Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ELISA DE CAMPOS BORGES O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS” Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2005 ii ELISA DE CAMPOS BORGES O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS” Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História Social, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Rago Filho. Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2005 iii _______________________________________ _______________________________________ _______________________________________ iv À minha mãe, poetisa, guerreira que muito me ensinou a lutar pelos meus sonhos. À memória do meu pai, Dirceu Borges Ramos, militante estudantil que chorava quando nos contava a luta contra a ditadura brasileira. À todos aqueles que acreditaram num novo projeto e resistiram aos canhões e porões da ditadura chilena. v AGRADECIMENTOS Ao final de cada trabalho parece que temos ainda muito mais a contribuir, a pesquisar e a questionar. É com esse sentimento que escrevo esse agradecimento, tendo a certeza que este trabalho terá continuidade, quem sabe, num futuro próximo. Gostaria de agradecer inicialmente à CAPES pela bolsa concedida, pois sem ela não seria possível a realização dessa pesquisa. Ao Professor Dr. Antonio Rago Filho, meu orientador, por acolher uma “estrangeira” e desde o primeiro momento incentivar e apoiar a realização deste trabalho. Obrigada pela paciência. À Professora Dra. Vera Lucia Vieira e à Professora Dra. Maria Aparecida de Souza Lopes por comporem a Banca de Qualificação, oferecendo sugestões importantes a esta pesquisa. A minha mãe, poetisa Heloisa, que foi sempre minha maior incentivadora a aprofundar meus estudos. Obrigada pelas correções dos meus textos que sempre chegavam muito em cima da hora! Aos meus irmãos Rogério e Carolina. Aos amigos do Partido Comunista do Brasil que sempre torceram por mim, com destaque para Ricardo Abreu, sempre a me incentivar e ajudar a concretizar a possibilidade de me tornar mestra; ao José Reinaldo que fez contato com o PC Chileno; ao professor Augusto Buonicori pelas sugestões. À União da Juventude Socialista, que possibilitou minha ida à Santiago. Ao Partido Comunista Chileno e às Juventudes Comunistas do Chile pela forma carinhosa que me acolheram neste fantástico país, tão marcado e ferido pela ditadura militar e ainda com um povo surpreendentemente lutador! Meus agradecimentos especiais à Marcela Spíndola, Sergio Sepulvida, César, Mônica, Cecília e tantos outros. Obrigada por me apresentar à obra de Vitor Jara, Violeta Parra, as empanadas Chilenas, pelas discussões no Café Brasil, pelas ajudas nos Arquivos, na articulação das entrevistas, nas visitas aos museus, ao Cemitério Central, parques etc. Sem vocês, esse trabalho não seria possível e tenho muita consciência disso. Aos dirigentes partidários Luis Corvalan e Eliana Aranivar pela entrevista. vi Ao Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz, que mesmo tendo sua sede em reforma, possibilitou a consulta de parte de seu acervo para minha pesquisa. Às minhas amigas de apartamento, Carla, Daniela, Kathia, Fabiana, que agüentaram por dois anos (no mínimo) a minha obsessão pelo Chile, meu mau humor, as angústias, as alegrias e tristezas. Obrigada por acreditarem no meu trabalho e me ajudarem a nunca desistir. Às amigas de muito tempo Alessandra, Juliana, Luiza e Fabiana Pinto. Agradeço sinceramente aos amigos André (que me cedeu a passagem de ida e volta para o Chile, nunca vou me esquecer disso), Wadson, George, Julio, Fernando e Luciano, por compreenderem o momento especial que é o de cursar um mestrado com a necessária dedicação que ele requer, saibam que vocês também são responsáveis por esse caminhar. A todos aqueles que de forma direta ou indireta tiveram sua contribuição neste trabalho, às vezes sem nem saber o quanto estavam ajudando. Àqueles que lutaram ou que ainda lutam pela construção de uma sociedade mais justa e não poupam esforços e nem a vida na luta em defesa de um novo projeto, contra a ditadura e à punição daqueles que tiraram e tiram a esperança de tanta gente. vii RESUMO Este trabalho tem como proposta conhecer, compreender e acompanhar o esforço para a implantação do projeto “via chilena ao socialismo”, idealizado pelo Partido Comunista do Chile. Este projeto propunha a passagem do regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada. Essa formulação teve uma grande repercussão no projeto político da Unidade Popular que levou à Presidência da República Salvador Allende em 1970. Para realizar essa pesquisa foram utilizadas como fonte uma bibliografia sobre a Unidade Popular, sobre o nosso objeto de pesquisa, diversos documentos do PC, assim como depoimentos pessoais que se constituem fonte oral para estudos da História. Na introdução, realizamos uma caracterização do PC e do projeto que se desdobrará no primeiro e segundo capítulo, assim como uma contextualização do sistema econômico e político chileno. No Capítulo I levantamos algumas discussões realizadas sobre a via “pacífica” ao socialismo. Também procuramos identificar o desenvolvimento político do Partido Comunista através da sua política de alianças e seus fundamentos em diversas eleições presidenciais. Procuramos no Capítulo II refletir como as questões apontadas no capítulo anterior vão influenciar na formulação da Revolução Chilena, sua repercussão entre os partidos de esquerda e a consolidação da Unidade Popular para disputar as eleições de 1970. No Capítulo III procuramos então, analisar a partir dos documentos partidários do PC escrito entre 1970 e 1973, o comportamento político desse partido no cotidiano do governo Allende. PALAVRAS CHAVES: Partido Comunista do Chile, Socialismo, Unidade Popular, Via chilena ao Socialismo. viii ABSTRACT This work have as purpose to know, to comprehend and to attend the effort for the introduction of the project “the chilean way to socialism” idealized by the Communist Party of Chile. This project has purposed the passage from chilean capitalist regime to socialism based on the maintance of the establishment, without insurrections or armed conflicts. Such formulation had a great repercussion in the political project of the Popular Unity, wich had conducted Salvador Allende to Presidency of the Republic in 1970. To accomplish this research it was made use of a bibliography as source about the Popular Unity and about the subject of our research, many documents from the Communist Party, and personal witness by the same way, which constitutes oral source for the studies in History. In the Introduction, we had made a characterization from the Communist Party and from the original project of this research, that will be separated into the first and the second chapters, such as a chilean political and economical contextualization. In Chapter I we had upraised some argumentsoccurred about the “peaceful” way to socialism. We had tried even to identify the political development of the Comunist Party along it’s policy of alliances and it’s fundaments in several presidential elections. In Chapter II we looked forward to reflect how the mentioned questions from the past Chapter will influence the formulation of The Chilean Revolution, it’s repercussions among the left-side parties and the for the Popular Unity consolidation to face the 1970´s elections. In Chapter III then we looked forward to analyze, from the Communist Party documents written between 1970 and 1973, the political behavior of the Party in the Alludes government quotidian. KEY-WORDS: Communist Party of Chile; Socialism; Popular Unity; Chilean Way to Socialism. ix SUMÁRIO Lista de Ilustrações______________________________________________________________x Lista de Tabelas ________________________________________________________________xi Lista de siglas _________________________________________________________________ xii INTRODUÇÃO________________________________________________________________16 CAPÍTULO I__________________________________________________________________27 1.1 - Algumas considerações sobre a história do Chile __________________________________27 1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e práticas________________________________________________________________________38 1.3 - O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via pacífica. ______________________________________________________________________________54 1.4 - A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação teórica da Revolução Chilena ______________________________________________________________69 CAPÍTULO II________________________________________________________________ 79 2.1 - Algumas reflexões do PC sobre a realidade Chilena para elaboração do programa de 1969 ______________________________________________________________________________79 2.2 - O programa político do Partido Comunista Chileno de 1969 ________________________96 2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena _____________________111 2.4 - O programa da Unidade Popular _____________________________________________126 CAPÍTULO III ______________________________________________________________137 3.1 – Análise dos documentos do PC (1970-1973) – Breves Considerações _______________137 3.2 - Os documentos do PC de 1970 : Unidade, classe operária e mobilização social _______ 142 3.3 - Os documentos do PC de 1971: Mudanças econômicas, resistência, Comitês de Produção ____________________________________________________________________________ 159 3.4 - Os documentos do PC de 1972: Crise econômica, Batalha da Produção, Ultra-esquerda _ 173 3.5 - Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar ____________ 194 CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________________ 213 BIBLIOGRAFIA_____________________________________________________________ 228 x LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 –Mapa do Chile _______________________________________________________xiv xi LISTA DE TABELAS TABELA 1 – INVERSÃO E TAXA DE RETORNO DAS COMPANHIAS NORTE AMERICANAS MULTINACIONAIS DO COBRE ANACONDA E KENNECOTT – 1945 – 1965 _________________________________________________________________________ 29 TABELA 2 – QUADRO DE VOTANTES E POPULAÇÃO CHILENA _________________ 33 TABELA 3 – QUADRO DOS RESULTADOS ELEITORAIS PARLAMENTARES CHILENAS DURANTE O PERÍODO DE 1912 A 1969______________________________ 34 TABELA 4 – QUADRO DA EVOLUÇÃO DA SINDICALIZAÇÃO NO CHILE: 1932 – 1970 _____________________________________________________________________________ 99 TABELA 5 – RESULTADO DAS ELEIÇÕES SINDICAIS NACIONAIS DA CUT – 1972 ____________________________________________________________________________ 100 TABELA 6 – PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA ECONOMIA CHILENA ________ 103 xii LISTA DE SIGLAS ACHA – Ação Chilena Anticomunista API – Ação Popular Independente CAP - Companhia de Aço do Pacífico CC – Comitê Central CEN – Comitê Executivo Nacional CORA – Corporação de Reforma Agrária CORFO – Corporação de Fomento à Produção CUT – Central Única dos Trabalhadores DC – Democracia Cristã ENAP – Empresa Nacional de Eletricidade EUA – Estados Unidos FOCH – Federação dos Operários do Chile FRAP – Frente de Ação Popular FTR – Frente de Trabalhadores Revolucionários GMC – Grande Mineração de Cobre IANSA – Indústria Açucareira Nacional IC – Internacional Comunista MAPU – Movimento da Ação Popular Unificado MIR- Movimento de Esquerda Revolucionária PC – Partido Comunista do Chile PCC – Partido Comunista Chinês PCR – Partido Comunista Revolucionário PCUS- Partido Comunista da União Soviética PDC – Partido Democrata Cristão PIR – Partido da Esquerda Radical POS – Partido Operário Socialista PR – Partido Radical PS – Partido Socialista xiii PSP – Partido Socialista Popular PSD – Partido Social Democrata UP – Unidade Popular URSS – União Soviética USOPO – União Socialista Popular VOP – Vanguarda Organizada do Povo xiv Fonte: http://nossochile.vilabol.uol.com.br xv “Meu povo tem sido o mais atraiçoado deste tempo. Dos desertos do salitre, das minas submarinas do carvão, das alturas terríveis onde jaz o cobre e onde as mãos de meu povo os extraem com trabalho desumano, surgiu um movimento libertador de importância grandiosa. Esse movimento levou à presidência da República do Chile um homem chamado Salvador Allende para que realizasse reformas e medidas de justiça inadiáveis, para resgatar nossas riquezas nacionais das garras estrangeiras.” Pablo Neruda, Confesso que vivi. 16 INTRODUÇÃO A presente pesquisa pretende estudar um dos acontecimentos mais intrigantes e singulares da história política em “Nuestra América”: o projeto de tornar o Chile um país socialista por meio da via institucional, que se concretizou em um programa político desenvolvido por alguns partidos chilenos, cuja efetuação foi possível com a vitória de Salvador Allende para presidente em 1970. Portanto, a discussão da via chilena ao socialismo será apresentada a partir das discussões formuladas pelo Partido Comunista Chileno (PC) para depois entender como essa discussão influenciou no programa da Unidade Popular (UP) e no governo de Allende. A via chilena ao socialismo, era a formulação de como deveria ser a Revolução Chilena, entendendo assim, como seria a mudança do sistema capitalista para o socialista, a ascensão do proletariado na nova sociedade que se construiria, o rompimento com as velhas instituições, a edificação de novas forças produtivas, as novas formas de democracia, etc. A América Latina, nos anos 60 e 70, passava por um momento de muita efervescência política, principalmente entre os partidos de esquerda, bastante influenciados pelo significado da Revolução Cubana e pela difusão da filosofia marxista. Por outro lado, havia uma intencional barreira por parte dos Estados Unidos para conter a disseminação de idéias socialistas, principalmente a da ascensão de possíveis governos de esquerda e movimentos revolucionários. Com todas essas peculiaridades, o Chile em 1970 elegia pela coalizão de partidos, a Unidade Popular (UP), da qual faziam parte: o Partido Socialista(PS), o Partido Comunista (PC), o Partido Radical (PR), o Movimento da Ação Popular Unificado (MAPU), Partido Social Democrata (PSD), Ação Popular Independente (API). Em 1971, o Partido de Esquerda Radical ingressou na UP permanecendo até 1972 e o Movimento de Esquerda Cristã (IC) se incorpora à UP em 1971. Cada um desses partidos tinham uma filosofia política e em torno dela se organizavam classes sociais, frações de classe, etc. 17 A construção da Unidade Popular e do seu projeto político foi um longo processo histórico que envolveu diversos partidos e movimentos sociais chilenos. Foi necessária a maturação de ideários políticos dentro principalmente do PC e do PS; a discussão de táticas e de estratégias montadas por esses partidos, visando sua consolidação na vida política chilena; a tentativa de se estabelecer um bloco de esquerda unificado para a disputa das eleições chilenas e uma ação para retirar antigos setores tradicionais do comando do país, além do debate de questões colocadas pelo movimento comunista e socialista internacional e, ainda, todas as diversas variáveis e ramificações que a essas questões nos remetem. A formulação da via não armada ou da “via pacífica” enfrentou muitos obstáculos, sobretudo preconceitos por parte de diversos partidos políticos. A apresentação de uma via alternativa à via armada, sem perder o seu caráter revolucionário e suas justificativas na teoria marxista, foi um desafio grande, porém, defendido entusiasticamente pelo Partido Comunista e por parte do Partido Socialista, destacando a figura de Salvador Allende. Nesta pesquisa, procuramos remontar a discussão sobre a via pacífica, partindo do pensamento do Partido Comunista Chileno, que apontamos como um dos principais formuladores do projeto da via não-armada para o Chile incorporado como um dos principais pontos no programa político da UP. Para tanto, apresentaremos sua história, sua composição social, mas, principalmente, o desenvolvimento de sua política para o país, utilizando resoluções partidárias, documentos, panfletos, entrevistas e publicações, no sentido de compreender a sua formulação e justificativa para achar possível uma via institucional para a transformação do Chile em um país socialista por meio do sufrágio universal. Portanto, a questão central deste trabalho é apresentar como a “revolução chilena” foi pensada pelo Partido Comunista do Chile e como essa formulação influenciou no programa da Unidade Popular e posteriormente no governo de Salvador Allende. Foi com bastante surpresa que nos deparamos com justificativas baseadas nas interpretações de leituras de Marx e Lênin e com a refutação de que o projeto não estava relacionado com as polêmicas revisionistas. Por isso, no texto, procuramos apenas situar algumas similaridades dessa discussão. As fontes também nos foram revelando com bastante clareza que o PS, enquanto partido (apesar de haver discordâncias internas 18 polarizada principalmente por Allende), não acreditava na possibilidade de uma revolução sem armas. A “via chilena” ou via não-armada foi uma formulação que propunha a passagem do regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada, contando com a conquista do poder executivo. Daí, aconteceriam mudanças no sistema econômico com a nacionalização de setores da produção principalmente daquelas ligadas a extração de minérios (cobre, ferro, salitre), seria promovida a reforma agrária, o gasto público com saúde, habitação, educação e obras públicas seria incrementado; o setor bancário nacionalizado e, também, haveria a substituição do parlamento pela Assembléia do Povo como órgão nacional, ao lado do qual seriam criadas ainda outras instâncias de participação popular. Como a mudança do sistema capitalista para o socialista dar-se ia a partir da transformação do caráter privado da economia e da democratização da estrutura de poder na