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VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT Deficiência Intelectual- Investigação do Diagnóstico Etiológico. Referência: livro Genética Médica para não especialistas, cap 1. Contexto: ✓ Amplo espectro de transtornos; ✓ Impacto na qualidade de vida, nas relações sociais, na produtividade e na demanda por serviços especializados (saúde-educação-etc); ✓ 50 a 60% dos casos não são esclarecidos, o que evidencia a carência de atenção para a área da genética médica, uma vez que cerca de um terço dos casos se deve a causas genéticas. ✓ Relação com o conceito de Doenças Raras, que só recentemente tem recebido atenção no Brasil e representam um grupo extenso de condições que, além da baixa prevalência, compartilham aspectos como gravidade, curso clínico cronicamente debilitante, escassez de recursos diagnósticos e terapêuticos, difculdade de acesso a serviços de saúde e educacionais, desconhecimento dos profssionais que atuam nessas áreas, discriminação e estigmatização. Definição pela OMS e adotada no Brasil = qualquer doença que ocorra em até 65 indivíduos entre 100 mil. ✓ Política Nacional de Atenção às Pessoas com Doenças Raras (Portaria GM/MS nº 199 de 30 de janeiro de 2014), inclui (1) Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras e (2) Normas para Habilitação de Serviços de Atenção Especializada e (3) Serviços de Referência em Doenças Raras no SUS. Tudo isso possibilita a organização do atendimento e melhora do suporte para essa parcela populacional nas Redes de Atenção à Saúde. ✓ As Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (citada acima) abrangem eixos estruturantes que permitiram incluir a Deficiência Intelectual no grupo de doenças raras de origem genética, tendo uma população-alvo de indivíduos com atraso global do desenvolvimento ou DI de causa indeterminada, sem restrição de sexo ou faixa etária. Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento = condição complexa iniciada antes dos 18 anos de idade (período de desenvolvimento) associada a redução substancial do funcionamento intelectual concomitante a déficits no comportamento adaptativo, envolvendo os domínios conceitual, social e prático. Substituição dos termos “retardo”, “deficiência mental”. Manifestações: Não se pode associar a DI a um marcador físico ou biológico específico nem a um sintoma ou fenótipo isolado, por isso é recomendada análise integral do indivíduo. Estabelecer o fator causal da DI pode ser um processo longo, laborioso, dispendioso e, muitas vezes, inconclusivo. Contudo, é um esforço que se justifica, pois o diagnóstico representa um instrumento clínico e legal, possibilitando orientação fundamentada sobre evolução e prognóstico, risco de recorrência, estratégias de tratamento e prevenção, suporte educacional, assistência a transtornos subjacentes, apoio familiar específico e obtenção de benefícios sociais, proporcionando atenção integral à saúde e facilitando a inclusão social da pessoa com DI. Testes padronizados para análise da capacidade cognitiva ou psicométricos, como o Quociente de inteligência (QI), devendo ser considerado para indivíduos com QI inferior a 70. A OMS considera 4 níveis de gravidade. VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT A DI pode se apresentar durante os primeiros anos de vida, porém, pela impossibilidade de se aplicar e validar testes de QI, não pode ser diagnosticada adequadamente antes dos cinco anos e caso criança menor de 5 anos apresente alguma disfunção no desenvolvimento, é designado “atraso do desenvolvimento”. É importante ter cuidado com esse termo porque pode ser uma condição transitória. A manifestação clínica mais comum e precoce da DI é o atraso no desenvolvimento da linguagem. Epidemiologia: A prevalência global de DI é em torno de 1% nos países com renda alta e de 2 a 3% nos de renda baixa e média, onde se concentra a população infantil e fatores ambientais deletérios. No Brasil, conforme dados do censo demográfco de 2010, há pelo menos 2,6 milhões (1,4%) de pessoas com DI, sendo estimado que 800 mil têm DI de causa genética. 