a aprendizagem das crianças. Estes caminhos incluem a clareza sobre a função LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 3 . social da escola, concepções de educação escolar, de ensino-aprendizagem, de infância, de modos de aprender, entre outras. Estas concepções são básicas para a seleção de conteúdos, definição de metodologias e métodos de trabalho, organização dos espaços e dos tempos da escola, organização de turmas, de tipos de atividades, além da definição de rotinas e de propostas didáticas. Sabemos que todas estas questões e fatores têm influência nos modos de ensinar e de aprender. Para ilustrar brevemente o que foi abordado no parágrafo acima, lembramos uma reflexão recorrente de professoras alfabetizadoras, desde meados da década de 80 do século passado, possibilitada pelo avanço de estudos na área. Começamos a observar que as crianças, principalmente as de classes populares, tinham dificuldade de superar os padrões de texto acartilhado, mesmo que já tivessem se apropriado do princípio alfabético da escrita e conhecessem a representação das relações entre sons e letras. Como as crianças superariam aqueles padrões, se os textos que liam na escola tinham aquele formato? Se em suas casas materiais escritos circulavam pouco, tanto para leitura quanto para a escrita? O resultado daquele trabalho alfabetizador dificilmente seria diferente de A menina mima a boneca. A boneca é boba. Mimi é um gato mimoso, e de outras escritas semelhantes. Assim como a questão abordada no parágrafo acima, muitas outras vêm sendo revisadas por nós. Se trabalhamos para a formação de sujeitos críticos, inventivos e comprometidos socialmente, precisamos superar o modelo de escola que vive de atividades caracterizadas por repetições e padronizações rígidas, desenvolvendo nas crianças e nos jovens a curiosidade, a solidariedade e a afetividade. A turbulência do mundo nos leva também a criar condições para a constituição de pessoas capazes de suportar inquietações e incertezas. Desse modo, a convivência e o trabalho com a diversidade, com textos para leitura de múltiplas origens (literários, científicos, filosóficos, entre outros) e com outras formas de expressão, além da linguagem verbal, podem contribuir muito. O mundo é plural e tenso e pode ser conhecido e apreendido de diferentes formas. Temos percebido a importância de ler para as crianças, para que elas aprendam, além da escrita das palavras, novas maneiras de compreender a realidade e os modos como a LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 4 . linguagem escrita se organiza – escrever é diferente de falar. Mesmo crianças muito pequenas, antes de estarem alfabetizadas, podem ser provocadas a ditar textos para que a professora escreva: um bilhete para casa, uma mensagem de amor, uma lista de material necessário para alguma atividade, uma história inventada. Vendo a professora escrevendo, vão se apercebendo de seus conhecimentos, de suas dúvidas, e também vão observando e aprendendo as diferenças entre oralidade e escrita, o modo como a escrita se organiza no papel, as marcas próprias aos diferentes gêneros textuais, etc. Essas atividades são, de certo modo, comuns em casas de pessoas letradas. Mas sabemos que nem todas as crianças vivenciam esses momentos. Estes aspectos da aprendizagem da língua escrita vêm-se associando à noção de letramento. Esta noção tem contribuído para contextualizar o processo de alfabetização de um modo mais amplo, social e politicamente. O conhecimento que temos hoje sobre características do espaço escolar, processos de ensino- aprendizagem, alfabetização, e outros, nos encaminha para dar atenção a muitos aspectos que também fazem parte do processo de alfabetizar. Sem dúvida o conhecimento das relações entre sons e letras, de diferentes padrões silábicos, de uso de letra maiúscula, tão enfatizado há alguns anos, continua sendo relevante. A questão é como tratar os conteúdos de modo a promover aprendizagens significativas. Os conteúdos não podem ser considerados como fins em si mesmos, mas elementos que propiciam a compreensão de aspectos de conhecimentos ligados a realidades mais amplas. O processo de ensino-aprendizagem da língua escrita, historicamente, tem sido marcado por uma preocupação grande com o que vamos chamar de microaspectos da linguagem escrita, isto é, com a relação fonema-grafema, com o desenho/caligrafia das letras e com aspectos ortográficos da escrita, contextualizados por uma visão estrutural da língua. Nesta visão se destacam exercícios para separação de sílabas, para substituição de letras e sílabas na formação de novas palavras e mesmo frases, entre outros, voltados principalmente para o treino ortográfico e para estudos gramaticais de cunho normativista, como número e gênero de substantivos; grau de adjetivos; o uso de formas verbais, no singular e no plural, no presente, pretérito e futuro. Os microaspectos de um modo geral também são contextualizados LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 5 . pela crença de que a escrita é a fala por escrito, o que pode acarretar uma série de equívocos metodológicos. Da forma como entendemos, a noção de letramento ganha relevância na relação com o processo de alfabetização, principalmente, porque dá destaque (1) aos usos e funções sociais da linguagem escrita; (2) ao atravessamento da linguagemescrita na fala de quem é letrado; (3) aos modos como instituições, objetos, situações, procedimentos, de vários tipos, estão impregnados das marcas da escrita e de seus valores sociais. Conceber a alfabetização na dimensão do letramento possibilita aliar os microaspectos, comentados anteriormente, com macroaspectos, relacionados com o conhecimento da organização sintático-discursiva dos textos; conhecimento de instituições, atividades e situações sociais que são marcadas pela linguagem escrita em diferentes esferas sociais de conhecimento; de tipos de texto e de suas particularidades e usos, entre outros aspectos. A aliança entre os microaspectos e os macroaspectos do processo de aprendizagem da linguagem escrita vem recentemente merecendo a atenção de pesquisadores e professores, já que se observa uma tendência para se privilegiarem ora alguns aspectos, ora outros. De uma forma e de outra, conhecimentos importantes para a aprendizagem da escrita são deixados de lado. Segundo Soares (2004), os processos de alfabetização e de letramento, embora processos distintos, são interdependentes e indissociáveis. Assim, entendemos que os micro e os macroaspectos devam ser trabalhados de modo inter-relacionado, já que ambos têm papéis fundamentais na produção de sentido na leitura e na produção textual – uns não vivem sem os outros. O objetivo desta série é discutir aspectos da prática pedagógica de ensinar a ler e a escrever, a partir de uma série de programas editados em vídeo, intitulada Letra Viva, produzida pela TV PUC de São Paulo, realizada e veiculada pela TV Escola/SEED/MEC. Alguns temas se destacaram e vão merecer uma discussão mais cuidada em relação ao ensino e à aprendizagem da linguagem escrita na escola: a relação entre alfabetização e letramento; o papel fundamental do professor; o planejamento da prática pedagógica; metodologias de trabalho; diferentes modos de organização das crianças; o ambiente da sala de aula; a LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 6 . diversidade social; o papel da oralidade; os conhecimentos que as crianças levam para a escola; práticas de leitura e práticas de escrita. Planejar e organizar o trabalho pedagógico na escola e nas salas de aula se revela como algo nada trivial. A compreensão das funções sociais da escola e o papel político do professor nesse contexto precisam ser continuamente discutidos. Hoje, na primeira década do século XXI, se olharmos para trás, veremos mudanças sociais de muitos tipos que contextualizam o ser humano de modo diferente daquele que existia há cem, ou mesmo há cinqüenta anos. A sociedade se mostra complexa de muitos modos, pelos novos conhecimentos e novas tecnologias, novos modos de produção, novas formas de viver no mundo, de se relacionar, de aprender, de brincar e também de ensinar. Não podemos desconhecer essas mudanças, mantendo propostas pedagógicas atemporais, e desejando resultados diferentes. A complexidade social se explicita de várias maneiras, desde uma simples saída à rua para fazer consultas num banco ou num mercado, até novas questões que se impõem na educação de filhos, no casamento, no trabalho e, conseqüentemente, nas lutas por mudanças que dêem conta de transformações culturais de muitos tipos. A atenção a aspectos culturais e sociais recebe, hoje, muito mais ênfase do que recebia há tempos, na medida em que obtivemos respostas para algumas de nossas perguntas por essas vias. Muitos temas, histórias e fatos entram na escola, trazidos não só por professores, mas também por alunos, mobilizando debates e, às vezes, situações difíceis que precisamos enfrentar. No dia-a-dia, as atividades que planejamos podem nos levar a reações e conversas que sequer imaginamos quando as concebemos. Então, a prática pedagógica cotidiana precisa ser orientada por princípios e objetivos pedagógicos claros, em que a previsibilidade e também a imprevisibilidade estejam presentes, porque lidamos com seres humanos concretos, cultural e historicamente situados. Seres humanos que têm história, casos, que têm especificidades, que estabelecem determinadas relações e têm determinados conhecimentos que algumas vezes soam completamente estranhos para nós. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 7 . É no contexto de grande diversidade cultural e de muitos conhecimentos que, com base em nossas intenções e princípios, tomamos decisões pedagógicas, estabelecemos prioridades, definimos o rumo que o trabalho de sala de aula terá, considerando onde queremos chegar. O nosso propósito na presente série é, junto com equipes pedagógicas e professores das classes de Educação Infantil e das primeiras séries/anos escolares do Ensino Fundamental de nove anos, discutir caminhos pedagógicos para a construção de práticas cotidianas significativas para que as crianças possam aprender mais e melhor na escola e continuar aprendendo pela vida afora. Temas que serão abordados na série Letra Viva: práticas de leitura e escrita, que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 19 a 23 de junho de 2006: PGM 1 – Alfabetização e letramento na escola A escola, um espaço a conhecer. A diversidade de realidades na escola e na aula. A relação entre a oralidade e a escrita: a escrita como uma "nova" forma de linguagem. A aprendizagem da leitura e da escrita no conjunto das práticas escolares de linguagem: projetos, rodas de leitura e escrita, atividades, debates e conversas. Os processos de alfabetização e de letramento na escola e a participação dos responsáveis pelos alunos. PGM 2 – Saberes que produzem saberes A relação entre os saberes das crianças com outros saberes. As brincadeiras, as músicas e as histórias que as crianças conhecem como ponto de partida para novas aprendizagens. O ambiente de letramento na sala de aula. A escrita: importante na escola porque importante fora da escola, na vida. A importância do registro dos saberes das crianças para o planejamento e o desenvolvimento da prática pedagógica. As diferentes formas de expressão LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 8 . escrita: a poesia, a biografia, os contos tradicionais, as parlendas. O trabalho com outras formas de expressão: a dança, o teatro, a música, as artes visuais e as artes plásticas. PGM 3 – O planejamento da prática pedagógica As transformações na orientação da prática pedagógica e novos modos de conceber o planejamento. O planejamento coletivo e participativo. A aprendizagem como norte e os saberes das crianças como ponto de partida. A organização do trabalho – anual, semestral, semanal e diária. A organização de atividades diferenciadas: ocasionais, seqüenciadas, permanentes. O planejamento e a seleção de atividades e seus objetivos na perspectiva da aprendizagem. A importância da apresentação de cada atividade para os alunos, seus objetivos didáticos, o tempo de duração, as expectativas, os resultados e a avaliação. A avaliação contínua do planejado: reflexões e mudanças. As várias formas de registro do trabalho pelo professor e a sua relevância. A responsabilidade política do professor pelos processos de aprender e ensinar. PGM 4 – Ações, interações e intervenções no processo de alfabetização A leitura do professor como ação fundamental para a aprendizagem da leitura e da escrita. Junto se aprende melhor: trabalhos em parceria entre crianças e a importância das trocas entre professores. Como organizar as duplas e os grupos produtivos. Leitura e produção de textos em grupos e em duplas. A socialização e a partilha de experiências em grupo. Conhecendo e aprendendo com o outro. O conhecimento pela professora do que as crianças sabem ea natureza das necessárias intervenções. PGM 5 – Práticas sociais de leitura e de escrita A entrada no mundo da escrita: aprender a ler, lendo. Leitura e escrita como processos de construção. Práticas de leitura e formação do leitor. A leitura compartilhada: leituras dos professores e de outros adultos para as crianças e leituras das próprias crianças. A experiência LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 9 . de ser leitor. A biblioteca, o espaço de leitura na sala de aula, o texto em seus diferentes gêneros. Leitura e escrita na vida e na escola. Os diversos espaços sociais de leitura e escrita. Práticas sociais de leitura e de escrita de diferentes textos socialmente referenciados. Referências bibliográficas: SOARES, M. (2004) Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, p. 5-17. Nota: Professora da Faculdade de Educação/Universidade Federal Fluminense. Consultora desta série. