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O FENÔMENO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

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O FENÔMENO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Prof. Thomas Heimann
NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI APRENDER
· A compreender o fenômeno religioso, reconhecendo sua presença nas mais diversas áreas da cultura humana, em uma perspectiva da integralidade do ser;
· A analisar os principais elementos constitutivos de religiões e manifestações religiosas do mundo e da realidade brasileira;
· A avaliar a influência das diferentes religiões no estabelecimento de relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
INTRODUÇÃO
O estudo de uma disciplina com o nome de Cultura Religiosa pode causar certa estranheza a alguns universitários. A pergunta que surge é: afinal, a religião, um assunto de foro tão íntimo e pessoal, pode ser objeto de estudo científico e acadêmico? Qual a relevância ou aplicabilidade disso para uma formação acadêmica e profissional, em um mundo cada vez mais tecnicista, racional e agnóstico, que se torna, a cada dia, mais indiferente ao campo religioso?
Do ponto de vista científico, não importa se todos os alunos da disciplina sejam completos ateus, agnósticos ou até mesmo críticos da religião, vendo-a como um pensamento primitivo, uma prática supersticiosa ou até um entrave ao avanço da ciência. O fato é que, independentemente da nossa atitude pessoal frente às crenças religiosas, o fenômeno religioso é um dos principais fundamentos da sociedade, estando presente em diferentes representações culturais dos diferentes povos e civilizações, desde os tempos mais remotos da humanidade.
A estrutura deste capítulo passa pela definição de conceitos básicos no campo da religião, pela demonstração concreta de sua presença nas diferentes representações culturais, pela dialogicidade com outros campos do conhecimento humano e também por algumas reflexões acerca da experiência religiosa.
Portanto, reconhecer que o fenômeno religioso se inscreve e demarca o processo civilizatório humano é um dos grandes desafios a que se propõe este capítulo introdutório.
Como afirma um dos grandes pesquisadores das ciências da religião, se “Deus não é objeto de investigação estritamente científica, porém, toda vivência religiosa envolve um ser humano e, como experiência humana, pode ser objeto de investigação científica” (BENKÖ, 1981, p. 14).
O “HOMO RELIGIOSUS”: A UNIVERSALIDADE DA RELIGIÃO
O ser humano é um ser multidimensional, composto por elementos físicos, intelectivos, afetivos, volitivos, lúdicos, sociorrelacionais e, também, por elementos religiosos. O “homo religiosus”, como afirma a antropologia, “desenvolveu uma atividade religiosa desde a sua primeira aparição na cena da história [...] todas as tribos e todas as populações de qualquer nível cultural cultivaram alguma forma de religião” (MONDIN, 1980, p. 218).
A universalidade religiosa precisa ser compreendida em toda a sua diversidade. Há muitas formas e expressões religiosas, como o monoteísmo (crença em um só deus), politeísmo (crença em vários deuses), panteísmo (Deus e o universo são idênticos), dualismo (duas forças opostas que regem o universo), deísmo (há um ser supremo, mas que não interage com a criação), teísmo (um ser divino e pessoal que interage com a natureza e com as pessoas), esoterismo (a busca de conhecimentos ocultos através do espiritual, místico ou sobrenatural – feng shui, astrologia, numerologia etc.) entre outras, podendo haver pequenas variações conceituais em cada uma delas.
Em uma abordagem histórica, além das já conhecidas tradições religiosas, como as mitologias grega e romana, as religiões clássicas como Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo, as religiões antigas dos egípcios, incas, maias e astecas, há também formas mais primitivas de expressões religiosas. Uma das principais é o animismo. Nessas antigas crenças, o ser humano atribuía aos animais, às plantas, aos rios, às montanhas, às estrelas etc., uma conotação espiritual. Ou seja, nos fenômenos e elementos da natureza habitavam e se expressavam espíritos e forças divinas, que deveriam ser venerados e apaziguados, especialmente diante de fenômenos climáticos, celestes e geofísicos, como secas, terremotos, furacões, erupções de vulcões, eclipses entre outros. Muitas oferendas e sacrifícios, inclusive de humanos, foram realizados ao longo dos séculos na busca de agradar aos deuses ou de aplacar a sua suposta fúria contra algo ou alguém.