sociedade e no estado, a “via chilena” não previa o estabelecimento da ditadura do proletariado a priori, pois afirmava o pluripartidarismo. Salvador Allende expôs em entrevista à imprensa chilena o objetivo democrático, institucional e a tentativa de unir as forças progressistas. Ele pedia a colaboração de todos os setores que estavam decididos a conseguir a superação do atraso, da miséria e do sofrimento dos chilenos. Reafirmava que seu governo iria se situar dentro das leis vigentes até que se pudesse estabelecer novas leis, assegurando ao país um estado de direito. Allende assim se pronunciou no discurso da vitória, no dia 04 de setembro de 1970, aos partidários da Unidade Popular, na Federação de Estudantes (FECH): A Vitória não era fácil, difícil será consolidar nosso triunfo e construir a nova sociedade, a nova convivência social, a nova moral e a nova pátria. Mas eu sei que vocês, que fizeram possível para que o povo seja governo, terão a responsabilidade histórica de realizar o que o Chile deseja para converter a nossa pátria em um país inserido no progresso, na justiça social, nos direitos de cada homem, de cada mulher, de cada jovem da nossa terra. Não basta falar da revolução. ... Juntos com o esforço de vocês vamos realizar as mudanças que o Chile reclama e necessita. Vamos fazer um governo revolucionário. A revolução não implica destruir, e sim 19 construir, não implica arrasar, e sim edificar; o povo do Chile está preparado para essa grande tarefa nesta hora transcendente de nossa vida.1 O Partido Comunista toma relevância em nossa pesquisa porque me intrigava muito a forma como a formulação do projeto da “via pacífica” vinha sendo discutida pela historiografia. O projeto da UP era analisado como um projeto repleto de divergências, mas elas eram pouco explicitadas ainda no momento de formulação do projeto da UP, ou eram utilizadas apenas para justificar os erros do governo. Pouco se falou nas diferenças internas do Partido Socialista, e desse partido com o PC enquanto articuladores de uma nova transição ao socialismo; pouco se falou na forma em que uma revolução sem armas fazia parte da estruturação ideológica de um partido comunista e de outras questões que perpassam essa discussão, sobre a maneira como foi construída a tática do PC, ponto que se apresentava como uma de suas características fundamentais e que permitiu em determinados momentos um caminho para alianças políticas mais amplas e, até mesmo, a consolidação da via não armada em seu programa político. O historiador Alberto Aggio2 enfatizava, que apesar do conservadorismo do PC em relação à ortodoxia marxista-leninista, não se podia dizer que havia um “seguidismo automático do PC chileno em relação aos Partido Comunista da União Soviética”, pois desde a década de 1950, os comunistas seguiam uma lógica própria em relação à temática de sua via nacional revolucionária, e que o XX Congresso do PCUS acabou por validar a estratégia das “vias nacionais”. Luis Corvalan, então presidente do Partido Comunista, dizia que os comunistas foram os primeiros a propiciar no Chile a via chilena, não a retendo apenas na sua mera formulação3. O autor Jorge Arrate dizia que a “força política que teve uma visão mais próxima do que era o projeto da UP e a postura frente a esse projeto foi o PC”.4 Estas questões me instigaram ao trabalho da pesquisa: poder dialogar com o objeto estudado e nele mesmo encontrar as pistas da discussão sobre o desenvolvimento da 1 QUIROGA,P.(orgs). Salvador Allende – Obras Escogidas 1970-1973.Santiago: crítica,1989, p.57-58. 2AGGIO, A. Democracia e Socialismo: a experiência chilena. São Paulo:Unesp,1993,p.83. 3 CORVALAN LEPEZ,L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003,p.124. 4 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. In: La Unidad Popular treinta años después.Santiago de Chile:Lom,2003,p.145 20 possibilidade de construção da via chilena, que foi anterior ao processo de 1970 e de sua atuação política durante o governo Allende. O Chile, em 1970, estava passando por um processo iniciado mais ou menos há quinze anos, de desenvolvimento econômico tecnológico extremamente concentrador e excludente. A economia crescia de forma desigual. Em determinados setores crescia de 4 a 5 %, já no setor moderno, o crescimento chegava a 8%. Esse processo acentuava as diferenças regionais, interferindo na estratificação social, na composição de classe e no aprofundamento de suas diferenças. Era possível distinguir o proletariado industrial moderno do outro tradicional, os setores médios ligados à burocracia estatal dos ligados à burocracia privada, sem contar com a presença de uma burguesia moderna, ligada a setores de maior concentração e dinamismo da economia. O sistema político chileno5, pluripartidarista e com representação proporcional desde 1925, era caracterizado pelo presidencialismo. Na década de 60, já era possível observar a divisão dos pólos políticos: a esquerda, onde se aliavam comunistas e socialistas; a direita que unia liberais e conservadores; e o centro geralmente se encontrava dividido em dois pólos, respectivamente o Partido Radical com uma trajetória anti-clero e os Democratas Cristãos. Uma observação: nenhum desses blocos sozinhos superava um terço do eleitorado. No Chile, a política de coalizão perpassa toda a sua história política, não só nas disputas governamentais, mas também nos movimentos sociais. Essas coalizões se dão principalmente em articulações polarizadas pela esquerda e com forte caráter de discutir programa e projeto político. Podemos dar como exemplo a construção da Frente Popular em 1936, a Aliança Democrática em 1946, a Frente do Povo em 1951, a FRAP em 1956, a UP em 1970. Cada uma dessas coalizões tem um caráter e uma concepção de aliança que acabaria por determinar se dela participariam os partidos do centro e da própria esquerda de forma unificada. Para o PC, sustentar, desenvolver e vencer, a revolução deveria contar com uma correlação de forças que fosse favorável e se basear em uma ampla política de alianças que pudesse incluir acordos e compromissos entre os mais vastos setores 5 Segundo reflexão de Manuel Castells, no Chile, o capitalismo dependente (em relação inicialmente à Inglaterra e depois das empresas norte americana) não interferiu de forma decisiva na autonomia política do país pelo menos até 1970, já que a grande maioria da população chilena não era requisitada para obtenção dos recursos minerais. Isso segundo ele, não quer dizer que não houve constantes interferências na política chilena, para inclusive manter sua exploração no setor de minérios, mas que em relação a outros países latino americanos foi relativamente pequena a interferência. 21 partidários do “progresso social”. Essa política de coalizão seria rompida pelo golpe militar em 1973, quando da instalação da ditadura militar. A expressão eleitoral do PC, assim como sua inserção social, sofria influência do desenvolvimento econômico, social e político. Nas zonas mineiras, onde as condições de trabalho eram terríveis havia uma elevada politização dos trabalhadores e uma forte tradição do Partido Comunista que nasceu fruto desses movimentos, principalmente nas zonas de mineração, a sua atuação eleitoral se destacava. Isso também foi fruto da sua proposta política que tinha uma profunda conexão com os conflitos e reivindicações de classe produzidos nos setores de extração de minérios e na indústria. Assim, o Partido Comunista era bastante enraizado entre os trabalhadores de regiões mineiras e industriais. Tinha grande destaque eleitoral nas províncias de Tarapacá, Concepción, Arauco Antofagasta e Valparaíso, tendo ainda bom aproveitamento em regiões como Atacama, Coquimbo, Santiago e Talca. Já em regiões agrárias como Osorno, Valdivia, Chiloé, Cutín, Colchagua, Nuble, Maule e Linhares tinha pouca inserção. O PC como resultante da sua atuação política, da sua inserção no movimento dos trabalhadores, da sua historicidade, do seu desenvolvimento teórico, acreditava na possibilidade da via não-armada para se chegar ao socialismo. Assim, quatro questões podem ser ressaltadas como de extrema importância para a formulação do PC: a primeira está relacionada com o fato de que o movimento dos trabalhadores mais organizados e politizados estarem agrupados em torno de dois partidos marxistas: o socialista e o comunista e de ser orientado politicamente pela Central Única dos Trabalhadores, diferentemente dos sindicatos de camponeses que se constituíram e foram patrocinados durante os governos da Democracia Cristã. A segunda seria a sua possibilidade real de aproximação com setores médios e a pequena burguesia, especialmente do setor terciário e parte da classe média. A terceira, era o papel das Forças Armadas que tinha um histórico de respeito à institucionalidade e a quarta, era a estabilidade política no sentido de respeito aos resultados eleitorais. Resumidamente, essas questões seriam fundamentais para a elaboração de um caminho em que se considerava possível a revolução para o socialismo com pluralismo, democracia e liberdade6. 