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 10 . PROGRAMA 1PROGRAMA 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA ESCOLA A escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagemA escola, um espaço a conhecer: a diversidade e a aprendizagem da escritada escrita Helenice Aparecida Bastos Rocha 1 “A primeira lição. Ainda que viva cem, mil anos, não esquecerei o primeiro dia de aula, a primeira escola a que meu pai me levou, não sei se com orgulho de mim ou medo que eu desse vexame, abrindo uma choradeira ou tentando fugir – que era o que eu pretendia. Não compreendia o que se passava. Sabia que outros meninos de minha rua e de minha família, em determinado momento, iam para a escola, em um pacto misterioso entre os pais e os professores(...).” Carlos Heitor Cony A escola é apenas “um” espaço? Viajando por nosso país, ou vendo fotografias de escolas de todo o mundo, percebemos que as escolas são muitas. Pobres ou ricas, pequenas ou grandes. Com mobiliário precário ou moderno, com as paredes nuas ou cheias de mensagens, com recursos didáticos rudimentares ou mais sofisticados, as escolas estão dizendo muito mais do que pode parecer a nós, professores, e aos alunos que ali realizam suas práticas de aprender e ensinar. Nessa diversidade, poucas escolas parecem ter sido feitas para alunos de carne, osso, sentimento e história. Levando-se em conta que eles vão passar ali tantas horas, dias e até meses, ao longo de um ano escolar, é necessário que tais espaços sejam mais acolhedores. Entre os aspectos de acolhimento do aluno, está a interação que o professor vai estabelecer com ele e entre ele e o conhecimento, principalmente a escrita. Aí está algo que pode fazer uma importante diferença no destino escolar das crianças que chegam a esse espaço. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 11 . Será que, por vivermos na escola desde nossa infância, como alunos, esquecemos de sua complexidade? Muitos de nós nos sentimos como em nosso espaço natural. Entretanto, os iniciantes que ali chegam são atingidos diretamente em sua sensibilidade pela mensagem que o conjunto formado pela arquitetura, mobiliário, o escrito distribuído no espaço e as regras vigentes transmitem da escola. Nessa chegada, de acordo com aquilo que seus pais ou responsáveis lhes tiverem transmitido sobre o lugar, os alunos estarão receptivos ou arredios, alegres ou assustados. Além de um espaço físico e simbólico, que organiza outros espaços dentro de si, como por exemplo, a sala de aula, a escola é um lugar de tempo regulado. Assim, o horário de entrar e sair, o horário de recreio, a hora em que é permitido conversar ou não, o tempo de fazer as atividades vão criando no professor e no aluno um modo regulado de encarar as atividades escolares. Essa regulação também orienta a rotina da aula. Quando nós iniciamos a aula seguindo o mesmo roteiro, fazemos atividades semelhantes a cada dia, orientamos os alunos a fazerem essas atividades do mesmo jeito, estamos ensinando uma forma rotinizada de se relacionar com o conhecimento. Essa forma de organização da aula funciona bem, e nos parece a correta. Mas será a única válida? A rotina da aula é um dos fatores para a organização da aula na escola. O cuidado que precisamos ter com ela, como na vida cotidiana, é que a rotina não nos deixe perder de vista os sentidos possíveis para se estar ali: conhecer, ensinar e aprender a ler e escrever, entre outras aprendizagens possíveis. A partir disso, a dimensão de prazer e de desafio na relação com o conhecimento pode instigar professores e alunos de forma continuada, no espaço da escola e da sala de aula, com toda a sua diversidade. As relações entre a oralidade e a escrita: a escrita como uma “nova” forma de linguagem Durante muitos séculos, a humanidade se comunicou principalmente pela oralidade. Muitas sociedades ainda hoje têm na oralidade sua fonte principal de comunicação. Tal forma de linguagem se mostra suficiente para elas, como se mostrava para outros diferentes povos que LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 12 . habitavam nosso planeta há muito tempo. Eis que, para alguns desses povos, por razões de Estado, por causa da religião ou da necessidade dos cidadãos de registrar as leis que os protegiam, foram criados desenhos que significavam a fala ou os seres do mundo: símbolos e letras. Durante a Antigüidade, poucas pessoas escreviam, e quando o faziam, era por motivos específicos, como a escrita das leis, o registro de estoques de alimentos do reino, ou a correspondência real. Poucas obras religiosas, literárias ou filosóficas circulavam entre pessoas de classes privilegiadas. Alguns poucos liam entre si e, se fosse o caso, liam para outros. Essa circulação restrita definiu duas características da própria escrita e de seus praticantes: a forma da escrita foi se organizando aos poucos e, como sua circulação ocorria apenas entre um pequeno público leitor, não havia necessidade de que fosse muito estruturada. Do mesmo modo, não havia a necessidade de que a escrita fosse difundida por não ser um ideal para todos, como é hoje. Dessa forma, podemos dizer que a escrita surgiu e se estruturou relativamente há pouco tempo na história das sociedades e que, mesmo nesse curto período de tempo, serviu a poucas pessoas, de esferas ou classes sociais bem definidas e privilegiadas. Só mais recentemente, a partir da Idade Moderna, com os ideais iluministas de divulgação do conhecimento existente nos livros, é que se tornou uma aspiração comum, e até uma necessidade, que todos se tornassem letrados. Esse processo de divulgação das letras tem mais ou menos duzentos anos e em nosso país é ainda mais recente. A partir dessa compreensão, é possível registrar dois fenômenos: durante sua curta existência, a escrita distanciou-se da fala, constituindo uma forma diferente de linguagem. E, ao longo do tempo, as pessoas de pequenos grupos de classes privilegiadas dominaram com mais facilidade essas diferenças, pois foram esses mesmos grupos que criaram tais mudanças entre a fala e a escrita. Um exemplo de diferença entre a fala e a escrita é que a fala ocorre no espaço físico, por propagação sonora no ar. Ela é simultânea à audição e se esgota ao terminar de ser LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 13 . pronunciada, a não ser no caso de gravação da fala. Já a escrita é produzida no papel ou em outra superfície tangível, distribuindo-se em direções preestabelecidas e permanecendo ali para posteriores leituras. Na escrita ocidental, de cima para baixo, da esquerda para a direita. Além dessa característica geral, relativa à direção da escrita e da leitura, há aquelas relativasaos gêneros em que essa escrita ocorre: em forma de listas, de textos com títulos e escritos em parágrafos, de textos com imagens legendadas ou com notas de rodapé. É lugar comum que a criança que entra na escola precisa aprender o valor sonoro das letras, ou seja, a relação fonema-grafema, como tradicionalmente se pretende no processo da alfabetização. Isso se dá com a utilização de diferentes metodologias e, inclusive, utilizando a abordagem psicogenética, denominada correntemente de construtivista. Acontece que a ênfase unicamente nesse aspecto tende a reforçar na criança sua hipótese de que a escrita é a fala por escrito. Como vimos no parágrafo anterior, a escrita é mais do que isso. Para mudar essa hipótese, nossos alunos precisarão aprender o que torna a escrita diferente da fala. A aprendizagem da leitura e da escrita no conjunto das práticas escolares de linguagem: rodas de leitura e escrita, projetos, atividades, debates e conversas Muitas práticas têm sido realizadas na busca de juntar o ensino-aprendizagem dos aspectos relacionados à relação letra-som e os aspectos da escrita como objeto que se organizou na história e na cultura humana. Veremos algumas dessas possibilidades a seguir. A roda de leitura e escrita de textos recupera e integra a roda de conversa ancestral em torno da fogueira e também a rodinha de novidades da Educação Infantil. Inicialmente, a leitura ou escrita pode ser feita principalmente pelo professor e acompanhada pelos alunos, para que eles descubram que esses textos podem nos propiciar mais do que a fala, em algumas situações. Um exemplo do que é específico da escrita está na remissão. Quando, em um texto, remetemos o leitor a um parágrafo anterior, ou a uma nota de rodapé, se ele tiver dúvidas sobre o que foi dito, pode ler esse parágrafo ou a nota. Para isso, o conhecimento sobre a organização espacial desses escritos precisa ser um conhecimento compartilhado pelo escritor e leitor, e é produzido nas práticas de leitura e na escolarização. Esse exemplo mostra que, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 14 . entre as relações possíveis na leitura, também estão a estruturação das idéias em parágrafos, notas de rodapé e tantas outras codificações, e não apenas a relação entre letras e sons. O exemplo contrário também é possível. A oralidade funciona em situações e condições que suplantam a escrita em diversos aspectos. Por conta disso, é necessário reconhecer onde a linguagem oral ou a escrita se mostra mais interessante para a comunicação. Nossa experiência de praticantes da linguagem pode nos ajudar a selecionar as atividades mais adequadas em uma ou outra modalidade, conforme veremos a seguir, no caso de um projeto de elaboração de receitas. Projetos temáticos resgatam o contexto de produção da leitura e da escrita, bem como da oralidade. Mas o que é um projeto? Sua característica principal é a de ser uma situação de ensino com um objetivo compartilhado por todos os envolvidos para se chegar a um produto final, em função do qual todos trabalham. Assim, o primeiro passo de um projeto pode ser o professor propor ou perceber a emergência de um tema que se mostra produtivo na turma. Isto porque os projetos permitem associar propósitos comunicativos e didáticos, dispor do tempo didático de forma flexível, pois sua duração corresponde ao tempo necessário para se alcançar um objetivo: pode durar dias ou alguns meses. Sua execução envolve planejamento, previsão, divisão de responsabilidades, desenvolvimento de capacidades e procedimentos específicos. O projeto é um processo de elaboração coletiva das crianças com seu professor ou professora. Seu sentido é o de um compromisso constante pela construção de certezas compartilhadas e pela discussão de incertezas que permitirão a todos compreender