Do animismo, derivou-se outra prática religiosa, o fetichismo, que consistia em atribuir a objetos, animados ou inanimados, um poder mágico ou sobrenatural. Esses objetos poderiam ser tanto produzidos pelos indivíduos como encontrados na natureza, tais como pedras, dentes, ossos, bonecos, estatuetas, correntes e pingentes, passando a servir como amuletos protetores individuais. Podemos relacionar o rico mundo das superstições, ainda tão presente na sociedade de hoje, como um exemplo atual de crença fetichista.
Em suma, mesmo que estejamos hoje vivendo um processo crescente de secularização, marcado pelo enfraquecimento do sagrado, pela perda de interesse na vivência religiosa comunitária, a religiosidade tem permanecido como uma constante do ser humano, mesmo que não seja mais cultivada por todos os indivíduos da espécie (MONDIN, 1980, p. 218).
DEFININDO CONCEITOS: RELIGIÃO, FÉ E ESPIRITUALIDADE
Religiosidade é um conceito complexo, subjetivo e multifacetado. Ele pode significar desde um conjunto de crenças, regras e ritos compartilhados por uma comunidade, até um sentimento misterioso de interioridade, envolvendo algo místico e pessoal.
No sentido etimológico, o termo latino religio pode advir de dois verbos. O primeiro seria religere, cujo sentido denota a atitude de estar atento, refletir e observar, dando a ideia de que a religião está ligada a um fenômeno que exige cuidado, zelo e dedicação por parte daqueles que a praticam. O segundo verbo seria religare, ou seja, religar, unir novamente, sinalizando para o retorno ou reparação de uma situação que foi rompida, na tentativa de se ligar novamente a Deus. (ROOS, 2008, p. 859-861). Ambas fazem sentido analisando-se o que acontece na vivência religiosa dos crentes. A título de exemplo, citamos o relato judaico-cristão que descreve a queda do ser humano em pecado. Ali se rompia a relação perfeita entre Deus e o ser humano, que justifica o conceito de reparação através da criação da religião, ou seja, uma mediação concreta para religar-se novamente com o Criador.
Avançando no conceito, “qualquer definição de ‘religião’ que não inclua como uma variável-chave a crença em seres (...) sobre-humanos que possuem poder de auxiliar ou causar dano ao ser humano é contra intuitiva” (SPIRO, In: WIEBE, 1998, p. 19). Já outras definições dizem que “a religião é um sentimento ou sensação de absoluta dependência” ou que “significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética) ” (GAARDER, 2000, p. 17).
Essa última definição se aproxima de critérios mais objetivos ao caracterizar a religião como: a) um conjunto de crenças ou doutrinas; b) um conjunto de ritos ou cerimônias; c) um código de comportamento ético e moral a ser seguido; d) uma experiência relacional com um ser transcendente vivenciada em dimensão comunitária.
INFOGRÁFICO
Reforça-se que religião implica uma relação em pelo menos dois sentidos: vertical, em direção ao ser transcendente; e horizontal, em direção a outras pessoas, que compartilham das mesmas crenças. Não há, portanto, religião de um indivíduo só. Daí surge a diferenciação entre o conceito de religião e espiritualidade. A espiritualidade diz respeito a uma característica humana que designa toda vivência que pode produzir mudança no interior do ser humano e redimensiona a sua forma de se relacionar consigo, com os outros e com o cosmos. Está relacionada com valores, significados e busca de sentido, que podem ser encontrados em diferentes lugares, inclusive em si mesmo (GIOVANETTI, 2005, p. 136).A forma mais usual de manifestação da espiritualidade é através da religiosidade, ou seja, ela se concretiza quando um indivíduo encontra em uma religião um conjunto de elementos que dão sentido para sua existência. Nesse caminho, surge o conceito de fé religiosa, entendido pela experiência de se sentir chamado e confiar em algo ou alguém de cunho sagrado, se relacionando com esse ser em uma postura de reverência, confiança, dependência e reciprocidade.