6 GARCES, J,Chile: el camino político hacia el socialismo, Barcelona:Ariel,1972,p.11 22 Dividimos nossa pesquisa em três capítulos. No primeiro, o objetivo é realizar um resgate da história do PC chileno, sua trajetória desde a filiação à Internacional Comunista, de como isso influenciou em sua formulação política, tanto nos caminhos articulados para o desenvolvimento da revolução chilena, quanto nos campos teórico e prático. Procuramos discutir o fato do Partido Comunista ser filiado à IC, e a sua composição social bastante expressiva no âmago do proletariado chileno, e de que modo estes aspectos ajudaram a delimitar e a forjar um pensamento comunista voltado para a realidade chilena. Por mais que o PC procurasse implementar as políticas apresentadas pela IC, sempre criticou algumas das orientações em sua análise, como não condizentes com a realidade específica do país. Poderíamos citar, para exemplificar, o fato do PC, em diversas ocasiões, procurar consolidar uma aliança ampla entre os partidos políticos, incluindo os de centro, por entender que essa tática traduziria a composição social chilena. Neste primeiro capítulo ainda, levantamos algumas discussões realizadas no importante XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, e os seus reflexos para a consolidação, no Chile, da discussão de uma saída não armada para a Revolução, inclusive do ponto de vista da fundamentação teórica. No segundo capítulo, procuramos refletir sobre como todas aquelas discussões anteriores, juntamente com a análise da sociedade chilena, foram fundamentais para a formulação do programa do PC de 1969. Esse importante documento, talvez um marco na história política chilena, propôs concretamente os caminhos a serem percorridos pela revolução, assim como os seus limites e possibilidades. É um documento ousado, que transgride muitos conceitos e muitos exemplos de revoluções. Ele percorre o limiar de um caminho eleitoral, parlamentar e, ao mesmo tempo, que contém rupturas e se apresenta como via revolucionária. A política de aliança eleitoral do PC para as eleições de 1970, passa a ser intermediado pelo documento de 1969. É baseado nele que o PC negocia a sua aliança eleitoral para as eleições de 1970. Assim, este documento torna-se também referência para uma proposta de um governo popular. Apresentamos, então, as diferenças entre o posicionamento do PC e do PS sobre o processo revolucionário que deveria ser engendrado no Chile. São nítidas as diferençasde algumas das concepções fundamentais do projeto, o que acabaria por dificultar o 23 desenvolvimento das ações do governo Allende. As diferenças começavam pela leitura da realidade chilena, passavam pela política de alianças, e ainda, tocavam talvez no que fosse a questão principal no projeto do PC: não se acreditava na possibilidade de uma via não armada para a revolução no Chile. Tentamos entender como, com tantas diferenças, houve a formulação de um programa conjunto, defendido, pelo menos inicialmente, pelo PS e pelo PC e levado à população como um novo caminho para o país. No terceiro capítulo, propusemo-nos a analisar, a partir de documentos partidários do PC, escritos entre 1970 e 1973, o seu comportamento político no cotidiano do governo, levando em conta toda sua trajetória anterior e seus desafios para se construir a “via” da revolução chilena. Para constituir a opinião política do PC, utilizamos como fonte bibliográfica obras já escritas por historiadores, cientistas sociais, economistas, etc, documentos partidários que relatavam as reuniões políticas do partido, entrevistas com o presidente do PC, o senhor Luis Corvalan e com a deputada eleita, em 1972, Eliana Aranivar, além disso, acrescentamos músicas, poemas de Plabo Neruda etc. As fontes utilizadas, como bem lembra Jacques Ozouf7, são opiniões esclarecidas que quiseram exprimir-se por escrito e de conhecimento público. A ideologia política, no caso do PC, unificava sujeitos, grupos sociais, frações de classe em torno de uma série de aspirações, idéias, prática política, conferindo uma identidade a este grupo. Apresentamos o ideário político de um partido, construído a partir de seus sujeitos sociais, conferindo ao espaço político como um lugar de conflito e de disputas pelo poder. A história política aqui em questão, não está restrita à organização partidária ou à instituições do estado, mas apresenta-se no seu sentido amplo, na compreensão dos conflitos dos seus sujeitos sociais, as diferentes raízes, a relação do ser social com sua consciência e identidade, resultando na prática política. A partir do nosso sujeito, o PC, que ao mesmo tempo é composto por sujeitos sociais com vivências particulares e coletivas, é que vamos analisar os escritos e discuti-los em relação à via chilena. Assim, propomos que este trabalho seja visto como a releitura de um determinado fato histórico, com a intenção de reconstituir a memória e opiniões de um partido que 7 OZOUF,J. A opinião pública. IN: História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves,1998,pp.186- 198. 24 participou dos debates, tensões e decisões da formulação e desenvolvimento da via chilena. Cabe grifar: esse partido se apresenta como o primeiro a levantar a possibilidade de uma revolução sem armas no país. Além dos documentos escritos, também utilizamos como fonte a memória oral, a partir da metodologia da história oral. Isso foi feito para se obter, por meio de documentação oral, pontos de vista diferentes ou recuperar questões que os documentos escritos pudessem estar omitindo ou desprezando. Buscamos resgatar do esquecimento a memória de duas pessoas importantes para o processo estudado: Luís Corvalan Lepez, secretário geral do PC e Eliana Aranivar, jovem deputada do PC de então. Os desafios não foram poucos, mas de inegável significação para a compreensão das lutas sociais contemporâneas e o papel da esquerda nos processos revolucionários. Trajetória da Pesquisa A paixão pela história latino-americana foi algo despertado pelos professores da graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Apesar das dificuldades, principalmente o acesso às fontes de estudos em outros países, senti-me mais e mais desafiada a estudar a experiência chilena. Desta maneira, a aproximação do tema escolhido ocorreu em 2000, por ocasião de uma participação em um seminário realizado na Universidade Federal de Goiás. A partir daí, iniciou-se a trajetória de pesquisas e leituras que culminou no trabalho de monografia para a conclusão do curso de graduação e, posteriormente, nessa dissertação de mestrado. No final das minhas leituras ainda no ano de 2000, sentia-me intrigada pela maneira de como alguns autores apresentavam a forma como havia sido pensada a “via pacífica”. Mostravam-na em suas diferenças somente a partir das crises institucionais, ou seja, depois do governo Allende já eleito; ou tratavam-na de modo a dar pouco relevo aos outros partidos que não fosse o PS. 25 Ficava, por isso, o questionamento de como um Partido Comunista que se dizia não revisionista, pudesse se envolver com um projeto tão inusitado e novo para o movimento comunista, pois que negava os preceitos de um processo revolucionário de acordo com Marx e Lênin. Para responder a essas indagações era preciso perpassar por questões e discussões levantadas pelos comunistas e, com surpresa, percebi estar diante de um dos principais formuladores da possibilidade de desenvolvimento pacífico para a revolução. Assim, com o desafio de tentar analisar a via chilena a partir do olhar do PC, obstáculos foram surgindo. À princípio, questionamentos sobre o aspecto de que o tema já era muito estudado, apesar de que nas pesquisas feitas o PC não recebeu relevância de protagonista. Ainda o constante desafio de desvendar as pistas que me levariam às fontes. Mas como o historiador tem uma ligação essencial com os arquivos, foram eles, já aqui em São Paulo, que me fizeram aproximar dos primeiros documentos. E, então, quanto mais me debruçava sobre eles, maior a certeza da riqueza deste tema e da necessidade de ir ao Chile para uma visita investigativa. Em oportunidade única, consegui chegar ao destino do meu objeto. Pude ir aos Arquivos da Biblioteca Nacional, da Fundação Salvador Allende, às casas de Pablo Neruda, ao palácio La Moneda, mas não consultei todo o arquivo do PC, porque estava fechado em decorrência de reformas na sede do Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz. Mesmo assim, alguns comunistas responsáveis pelo acervo puderam me emprestar alguns documentos para fotocopiá-los. Entretanto, muitos dos Boletins, Atas, documentos em geral foram destruídos pela ditadura militar de Pinochet. Ainda em Santiago, pude conversar e entrevistar Luís Corvalan Lepez, secretário geral do PC no período estudado e Eliana Aranivar, jovem deputada eleita pelo PC, no governo Allende. Tive contato com livros, pesquisas, músicas, com a realidade da esquerda chilena (muito diferente da brasileira), que