o texto e o conhecimento relacionado a ele. Tais características do trabalho com projetos tornam tal trabalho pautado na conversa e no debate sobre os temas em estudo. Vejamos o exemplo de um projeto em que há a escrita de receitas, para a criação de um livro. Quando trazemos receitas para a escola, didatizando-as, antes ou juntamente com o trabalho de sua escrita, podemos explorar seu aspecto de texto oral na comunicação entre as pessoas. A prática de ensinar e aprender receitas oralmente, no contexto da degustação de pratos, pode ensejar o desenvolvimento, na linguagem oral, do gênero em que são dadas instruções para LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 15 . atingir determinado fim, como é o caso da receita, que pode ser escrita. Mas a apreciação do prato, as observações sobre as preferências pessoais, como a degustação em si, é algo que circulará naturalmente, via oralidade. O texto escrito apresenta especificidades que é possível investigar juntamente com os alunos em rodas de leitura ou projetos. Um bom exemplo é a iconicidade presente na história em quadrinhos: os balões em que surge a fala dos personagens e sua ordem espacial, a forma típica de introduzir a fala do narrador, sua interação com as imagens. Outro bom exemplo, no que se refere às obras de referência, está no dicionário, que, ao longo do tempo, tornou-se um objeto cultural complexo. Ele organiza de forma codificada os significados de um verbete em ordem alfabética e muito mais, como a orientação na página pelas palavras-guia, as abreviaturas de classes gramaticais, a origem das palavras. Assim, as informações presentes no dicionário podem nos ajudar a encontrar outras informações, que podem ser usadas de diversos modos. Essas e outras aprendizagens acerca dos portadores de textos e dos gêneros precisam acontecer juntamente com a aprendizagem da leitura e da escrita, no que se refere à relação entre letra e som, ou grafema e fonema. E não depois dela. A escola é um espaço de colocarmos as coisas em determinada ordem para melhor aprendizagem. Mas, ao pensarmos em um ensino-aprendizagem mais contextualizado, precisamos lembrar que, na vida, as aprendizagens sociais não são postas didaticamente uma após a outra. Juntamente com a contextualização das atividades de rodas de leitura, escrita e conversa e com os projetos temáticos, é possível e necessária a realização de atividades permanentes de leitura e escrita em que as aprendizagens sejam consolidadas. Elas ocorrem de modo regular, de acordo com as necessidades das crianças: diariamente, três vezes por semana, semanalmente, ou até quinzenalmente, com a finalidade de permitir a convivência freqüente e intensa com determinado gênero de texto, para que possam desenvolver práticas diversificadas de leitura. Esta tarefa está entre aquelas que fazem parte da rotina da turma e deve sempre responder à pergunta do sentido que a leitura e a escrita terão para os alunos, no contexto das aprendizagens que estão ocorrendo na turma. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 16 . Os processos de alfabetização e de letramento na escola e a participação dos responsáveis pelos alunos Conforme dito inicialmente, independentemente de seu desejo, os pais ou responsáveis ajudam a criança a construir uma idéia sobre a escola, antes mesmo de entrar nesse espaço. Há pais que nunca foram à escola, e que consideram o saber escolar muito importante. Outros que sabem ler e escrever, mas que acham que isso não é o que mais importa. De diferentes maneiras, os pais oferecem aos filhos seus valores, idéias e práticas iniciais sobre a leitura e a escrita, o que constitui o letramento inicial dos alunos. Nem sempre as idéias dos pais coincidem com as dos professores sobre o que é importante ensinar e aprender na escola. Certamente, sua história escolar e profissional é diferente da dos professores. Cabe a esses últimos esclarecer e conquistar os pais parao trabalho que precisam fazer com os alunos e o que precisam esperar dos pais, como parceiros na escolarização da criança. Ao recebermos tais alunos em sala de aula, com sua diversidade de idéias e práticas sobre a leitura e escrita, vamos iniciar com eles um outro letramento. Ou seja, começar a falar e fazer outras práticas sobre a leitura e a escrita, diferentes daquelas que acontecem em suas casas. Essa combinação de experiências continua durante a escolarização dos alunos, pois eles retornam à sua casa, onde as idéias, práticas e valores são mais ou menos diferentes da escola. Daí que os processos de alfabetização e de letramento de cada um vão acontecer de forma singular, pois a constituição da experiência familiar e escolar é única. Uma das relações produtivas em torno da leitura e escrita tem sido a proposta para que um leitor, seja pai, outro responsável ou um leitor da casa ou da vizinhança, leia textos de diversos tipos para e com o aluno, de uma forma descontraída e ao mesmo tempo intensa, constituindo uma “comunidade de leitores”, mais do que cobrando que eles tenham determinado desempenho escolar. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 17 . A partir dessa ação tão simples, ganha a própria família, pois se podem estabelecer relações mais próximas entre pais e filhos, e entre eles e o conhecimento presente nos materiais de leitura. Em conseqüência, ganha a escola, pois os alunos passam a atribuir sentidos diferenciados para a leitura, a escrita e o próprio conhecimento. Concluindo nossa conversa Nestas páginas procurei compartilhar com professores que lidam com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental uma característica de nossas escolas, alunos e pais: sua diversidade. Procurei evidenciar que essa diversidade pode ser positiva, à medida que seja percebida como fator de troca entre as pessoas que compõem a relação de ensino. Somos quem ensinará aos alunos a leitura desse mundo complexo da escrita, mas eles já trazem informações diversas sobre ele, e o que não trouxerem, vamos lhes apresentar. Ao mesmo tempo, procurei mostrar como organizamos essa diversidade com a rotina escolar. Apontei algumas alternativas que propõem uma rotina de forma flexível. Para isto, projetos, rodinhas e atividades podem constituir, com sentido, o cotidiano da sala de aula viva. De nossa parte, desejamos uma boa caminhada para todos. Sugestões de leitura para os professores CARDOSO, Beatriz e EDNIR, Madza. Ler e Escrever, Muito Prazer. São Paulo: Ática, 2001. CHARTIER, Anne-Marie, CLESSE, Christiane, HÉBRARD, Jean. Ler e Escrever: entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: ArtMed, 1996. CONY, Carlos Heitor. A primeira Lição. In: Ruth Rocha (org.) Contos de Escola. 1a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. Coleção Literatura em Minha Casa. GNERRE, Maurizio. Linguagem, Escrita e Poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 18 . KAUFMAN, Ana M., RODRIGUES, Jussara H., CASTEDO, Mirta. Alfabetização de crianças: construção e intercâmbio. Porto Alegre: ArtMed, 1998. TEBEROSKY, Ana e TOLCHINSKY, Liliana. Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1996. Nota: Professora do Colégio Pedro II e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 19 . PROGRAMA 2PROGRAMA 2 SABERES QUE PRODUZEM SABERES Angela Meyer Borba 1 1 Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! Eduardo Galeano Na busca de compreender o mundo em que vivem, criar formas de agir sobre ele e se comunicar com os outros ao seu redor, as crianças, desde que nascem, constroem saberes que lhes possibilitam determinadas formas de inserção no mundo, participação social e compreensão de novas experiências. Na medida em que conhecem novos objetos e pessoas, vivem novas situações e relações, confrontam pontos de vista e modos de ação sobre a realidade, as crianças ampliam e transformam esses saberes, construindo novas formas de compreensão da vida e de ação sobre a realidade. Nesse contexto, podemos dimensionar o significado que tem a escola para as crianças, como espaço socialmente organizado, onde circulam e são transmitidos conhecimentos dos diversos ramos da ciência e de outros campos do saber. Mas qual é efetivamente a função social da escola? Como esses conhecimentos que circulam na escola dialogam com os conhecimentos das crianças? Que implicações têm para suas vidas e sua formação como sujeitos? Muitas vezes, os conhecimentos escolares e a forma como são trabalhados estão muito distantes das práticas sociais das crianças. Estas, conseqüentemente, não conseguem atribuir- LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 20 . lhes um sentido e mobilizar os seus saberes para compreender o que está sendo ensinado. A falta de articulação dos conhecimentos escolares com os saberes das crianças não apenas enfraquece ou mesmo elimina a motivação, a curiosidade e a disposição para a aprendizagem, como também reduz as possibilidades de interação das crianças com novos conhecimentos, gerando dificuldades na sua apropriação. Mas como os saberes das crianças podem ser reconhecidos e dialogar com a escola? Uma primeira condição é que a escola seja um espaço real, de vida, de relações entre sujeitos reais, e não um lugar em que adultos e crianças deixam do lado de fora suas histórias, valores e sentimentos. Outra condição é que os conhecimentos não sejam artificializados e reduzidos a objetos a serem ensinados e aprendidos na escola através de treinos, repetições, memorização e exercícios, mas sim que sejam significativos e socialmente relevantes, tanto na escola, como fora da escola, na vida. É fundamental favorecer a expressão e a comunicação dos saberes das crianças e de suas produções, para que possamos conhecê-las melhor, perceber seus valores, sentimentos e formas de compreensão sobre o mundo. Teremos assim referências fundamentais para o trabalho pedagógico. Para tanto, é importante convidá-las e provocá-las a falar, conversar e discutir em rodas de conversas, leituras de textos de diferentes gêneros, discussão sobre temas, apreciação de produções artísticas, observação de imagens, atividades de brincadeiras, entre outras possibilidades. Os temas desenvolvidos também devem ser interessantes, provocadores da curiosidade e do investimento das crianças na interação com os outros, na expressão de seus saberes, no diálogo com outros saberes, na busca de novas informações, de novas descobertas. Cria-se assim um ambiente discursivo, no qual as crianças vão revelando o que e como pensam, o que já sabem e o que querem saber, suas perguntas, suas histórias e seus modos de sentir e viver. Elas também vão se reconhecendo, se conhecendo e conhecendo a nós, professores. Vão também percebendo que o mundo é bem maior do que pensavam, que existem diferentes realidades e modos de viver, e diferentes formas de compreender os fatos ou problemas, produzidas pelos conhecimentos organizados pelos diversos ramos da ciência, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 21 . pela arte, pela filosofia, pelas religiões. E nós, professores, vamos descobrindo pistas e caminhos para fundamentar e ajustarmelhor nossas ações. Nesse contexto, uma maneira de aprender muito sobre e com as crianças e seus saberes é através das brincadeiras, canções e histórias que elas já conhecem e que compõem o conjunto de conhecimentos produzidos no âmbito da cultura e das relações sociais cotidianas. Brincar, cantar, dramatizar, contar histórias, dançar são práticas que fazem parte da experiência cultural das crianças, representando ações e conhecimentos partilhados, através dos quais elas se constituem como membros de um determinado grupo sociocultural, aprendendo sobre si mesmas e sobre o mundo ao seu redor. Valorizar esses saberes na escola é abrir portas de comunicação entre as crianças, a vida e a escola. Para as crianças que partilham os mesmos espaços e tempos escolares, as brincadeiras, danças, parlendas, lendas, contos tradicionais, entre outros conhecimentos culturais, podem constituir um repertório comum sobre o qual podem agir conjuntamente, estabelecer laços de amizade, construir e transformar significados, regras e rotinas de ação e, através de práticas sociais coletivas e cotidianas, criar novos