A religião também ocupa funções importantes. Ela procura dar respostas para as grandes questões existenciais, elaborando explicações para a origem, sentido e destino de todos os seres vivos. A religião também oferece consolo em momentos de sofrimento e alimenta a esperança de uma vida além morte, aplacando a angústia humana diante da incômoda consciência de sua finitude. Além de também ser um meio de preencher o vazio existencial, a religião auxilia na construção de uma identidade pessoal e coletiva, dando ao ser humano um sentimento de pertença a um grupo, fator importante para a coesão social e saúde mental.
O FENÔMENO RELIGIOSO E SUAS REPRESENTAÇÕES NA CULTURA
Retomando o que já afirmamos neste capítulo, mesmo que não tenhamos qualquer crença religiosa, o fato é de que ela está fortemente presente em diferentes dimensões da cultura e sociedade.
Quem gosta de olhar filmes e seriados, independentemente do gênero, irá se deparar com enredos permeados de religiosidade. Muitos clássicos do cinema trazem a marca do religioso, do sobrenatural e do místico. Filmes épicos como Tróia, Cruzadas, Ben-Hur, A Paixão de Cristo, Maria Madalena; filmes de ação e aventura como a trilogia de Indiana Jones, Senhor dos Anéis, Crônicas de Nárnia, A Múmia, Harry Potter, 2012, Thor, etc.; filmes policiais, de terror e de suspense como O Exorcista, O Chamado, Ouija - O Jogo dos Espíritos, Seven - Os Sete Pecados Capitais; dramas como Ghost, Amor Além da Vida, Cidade dos Anjos, até mesmo grandes comédias como Mudança de Hábito, O Todo Poderoso, Ghostbusters; a lista é enorme. Das séries, podemos citar Supernatural, Lúcifer, Ghost Hunters etc. Também muitas telenovelas abordaram temas religiosos, como Roque Santeiro, A Padroeira, Porto dos Milagres, Almas Gêmeas, Babel, Eterna Magia entre outras.
Já quem gosta da literatura, além da Bíblia ser o maior best-seller mundial, vamos encontrar clássicos como Código da Vinci, Anjos e Demônios e Inferno, de Dan Brown, O Monge e o Executivo, A Cabana, ‘Comer, Rezar, Amar’, além de muitos livros esotéricos e de linha espiritualista, um dos poucos segmentos que ainda crescem no mundo editorial. Já no campo das artes, nomes como Leonardo Da Vinci, Rafael, Michelângelo e Aleijadinho são reconhecidos por suas obras com temática religiosa. Na própria música, desde autores sacros como Bach, Mozart e Beethoven, como inúmeras bandas de rock, passando por cantores e compositores nacionais, além de todo movimento de música Gospel, trazem conteúdos religiosos em suas letras e composições.
O campo do turismo é outro elemento importante que se relaciona com a religião. Países e cidades têm como fonte de renda o elemento da fé e religiosidade. A Capela Sistina no Vaticano, as pirâmides do Egito e de Cuzco no Peru, o Monte Olimpo na Grécia e a cidade suspensa de Machu Picchu, o monumento de Stonehenge na Inglaterra, a estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, as peregrinações a cidades santas como Jerusalém e Meca, os santuários de Aparecida do Norte, os templos budistas espalhados pelo mundo são apenas alguns dos exemplos de lugares turísticos. Já no contexto econômico e financeiro, além do turismo, a religião movimenta a economia em diversos setores. Festas como o Natal, Páscoa, São João, Sírio de Nazaré, Navegantes, além de promoverem feriados em nosso calendário, também movimentam a economia, gerando empregos e renda. A venda de produtos religiosos e esotéricos, contratos comerciais em que questões religiosas precisam ser observadas (ex.: abate de animais para exportação a países islâmicos) e até mesmo frases religiosas nas notas de dólar e real mostram essa íntima relação entre religião e a economia. A própria indústria alimentar tem se preocupado com questões religiosas, visto que muitas religiões possuem regras e restrições alimentares que são impostas a seus fiéis.
No esporte, talvez até muitos dos leitores possam dar-se conta de que praticam ritos religiosos: surfistas fazem o sinal da cruz antes de entrar no mar, jogadores entram em campo com o pé direito, atletas apontam para o alto e agradecem a Deus diante de conquistas, treinadores usam a mesma roupa com que obtiveram um título etc. Crenças, superstições e trabalhos religiosos são comuns no meio esportivo.