25-50% do atraso global de desenvolvimento e da DI moderada ou grave tenham origem genética. Etiologia: a) Causas não genéticas- fatores ambientais podem gerar várias ações deletérias sobre o corpo humano, podendo levar a disfunções funcionais e/ou estruturais. Tais fatores são classificados conforme seu período de atuação, havendo maior vulnerabilidade entre o 2º mês intrauterino e o 3º ano de vida. ▪ Pré-natais: condições maternas como idade avançada, multiparidade, hipertensão arterial, tabagismo, epilepsia, diabetes, exposição a teratógenos como álcool ou fármacos, infecções como rubéola, toxoplasmose, síflis, CMV e Zika vírus. A maioria é evitável. ▪ Perinatais: IG< 37 semanas, trabalho de parto prolongado, apresentação não cefálica do feto, evidências de isquemia cerebral/encefalopatia hipoxico- isquêmica, baixo peso ao nascimento, icterícia signifcativa e convulsões neonatais. ▪ Pós-natais: infecções do SNC como meningite e encefalite, traumatismo craniano, convulsões e quaisquer condições que possam determinar perturbações cerebrais vasculares ou degenerativas. Desnutrição proteico- calórica, negligência e assistência inadequada à criança, privação sociocultural, hospitalizações precoces, múltiplas ou prolongadas (acompanhamento escolar deficiente e menos estímulos). EXEMPLO: Transtornos do Espectro do Álcool Fetal (TEAF): causa não genética pré-natal! ❖ Síndrome Alcoólica Fetal (SAF)- DI moderada, hiperatividade, agressividade; estrabismo, distúrbio do processamento auditivo central, perda auditiva; microcefalia, fendas palpebrais encurtadas, pregas epicânticas internas, hipoplasia malar, filtro longo e apagado, lábio superior fino; cardiopatias; hipoplasia de falanges distais, prega palmar anômala, limitação articular. ❖ Transtornos do Álcool Fetal- distúrbios de aprendizagem e comportamento como déficit de atenção, hiperatividade, impulsividade, agressividade, depressão, distúrbios do sono. Causas (exposição ao álcool); Diagnóstico (clínico). VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT b) Causas genéticas- A DI está relacionada com um grande número de síndromes genéticas. São classificadas em: ▪ Cromossômicas: identificadas pelo exame do cariótipo, tendo sido desenvolvidas novas técnicas de análise citogenômica, associando métodos citogenéticos e de biologia molecular, ou microarray cromossômico que permitem identificar alterações imperceptíveis ao exame de cariótipo convencional; mas quando o quadro clínico sugere alguma condição conhecida determinada por alteração submicroscópica, a confirmação pode ser feita pelo teste de FISH (fluorescent in-situ hybridization) específico. A síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21) é a principal causa genética de DI, havendo também a Síndrome de Williams. ▪ Monogênicas: decorrentes de mutações (ou variantes patogênicas) em um único gene (seja em homo, hétero ou hemizigose), associadas tanto a DI sindrômica como não sindrômica. Exemplos incluem erros inatos do metabolismo e síndromes com associação de determinadas anormalidades fenotípicas e DI, sendo a maioria com padrão de herança recessivo autossômico, mas havendo herança ligada ao X e transmissão dominante autossômica. ▪ DI ligada ao X ou ao sexo (DILX): determinada por variantes patogênicas em genes do cromossomo X, justifica o excesso de homens sistematicamente registrado em amostras de pessoas com DI. A principal causa hereditária corresponde à Síndrome do X frágil. Estima-se que mais de cem genes do cromossomo X sejam associados à DI e que cada um deles contribua em 0,1% na determinação dessa característica entre indivíduos do sexo masculino. ▪ Mecanismo Multifatorial: determinado pela interação de fatores genéticos e ambientais diversos; em geral é de grau leve (QI entre 50 e 70), há pelo menosum parente em 1º grau afetado e o exame físico normal. EXEMPLOS: ❖ Síndrome de Down: DI de causa genética cromossômica. Causada por trissomia regular do cromossomo 21 (95% dos casos), translocação desequilibrada entre o 21 e outro cromossomo acrocêntrico (3% a 4%) ou mosaicismo (1% a 2%). Prevalência de até 1:1000 nativivos, estando relacionada com DI moderada. Quadro clínico envolve hipotonia, dismorfismos craniofaciais/de membros, temperamento dócil e alegre, boas habilidades sociais, gosto por música, estatura média de 150cm. Relação com comorbidades como anomalias oculares e auditivas (65-75%), cardiopatias congênitas (50%), constipação intestinal (44%), apneia obstrutiva do sono (50-75%) VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT e alterações da tireoide (20%). Diagnosticada por exame de cariótipo convencional, biópsia de pele para exame de cariótipo a partir de cultura de fbroblastos ou microarray cromossômico. ❖ Síndrome do X frágil: DI de causa genética ligada ao X ou ao sexo. Causada por Expansão de trinucleotídeos CGG (>200 a 2000 repetições), gerando DI em graus moderados em homens e leve ou limítrofe em mulheres. Prevalência média de 1:5000. Quadro clínico com dismorfsmos craniofaciais (perímetro cefálico acima da média, frontal alto, face alongada, orelhas proeminentes, prognatismo); macrorquidia; distúrbio de comportamento sugestivo de transtorno do espectro autista (principal causa de autismo sindrômico); dificuldade de interação social; déficit de atenção, hiperatividade, hétero e autoagressividade; comprometimento da linguagem. Relacionada com comorbidades como crises convulsivas, peito escavado; hiperextensibilidade de articulações metacarpofalangianas; pés planos; escoliose; hérnia inguinal, anomalias oftalmológicas. Diagnosticada com métodos PCR e Southern. Diagnóstico: devido a grande heterogeneidade causal e a variabilidade clínica da DI, pode se tornar um processo longo, laborioso e oneroso. Na tentativa de otimizar o tempo da investigação diagnóstica, minimizar custos com procedimentos desnecessários e reduzir a carga imposta às famílias na busca por diagnóstico e tratamento, foi proposto o protocolo de investigação etiológica da DI: 1. Avaliação clínica geral: reconhecimento inicial que, em geral, é feito na atenção básica, por pediatras, clínicos gerais e médicos das equipes da ESF. É feita uma avaliação global do indivíduo por anamnese e exame físico rotineiros, pelos quais serão observados sinais e sintomas chave. Assim, a constatação de DI é feita pela presença de: (1) atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor; (2) hipotonia; (3) atraso de fala; (4) déficit cognitivo e (5) distúrbios de comportamento. Esse diagnóstico é mais frequentemente feito nos primeiros anos de vida, mas a DI pode ser identificada tardiamente, quando a clínica é associada às manifestações mais comuns para cada faixa etária (quadro), quando podem haver alguns padrões incomuns de comportamento. No exame físico, podem ser encontradas alterações na antropometria, como: (1) alterações de crescimento, (2) microcefalia, (3) anomalias viscerais, etc; as quais não devem direcionar a investigação devido a heterogeneidade etiológica da DI. Diante de tudo isso, frente a casos suspeitos de DI, deve- se realizar: (1) Encaminhamento para Serviço ou Centro de referência em genética médica; (2) Avaliação com neurologista; (3) avaliação neuropsicológica para maiores de 5 anos; (4) avaliação oftalmológica e auditivas, sorologias para infecções congênitas, função tireoidiana; (5) encaminhamento para terapias de estimulação/habilitação. VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT 2. Avaliação genético-clínica: inclui (1) anamnese com detalhamento dos antecedentes pré, peri e pós-natais e ênfase nos antecedentes familiais, que devem ser representados em heredogramas de no mínimo três gerações; (2) registro do desenvolvimento somático e neuropsicomotor, incluindo involuções neurológicas, crises convulsivas, baixo ganho ponderoestatural, obesidade, macrossomia, recorrência de infecções e outras intercorrências mórbidas; (3) registro dos aspectos comportamentais como interação social, agressividade, compulsões, padrão de sono, etc; (4) exame físico, quando se deve atentar para parâmetros normais de antropometria (peso, comprimento e perímetro cefálico) e para outros não habituais (envergadura, distância intercantal externa e interna, comprimento de fenda palpebral, orelha, comprimento de mão e dedo médio, comprimento dos pés, volume testicular, etc), além da atenção à presença de desvios da morfogênese (dismorfsmos ou anomalias minor), alterações neurológicas e de comportamento. Com bases nos achados, é possível classificar a DI como não sindrômica e sindrômica. Alguns ainda consideram que, mesmo dentro de uma mesma classificação da DI, cada caso é uma condição única já que pode ser analisado como um complexo