muito me ajudaram a pensar sobre a peculiaridade dos processos políticos latino-americanos. Nos materiais trazidos estão discos, livros de historiadores e sociólogos chilenos e sobretudo, documentos do PC. Por meio deles, inteirei-me das discussões apresentadas na revista La Izquierda Chilena (cerca de seis volumes) e em parte dos Boletins Informativos, 26 datados de 1969 a 1973, cujo volume com o registro das discussões corresponde ao ano de 1972, ano em que as articulações da direita para derrubar o governo ganharam grandes proporções. Essas fontes foram me revelando um lado formulador e conciliador do partido enquanto sujeito histórico ainda pouco explorado no Brasil, e que daí em diante tornou-se para mim um desafio. Essa pesquisa também se dá num momento importante para história chilena, já que o governo dá mostras de que quer apurar as atrocidades cometidas durante o regime militar. Segundo o presidente Ricardo Lagos, pedir desculpas em nome do Estado às pessoas torturadas e aos familiares daquelas que morreram é pouco. O principal para ele é certificar de que esse tipo de coisa nunca mais aconteça no Chile. Uma longa batalha judicial para identificação das vítimas, dos métodos de tortura, assim como a punição dos culpados (incluindo Pinochet) e indenizaçõesdaqueles que sofreram com a ditadura, está ocorrendo no país. 27 CAPÍTULO I – O PROJETO DA VIA CHILENA DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS” 1.1 – Algumas considerações sobre a história chilena O Chile teve proclamada sua independência em 18 de setembro de 1810. Apesar de proclamada, os espanhóis contra-atacaram e enviaram tropas para tentar recuperar o território chileno. Após inúmeros combates, em 1814, os espanhóis acabaram vitoriosos e, por isso contaram com a ajuda de setores conservadores das elites e também de alguns grupos indígenas. Somente em 1817, houve uma contra ofensiva que terminou em 1818, expulsando definitivamente os espanhóis. O Chile passou, então, pelo que o sociólogo Emir Sader8, chama de período de anarquia, até a construção do aparelho de Estado nacional e do sistema político do país. Neste período, chamava-se de república conservadora, período que se estendeu de 1830 a 1860 e foi gestada pelo ministro Diego Portales. O direito de voto era limitado aos proprietários de terras e a economia caracterizada como agrária de exportação. Sader ainda afirma, que os objetivos dos governos conservadores no Chile, foi o de “pacificar” o país e ainda desenvolve-lo a partir da atração de capital estrangeiro. Os recursos minerais sempre tiveram papel importante na economia chilena, seja na conquista e colônia com o ouro e a prata, seja nos séculos XVIII e XIX com o cobre. A produção e exportação desses minérios e principalmente de salitre, modificou o caráter da economia chilena. Segundo Patrício Meller9, a história econômica do Chile sempre foi marcada pela exportação de matéria prima sob controle estrangeiro. Entre 1880 e 1930, as exportações de salitre eram a principal fonte econômica do país e estava dominada pelo capital britânico. 8 SADER, E.Chile (1818-1990) Da independência à redemocratização. São Paulo:Brasiliense,1991,p.15 9 MELLER, P. Um siglo de economia política chilena – 1890-1990.Santiago de Chile:Andrés Bello,1998,p.21 28 Entre 1940 e 1971, o cobre era o principal produto de exportação e as principais minas eram de propriedade norte-americana. O ciclo do salitre no Chile durou de 1880 e 1930, tendo suas grandes reservas nas províncias de Tarapacá e Antofagasta, que só foram pertencer ao Chile após a Guerra do Pacífico (1879-1884). A exploração, em grande escala, estava sob controle majoritário dos britânicos. O fácil acesso ao mar possibilitou ao Chile tornar-se o maior produtor também de nitrato, já que sua grande concentração estava ao norte. Entretanto, o salitre sem dúvida alguma era o principal produto exportado, sendo em 1890 o responsável, sozinho, pela metade das exportações chilenas até a primeira Guerra Mundial. O governo chileno passou a participar da produção salitreira, por meio da tributação das exportações, o que possibilitou o gasto público com obras de infraestrutura e educação10. Foi justamente no período de Guerra Mundial e com a Grande Depressão que as exportações caíram substancialmente. A crise afetou a economia chilena, totalmente dependente não só do mercado externo, mas de todo o processo da produção, desde técnicas específicas como conhecimentos bancários e de comercialização, questões operacionais e administrativas etc, dominados por empresários estrangeiros. Para o autor Patrício Meller, parece estar claro que para o governo chileno, a principal política do governo em relação ao setor de salitre foi o de extrair o excedente através da tributação. O auge das exportações possibilitou um grande impulso ao setor externo, transformando as estruturas fundamentais da economia inclusive no setor de bens de consumo, mas esse desenvolvimento dependia de mercado e tecnologia estrangeira. O cobre passa a ser explorado em grande escala, tornando-se um dos principais produtos de exportação, a partir de 1920 a 1971. A produção vinha de inúmeras minas pequenas, com baixa tecnologia e grande exploração do trabalho humano. As empresas norte americanas iniciaram sua exploração, a partir de 1904, na maior mina subterrânea do mundo, El Teniente e na maior mina a “céu aberto” do mundo, Chuquicamata. As empresas 10 Para se ter uma idéia, o número de estudantes da escola básica aumentou de 18.000 para 157.000; as ferrovias públicas passaram de 1.106km em 1890 para 4.579 km em 1920, diminuindo o percentual em relação às ferrovias sob controle estrangeiro: em 1890 chegava a 60% e em 1920 a 44%. Para mais informações ver MELLER, 1998. 29 estrangeiras detinham tecnologia moderna para a exploração do cobre, e, além disso, capital suficiente para esperar a lucratividade da exploração, pois esta não vinha de imediato. Para se ter uma idéia do retorno obtido pelas principais companhias norte americanas na exploração do cobre, a Anaconda e a Kennecott, apresentamos o quadro abaixo com uma comparação entre o retorno para o Chile e para o resto do mundo. Não foi por acaso que durante o governo Allende, essas duas empresas patrocinaram os boicotes ao governo socialista. TABELA 1 : Inversão e taxa de retorno das Companhias norte americanas multinacionais de cobre – Anaconda e Kennecott, 1945-1965 Retorno sobre ativos (media anual %) Inversão (total do período US$ milhões) Chile Resto do mundo Chile Total Mundial 1945-50 - - 35 195 1950-55 19,0 9,0 115 344 1955-60 25,9 9,5 168 519 1960-65 14,8 4,8 82 422 Fonte: Meller, p.39 Foi apenas em 1960, portanto quase quarenta anos após o início do chamado “ciclo do cobre”, que o governo chileno começou a utilizar mecanismos para incrementar sua participação na produção do cobre. Aumentaram os impostos à produção da Grande Mineração de Cobre (GMC), o que possibilitou na captação de 61% das utilidades brutas das exportações, aumentando inclusive as negociações entre governo e firmas norte- americanas. A tributação continuou sendo o principal mecanismo de participação do governo na produção do cobre realizado pelas empresas estrangeiras, o que tornava cada vez mais frágil a economia chilena. Toda técnica de produção era praticamente desconhecida pelos chilenos. Mesmo com a criação em 1955 do departamento do cobre, que buscava fiscalizar as operações das firmas norte-americanas da GMC, o que acabou gerando um corpo de 30 profissionais chilenos como engenheiros, economistas, advogados, contadores, etc, que analisavam as informações econômicas, mas tinham pouco acesso às informações vitais da produção. A crise ocorrida durante as guerras mundiais e a grande depressão ajudou a demonstrar como a economia chilena era vulnerável, e seu conjunto de implicações, era determinada pela conveniência da economia norte americana. Entretanto, os reflexos da crise no Chile, ajudaram o desenvolvimento interno, ou seja, a industrialização interna passou a ser o principal fator para o desenvolvimento da economia nacional, baseada no crescimento e na substituição de importação. A indústria manufatureira teve grande destaque, chegando ao índice de 24% na participação econômica, em 1970. Essa estratégia de substituição de importação como instrumento de desenvolvimento nacional foi muito criticada nos anos sessenta porque não estava se apresentandocomo alternativa à dependência da economia em relação ao setor externo. Anterior ao ciclo do salitre, o regime econômico era uma mescla de oligarquia latifundiária e mercantilista. A oligarquia agrária controlava o governo e a maior parte da população vivia em áreas rurais. Durante a expansão do salitre, a influência econômica da agricultura começou a diminuir e os impostos das exportações de salitre aumentaram a capacidade e tamanho organizativo do Estado. Em 1883, criou-se a Sociedade de Fomento Fabril (SOFOFA), que utilizou desde o princípio sua influência política para proteger indústrias nacionais