saberes e novas formas de brincar, cantar, contar histórias. O trabalho com esses saberes é um rico recurso, não apenas para se conhecer as crianças e criar vínculos com elas, mas também para se instaurar o diálogo dos seus saberes com outros saberes, explicitando e explorando o que já conhecem e trazendo novas possibilidades a partir daí. Saberes produzem saberes, palavras produzem palavras, significados produzem significados, histórias produzem histórias, brincadeiras produzem brincadeiras, descobertas produzem descobertas. Em uma corrente contínua, se ligam escola, vida, cultura e saber. Nesse movimento, a escola tem a função social de proporcionar situações para que as crianças possam ampliar e aprofundar conhecimentos que lhes permitam compreender a realidade de várias formas, ampliando o sentido de ser e estar no mundo, de pertencer a determinados grupos sociais, de viver em dado tempo e lugar, de partilhar práticas e conhecimentos. Nesse contexto, um dos seus compromissos fundamentais é garantir às crianças o direito de se apropriarem dos LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 22 . conhecimentos historicamente produzidos e dos significados e usos que estes assumem na vida e nas práticas sociais humanas. Vamos refletir, nesta perspectiva, sobre o significado do processo de ensino-aprendizagem da língua escrita na escola. De um lado, podemos compreender a língua escrita como conhecimento que traz novas formas e possibilidades de comunicação, registro, ação, criação e inteligibilidade do mundo. De outro lado, afigura-se também como ferramenta fundamental para o acesso aos conhecimentos das várias áreas do saber – ciência, filosofia, religião, história, entre outras – que se estruturam com base na língua escrita, através de discursos específicos constituídos por lógicas, compreensões e formas de comunicação e registro que lhes são próprias. Dessa forma, a língua escrita não pode ser reduzida nas práticas escolares apenas a um sistema de comunicação produzido pelo homem, mas precisa ser compreendida como uma linguagem social que nos permite participar das práticas sociais de leitura e escrita que permeiam as relações entre os homens nas sociedades letradas, bem como penetrar no mundo letrado das várias áreas do saber. As crianças devem ler e escrever na escola não para codificar/decodificar sons em letras e vice-versa, mas porque se lê e se escreve fora da escola e para escrever e ler fora da escola, na vida. Enfim, para tornar-se letrado, no sentido que vem sendo usado por autores como Soares (1998) e Kleiman (1995), ou seja, para participar das práticas sociais orais e escritas da sociedade em que vivem. Na perspectiva do letramento, é necessário que os espaços escolares contenham materiais escritos diversificados, com diferentes suportes – jornais, livros, revistas, embalagens, televisão, telas de computador, entre outros – e tipos de textos variados: poesia, contos tradicionais, história em quadrinhos, biografias, tiras de humor, propagandas, textos científicos e informativos, mapas, tabelas, entre outros. Mas os materiais não bastam! É necessário criar situações interativas em que estes tenham significados e as atividades de leitura e escrita tenham sentido. Não escrevemos sobre o nada, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 23 . mas sobre o que conhecemos, sentimos e pensamos. Não escrevemos para treinar habilidades de escrita, mas para registrar, comunicar, informar, entre outras funções. Não lemos para decodificar sons em letras, mas para sentir prazer, para nos informar, conhecer outros mundos e outras explicações da realidade. É escrevendo e lendo com sentido que as crianças constroem habilidades de leitura e escrita e se constituem também como sujeitos letrados. É agindo sobre a escrita, a partir dos conhecimentos que já têm e de novas informações e reflexões, que ampliam seus conhecimentos. É incorporando o valor e o prazer de conhecer cada vez mais sobre o mundo, de interagir e conversar em torno dos conhecimentos produzidos pelo homem nos vários campos do saber, que vão se interessando pela leitura e pela escrita e se apropriando, não apenas das habilidades para ler e escrever, mas das práticas sociais em que essas atividades estão envolvidas. Dessa forma, os saberes das crianças sobre a linguagem e os conhecimentos das diferentes áreas são fontes privilegiadas para novas aprendizagens. Conhecê-los é base para um trabalho pedagógico mais significativo e eficaz. E registrá-los é uma forma de explicitá-los e valorizá- los, colocando-os em um outro plano, na dinâmica do processo de ensinar e aprender na escola. O registro dos saberes das crianças pode ser incluído no trabalho escolar cotidiano, através de várias possibilidades: desenho, escrita, vídeo e audiogravações, de acordo com os recursos existentes e o que se quer registrar. Mas o que e para que registrar? Registrar é antes de tudo valorizar os saberes das crianças. É também instrumento para reflexão/avaliação, tanto para as professoras como para as crianças, dos conhecimentos que estas já têm e sobre aqueles que estão construindo. É suporte para as professoras planejarem atividades significativas que cruzem os saberes das crianças com outros saberes, pois revelam em que medida as situações oferecidas têm permitido o avanço das crianças no seu processo de aprendizagem. É também importante para orientar a participação das crianças no planejamento das atividades junto com os professores. Dentre as formas de registro, a escrita sobressai como uma ferramenta fundamental, que sempre está ao nosso alcance. Quando vamos trabalhar um tema em um projeto, por exemplo, é preciso LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 24 . registrar o que as crianças já conhecem sobre o mesmo, as perguntas que possuem, os aspectos que serão investigados, as fontes de pesquisa, as atividades que serão desenvolvidas. É importante registrar também tudo o que vai sendo produzido, as descobertas. Registramos para conhecer, pensar, refletir, planejar, organizar, memorizar, avaliar. E as crianças, quando registram suas produções ou analisam registros feitos pelos professores, refletem sobre sua aprendizagem e se percebem autoras do processo de aprender, construir e criar conhecimentos. Outro exemplo mais específico de utilização do registro é o trabalho que se pode fazer com a língua escrita através do registro escrito dos conhecimentos que permeiam o cotidiano das brincadeiras e grupos sociais infantis, como, por exemplo, a escrita das canções, quadrinhas, parlendas, jogos e brincadeiras que as crianças conhecem. A leitura e a escrita de textosque as crianças sabem de memória é um recurso interessante para as crianças analisarem as relações entre a língua oral e a língua escrita, estabelecerem relações entre sons e letras, observarem marcas da língua escrita e se constituírem como autores de práticas sociais de leitura e a escrita. É também um rico material para conhecermos o que as crianças já sabem e que estratégias estão usando para se apropriarem da leitura e da escrita. A partir daí, podemos ajustar melhor as intervenções necessárias para provocar avanços na aprendizagem. A documentação e o acompanhamento dos registros de diferentes momentos do processo de aprendizagem, seja da língua escrita ou de outros conhecimentos, são estratégias importantes para a visibilidade e a reflexão do processo de aprendizagem das crianças e das práticas pedagógicas. É também um importante canal através do qual a escola pode compartilhar com os pais o processo de ensino-aprendizagem. Para as crianças, a reflexão sobre suas produções e sobre as mudanças nestas ocorridas ao longo do tempo contribui para que se percebam como autoras do seu processo de aprender e conhecer cada vez mais sobre o mundo. Contribui para que entendam que os saberes por elas já construídos formam a base para alcançar novos saberes, em uma dinâmica que envolve aplicações, hipóteses, rupturas, ampliações, questionamentos e transformações na busca de compreender e se apropriar de novas explicações e formas de ação sobre o mundo. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 25 . Nesse processo de reconhecimento e de ampliação dos saberes das crianças, além do trabalho com a linguagem e com os conhecimentos das várias áreas da ciência, não podemos deixar de fora o trabalho com a arte. As diferentes produções artístico-culturais produzidas pelo homem constituem possibilidades diferenciadas de diálogo com o mundo, oferecendo novas formas de expressão e de inteligibilidade, compreensão e relação com a vida. O trabalho com diferentes formas de expressão, como a literatura, as artes visuais, as artes plásticas, a dança, o teatro, entre outras, contribui para as crianças expressarem e ampliarem seus saberes de diferentes modos, abrindo janelas para novas compreensões e também para a construção de novos modos de comunicação sobre o que pensam e como vêem o mundo. Assim, é importante explorar a arte que se faz com a escrita, através da poesia, da biografia, dos contos tradicionais etc. Lendo para as crianças e incentivando suas próprias produções, estaremos mobilizando sua sensibilidade, afetividade, emoção, imaginação e criação. Estaremos contribuindo também para que elas percebam que existem diferentes sistemas de referência do mundo, que se abrem para muitos sentidos ao se conectarem com as experiências singulares de diferentes sujeitos. A apropriação de produções literárias pelas crianças envolve construir o gosto, o prazer, da leitura e da escuta sensíveis, conduzindo-as a novos planos de compreensão de si mesmas e da vida. Envolve também compreender as lógicas, técnicas e formas de organização próprias dessas produções. E ainda expressar-se através delas, brincar com as palavras, trabalhar suas combinações, buscando novos sentidos, novas significações. O trabalho com outras formas de expressão artística como o teatro, a dança, a pintura, a música também abre muitas possibilidades de reconhecimento, de expressão e de alargamento dos saberes das crianças. Assim, é importante que as crianças possam participar de exposições variadas, assistir a filmes, danças, peças de teatro, ouvir músicas de diferentes compositores (os CDs, DVDs, a televisão podem facilitar esse trabalho). O acesso a livros de arte e biografias de autores de produções artísticas também amplia as possibilidades de conhecimento e de recriação do mundo. Apreciando, imaginando, sentindo, significando, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 26 . analisando as características e formas de composição de diferentes produções, as crianças vão se apropriando de novas linguagens e de novas formas de expressão e criação. Dentre outras possibilidades de trabalho com a arte, podemos apresentar obras de diferentes pintores para as crianças, de forma a desenvolver o processo de apreciação, reflexão e produção artística. Um exemplo nesse sentido foi o projeto sobre Portinari desenvolvido pelas professoras Juju Andrade Rodrigues e Noêmia Fabíola Costa do Nascimento, da Creche Municipal Maria Alice Gonçalves Guerra, em Camaragibe/PE (Prêmio Qualidade na Educação Infantil, 2004, p. 70-73). Através de atividades de leitura de textos de revistas, livros e sites da Internet, e de apreciação e observação de imagens, as crianças conheceram a história de Portinari menino, resgataram as brincadeiras populares retratadas pelo pintor, contextualizando-as com as situações por elas vivenciadas em casa e na creche, e recriaram as obras analisadas através de seus próprios desenhos. Dessa forma, puderam desenvolver o senso da observação e da produção estéticas, construindo novos olhares sobre o mundo. Essa experiência nos faz ver que é possível trabalhar arte com crianças, desde pequenas. Não como exercícios de técnicas, treinamentos psicomotores ou cópia de modelos, mas como forma de linguagem que mobiliza a nossa emoção, a afetividade, a reflexão sobre a vida e o processo de comunicação e expressão dos nossos saberes e sentimentos. O acesso à pluralidade de linguagens nos ajuda a nos constituirmos autores, críticos e criativos, pois “alarga o acervo de referências relativas às características e funcionamento de cada tipo de expressão bem como amplia a rede de significados e modos diferenciados de comunicabilidade e compreensão” (Borba e Goulart, 2006). Saberes que produzem saberes. Como um tecido que se tece, fios se cruzam, se conectam, se alongam, se alargam e compõem novas formas. Nesse tecer saberes, vimos que é importante a criação, na escola, de diferentes possibilidades de conexões dos saberes das crianças com os saberes historicamente produzidos. Conexões que se fazem pelo trabalho com a linguagem, com as ciências, com a arte. E nesse trabalho, também nós, professores, produzimos saberes. Junto com as crianças aprendemos sobre o mundo, sobre a natureza e a cultura. Com o olhar atento sobre seus saberes, suas construções e sobre os nossos próprios saberes, ampliamos, nós também, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 27 . nossos saberes sobre o mundo, sobre as crianças, sobre nós mesmos e sobre a nossa prática docente. Referências bibliográficas BORBA, A. M. e GOULART, C. As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola. Circulação restrita. A sair em documento do MEC sobre o Ensino Fundamental de Nove Anos, 2006. SOARES, M. B. Letramento - um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica: 1998. KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: Kleiman, A. B. (org.). Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995. Sugestões de leitura para os professores KRAMER, S. e LEITE, M. I. Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 1998. MEC/SEF. Prêmio incentivo à educação fundamental 2004: experiências premiadas. Brasília: Ministério da Educação, 2005. MEC/COEDI. Prêmio qualidade na Educação Infantil, 2004: projetos premiados. Brasília, 2005. OSTETTO, L. E. e Leite, M. I. Arte, infância e formação de professores: autoria e transgressão. Campinas, SP: Papirus, 2004. Nota: Professora da Faculdade de Educação - Universidade Federal Fluminense/UFF. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 28 . PROGRAMA 3PROGRAMA 3 O PLANEJAMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA Patrícia Corsino 1Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro (...). Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Manoel de Barros O poeta nos instiga a procurar os achadouros de infância. Tesouros que escondem a menina ou o menino que fomos e que permitem também olhar os meninos e as meninas que convivem diariamente conosco. O desafio é escavar no quintal, no pátio da escola, nos armários, nas mesas, nas caixas, nos brinquedos, nas brincadeiras, nos programas de TV, nos livros, nos CDs ou em qualquer outro esconderijo e achar o maior número possível de achadouros de infância para, a partir deles e com eles, poder pensar e planejar as ações pedagógicas. Escolhemos esta imagem para iniciar a discussão sobre o planejamento pedagógico das classes de Educação Infantil e das primeiras séries/anos do Ensino Fundamental de Nove Anos, por entender que a criança é o ponto de partida do trabalho e que a educação é uma possibilidade de ampliação das suas experiências emocional, corporal, cognitiva, sócio- afetiva, sensorial etc. Partimos da compreensão de que, independentemente da idade e da origem social, étnica, cultural ou religiosa, toda criança é sujeito ativo e nas suas interações está o tempo todo significando e re-criando o mundo ao seu redor. No contato com a realidade, as crianças criam sentidos singulares e a aprendizagem é justamente esta possibilidade de atribuir sentido às suas experiências. Nesta perspectiva, planejar inclui LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 29 . escutar a criança para poder desenhar uma ação que amplie as suas possibilidades de produzir significados. O que implica dar espaço para as diferentes falas e expressões da criança e, conseqüentemente, para o imprevisível. O planejamento: características e dimensões Nas últimas décadas, os estudos e pesquisas, principalmente de Jean Piaget e de Lev Vygostsky, têm trazido para a educação as dimensões interativas, processuais e construtivas do desenvolvimento e da aprendizagem da criança. Não cabe neste texto discutir estas teorias, mas apenas apontar o quanto elas provocaram e provocam mudanças de paradigma na forma de conceber o desenvolvimento infantil e o próprio trabalho pedagógico. Assumir uma proposta construtivista de educação tem várias implicações. A começar pela compreensão de que o conhecimento é uma construção coletiva, que é na troca dos sentidos construídos, no diálogo e na valorização das diferentes vozes que circulam nos espaços de interação, que a aprendizagem vai se dando. Isto faz da sala de aula um lugar de confronto de diferentes pontos de vista – das crianças, do professor, dos livros e de outras fontes –, portanto, de troca, de produção e de apropriação de saberes. Professores e alunos, mesmo que de lugares diferentes, participam deste processo. E é do lugar de um sujeito mais experiente que o professor pode conhecer e acompanhar os processos das crianças, perceber como cada uma está aprendendo e se desenvolvendo. Isto direciona o foco do trabalho para a aprendizagem da criança e instiga o professor a se questionar: como ela aprende? Quais são as suas conquistas? Como posso organizar o trabalho para desafiá-la a ir adiante? Que perguntas e intervenções eu preciso formular para provocar reflexões e avanços no seu desenvolvimento? Como organizar o tempo e o espaço escolar de forma a ampliar as possibilidades socializadoras e criativas das crianças? Desse modo, o planejamento passa a ter novas dimensões e características. Entre elas, podemos destacar algumas como: LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 30 . 1) O inacabamento – como afirma Geraldi (2003), a vida, concebida como acontecimento ético aberto, não comporta acabamento (p. 47). É na relação com o outro que podemos ver o que, do nosso ponto de observação, não é possível. E é no confronto de diferentes saberes e pontos de vista que o planejamento pode ir se completando e ganhando novos contornos. O planejamento não é algo solitário feito pelo professor. É uma construção que envolve a equipe pedagógica da escola e as crianças também. Cabe ao professor prever o que poderá ser desenvolvido, mas é na troca coletiva que ele vai se ajustando e se aproximando dos interesses e necessidades do grupo de crianças. 2) A participação – o planejamento, quando coletivo e participativo, descentralizado do professor, passa a ser responsabilidade de todos, da elaboração e execução à avaliação. Envolver as crianças no planejamento das atividades do dia-a-dia e/ou de um projeto que será desenvolvido pela turma é importante pela possibilidade de as crianças pensarem juntas, fazerem escolhas, negociarem pontos de vistas, anteverem o que vão fazer etc. Todo este processo de participação, além de ser uma experiência coletiva interessante, possibilita um maior envolvimento no processo e, por isso mesmo, maior comprometimento com as propostas e com o próprio grupo. Ao se sentirem protagonistas do processo, autorizadas a discutir, opinar e a fazer escolhas, as crianças tornam-se co-autoras do trabalho. Neste sentido, é importante a apresentação das atividades para as crianças, seus objetivos didáticos, o tempo de duração, as expectativas, os resultados e a avaliação, isto faz com que elas se situem, dando clareza ao que terão que fazer, aos objetivos a serem alcançados, possibilitando a organização, a gestão do tempo e a auto-avaliação – elementos básicos para a construção da autonomia. 3) A previsibilidade e a imprevisibilidade – o que se pode e o que não se pode antecipar em relação à aprendizagem das crianças? Quais são os pontos (conteúdos, objetivos, processos etc.) que necessitam de discussões em reuniões de planejamento da escola, do segmento e/ou da série? Que objetivos precisam ser alcançados por cada grupo e por cada criança, durante um determinado período? Que intervenções e encaminhamentos são necessários prever para que a aprendizagem ocorra? Que ajustes o planejamento precisa sofrer para atingir os objetivos? Estas e outras questões fazem parte de uma proposta pedagógica comprometida LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 31 . com a aprendizagem das crianças. O planejamento é o lugar de reflexão do professor que, a partir de suas observações e registros, prevê ações, encaminhamentos e seqüências de atividades, organiza o tempo e o espaço, seleciona e disponibiliza materiais. Mas, ao partilhar com o grupo o previsível, se abre ao imprevisível. Nesta tensão entre o previsível e o imprevisível, cabe ao professor, como coordenador e organizador do processo, ficar atento às negociações, ao que ele pode ou não abrir mão, ao que precisa ser retomado, às necessidades do grupo e de cada criança individualmente. 4) A continuidade e o encadeamento – o planejamento é uma forma de organizar o tempo didático. Pode-se lidar com as rotinas escolares preenchendo o tempo como se cada espaço e/ou áreas do conhecimento fossem recipientes isolados entre si, ou seja, seguindo um modelo disciplinar, fragmentado, ou pode-se também pensar o tempo e as propostas num duplo movimento, em que se entrecruzam: o processode interação horizontal, que abarca a interdisciplinaridade e/ou a articulação entre as áreas, e o processo de interação vertical, que encadeia e aprofunda processos, ampliando a possibilidade de apropriação de conhecimentos e conceitos. O que dá sentido ao cotidiano das crianças é justamente a possibilidade de estabelecerem relações, de participarem de processos que se inter-relacionam, em que uma atividade se desdobra em outra de forma integrada. Por exemplo, a escrita, os desenhos, as pinturas e as construções são formas de representar, de expressar e registrar algo que se viveu, observou, sentiu. Estes registros, por sua vez, quando socializados e discutidos, tornam-se mais um espaço de elaboração individual e de troca coletiva que levam a outras ampliações. Pensar os três momentos – vivência, representação e conversa/troca – como um todo que, por sua vez, também se inter-relaciona com outras atividades, faz muito mais sentido do que quando trabalhados isoladamente. O planejamento e a organização do trabalho pedagógico Muito se tem dito sobre a necessidade de o professor fazer registros do seu trabalho. Filmes, fotografias, álbuns, pequenas anotações, textos dos mais diferentes estilos, gêneros e extensão são recursos que muitos professores têm utilizado para registrar a experiência vivida com o grupo de alunos. O processo de registrar, porém, mais do que uma forma de capturar o LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 32 . momento, funciona com um espaço de formação e de reflexão do professor sobre o trabalho realizado. Neste sentido, os registros, ao favorecerem o pensar sobre o que foi feito, podem ser um importante suporte para o planejamento. Cada professor vai ter sua forma de registrar. Cada proposta e seu objetivo suscitam registros diferentes e estes, por sua vez, também podem assumir diferentes funções. Assim é que, se observarmos um caderno de uma professora, podemos encontrar pequenos relatos, tabelas com anotações para acompanhamento de crianças em relação a uma atividade desenvolvida, tabelas de objetivos e seus desdobramentos, código de cores na lista de crianças, lembrando processos, lembretes, desabafos, fotos, folhas de trabalhos com anotações, folhas com desenhos e escritas de crianças e até mesmo longas narrativas. Todas estas anotações portam a dinâmica do processo pedagógico. A possibilidade de ler e de consultar os registros permite ao professor acompanhar os processos individuais e coletivos, dá elementos para ele se situar em relação ao que previu para a turma e para avaliar o que foi desenvolvido, promover reorientações, re-planejar, buscar novos procedimentos e estratégias para alcançar um objetivo. Com os registros, o acompanhamento do processo é estudado pelo professor, o que suscita questões como: o que tenho planejado tem contribuído para que as crianças avancem em seus saberes? O que preciso saber sobre o que as crianças sabem para reorientar o meu planejamento? O