sintomático com apresentações diferentes e associadas as mais diversas comorbidades, demandando intervenções médicas e terapias de reabilitação variáveis. Na DI sindrômica, a investigação diagnóstica se baseia na hipótese clínica, mas como não há um só fenótipo clínico reconhecível que permita solicitar um exame único, são desenvolvidos algoritmos que, a partir da avaliação genético-clínica de indivíduos com DI ou atraso do desenvolvimento, direcionam a indicação dos exames complementares. Um deles está a seguir: VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT Dentro dos fluxogramas, podem ser solicitados exames que fazem parte da investigação clínico, como descritos abaixo. Esses exames podem ser realizados em indivíduos assistidos na Rede Assistencial de Saúde Suplementar, quando solicitados em conformidade com os critérios estabelecidos em Diretriz de Utilização (DUT) específica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para indivíduos atendidos na rede pública há restrições, já que poucos serviços de Genética credenciados no SUS oferecem esse exame. a) Exame de cariótipo convencional: através de cultura celular, é feito estudo de alterações cromossômicas numéricas e/ou estruturais pela análise do cariótipo com resolução de 400-550 Bandas por lote haploide. Pouco indicado desde a introdução do microarray, mas alguns ainda o indicam para casos de suspeita de Down, aneuploidias ou mosaicismo. b) Microarray cromossômico: É muito recomendado em DI de causa indeterminada. Dispensa a cultura celular e analisa todo o genoma em experimento único, possibilitando a identificação de perdas (deleções) ou ganhos (duplicações) de segmentos cromossômicos submicroscópicos (não visualizados ao exame de cariótipo). Inclui métodos de hibridização. VANESSA TELLES- MEDICINA UFMT c) Hibridização in situ por fluorescência (FISH) e MLPA (Multiplex Ligation Probe- dependent Amplifcation) específicos: utilizam sondas para identificar alterações em regiões cromossômicas específicas e sua indicação depende da caracterização de quadro clínico sugestivo do envolvimento dessas regiões. d) Pesquisa de mutação do X frágil: pacientes do sexo masculino e feminino com DI de causa não esclarecida, em especial quando houver recorrência familial com distribuição sugestiva de herança ligada ao cromossomo X. É feita análise molecular (métodos como Southern blotting ou PCR-Polimerase Chain Reaction, ou associação de ambos). e) Estudos metabólicos: variados e dependentes de vários exames, como cromatografas de aminoácidos, açúcares, ácidos orgânicos, lipídios ou mucopolissacárides, em amostras de urina, plasma ou dosagens enzimáticas. A indicação desses exames deve ser seletiva, em especial frente a manifestações como hipotonia, déficit de crescimento, acidose láctica ou metabólica, convulsões, hepatoesplenomegalia não infecciosa, facies grosseira, distribuição anormal de gordura, anomalias oftalmológicas, alterações osteoarticulares, alterações da cor dapele, do cabelo ou da urina, bem como no odor urinário e (ou) do suor. f) Testes moleculares: possibilita identificação de mutações e polimorfismos. Sua disponibilidade vem aumentando, mas são limitados pelo custo e muitas vezes não estão disponíveis na rotina laboratorial, sendo limitados a projetos de pesquisa. g) Sequenciamento genômico: existem métodos de sequenciamento massivo, que consistem no sequenciamento do DNA em plataformas capazes de gerar informação sobre milhões de pares de bases em uma única corrida, avaliando todo o genoma (whole-genome sequencing); e métodos mais flexíveis de menor custo, que faz uma captura seletiva dos exons, com sequenciamento e análise de cerca de 30 milhões de pares de bases ou 30 megabases (Mb), correspondentes a 1% do genoma, que contém informações para codificação de proteínas. h) Neuroimagem: apoio à investigação do atraso do desenvolvimento/DI, em especial frente a micro ou macrocefalia e manifestações neurológicas. O exame de escolha é a ressonância magnética encefálica. i) Avaliações complementares: avaliação auditiva e visual, avaliação neurológica, avaliação neuropsicológica para realização de testes psicométricos, eletroencefalograma, além de outros conforme o quadro clínico.
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