incipientes. Alguns dos novos empresários eram estrangeiros (imigrantes) vinculados a bancos estrangeiros. Mas a maior parte eram capitalistas nacionais cuja riqueza vinha do minério ou da agricultura e mantinham laços estreitos com a oligarquia agrária. O Estado, para Meller11, durante o melhor período de produção salitreira, agiu como intermediário entre estrangeiros e a sociedade chilena, se utilizando para captar excedentes das exportações e ainda gerar empregos executivos para classe média. Apenas em 1939, o governo apresentou a proposta de criar a Corporação de Fomento da Produção (CORFO) que foi a primeira instituição pública no país que contava com recursos para financiar atividades de inversão. Os empresários industriais estavam de acordo com o papel mais ativo que o Estado estava tomando em relação a proteção da 11 MELLER, op.cit.,p.56 31 produção nacional e estavam de acordo com a maturação de um programa nacional de desenvolvimento. Entretanto, eram contra a criação de empresas estatais. As oligarquias apoiaram a criação da CORFO, mas sob a promessa de que o governo não pressionaria a criação de sindicatos na agricultura. A CORFO foi tornando assim, o principal instrumento para promover o crescimento através de políticas de desenvolvimento. Foram criadas as principais empresas estatais, como a ENDESA (Empresa Nacional de Eletricidade - 1944), CAP (Companhia de Aço do Pacífico – 1946), ENAP (Empresa Nacional de Petróleo – 1950), IANSA (Indústria Açucareira Nacional – 1952) e durante o período de 1939 a 1973 dominou a vida econômica chilena através da inversão direta em suas empresas estatais. Segundo dados apresentados por Meller, a CORFO entre 1939 e 1954 controlava 30% da inversão total em bens de capital, mais de 25% da inversão pública e 18% da inversão bruta total.12 Assim, aos poucos, durante os anos de 1940 a 1970, o Estado chileno adquiriu um caráter de impulsor do crescimento econômico, aplicando reformas sociais de caráter diverso, deixando nítido algumas das grandes contradições do processo de desenvolvimento chileno, ou seja, uma grande e rápida evolução política e um lento desenvolvimento econômico que refletiria na melhoria das condições de vida de grande parte da população chilena. Sintetizando, Meller13 define a trajetória do Estado chileno durante os anos de 1940- 1970 inicialmente, como “um Estado – promotor, que proporcionava o crédito para a inversão industrial privada; logo Estado-empresário, através das empresas estatais; e finalmente Estado-programador, que definia o horizonte de largo prazo do padrão chileno de desenvolvimento e especificava aonde devia ir a inversão futura, fosse pública ou privada, utilizando incentivos especiais de crédito impostos e subsídios”. Durante a maior parte do séc. XIX, a economia chilena é fundamentalmente agrícola. Até 1930, a população rural é superior que a urbana. Na agricultura predomina o latifúndio que estabelece relações sociais de forma semi-medieval: existe o senhor-patrão dono da terra, latifundiário e os inquilinos ou campesinos que produzem as terras do patrão. Estão isolados da vida urbana, cultural, educacional e política e ainda possuem um nível de 12 MELLER, op.cit.,p.59 13 Ibid.,p.59 32 vida bastante precário. A estrutura social do Chile se estabeleceu sobre bases agrárias. A vida no campo era difícil e organizada para manter o poder dos latifundiários, não tendo os trabalhadores direitos, mas apenas deveres. O latifúndio dificultava o desenvolvimento econômico, social e político do Chile. No econômico, utilizava-se tecnologia primitiva para a exploração da terra. Devido aos baixos salários não havia incentivos para a introdução da tecnologia moderna; no social, era um regime semipatriarcal e no político, uma reduzida oligarquia latifundista controlava a grande massa dos campesinos. Menos de 10% dos proprietários eram donos de 90% da terra. Segundo Patrício Meller, a questão agrária na metade do século XX podia se resumir da seguinte forma: das 400.000 famílias campesinas, 5% eram donas dos grandes latifúndios; 3% era minifundista; 30% era proprietária de fundos de tamanho mediano e 35% não tinham terras. O setor agrícola, o que menos crescia no Chile, apresentava uma taxa decrescente de geração de emprego, com a produtividade em baixa, sendo necessário importar produtos agrícolas. Os trabalhadores urbanos também possuíam sérios problemas, pelo crescimento acelerado das populações urbanas, gerando problemas habitacionais. Em 1910, 25% da população (cerca de 100 mil pessoas) viviam em cortiços. A taxa de mortalidade infantil chegava a 30%. Até 1920, as condições de trabalho eram precárias: não havia convênios coletivos, todos os acordos eram individuais e verbais; não existia indenização por acidentes, nem normas de higiene e segurança nas minas e nas fábricas, não havia jornada máxima de trabalho regulamentado, não era obrigado ter o descanso aos domingos, e o trabalho infantil representava 8,5% do emprego total em 1908. As primeiras greves surgem depois de 1880. Mais tarde, a questão social se transforma na bandeira de luta dos partidos de esquerda, não aceitando uma legislação reformista como solução definitiva. Alguns acreditavam que a industrialização por si só levaria o Chile ao desenvolvimento. De 1830 a 1920, prevalece no Chile o domínio de um grupo ligado a terra, conservadora e católica. A direita defendia o estabelecimento do que chamavam de voto plural, onde algumas pessoas que tinham determinadas condições sociais deveriam ter direito a mais de 33 um voto; defendiam a propriedade privada sem limitações; a intervenção do estado na economia seria admitido apenas para defender a propriedade privada; e ainda achavam que a pobreza era algo inevitável e até natural. A partir de 1920, com o investimento do Estado oriundo das taxas de exportação do setor de minérios, a classe média vai obtendo maior espaço na vida política do país. Neste mesmo ano, começa a gerar um desequilíbrio crescente entre a incorporação de grupos sociais ao processo político e o lento melhoramento econômico de parcela da população. Há um aumento significativo no número de votantes nas eleições, fruto do lento processo de urbanização e da maior pressão exercida por grupos sociais menos privilegiados. Considerando a população em idade para votar, o percentual de votantes era igual ou inferior aos 9%. O aumento do poder político do centro traz um aumento representativo no número de votantes atingindo14 15%, principalmente com sua vitória eleitoral em 1938, do centro e com o reconhecimento do voto feminino em 1947, os chilenos se sentem estimulados a irem às urnas votarem, diminuindo o poder político da direita, ou daqueles latifundiários que costumavam fazer alianças entre si e ainda utilizar atributos familiares para escolherem ministros, parlamentares, etc. É neste contexto que se associa o desenvolvimento econômico com a expansão dos partidos do centro e da esquerda. TABELA 2: Quadro de votantes e população chilena (mil pessoas) Participação relativa de votantes em Pop. total Pop. em idade de votar VotantesPop. total Pop. em idade de votar (1) (2) (3) (%) (%) (4)=(3)/(1) (5)=(3)/(2) 1870 1.943 919 31 1,6 3,3 1876 2.116 1.026 80 3,8 7,8 1885 2.507 1.180 79 3,1 6,7 1894 2.676 1.304 114 4.3 8,7 1915 3.530 1.738 150 4,2 8,6 1920 3.730 1.839 167 4,5 9,1 1932 4.425 2.287 343 7,8 15,0 14 MELLER, op.cit.p,101. 34 1942 5.219 2.666 465 8,9 17,4 1952 5.933 3.278 954 16,1 29,1 1958 7.851 3.654 1.236 15,7 33,8 1964 8.387 4.088 2.512 30,0 61,4 1970 9.504 5.202 2.923 30,8 56,2 1989 12.961 8.240 7.142 55,1 86,7 Fonte: Meller,p.102. TABELA 3: Quadro dos resultados eleitorais parlamentares chilenas durante o período de 1912 a 1969 (em percentuais) Direita Centro Esquerda 1912 75,6 16,6 0,0 1918 65,7 24,7 0,3 1921 54,6 30,4 1,4 1925 52,2 21,4 0,0 1932 32,7 18,2 5,7 1937 42,0 28,1 15,3 1941 31,2 32,1 28,5 1945 43,7 27,9 23,0 1949 42,0 46,7 9,4 1953 25,3 43,0 14,2 1957 33,0 44,3 10,7 1961 30,4 43,7 22,1 1965 12,5 49,0 29,4 1969 20,0 36,3 34,6 Fonte: Meller,p.102 Assim, ainda segundo análise de Meller, a expansão dos partidos do centro e de esquerda estão relacionadas com a forma de desenvolvimento e com o papel protagonista 35 que o Estado foi adquirindo, principalmente quando nota-se que o setor público vinculado ao Estado constitui base importante de apoio para o centro, enquanto os trabalhadores mineiros se tornam base de apoio da esquerda, e os latifundiários para a direita. A concentração econômica e de propriedade no Chile continuava atingindo índices altíssimo. Em 1965, 2% das propriedades englobavam 55,4% da superfície. No setor mineiro, o controle estava sob direção de três companhias estrangeiras que dominavam a produção do cobre. Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlavam 51% do valor agregado, 44% da ocupação e 58% do capital de todo o setor. Das 271 sociedades anônimas os dez maiores acionistas controlavam pelo menos 50% da propriedade e em 230 delas. No setor de comercialização atacadista12 firmas distribuidoras controlavam 44% das vendas em 196715. Como resultado das características econômicas chilenas, estava a concentração da renda: em 1970, 25% da população encontrava-se em condições de extrema pobreza, sendo que dois terços viviam em área urbana. Segundo Bitar, os 10% mais pobres da população recebedora de renda receberam em 1967 1,5% da renda total, enquanto que os 10% mais ricos obtiveram 40,2%.16 Assim, conclui Bitar, a distribuição desigual da renda reforçava o círculo automantido: concentração econômica, concentração da propriedade e concentração de renda. Ele destaca ainda que inclusive a industrialização chilena foi moldada pelo padrão de industrialização dos Estados Unidos, com a expansão acelerada das grandes corporações transnacionais do setor industrial. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais possibilitou a imposição de formas de produção e de consumo, o que significava que o setor industrial não era um componente com dinâmica própria, mas um apêndice do sistema internacional. Esta característica resultou na elaboração e produção de produtos de consumo duráveis destinados aos grupos de maiores renda, inserindo assim, apenas uma parte pequena da população ao consumo médio de países desenvolvidos. Passando rapidamente por dois governos anteriores ao de Allende, podemos destacar a vitória de Jorge Alessandri (1958-1964) com apoio da direita, e com um programa que dava prioridade ao controle da inflação e para o crescimento econômico 15 BITAR, S.Transição, Socialismo e Democracia. Chile com Allende.São Paulo: Paz e Terra,1989, p.34 16 Ibid.,p.35. 36 como forma de erradicar a pobreza. O governo de Eduardo Frei (1964-1970), democrata cristão, foi eleito com um programa que propunha reformas estruturais básicas, como a reforma agrária e a participação chilena na propriedade da GMC. A proposta era crescer para redistribuir. Foi em seu governo que houve a compra de 51% das minas de El Teniente e Chuquicamata, iniciando o processo que foi chamado pelo governo de “chilenização” da GMC. Esse fato gerou muitos protestos por parte da esquerda, já que entendiam que o Chile não deveria comprar as minas, mas sim tomar posse das riquezas do país, já que durante muitos anos tais empresas tiveram lucros muito altos, o que já compensaria a destituição dos territórios no momento. Frei também inicia o processo de reforma agrária, prometendo a industrialização da produção no campo e promove a sindicalização dos camponeses. Nesta perspectiva de aprofundamento das contradições entre as classes sociais, da organização dos trabalhadores, fortalecimento dos partidos de esquerda e da expansão das atividades econômicas do estado, com o aumento da intervenção estatal, mas ao mesmo tempo com uma dependência alarmanteem relação aos norte-americanos, houve a tentativa de se formar a Unidade Popular em 1970, precedida por três alianças políticas importantes: a Frente Popular em 1938, com a coalizão entre os Partidos Radical, Comunista e Socialista, atingindo a vitória eleitoral, mas fracassando em seu projeto; a Frente do Povo, em 1952, que agrupou o PC parte do PS e o Partido Democrático, que lançaram pela primeira vez a candidatura de Allende; e a Frente de Ação Popular (FRAP), criada em 1956 no qual faziam parte os partidos socialista e comunista, lançando Allende também em 1958 e 1964. Diferenças à parte de cada uma dessas coalizões, o importante é observar como o desenvolvimento econômico, político e social foi gerando características e dinâmicas importantes que iriam, aos poucos, desenvolvendo a possibilidade de se pensar um outro projeto, que pudesse romper com as características desenvolvidas historicamente, algo alternativo ao que as elites apresentavam ao Chile. A avaliação principal que os partidos que se aglomeraram em torno da UP faziam era de que a concentração econômica, da propriedade e a penetração estrangeira, deixavam o poder em mãos de poucos, principalmente dos centros estratégicos de decisão. A relação entre poder econômico e poder político dava origem a um núcleo que reproduzia a situação atual do país. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais deram a elas o poder para impor formas de produção e de consumo. Era preciso romper com essa 37 lógica e, para isso, segundo o PC, somente um novo sistema econômico e político: o socialismo. 38 1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e práticas Neste capítulo, pretendemos abordar a questão do ideário político do Partido Comunista Chileno, especificamente como foi formulado e pensado o projeto da via chilena ao socialismo, e de que maneira se tornou um projeto da Unidade Popular, levada com muita convicção pelo Partido Comunista e também por Salvador Allende durante seu governo em 1970. O local e as forças sociais que participam desse partido desde a sua criação vão estabelecer ou pelo menos delinear seu ideário político, tornando-se, por isso muito importante analisar as condições, desde o surgimento do Partido dos Operários, que posteriormente, se transformaria no Partido Comunista. É a partir daí, efetivamente, que os ideais desse partido vão começar a se traduzir em ação concreta e com um objetivo maior do que apenas melhorar as condições de vida dos trabalhadores. O Chile, pelo menos de 1891 aos anos seguintes da Primeira Guerra Mundial, é marcado por uma economia oligárquica e mono exportadora, sustentada principalmente pela exportação do salitre. Sua estrutura social era extremamente polarizada e hegemonizada por uma forte oligarquia e excludente dos setores médios e baixos. O Chile era “civilizado para consumir e primitivo para produzir”.17 Este modelo econômico no qual o Chile estava inserido, entrou em crise na Primeira Guerra Mundial, o que proporcionou um contexto de mudanças na realidade política e econômica. Na política, houve a emergência de novos sujeitos sociais como a classe média e trabalhadora, o fim do regime parlamentar e das formas tradicionais das oligarquias. Na economia, principalmente depois da crise de 29, o Chile passou a desenvolver-se “para dentro”, empenhado em um projeto de industrialização, de substituição de importação e da implementação de um capitalismo regulado que previa a intervenção do Estado. No social, a classe alta foi se modernizando, os setores médios e os trabalhadores passaram a se organizarem melhor, o que fortaleceu sua capacidade de negociação dentro do sistema. No plano internacional, se configurava sua dependência em relação aos Estados Unidos. 17 PINTO, A. Et al. Chile Hoy. México: Siglo XXI,1970,p.17 39 A população rural chilena passa a migrar para as cidades e o fenômeno de urbanização e industrialização se acentua. Muitos homens e mulheres abandonam o campo e se desligam do regime agrário em busca de melhores expectativas e salários. As grandes cidades e centros urbanos aumentam a sua população. Com isso, o proletariado também cresce, como resultado da intensificação do comércio, do estabelecimento de novas indústrias e do desenvolvimento existente. Esse aumento da classe trabalhadora significa a diminuição dos camponeses e o crescimento da classe média18. Nesta época, no início do século XX, como no Chile não existia uma legislação nacional sobre o trabalho, os empregados se sujeitavam aos abusos e à exploração da sua força de trabalho. Foi, então, que eles sentiram a necessidade de se organizarem para expressar suas opiniões, para lutarem contra as péssimas condições de trabalho, contra os baixos salários, em defesa da criação de uma legislação que favorecesse o trabalhador dentre outras reivindicações. Essas organizações de trabalhadores e os novos partidos políticos tornaram-se referência desta época, como por exemplo, a “Federação Operária de Chile”, FOCH, fundada em 1919 e que, em 1922, registrava cem mil filiados. Nesse período, pode-se apontar como características da estrutura social chilena: o deslocamento demográfico da população para as províncias centrais; aumento da imigração, sobretudo, latino-americano; a polarização das classes sociais; a debilidade do poder executivo; a penetração do capital inglês e norte-americano na exploração mineira; a decadência da produção agropecuária e déficit alimentício; a organização do movimento de trabalhadores, etc. A nova dinâmica na economia chilena causou reflexos profundos em todos os aspectos da sociedade, inclusive o ideológico. Com isso, os trabalhadores passaram cada vez mais a se organizarem em sindicatos e partidos para lutarem por melhorias nas condições de trabalho e de vida. Foi um período de intensas greves, rebeliões e como resposta, o uso da violência por parte dos patrões e dos governos ligados às oligarquias. Não havia leis que dessem garantias aos trabalhadores. Em 1907 existiam relatos de episódios de violência, profundamente brutais, em decorrência de manifestações dos trabalhadores ligados à produção do salitre: 18 CASTELLS, M. La lucha de clases em Chile.Argentina: Siglo XXI,1974, p.10 et seq. 40 Uma manhã, de imediato, 20.000 grevistas