planejamento se vale dos registros do que foi realizado, mas ele mesmo é um registro do que se projeta para um grupo de crianças, ao longo de um período de tempo. Desta forma, ele se desdobra em objetivos a serem alcançados em longo, médio e curto prazos. Cada escola se organiza da sua maneira, mas, geralmente, o planejamento em longo prazo costuma ser anual. É interessante que, anualmente, a equipe da escola discuta em conjunto os objetivos gerais a serem alcançados, em cada área do conhecimento, por cada turma, e os possíveis projetos a serem desenvolvidos institucionalmente. O trabalho de equipe permite a continuidade, a diversidade, a distribuição e a amplitude do que será desenvolvido por cada grupo. Embora a escola possa ter um currículo já traçado para as séries/anos, é importante se LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 33 . ter um panorama dos projetos, interesses e conquistas anteriores de cada turma, para se definir os avanços e a abrangência que serão esperados para o ano em curso. As orientações curriculares de cada escola são referências importantes, que estruturam o trabalho prevendo ampliações e conquistas, tecendo um fio condutor entre as séries/anos, mas também abarcam as características anteriormente citadas, sendo, assim, dinâmicas e flexíveis. Além de um plano anual, as escolas e os professores fazem planos semestrais, bimestrais, semanais e diários para organizar, distribuir, detalhar, desdobrar os objetivos das áreas em médio e em curto prazo. Cada uma destas distribuições de objetivos em períodos de tempo tem como funções a progressão e a continuidade de propostas e, sobretudo, o aprendizado das crianças. Elas apresentam não apenas os conteúdos selecionados para o período, mas também detalhamentos diferentes do fazer pedagógico. Assim é que um planejamento semanal, por exemplo, pode prever atividades que serão desenvolvidas para o coletivo, para um grupo específico ou para uma criança em especial, em função do que o professor observou em relação às conquistas e apropriações das crianças. Afinal, a prática é pensada a partir dos saberes das crianças e também para a ampliação dos saberes delas. Portanto, é uma prática reflexiva, em que o professor comprometido busca a articulação dos seus saberes para pensar a criança e propor situações desafiadoras, criativas, abertas e capazes de desencadear os avanços. O compromisso do professor com a aprendizagem é firmado na dinâmica que ele imprime no cotidiano, quando os processos individuais e coletivos são acompanhados de perto, quando são pensadas diferentes formas de organizar o tempo, o espaço e os recursos para desenvolver as atividades. O planejamento focado na aprendizagem das crianças prevê a organização de atividades diferenciadas – como os trabalhos diferenciados distribuídos em cantos da sala – para atender às diferenças, prevê também algumas atividades permanentes – como a hora do conto, o momento de jogos e brincadeira – que visam à socialização, à apropriação de práticas pelas crianças etc.; prevê outras atividades ocasionais – como passeios, visitas, filmes – e, ainda, atividades seqüenciadas para desencadear processos, desenvolver projetos etc. Seja LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 34 . envolvendo a turma toda, pequenos grupos, duplas de trabalho ou as crianças individualmente, as atividades são pensadas tendo a aprendizagem como horizonte. Neste momento em que o Ensino Fundamental se amplia para nove anos de duração e passa a incluir as crianças de seis anos de idade, faz-se necessário repensar as práticas, reordenar o currículo, redistribuir os objetivos de cada área, redesenhar os espaços e tempos escolares, rever os planejamentos para que as crianças possam de fato ter ganhos significativos com mais um ano de escolaridade obrigatória. Não há dúvida de que o planejamento da prática pedagógica é um instrumento fundamental para se garantir uma prática reflexiva e o desenvolvimento de um trabalho comprometido com a aprendizagem da criança, ou seja, com a sua possibilidade de construir significados. É pelo comprometimento com o desenvolvimento integral da criança que se faz necessário sair, como o poeta, de enxada às costas a cavar nos quintais da vida os achadouros de infância, vestígios dos meninos que fomos nos meninos e meninas que diariamente estão conosco no cotidiano escolar. Sugestões de atividades Planejamento participativo Organize um canto do quadro de giz para o planejamento diário. Institua na sua rotina o momento de elaborar o planejamento participativo, abrindo espaço para as crianças opinarem sobre a sua proposta e chegarem coletivamente ao que será feito no dia e como será feito. Registre com elas as atividades combinadas. Ao longo do dia, assinale o que for sendo feito e,no final, novamente na roda, coordene a avaliação do dia. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 35 . Livro da vida Uma das atividades desenvolvidas por Freinet na escola era o livro da vida da turma. Isto é, o registro diário do que o grupo vivenciou, dos significados partilhados. O professor pode aproveitar a avaliação para fazer o registro no livro da vida. Questões para elaborar o planejamento: O que eu quero que as crianças aprendam? Que conhecimentos prévios elas têm sobre o tema/conteúdo? Como posso organizar o trabalho de maneira a tornar o tema/conteúdo interessante para as crianças? Que desdobramentos a atividade sugere? Referências bibliográficas BARROS. Manoel de. Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003. GERALDI, João Wanderlei. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética e estética. Freitas, Souza e Kramer (orgs.) Ciências humanas e pesquisa: leitura de Mikail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003, p.39-56. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 36 . Sugestões de leitura para os professores HELM & BENEKE (orgs.). O poder dos projetos: novas estratégias e soluções para a Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2005. MEC/SEF. Prêmio Incentivo à Educação Fundamental 2004: experiências premiadas. Brasília: Ministério da Educação, 2005. MEC/COEDI. Prêmio Qualidade na Educação Infantil, 2004: projetos premiados. Brasília, 2005. Nota: Professora da Faculdade de Educação/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 37 . PROGRAMA 4PROGRAMA 4 AÇÕES, INTERAÇÕES E INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO Alice de La Roque Romeiro 1 “(...) Nas aulas de poesia, Dona Maria caprichava. Abria o caderno, e não só lia poemas, mas escrevia fundo em nosso pensamento as idéias mais eternas. Ninguém suspirava, com medo da poesia ir embora: Olavo Bilac, Gabriela Mistral, Alvarenga Peixoto e “Toc, toc, tamanquinhos”. Outras vezes declamava poemas de um poeta chamado Anônimo. Ele escrevia sobre tudo, mas a professora não falava de onde vinha nem onde tinha nascido. E a poesia ficava mais indecifrável...” Bartolomeu Campos de Queirós Como Bartolomeu Campos de Queirós, João Ubaldo Ribeiro (1995) e Rubem Alves (1999), dentre muitos outros autores consagrados, publicaram suas experiências infantis conduzidas por leitores de casa e da escola. A leitura dessas experiências nos leva a pensar que para formar verdadeiros usuários da língua escrita – um dos papéis da escola – é necessário que a criança tenha a oportunidade de ouvir textos de qualidade. Mas até que ponto nós, professores, damos a devida importância à nossa leitura em sala de aula? Que momentos da rotina escolar são escolhidos para essa atividade? Será que conseguimos ler pelo simples prazer da leitura, sem cobranças, um texto literário ou informativo que nos tenha chamado a atenção? Ora, levando-se em conta que o professor é, de certo modo, um modelo para os alunos, é possível afirmar que o entusiasmo pelas leituras selecionadas poderá, no mínimo, criar nos estudantes o gosto pela leitura e a vontade de conhecer outros textos e novos autores, além de possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens. E, ainda, a partir da prática de leitura constante, em voz alta, por um leitor competente, o aluno também pode: • Aprender comportamentos de leitor; • Ampliar a visão de mundo; LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 38 . • Compreender e relacionar textos; • Expandir o vocabulário; • Obter informações sobre os assuntos lidos; • Observar a entonação e modos de ler; • Compreender o funcionamento comunicativo da escrita; • Conhecer características dos diversos gêneros textuais; • Apreciar o estilo de diferentes autores... Por outro lado, ao escolher um momento especial dentro do planejamento diário para compartilhar um texto com os alunos, o professor estará mostrando o valor que essa atividade tem para ele. Diante do que foi dito até então, os educadores poderão levantar a seguinte questão: “Mas para quais séries é importante ler?” Levando em consideração a zona de desenvolvimento proximal2 (Vygotsky, 1991), algumas práticas têm mostrado que se o professor sente a necessidade de desafiar as crianças para que cada vez mais avancem nas habilidades de leitura, deve haver um investimento em textos que os alunos ainda não conseguem ler sozinhos. Portanto, esse é um tipo de ação muito relevante nas séries/anos escolares iniciais (Educação Infantil e Ensino Fundamental). Paulo Freire (1987) relata uma experiência interessante vivenciada como mestre de um curso de pós-doutorado, nos Estados Unidos da América. Ele conta que, ao descobrir que o grupo de estudantes não tinha conhecimento suficiente para interagir com os livros da lista que sugerira, usou como estratégia começar por ler para e com os alunos. Como vemos, a prática de ler para os alunos pode se mostrar significativa para alunos de várias idades. Por fim, evidências comprovam que leitores competentes de textos interessantes, provocadores da atenção e bem produzidos são imprescindíveis para se introduzir qualquer indivíduo no mundo letrado, atividade que deve estar presente no currículo e no planejamento de qualquer escola. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 39 . Junto se aprende melhor Se considerarmos que não existem duas pessoas iguais, com a mesma maneira de agir, os mesmos conhecimentos, as mesmas reações diante do inusitado, como seria possível imaginar algum grupo homogêneo? Em se tratando da escola, sabemos que o início do ano letivo é sempre marcado pelo ingresso de inúmeras pessoas – não importa se do corpo docente ou discente – cada uma delas com sua própria história de vida. E não será o espaço escolar um lugar privilegiado para se criarem oportunidades de trocas, visando a avanços nos diferentes grupos tanto de professores quanto de alunos? Mas como fazer com que isso aconteça? Organizar a turma em grupos produtivos é uma aprendizagem – pode se constituir inicialmente em um desafio grande demais para os professores que nunca vivenciaram tal prática em sua vida escolar como estudantes. No entanto, para desenvolver essa possibilidade de trabalho, é necessário que ocorram, nas escolas, reuniões regulares de planejamento e avaliação do realizado, com a supervisão de um educador destinado a coordenar o grupo: um profissional que possa ouvir e compreender as angústias e dúvidas de seus colegas, colocar questões em discussão, compartilhar e recomendar leituras, promover sessões de vídeo, enfim, promover a aprendizagem compartilhada, trazendo novidades e propiciando trocas. É importante, portanto, que o professor tenha oportunidade de se ver como membro de um grupo, interagindo com seus pares. Assim, vivenciando a experiência concreta de partilha de saberes, textos, afetos, o professor poderá incentivar o mesmo em sua turma. No caso da organização da turma, ao planejar uma atividade, o professor precisa levar em conta não só a própria atividade – os objetivos, o espaço disponível, o tempo de duração e o material a ser utilizado – como também o que o aluno já sabe sobre o conteúdo a ser trabalhado, além da definição de crianças que tenham possibilidade de viver uma melhor interação. Isso significa considerar aspectos cognitivos, afetivos e sociais, que recorrentemente são tratados nos cursos de formação. E são esses conhecimentos que vão determinar o momento e a natureza de cada intervenção do professor para que as crianças ampliem seus conhecimentos. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 40 . Sugestão de atividades de leitura e escrita para as séries iniciais (Educação Infantile Ensino Fundamental): 1- Leitura de um texto previamente selecionado pelo professor. Turma disposta em roda ou de forma a poder apreciar melhor as ilustrações. Intervenções possíveis: a) Se o portador de textos for um livro literário, solicitar que, observando a capa, os alunos pensem em possíveis títulos para o livro e apontem onde o mesmo está escrito. O professor pode organizar uma discussão, permitindo que falem primeiro aqueles que têm menos conhecimentos, deixando sua fala por último. Diante de uma leitura equivocada, pode, por exemplo, perguntar se o título começa mesmo com determinada letra. b) Estratégias semelhantes às do item anterior podem ser utilizadas na leitura e discussão de outros tipos de textos como, por exemplo, de uma notícia de jornal comentada pela turma. Nesse caso, fotos ou os próprios comentários sobre o acontecimento podem servir de pistas para a antecipação da manchete da notícia. c) Durante a leitura ou no final dela, é interessante também dar espaço para que os alunos possam levantar questões e/ou fazer comentários sobre o texto, dando sua opinião quando acharem necessário. 2- Leitura para os colegas de um livro escolhido por cada grupo na biblioteca da sala ou da escola. Turma organizada em duplas ou trios em que haja um leitor fluente. O professor poderá permanecer junto a um dos grupos, para escutar a leitura e observar as discussões e questionamentos que porventura ocorram. Ou, no caso de ainda ser insuficiente o número de leitores já fluentes para todos os grupos, exercer este papel em um deles. 3- Escrita pelo professor, à vista das crianças, de um texto produzido oralmente pelos alunos. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 41 . Enquanto os alunos ditam, as intervenções podem consistir em perguntas dirigidas à turma sobre como continuar o texto e/ou sobre a escrita de determinadas palavras e a pontuação. 4- Produção de texto baseada em reconto oral e escrito de histórias por grupos com papéis definidos: um aluno reconta uma história, enquanto outro escreve e um terceiro vai monitorando a escrita do texto. 5- Solução de adivinhas em duplas Nesta atividade, pelo menos um dos alunos de duplas de crianças não alfabetizadas deverá ter conhecimento do valor sonoro de algumas letras. Para estas duplas será distribuída uma folha, como a do exemplo abaixo: Marque a resposta correspondente a cada adivinha: O QUE É, O QUE É? QUE ENTRA NA ÁGUA, MAS NÃO SE MOLHA? SOPEIRA SOMBRA SOLEIRA O QUE É, O QUE É? QUE NÃO SE COME, MAS É BOM PRA SE COMER? TEAR TESOURA TALHER LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 42 . Observações: Depois de determinado que a dupla selecionará a resposta em conjunto, mas que a cada vez será um a marcar, o professor fará a leitura da adivinha, acompanhada pelos alunos, numa tentativa de ajustar o falado ao escrito. Nesse caso, a atividade será apenas de leitura, uma vez que os alunos, mesmo sem saberem ler, terão que fazer uso de estratégias de leitura3. As duplas compostas por já alfabetizados receberão uma folha com adivinhas, sem pistas, para lerem e escreverem as respostas, cada uma na sua vez. E a atividade passará a ser de leitura e de escrita, pois, além da utilização de estratégias de leitura, os alunos terão que pensar na maneira como vão escrever as palavras. Possíveis intervenções: Para as duplas ainda não alfabetizadas, uma boa intervenção consiste em solicitar a justificativa para as escolhas feitas pelos alunos. Já para as duplas alfabetizadas, as discussões fatalmente recairão sobre a ortografia. Para finalizar, podemos considerar duas questões importantes no trabalho com a organização da turma em duplas e em grupos. Em primeiro lugar, não há condições de atender a todos no mesmo dia sendo, portanto, necessário pensar em prioridades e planejar rodízio para que ninguém seja deixado de lado. Em segundo lugar, nem sempre conseguimos formar grupos realmente produtivos. Daí ser fundamental uma avaliação constante, ao final de cada atividade, com participação ativa dos alunos. Porém, é possível afirmar que esse tipo de organização facilita o trabalho do professor no sentido de lidar com a heterogeneidade em uma turma real, além de todos os outros ganhos que a aprendizagem compartilhada pode trazer para o coletivo da turma, como comentado anteriormente. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 43 . Referências bibliográficas ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. Edições Loyola, São Paulo, 1999. FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. MEC, Secretaria de Ensino Fundamental. Módulo alfabetizar com textos. Brasília, 1999. QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Ler, escrever e fazer conta de cabeça. Belo Horizonte: Miguilim, 1996. RIBEIRO, João Ubaldo. Um brasileiro em Berlim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Sugestões de leitura para os professores CARDOSO, Beatriz & EDNIR, Madza. Ler e escrever, muito prazer! São Paulo: Ática, 1998. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 44 . Notas: Professora aposentada do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira - CAP – UERJ. 2 Segundo Vygotsky, zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. 3 Segundo os Parâmetros em Ação de Alfabetização (1999), uma estratégia de leitura é um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar informação. Há estratégias de seleção, de antecipação, de inferência e de verificação, além da de decodificação, normalmente privilegiada pelos programas de alfabetização escolares. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 45 . PROGRAMA 5PROGRAMA 5 PRÁTICAS DE LEITURA E DE ESCRITA Eleonora Cretton Abílio 1 Margareth Silva de Mattos 2 Que a liberdade seja condenação apenas nos responsabiliza; a cada segundo somos o que escolhemos ser, ainda quando se finja o contrário. Que a leitura do mundo seja igualmente condenação igualmente nos responsabiliza; o mundo foi o que lemos dele, assim como o mundo é o que inscrevemos e escrevemos nele agora, com o nosso estilo, com o nosso pincel, com o nosso gesto. Gustavo Bernardo3 Desde que nascemos estamos condenados a ser leitores. Foi com palavras como estas que Bartolomeu Campos Queirós iniciou uma conferência para professores em 1999. E é também o que acontece com a menina Aurora e sua mãe, nesta passagem da obra Pena de ganso, uma narrativa ficcional para jovens de todas as idades que trata da temática da leitura e da escrita como algo inerente e necessário à vida desde que os seres humanos, com engenho e arte, inventaram a escrita. A folhinha do Sagrado Coração de Jesus ficava pendurada na parede do corredor, entre a cozinha e a sala de jantar. [...] Ali ficavam estampadas as informações do calendário: o dia do mês, da semana, os santos que se comemoravam, as fases da lua, alguma receita ou lembrança de cuidado com a saúde, tudo isso escrito em preto, algumas das letras muito miúdas, outras maiores, os números que anunciavam os dias sempre bem grandes; em vermelho, se fosse domingo, feriado ou dia santo de guarda; em preto, se fosse dia de semana e sem comemoração importante. [...] Antes do café da manhã,a família já esperando na mesa, o pai destacava a folhinha da véspera, lia as informações para o novo dia. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 46 . A mãe não lia a folhinha, quer dizer, ela sabia os números, sabia o dia da maior parte dos santos, e só. Na hora em que Osvaldo lia a folhinha é que Estefânia determinava, então, se cortava as couves da horta hoje ou se esperava mais um ou dois dias, se a galinha ia pro choco dali a pouco ou na semana seguinte. Por que a mãe esperava a leitura da folhinha para fazer o que ela sabia fazer? Ela não sabia reconhecer a lua, não sabia o ponto das couves, a hora de começar o choco? Aurora não conseguia entender, mas parece que aquela leitura dava à mãe alguma espécie de certeza ou de autorização que estava fora do alcance da compreensão dela. (Lacerda, 2005, p. 33). Duas mulheres – Aurora e sua mãe Estefânia – separadas por tempos distintos: uma que deseja ardentemente ler, escrever e freqüentar a escola como seus irmãos, no Brasil do início do século XX; a outra que aprendeu a ler os sinais do mundo, por meio de suas experiências cotidianas, primeiro na aldeia natal, em Trás-os-Montes/Portugal, e, mais tarde, no contexto urbano permeado pela escrita do país que a recebeu, sem nunca ter ido à escola. E é por essa razão que a pequena Aurora não conseguia compreender por que Estefânia precisava ouvir a leitura da folhinha, diariamente, para decidir sobre tarefas que estava acostumada a fazer todos os dias, já que sobre elas tinha pleno conhecimento e domínio a partir de sua própria experiência, o que seria denominado, segundo Paulo Freire, de saber-de-experiência-feito. Neste sentido, poderíamos dizer que Aurora ainda não tinha consciência de que a leitura do mundo antecede à leitura da palavra, sendo ambas tão importantes nos processos de aquisição da leitura e da escrita. Outra observação que o texto ficcional nos permite fazer refere-se à complexidade dos conhecimentos que as crianças vão desenvolvendo, ao levantarem suposições e expressarem os sentidos desejados. Pensando na leitura e na escrita hoje, poderíamos dizer, conforme Magda Soares (2000), que o sujeito que aprende a ler e a escrever atua “com” e “sobre” a língua escrita, tentando compreender o sistema de escrita, levantando hipóteses, interagindo com o outro, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 47 . argumentando com base na suposição das regularidades existentes nesse sistema, e submetendo à prova, tanto as hipóteses quanto as regularidades. Em outra passagem, nossa personagem Aurora, ousando escrever, experimenta a entrada em um mundo novo e muito desejado. Uma hora em que ninguém está olhando, Aurora molha o dedo na tinta, ensaia um traço na superfície da mesa. Ela não sabe direito o que está acontecendo, mas experimenta uma sensação muito nova, um prazer que se estende da ponta do dedo ao alto da cabeça. (Lacerda, 2005, p. 22) [...] Ela não sabia escrever, mas, no dia em que a tinta de Péricles virou, o dedo dela escorregando sobre a mesa dizia: eu sou Aurora. Mas só ela sabia que o traço grosso e negro sobre a mesa dizia isso. Era preciso que as outras pessoas soubessem também... (id., ib., p. 35) Tem razão Cecilia Goulart (1999), quando afirma que a dimensão maior da alfabetização está ligada aos conhecimentos filosóficos, científicos e artísticos, principalmente no âmbito da literatura, ou seja, àqueles conhecimentos diretamente relacionados à criação humana, à cultura construída pelo Homem, àquilo que nos humaniza. Imprimir seu nome sobre a mesa, mostrar sua identidade, enfim, buscar um modo próprio de se relacionar com a vida e com sua humanidade: este é o desejo de Aurora. É imensa sua vontade de contar aos pais, aos irmãos, ir para a escola e interagir com outras crianças, ter sua pena de ganso, o tinteiro e o papel, e, caso isto não seja possível, ao menos a pedra e o pedaço de cal, que os irmãos usaram para aprender a escrever, como então se fazia. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 48 . Observando o interesse de Aurora e de outras crianças pela escrita, depreendemos que elas desenvolvem e usam uma variedade de modos e recursos para interpretar e fazer sentido. Que escrita é essa que Aurora e todas as crianças querem aprender na escola? Muito certamente a escrita como constituição do sentido, com as marcas do discurso social – para quem eu escrevo o que eu escrevo, como e por quê. Portanto, a escrita pressupõe sempre um interlocutor. Escrevemos para o outro, inclusive o “outro eu” (Smolka, 1989, p. 71). Voltando às experiências de Aurora como leitora-ouvinte, estas se davam também quando lhe contavam histórias. Uma dessas histórias – Pele de asno4 – a marcou profundamente, enchendo a cabeça da menina de coisas que antes não estavam lá dentro... Sentia uma febre nas idéias... (p. 58). Esta “febre nas idéias” e estas “coisas que antes não estavam dentro” da cabeça de Aurora podem ser interpretadas como disposições afetivas e atitudinais até a compreensão e a produção de sentido para o texto lido/ouvido, abrangendo capacidades que habilitam a menina à participação ativa nas práticas sociais letradas e contribuem para o seu letramento. O que falta então a essa criança? Alfabetizar-se no sentido estrito da palavra: apreender o código, aprender o sistema de escrita. Além disso, na experiência de formação do leitor, a literatura infantil se destaca porque, como discurso escrito, revela, registra e trabalha formas e normas do discurso social, conforme nos ensina Smolka. Se o discurso estético é privilegiado, a literatura também proporcionará ao leitor, além do conhecimento e do autoconhecimento, a possibilidade de jogo, de recreação, de recriação, de fruição e, ainda, o desenvolvimento da capacidade de produzir múltiplos sentidos (Mattos, 2002, p. 21). Como a menina Aurora não podia ler ela mesma, dada a sua condição de não alfabetizada, suas oportunidades de viver a experiência de ser leitora estavam condicionadas a situações em que outras crianças, ou mesmo os adultos, lessem para ela. E eram essas situações que alimentavam, mais e mais, seu desejo intenso e crescente de aprender a ler e escrever. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 49 . Não é por acaso que esse desejo é intensificado a partir do contato de Aurora com a leitura literária – a leitura de um conto de fadas que enseja descobertas, espantos, sobressaltos na menina e a faz tanto refletir sobre suas vivências cotidianas quanto ingressar num mundo de sonho e imaginação em que você pode sonhar uma árvore de pedra, porque conhece as árvores e as pedras, mas não conhecendo uma e outra, não tem como sonhar a mistura delas (Lacerda, 2005, p. 69). As crianças, para se constituírem leitoras e experimentarem as infinitas capacidades de criar, imaginar e transformar a realidade em que estão inseridas, precisam viver situações em que assumam o papel de leitoras de textos literários ou não-literários, seja numa interação solitária com o texto escrito, em que a interlocução dela consigo mesma se estabelece, bem como dela com o escritor do texto que lê, seja numa interação com a voz de outras crianças ou de adultos que para ela contam histórias, dizem poemas, fazem relatos, descrevem lugares, lêem notícias, reportagens e informações variadas. A nossa personagem Aurora, na história Pena de ganso, ressente-se e carrega um grande sofrimento que busca, de todas as formas, superar, por não lhe ser permitido freqüentar a escola. Tal ressentimento deve-se ao fato de ela saber, ainda que intuitivamente, que é nesse espaço de aprendizado da leitura e da escrita que se consuma o domínio de tais atos, passaporte para o ingresso num mundo de possibilidades na sociedadeletrada em que vive, bem como o que permite às pessoas estar aqui e em outro lugar, neste tempo e em outros tempos. A letra é um meio de transporte, tem a essência da viagem [...] (Lacerda, 2005, p. 70). Além da escola, é a biblioteca o espaço que, por excelência, constitui o repositório de livros e, eventualmente, de outros materiais de leitura. É ela que assegura a preservação e a guarda dos instrumentos que nos possibilitam essa "viagem" de que nos fala a criadora da personagem Aurora, alijada dos bens culturais produzidos socialmente e cuja trajetória nos faz refletir sobre o direito que todas as crianças têm de aprender a ler e escrever, condição sine qua non para o exercício da cidadania. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 50 . Para isso, as crianças precisam não só ter contato com livros no espaço da sala de aula, como também visitar os lugares onde existe uma diversidade e uma variedade de publicações disponíveis para consulta e empréstimo dos usuários: as bibliotecas. O repertório de leitura de uma pessoa amplia-se significativamente quando lhe é dado o acesso a diferentes espaços onde podem ser encontrados materiais impressos – salas de leitura, bibliotecas, livrarias, entre outros –, contendo textos de uma infinidade de gêneros – romances, contos, crônicas, textos de divulgação científica, poemas, relatos históricos, etc. – em diferentes e variados suportes – livros, jornais, revistas, Internet, só para citar os mais comuns e usuais. Para o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e de escrita com competência, deve-se, em primeiro lugar, compreender o fenômeno do letramento e as relações entre práticas orais e escritas de produção de texto. Tal competência implica, por parte da professora, o uso consciente da linguagem nas situações de interação como também sua inserção no universo da escrita letrada5 como objeto de estudo. Isto significa afirmar que as professoras devem fortalecer seus conhecimentos quanto ao que ensinam e quanto aos modos como ensinam. Nas práticas de leitura e compreensão de textos em seus diferentes gêneros e suportes, é fundamental que a professora utilize estratégias diferentes para fazer perguntas sobre esses textos. É o caso, por exemplo, de um conto infantil e de uma manchete de jornal. O conto infantil pertence à cultura literária ficcional, que nos remete mais facilmente à multiplicidade de sentidos, à polissemia, e apresenta uma estrutura predominantemente narrativa. Já a manchete jornalística ocupa-se de documentar ações humanas, revelando um compromisso maior com a “verdade” da informação dos fatos, e sua estrutura é a do relato. Em outras palavras, escolher as perguntas sobre os textos e como fazê-las significa estarmos atuando na perspectiva do letramento das crianças. Também é imprescindível às crianças que estão em processo de construção da leitura e da escrita terem contato e conhecerem outros espaços além de sua própria escola, como museus, LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 51 . centros culturais, fábricas, laboratórios, entre muitos outros que reúnem acervos diferenciados e encerram os saberes produzidos e acumulados pela humanidade. A título de ilustração, pensemos no quanto seria importante e enriquecedor, para uma turma de alunos que estivesse estudando a História do Brasil Colônia, e freqüentasse uma escola no município do Rio de Janeiro, ou em outro município relativamente próximo, fazer um passeio por certos logradouros do Centro do Rio de Janeiro, a fim de observar os prédios em seus diferentes estilos – o conjunto arquitetônico do Paço Imperial, do prédio da Santa Casa de Misericórdia, das igrejas como Nossa Senhora de Bonsucesso e do Mosteiro de São Bento, do Arco do Teles – reveladores de todo um processo histórico, artístico e urbanístico. Lugares por meio dos quais é possível ler a história cultural, política, social, religiosa, de um tempo passado que se perpetua no presente. Assim, a História do Brasil, lida e ouvida pelos alunos em sala de aula, ganha o espaço da cidade em suas múltiplas linguagens, ensejando a leitura de mundo aliada à leitura da palavra. Imaginemos uma outra situação. Uma professora, que havia contado a história da Galinha Ruiva6 a seus alunos – história em que a galinha chama vários animais, um de cada vez, para plantar e colher o trigo, debulhar a espiga, moer os grãos, cozer o pão. A cada pedido, nenhum deles quer ajudar, e ela prossegue sozinha, até o momento em que – pronto o pão – todos aparecem para comer (Lacerda, 2005, p. 126) –, conversa com eles sobre o narrado, ouve-os e provoca-os para o debate. A partir desse diálogo, a professora apresenta outra questão à turma: como homens e mulheres produzem seu próprio alimento? Os alunos manifestam-se dando exemplos, levantando hipóteses, lendo textos sobre a classificação dos alimentos, criando cardápios a partir do estudo sobre os diferentes tipos de alimentos. Por fim, decidem realizar uma pesquisa com profissionais que trabalham na padaria de seu bairro. Acompanhados e orientados pela professora, fazem uma visita a essa padaria para que possam realizar as entrevistas, bem como compreender e registrar como se produzem os diferentes gêneros alimentícios ali comercializados, como eles são acondicionados, qual é seu prazo de validade, como se dá a divisão das diferentes tarefas entre os empregados. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 52 . Ao relatar tais situações hipotéticas, queremos reiterar que o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita não se circunscreve ao espaço escolar. Tal desenvolvimento deve ultrapassar a sala de aula e ganhar outros espaços tão legítimos e importantes quanto aquele. Estabelecendo-se a interlocução entre diferentes vozes e sujeitos discursivos – alunos, professores, escritores, bibliotecários, museólogos, operários – é que se concretiza, portanto, a leitura como experiência, de que nos fala Sônia Kramer, pelo fato de se poder entrar nessa corrente em que a leitura é partilhada e, tanto quem lê, quanto quem propiciou a leitura ao escrever, aprendem, crescem, são desafiados (2000, p. 108). Referências bibliográficas BERNARDO, Gustavo. Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, Elizabeth D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132. GOULART, Cecilia M. Uma reflexão sobre a prática da alfabetização. Rio de Janeiro: Folha PROLER n. 9, Casa da Leitura / FBN, setembro de 1999, p. 7-8. KRAMER, Sônia. Leitura e escrita como experiência – notas sobre seu papel na formação. In: ZACCUR, Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999. LACERDA, Nilma. Pena de Ganso Ilustrado por Rui de Oliveira. São Paulo: DCL, 2005. MATTOS, Margareth S. de. Informação e ficção na literatura infanto-juvenil: reflexões sobre a leitura no Brasil. Dissertação (mestrado em Letras). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2002. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 53 . SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 2. ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da UNICAMP, 1989. SOARES, Magda Becker. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR, Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999. Sugestões de leitura para os professores MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. PAIVA, Aparecida e outros (orgs.). No fim do século: a diversidade - o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. ZILBERMAN, Regina.Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. Notas: PROALE – Programa de Alfabetizaçãoe Leitura/Universidade Federal Fluminense. 2 PROALE - Programa de Alfabetização e Leitura/Universidade Federal Fluminense. 3 Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, Elizabeth D’Angelo Serra (org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002, p. 132. 4 Conto de fadas popularizado pela versão de Charles Perrault, que publicou contos populares na França do século XVII. 5 Kleiman, A.B. Formação do professor: retrospectivas e perspectivas na pesquisa. In: _____ (org.). A formação do professor: perspectivas da lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. 6 Conto popular que pode ser lido em uma versão escrita por Verônica S. Hutchinson, com tradução de Vera Braga Nunes, no volume 3 da coleção O mundo da criança, uma publicação da Editora Delta, Rio de Janeiro. LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 54 . Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Ronaldo Mota MEC/SEED/TV ESCOLA SALTO PARA O FUTURO Diretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância Carmen Moreira de Castro Neves Coordenadora Geral de Produção e Programação Viviane de Paula Viana Coordenadora de Educação Básica Angela Martins Supervisora Pedagógica Rosa Helena Mendonça Coordenadoras de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Diagramação e Editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa Gerência de Criação e Produção de Arte Consultora especialmente convidada Cecilia Goulart Email: salto@tvebrasil.com.br Home page: www.tvebrasil.com.br/salto Av. Gomes Freire, 474, sala 105. Centro. CEP: 20231-011 – Rio de Janeiro (RJ) Junho 2006 LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 55 .