O campo educacional também sofreu e ainda sofre influência das religiões. Muitas instituições de ensino privadas estão ligadas a grupos religiosos tradicionais como católicos, metodistas, presbiterianos, luteranos, batistas e adventistas. Entre as dez mais importantes universidades do mundo, seis delas tiveram mantenedoras religiosas em sua origem, tais como Harvard, Cambridge, Oxford, Princeton, Yale e Columbia. No Brasil, os grupos religiosos também estão vinculados a universidades como ULBRA, UMESP, Mackenzie, UNISINOS, PUC etc.
No campo da linguagem, o uso de expressões religiosas é comum, mesmo por quem não é religioso, tais como: “Deus me livre”, “cruz-credo”, “meu Deus do céu”, “graças a Deus”. A linguagem religiosa também é expressa em nomes próprios como: João, José, Maria, Ângelo etc. Estados brasileiros como Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina além de centenas de municípios pelo mundo possuem nomes religiosos: São Francisco, San Diego, Los Angeles, San Petersburgo, Salvador, Bom Jesus, Santa Maria, Aparecida do Norte, Santa Cruz, Santa Rosa etc.
Por último, dentro dessa perspectiva da relação da religião com elementos culturais, o campo político não pode ficar de fora, com ambos, por vezes, fundindo-se em um poder unificado. Nos antigos impérios egípcio, romano, maia, japonês, só a título de exemplo, os governantes eram quase todos divinizados, o que legitimava o seu poder absoluto sobre o povo. Por toda a Idade Média, a religião cristã esteve muito atrelada às questões políticas, sendo o papado romano um importante centro de poder, assim como foram – e continuam sendo – os Estados Islâmicos no Oriente Médio. Até mesmo guerras foram travadas sob um suposto pretexto religioso, tais como as inúmeras Cruzadas em prol da conquista da Terra Santa ou as guerras entre hindus e muçulmanos na região da Kashemira (conflitos entre Índia e Paquistão). Nos dias atuais, é comum vermos grupos religiosos buscando espaços e fazendo lobby em decisões políticas que envolvem a sociedade civil, além de continuarem as tensões político-religiosas em diversas partes do mundo, incluindo perseguições a determinados grupos minoritários.
Esses e outros exemplos demonstram o quanto o fenômeno religioso é parte constitutiva da sociedade e está profundamente imbricado em diferentes dimensões da cultura humana. Tal como afirmam Reblin e Sinner, “não é possível entender a experiência religiosa distante da vida social, como se esta independesse daquela, assim como não é possível conceber uma sociedade sem uma vida religiosa. Religião e sociedade se interconectam, se emaranham e, por vezes, se fundem e se confundem na própria amálgama que é a vida humana” (2012, Prefácio).
O FENÔMENO RELIGIOSO E SUAS INTER-RELAÇÕES COM AS CIÊNCIAS
Um outro importante elemento no estudo do fenômeno religioso é a sua interrelação com as diferentes ciências. Talvez por perceberem a relevância histórica e cultural da religião e sua enorme influência no comportamento individual e social da humanidade, diversos campos do conhecimento foram reunidos em uma área chamada de Ciências da Religião. Fazem parte dela a Filosofia da Religião, Psicologia da Religião, Sociologia da Religião, Antropologia da Religião, Direito Religioso e História das Religiões, para citarmos apenas algumas, além do crescente interesse pelocampo da Espiritualidade e Saúde.
Temas de cunho existencial, como a origem do mal ou do sofrimento, o sentido da vida e da morte, a metafísica, a autotranscendência e espiritualidade humana, o campo da moralidade e da ética, a discussão entre fé e razão são alguns dos eixos da Filosofia da Religião, auxiliando os indivíduos a promoverem uma reflexão crítica sobre o campo religioso. Já a Antropologia da Religião procura demonstrar que as diferentes expressões religiosas são criação do próprio ser humano. Busca estudar e analisar as estruturas sociais, enfocando temas como mitos, ritos, tabus, xamanismo e outras formas de representações religiosas inscritas nos diferentes povos.