das oficinas de salitre do árido pampa desceram pelas dunas amareladas até Iquique e tomaram a cidade. Não havia tropas disponíveis para fazer frente à situação. Os cidadãos estavam condenados a serem assassinados e se ia incendiar a cidade de forma simultânea, em vários lugares diferentes. Neste momento foram enviados mais tropas por um barco Iquique, mandadas por um oficial de grande decisão. Os militares anunciaram que abririam fogo as 4 horas se não se dispersassem. Deram mais cinco minutos para retirarem-se e logo começou o zumbido da metralhadora. Em poucos momentos se amontoaram mortos e feridos. Houve 200 mortos e 300 feridos e o resto escapou através das dunas.19 É neste contexto de lutas sociais e mudanças nas características econômicas do Chile que, no mês de junho de 1912, em um lugar conhecido como “El Despertar de los Trabajadores” (que era o local onde funcionava um periódico homônimo) reúnem-se mais ou menos trinta pessoas encabeçadas pelo líder Luis Emilio Recabarren Serrano20, para fundar um partido político da classe trabalhadora, denominado Partido Operário Socialista.21. Neste mesmo ano, é publicado o primeiro programa e estatuto desse Partido22 que explicitava seu objetivo: O Partido Operário Socialista expõe que o fim de suas aspirações é a emancipação total da humanidade, abolindoas diferenças de classes e convertendo a todos em 19 GODOY, H. Estructura social de Chile.Santiago de Chile:Universitária,1971,p.260. 20 Luis Emilio Recabarren Serrano era tipógrafo e em 1894 ingressa no Partido Democrata, única organização política popular na época. Em 1906 é eleito deputado por Antofagasta, é perseguido politicamente por ser dirigente do sindicato Macomunal de Tocopilla e por escrever no periódico “La Democracia”. Vai para Argentina e tem contato com o Partido Socialista da Argentina e com o movimento sindical. 21 Segundo o autor Ivan Ljubetic Vargas, o Chile no seu processo de Independência, em 1810-1818, rompeu com a dependência do sistema colonial espanhol. A partir daí, houve uma intensa organização e mudança no sistema econômico e social. Aumenta-se a produção para melhorar a exportação com a Europa e os trabalhadores, agora livres vão se constituindo enquanto uma nova classe social. Em 1850, são mais ou menos trinta mil trabalhadores no Chile. Em 1900, o Chile tinha uma população por volta de 3 milhões de habitantes dos quais duzentos e cinqüenta mil eram trabalhadores. Segundo o autor, essas condições fazem com que, já em 1900, crie-se a primeira organização sindical: A Mancomunal de Operários do Chile. 22 VARGAS, I. Breve História Del Partido Comunista de Chile,p.12 41 uma só classe de trabalhadores, donos do fruto do seu trabalho, livres, iguais, honrados e inteligentes, e a implantação de um regime em que a produção seja um fator comum e comum também ao prazer de seus produtos.23 Assim, a dura exploração do proletariado mineiro, que segundo Castells24, estavam geograficamente e socialmente concentrados e foram influenciados por correntes ideológicas revolucionárias, tiveram papel decisivo para a formação do POS e posteriormente do PC. Esse proletariado, em seus diversos setores (minas de ferro, carbono, prata etc) em algumas regiões do país desenvolveu uma classe trabalhadora diferenciada e combativa. Esse movimento se estabeleceu desde o primeiro momento dentro de uma acirrada luta de classe e com uma forte luta ideológica entre as diversas tendências comunistas, socialistas, anarquistas trotskistas, etc. Esses trabalhadores fizeram numerosas greves e foram objeto de muitas repressões por parte do estado, sob o controle da oligarquia até 1920. Em março de 1919, é fundada a III Internacional Comunista25 (IC). Em janeiro de 1922 o POS aceita as condições para participar da IC e modifica seu nome para Partido Comunista de Chile26, já que desde a revolução soviética já se mostrava simpatizante 23 VARGAS.,op.cit.,p12. 24 CASTELS, M., op.cit,p.129. 25 A III Internacional Comunista foi criada por iniciativa de Lênin, inspirada na práxis de Marx e Engels e na necessidade de assegurar e ampliar a Revolução Russa. Ela continuou a projeto da Liga dos Comunistas, em especial, e da I Internacional que era chamada de Associação Internacional de trabalhadores durante o período de 1864 a 1872 e foi encabeçada principalmente por Marx. A II Internacional que funcionou durante 1889 a 1914 mas, com a participação de Engels até 1895 o de sua morte, tentou continuar o trabalho de dar coesão aos proletários e ampliar a propaganda do marxismo. Sua ruína esteve ligada aos esforços de guerra dos diversos países no sentido de colaborarem com a burguesia para recuperação do capitalismo e pela degeneração da maioria dos partidos participantes. A III Internacional Comunista criada em 1919 a 1943, tinha como objetivo principal intensificar a expressão da crescente internacionalização da luta de classe do proletariado nas condições da crise do capitalismo e da divisão do mundo em dois sistemas – o socialista e o capitalista e no seu enfrentamento. Como nosso objetivo não é entrar na discussão das Internacionais Comunistas, mas apenas apresentar algumas discussões que tiveram influência nos debates do Partido Comunista Chileno. 26 Apesar do Partido Comunista ter sido fundado em 1922 para todo movimento comunista internacional, porque é nesta data que ele entra na III IC e modifica o seu nome para Partido Comunista, na Conferência Nacional de junho de 1990 em Santiago, tomou-se a decisão de mudar a data de fundação do PC para a data de criação do POS em 4 de junho de 1912. A justificativa é de que mesmo mudando o nome, os militantes, os dirigentes, programa, estatuto e estrutura continuavam sendo a mesma. Por isso aqui neste trabalho, vamos nos referir aos congressos do PC pelas datas em que eles aconteceram e não pelos números porque ainda há diferença quanto a compreensão dos números dos Congressos, alguns autores tratam a fundação em 1922 e outros em 1912. 42 daquele país. A entrada do PC Chileno na internacional comunista provoca uma série de mudanças na sua forma de organização, assumindo uma estrutura centralizada e hierarquizada e também na sua condução política, que passa a ser orientada de acordo com as discussões internacionais. Como coloca Aldo Agosti27, cada partido era produto único de um encontro dos dois contextos: o movimento comunista internacional e o sistema político nacional. O problema é que isso pouco aconteceu até a Revolução Chinesa, e o que se via até então, era uma prática contínua que reduzia o que havia de nacional em cada tática e em cada Partido Comunista em algo universal. Em 1928, a Internacional Comunista deu uma guinada em suas orientações, aprovando o que ficou conhecido como 3º período ou da tática da classe contra classe. Nesta fase, negou-se a Frente Única colocando as alianças políticas dos comunistas com camponeses e trabalhadores como ponto central. Para o historiador Ivan Vargas28, essa linha era adequada para a Rússia ou para a Alemanha, mas muito contraditória para a realidade histórica do Chile, pois havia sido adotada uma linha ultra-esquerdista, que para ele significava, colocar como objetivo imediato a Revolução Socialista. Apesar desse questionamento, o texto sobre as perspectivas e tarefas, aprovado no VI Congresso da Internacional Comunista, deixava claro que o desenvolvimento da revolução proletária não podia se dar dentro de uma orientação dogmática, nem na obrigação de levar a revolução adiante, de forma rígida: O desenvolvimento da Internacional Comunista na revolução proletária não implica na determinação dogmática de uma data determinada no calendário da revolução, nem a obrigação de levar a cabo mecanicamente a revolução em uma data fixa. A revolução era e segue sendo uma luta de forças vivas sobre bases históricas dadas. A destruição do equilíbrio capitalista devido à guerra em escala mundial criou condições favoráveis para as forças fundamentais da revolução para o proletariado. Todos os esforços da Internacional Comunista estavam e seguem estando dirigidos até o aproveitamento total desta situação29. 27 AGOSTI, Aldo. O mundo da III Internacional Comunista: os estados maiores. In: História do Marxismo - vol.6.São Paulo:Paz e Terra,s/d, pg.114. 28 VARGAS,I. op.cit,p.16 29 A Internacional Comunista – vol.II,p.103. 43 Entretanto, se de um lado a revolução proletária não podia se dar dentro do “dogmatismo”, constantemente eram “sugeridas” as linhas a serem adotado pelos PCs. Segundo José de Aricó30, até pelo menos 1926, (a maioria dos partidos que ganham o nome de comunista é formada próximo ao ano de 1922), a América Latina teve papel secundária na estratégia do Comitern, principalmente porque se conhecia pouco a nossa realidade. E isso levava a orientações pouco reais para esses países. Segundo ele, foi a partir de 1929, com a I Conferência dos Partidos Comunistas latino-americanos, que houve reais condições para um maior desenvolvimento das organizações comunistas, e também em uma orientação mais
Compartilhar