A Psicologia da Religião, por sua vez, vai analisar os fenômenos religiosos a partir das funções psíquicas e afetivo-emocionais dos indivíduos e grupos. Sigmund Freud, pai da Psicanálise, debruçou-se sobre as estruturas e crenças religiosas, considerando a religião como uma grande produtora de neuroses, em uma tensão constante entre os conceitos de desejo e culpa. Já Carl Gustav Jung, outro importante teórico da Psicologia, é autor de livros como Psicologia e Religião, Resposta a Jó, Psicologia e Religião Oriental entre outros, vendo a religião como uma dimensão importante para obtenção do equilíbrio mental. Pelo viés da psicologia da religião, fenômenos religiosos como visões, incorporações, obsessões ou até possessões são interpretados como sintomas de possíveis transtornos mentais, tais como alucinações e dissociações de personalidade. Também o fanatismo religioso é objeto de estudo da psicologia da religião, na busca de compreender que processos mentais atuam quando fiéis comportam-se de forma irracional, a exemplo do suicídio coletivo incitado pelo Reverendo Jim Jones nas Guianas, em 1978, ou dos seguidores de David Koresh, em Waco, Texas, no ano de 1993.
A Sociologia da Religião é outra área que cresce em interesse acadêmico. Émile Durkheim, a partir da clássica obra As formas elementares de vida religiosa (1912), cria um modelo interpretativo que divide o mundo em duas categorias, denominadas de sagrado e profano. Para Durkheim, a religião é eminentemente coletiva e possui a função precípua de manter a coesão social. Já Max Weber procurou explicar a origem da racionalidade ocidental, escrevendo a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-05), um dos maiores clássicos da sociologia até hoje. Por fim, o sociólogo contemporâneo Peter Berger procura demonstrar que a “religião representa o ponto máximo no processo coletivo de elaboração de um sentido para a vida no mundo”, além de identificar as raízes do processo de secularização e desencantamento do mundo, no qual mostra o porquê as religiões tradicionais vêm perdendo seu poder e monopólio na sociedade. (FERREIRA, 2008, p. 859-861).
Um outro campo de crescente interesse na relação entre ciência e religião é a área da espiritualidade e saúde. É fato histórico a íntima associação existente entre medicina e religião nas origens da maioria dos povos e culturas. Deuses ou o mundo sagrado atuando em curas é um elemento presente desde a antiguidade. Esculápio era o deus da cura na mitologia grega. Imhotept o deus médico egípcio. Nas escrituras judaicas e cristãs lemos: “Eu sou o Deus que te cura” (Êxodo 16.26). Jesus Cristo também ganhou notoriedade histórica por curar muitos doentes, conforme relatos dos evangelhos bíblicos.
Para o médico Alex Botsaris, a medicina, antes de ser ciência, é um produto da cultura humana. Como a arte de curar, ela está presente desde as civilizações mais rudimentares, no momento em que surgiu a necessidade de alguém assumir a tarefa de curar as pessoas, auxiliando-as a lidar com a dor, com a incapacidade física, bem como frente à angústia, suscitadas pela doença e morte. Dessa forma, criaram-se os primeiros “sistemas médicos” que, nas culturas mais antigas, estavam ligados aos sacerdotes e líderes religiosos, como xamãs, pajés, druidas, feiticeiros e curandeiros, que exerciam tanto as funções de religiosos como as de médico/curandeiro. (BOTSARIS, 2001, p. 57). Os fenômenos da doença e da cura, portanto, foram monopólio, por muitos séculos, de religiosos e sacerdotes. Isso é chamado de Teurgia, literalmente traduzido como “trabalho de Deus”. A Teurgia envolvia cânticos, ritos, preces e outras formas de ligação com as forças divinas, sagradas e sobrenaturais, que operariam diretamente por esses meios na cura dos indivíduos.
Em uma correlação com a contemporaneidade, para Landmann, o carisma e o poder quase divinizado dos médicos na atualidade têm seu nascedouro justamente em uma concepção religiosa ou mágica (LANDMANN, 1984, p. 14-15). Porém, a descoberta de técnicas experimentais de pesquisa no século XVII encaminhou uma aproximação aos fenômenos do mundo físico e biológico, distinguindo as novas práticas médicas da visão religiosa e teológica (PAIVA, 2000, p. 13). Aos poucos, as novas descobertas levaram à desapropriação da religião como lugar de cura e cuidado físico, passando a ser quase uma exclusividade da ciência médica.
Gadamer afirma que o médico faz questão de se afastar da figura de curandeiro de tantas culturas, revestido pelo segredo das forças mágicas, arrogando ser um homem da ciência, isto é, que conhece o motivo pelo qual uma determinada técnica de cura tem êxito, bem como entendendo a relação de causa e efeito. Porém, isso não significa que os seus pacientes se satisfaçam com essa explicação, ou seja, a esperança de cura quase mágica associada ao poder do conhecimento que o médico detém é uma fantasia constante a circular na relação médico-paciente, mesmo que os médicos procurem evitá-la a qualquer custo (GADAMER, 2006, p. 40).
Na perspectiva dos benefícios da espiritualidade para a saúde integral do ser humano, Dal Farra refere-se a um conjunto de estudos que têm demonstrado o impacto da espiritualidade sobre diversos parâmetros de saúde que podem ser, inclusive, mensurados de forma metodologicamente eficiente. Diversas publicações científicas têm mostrado evidências “de que o envolvimento religioso está favoravelmente associado a indicadores de bem-estar psicológico, incluindo a satisfação na vida, a felicidade, menor frequência de depressão e de utilização de drogas de abuso” etc. (DAL FARRA, 2010, p. 589).
Elementos da fé e espiritualidade representam um ponto importante a ser considerado nas questões de saúde coletiva, como podemos observar nos dados analisados por Jeff Levin, do National Institute for Healthcare Research, dos Estados Unidos, que resumem os resultados obtidos nas pesquisas sobre espiritualidade e fé em relação à saúde em um amplo conjunto de aspectos, conforme descreve Dal Farra (2010, p. 591-2):
Princípio 1 — A afiliação religiosa e a participação como membro de uma congregação religiosa beneficiam a saúde ao promover comportamentos e estilos de vida saudáveis. Princípio 2 — A frequência regular a uma congregação religiosa beneficia a saúde ao oferecer um apoio que ameniza os efeitos do estresse e do isolamento. Princípio 3 — A participação no culto e na prece beneficia a saúde graças aos efeitos fisiológicos das emoções positivas. Princípio 4 — As crenças religiosas beneficiam a saúde pela sua semelhança com as crenças e com estilos de personalidade que promovem a saúde. Princípio 5 — A fé, pura e simples, beneficia a saúde ao inspirar pensamentos de esperança e de otimismo e expectativas positivas. [...] Pesquisa realizada com pacientes terminais demonstrou que o conforto espiritual não apenas aumenta a esperança de vida dos pacientes como diminui os índices de depressão, de ideias suicidas e de desejo de morte breve. (DAL FARRA, 2010, p. 591-2)
Posto esses elementos que colocam a religião como um objeto da ciência, passível de ser descrito e analisado sob a perspectiva acadêmico-científico, passamos agora a analisar o conceito de experiência religiosa.
A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Você já teve alguma experiência religiosa? Curiosamente, muitos alunos respondem negativamente a esse questionamento.Talvez porque a ideia implícita seja de que uma experiência religiosa precise ser um evento, algo grandioso, tais como revelações proféticas, aparições de seres divinos ou angelicais, falar em línguas, sonhos premonitórios, presenciar espíritos atuando em sessões mediúnicas, ver demônios sendo expulsos em cultos de libertação, ter recebido uma cura espiritual ou ter vivido uma experiência miraculosa.
Dentro da subjetividade que caracteriza as experiências religiosas, podemos afirmar que elas podem ser muito mais simples do que as listadas acima. Meditar ou fazer uma prece em momentos de angústia e em seguida entrar em um estado de paz e tranquilidade, sentindo a presença de Deus, ou ainda experiências de conversão, onde o fiel acredita que Deus o chamou para viver uma nova vida, em uma mudança visível de sua forma de pensar, sentir e agir, também são experiências espirituais/religiosas.
Tais experiências são interpretadas como mediações da esfera do sagrado ou do mundo sobrenatural somente a partir da fé, pois a ciência procura sempre encontrar razões lógicas, humanas e científicas para todas elas. Portanto, a interpretação das experiências religiosas sempre varia de sentido, dependendo das ideologias, convicções, argumentos e crenças pessoais de quem as vivencia, estuda e analisa.
Vamos dar um exemplo dessa variação interpretativa: para algumas religiões neopentecostais, demônios podem possuir pessoas; para os cultos afro-brasileiros, entidades espirituais “ocupam” ou “incorporam” nos fiéis; para religiões espiritualistas, espíritos desencarnados podem orientar, obsidiar ou subjugar indivíduos; para a psiquiatria, tais fenômenos podem ser transtornos dissociativos; para a psicologia, podem advir de um elemento de indução e sugestionabilidade de líderes religiosos. O fato é que não há como negar a existência da experiência ou do fenômeno, mesmo que suas interpretações sejam tão distintas.
Por essa pluralidade de sentidos, precisamos desenvolver uma atitude de respeito para com as diferentes experiências religiosas. Para quem as vivencia, elas são reais, modificando, muitas vezes, sua maneira de enxergar o mundo, de se relacionar consigo mesmo, com Deus e com as outras pessoas.
Nas experiências religiosas, portanto, as dimensões intelectuais, emocionais, espirituais, sociorrelacionais e até físicas se inter-relacionam. Elas se mostram no cumprimento de regras morais, na realização de ritos tradicionais como batismos, casamentos, crismas, funerais, preces e rezas, nas expressões cúlticas como músicas, cantos e danças, no uso de símbolos ou gestos religiosos. O certo é que todas as experiências podem variar em intensidade, indo de um mero formalismo religioso motivado pela tradição, até uma experiência interior profunda, autêntica e mística, onde se sente a presença do sagrado e do divino na própria vida.
Finalizando esse capítulo, o estudo da Antropologia parece confirmar, sem negar as reconhecidas diferenças entre as religiões, que há uma tendência na busca do ser humano pelo sagrado e transcendente, ou seja, a ideia de Deus parece estar presente no inconsciente coletivo da humanidade. Podem mudar as formas de expressão, a linguagem utilizada, os relatos dos mitos, os tipos de ritos, mas o que não vai se alterar é que por trás de todas essas diferenças existe o estabelecimento de uma estrutura religiosa comum com a qual a humanidade se relaciona.
A verdade é que, independentemente do que cremos, em que ou quem cremos ou como cremos, nós humanos efetivamente cremos em algo. Nem mesmo ateus e agnósticos escapam disso, pois como diz o filósofo Max Scheler, os que não são religiosos podem substituir os deuses por outras formas de ídolos, seja a ciência ou diferentes formas de ideologias.
REFERÊNCIAS
BENKÖ, A. Psicologia da religião. São Paulo, Ed. Loyola, 1981.
BOTSARIS, Alexandros Spyros. Sem anestesia: o desabafo de um médico – os bastidores de uma medicina cada vez mais distante e cruel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
DAL FARRA, Rossano; GEREMIA, César. Educação em saúde e espiritualidade: proposições metodológicas. Revista Brasileira de Educação Médica. 34 (4): 587-597; 2010.
DICIONÁRIO BRASILEIRO DE TEOLOGIA. BORTOLLETO FILHO, Fernando (Org.). São Paulo: ASTE, 2008. FERREIRA, Valdinei Aparecido. Verbete Sociologia da Religião. p. 859-861; ROOS, Jonas. Verbete Religião. p.859-861.
GAARDER, Jostein. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes, 2006.
GIOVANETTI, José Paulo. Psicologia e espiritualidade. Em AMATUZZI, Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005, p. 129-145.
LANDMANN, Jayme. A outra face da medicina. Rio de Janeiro: Salamandra, 1984.
MONDIN, Battista. O homem, quem é ele?: elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.
PAIVA, Geraldo José de. A religião dos cientistas: uma leitura psicológica. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
REBLIN, Iuri A.; SINNER, Rudolf Von. Religião e sociedade: desafios contemporâneos. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2012. Prefácio.
WIEBE, Donald. Religião e Verdade: rumo a um paradigma alternativo para o estudo da religião. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

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